Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1467/11.7TBEPS-B.G1
Relator: HELENO MELO
Descritores: ALIMENTOS DEVIDOS A MENORES
FUNDO DE GARANTIA DE ALIMENTOS A MENORES
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/06/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: I. O montante da prestação de alimentos incumprida pelo primitivo devedor, funciona apenas como um dos fatores de ponderação na fixação do montante a pagar pelo FGADM.
II. Sendo que, a lei permite que o juiz, atendendo às concretas circunstâncias económicas do menor e do agregado em que está inserido e às necessidades do primeiro, fixe o montante a suportar pelo Fundo em valor igual, inferior ou superior ao valor que o progenitor estava obrigado a pagar.
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes da 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães:

I - Relatório
O Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social veio interpor recurso do despacho que fixou a prestação de alimentos da menor B…, a suportar pelo Estado, através do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores em duzentos euros (€200,00), a actualizar anualmente de acordo com o índice de inflação publicado pelo Instituto Nacional de Estatística, com início em Janeiro de 2014.
Apresentou as seguintes conclusões:
· O Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social (IGFSS) foi condenado a pagar uma prestação mensal no valor de €200,00 (duzentos euros), em substituição do progenitor, ora devedor.
· Ao progenitor foi fixada uma prestação no valor de €150,00 (cento e cinquenta euros) que – determinado que foi o incumprimento e a impossibilidade de cobrança coerciva – irá ser suportada pelo FGADM em regime de sub-rogação nessa mesma medida.
· A obrigação de prestação de alimentos pelo FGADM é autónoma da prestação alimentícia decorrente do poder paternal e não decorre automaticamente da lei, sendo necessária uma decisão judicial que a imponha, ou seja, até essa decisão não existe qualquer obrigação.
· A sub-rogação não pode exceder a medida da sub-rogação total, porquanto, se o terceiro paga mais do que ao devedor competia pagar, ele não tem o direito de exigir do devedor o reembolso pelo excesso, e só poderá exigir do credor a restituição do que este recebeu indevidamente.
· Aceitar que a prestação fosse superior seria instituir-se, sem apoio normativo, uma prestação social em parte não reembolsável e, ainda para mais, sem que o credor a tenha de restituir como “indevida”.
· Não tem qualquer suporte legal fixar-se uma prestação alimentícia a cargo do FGADM superior à fixada aos progenitores, ora devedores.
· Ao manter-se a decisão, a obrigação e responsabilidade de prestar alimentos deixará de ser imputável aos progenitores obrigados, passando a ser única e exclusivamente da responsabilidade do FGADM.
Termos em que deve ser julgado procedente o presente recurso e, consequentemente, revogada a douta decisão recorrida, devendo ser substituída por outra que não condene o FGADM no pagamento de €200,00 (duzentos euros).
O Ministério Público contra-alegou, tendo oferecido as seguintes conclusões:

1. O Fundo de Garantia foi condenado a pagar uma prestação mensal no valor de 200,00 € (duzentos euros) à menor B…, em substituição do devedor originário, sendo que ao progenitor fora judicialmente fixada uma prestação mensal no valor de 150,00 € (cento e cinquenta euros).

2. A pensão a pagar pelo Fundo de Garantia reveste natureza eminentemente social ou assistencial e a determinação judicial do seu montante deverá atender à capacidade económica do agregado familiar, ao montante da prestação de alimentos fixada e às necessidades específicas do menor.

3. A pensão a cargo do devedor originário integra o núcleo de deveres das responsabilidades parentais e a sua fixação deverá nortear-se pelos meios do alimentante, pelas necessidades do alimentando e pela possibilidade deste em prover à sua própria subsistência.

4. Por conseguinte, a natureza de cada uma das prestações e os critérios da sua determinação afiguram-se díspares, assumindo-se como autónomas entre si.

5. A obrigação de alimentos a cargo do Fundo de Garantia, além de subsidiária da do primitivo obrigado, é dela independente ou autónoma, porquanto o Estado não se vincula a suportar os precisos alimentos incumpridos mas a acudir aos alimentos fixados "ex novo".

6. Perante a possibilidade de sub-rogação parcial e atenta a natureza assistencialista da intervenção do Fundo de Garantia, o Estado poderá apenas ver garantido o pagamento da quantia equivalente ao valor da prestação originária a cargo do progenitor.

7. Em face do exposto, a prestação de 150,00 € primitivamente fixada é manifestamente insuficiente, atendendo às necessidades da menor e aos rendimentos auferidos pela progenitora e respectivo agregado familiar.

8. Pelo que, bem andou o tribunal a quo ao fixar em 200,00 € a prestação mensal a cargo do Fundo de Garantia.

9. Não foram, assim, violados quaisquer preceitos legais, devendo a decisão recorrida ser mantida.

II – Objecto do recurso
Considerando que:

. o objecto do recurso está delimitado pelas conclusões contidas nas alegações dos recorrentes, estando vedado a este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso;

. os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu acto, em princípio delimitado pelo conteúdo do acto recorrido,

a questão a decidir é apenas se o montante de alimentos a pagar pelo Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menor, uma vez suscitada a sua intervenção nos termos nos termos da Lei 75/98, de 19/11, por incumprimento das responsabilidades parentais, poderá ou não exceder o valor fixado, por decisão judicial, como obrigação alimentar a cargo do progenitor.

III – Fundamentação
Na 1ª instância foram considerados provados os seguintes factos:
a) B… nasceu em 17 de Julho de 2007, e é filha de M… e de N…;
b) Por decisão de 3 de Fevereiro de 2012, proferida nos autos de regulação das responsabilidades parentais que correram termos em apenso sob o n.º 1467/11.7TBEPS, foi
nomeadamente decidido, por homologação de acordo dos pais no mesmo sentido, que a menor ficaria confiada aos cuidados da mãe e que o pai contribuiria com €150,00 por mês, a título de alimentos a favor da menor;
c) Não são conhecidos bens ou rendimentos penhoráveis ao pai da menor;
d) A menor vive em Apúlia, Esposende, com a mãe, a avó materna, e um irmão menor;
e) O agregado aufere €457,30 mensais a título de pensão de reforma da avó materna, €108,00 a título de pensão de alimentos a favor do irmão da menor, a que acrescem €180,00 a título de abono de família;
f) O agregado suporta consumos domésticos, e despesas de educação com os menores;
g) O pai do menor não tem pago a pensão fixada.

Como se referiu, a única questão é saber se o montante de alimentos a pagar pelo Fundo de Garantia de Alimentos, uma vez suscitada a sua intervenção nos termos da Lei 75/98, de 19.11, por incumprimento das responsabilidades parentais, pode ou não exceder a quantia fixada na decisão judicial que homologou o acordo, como obrigação do progenitor.
No entender do apelante, a uma tal questão deverá ser dada resposta negativa, porque a letra da lei aponta no sentido de que o FGAMD apenas garante o pagamento dos alimentos judicialmente fixados.
O Ministério Público, por seu lado, defende a manutenção da decisão recorrida, aduzindo que a obrigação a cargo do Fundo é uma obrigação própria, independente e autónoma, no sentido de que o Estado não se vincula a suportar os precisos alimentos incumpridos, mas a suportar os alimentos fixados “ex novo”, a qual deverá ser fixada atendendo às condições económicas do menor e do seu agregado familiar.
Conforme bem salienta o Ministério Público nas suas alegações, existe divergência jurisprudencial sobre a questão(1). O montante da prestação a cargo do Fundo deve ser fixado em função da “capacidade económica do agregado familiar, do montante da prestação de alimentos fixada e das necessidades específicas do menor - cfr nº 2, do artigo 2º, da Lei nº 75/98 e nº 3, do artigo 3º do Decreto-Lei nº 164/99. E dispõe o nº 1 do artigo 4º, do Decreto-Lei nº 164/99, e nº 2, do artigo 3º, da Lei nº 75/78, que “a decisão de fixação das prestações a pagar pelo Fundo” deve ser “precedida da realização das diligências de prova que o tribunal considere indispensáveis e de inquérito sobre as necessidades do menor, oficiosamente ou a requerimento do Ministério Público”, devendo o valor da prestação ser fixado em razão das sua necessidades específicas, que devem ser avaliadas tendo naturalmente em conta o agregado familiar em que esteja integrado, designadamente, a capitação de rendimentos de que o mesmo disponha, conforme estatui o nº 2 do artigo 3º do Decreto-Lei nº 164/99.
Acresce que nos termos do nº 1 do artigo 2º, da Lei 75/98, de 19.11, “as prestações atribuídas nos termos da presente lei são fixadas pelo tribunal e não podem exceder, mensalmente, por cada devedor, o montante de 1 IAS, independentemente do número de filhos menores” – que é de €419.22 -, não tendo o legislador estabelecido como limite o valor da quantia judicialmente fixada como obrigação do progenitor, contrariamente ao defendido pelo apelante. Esse valor é apenas uma das referências a atender, a par da capacidade económica do agregado familiar e das necessidades específicas do menor – artigo 2, nº 2º, da Lei 75/98, de 19/11.
O que se pretendeu foi uma adequação da prestação à situação concreta do menor, o que resulta da possibilidade de realizar um conjunto de diligências probatórias com vista ao apuramento da situação actual do menor, podendo conduzir à fixação de uma prestação a cargo do Fundo de valor superior, como no presente caso, mas também igual ou inferior ao montante da prestação a cargo do progenitor(2).
Se assim não se entendesse, ter-se-ia então de admitir que a realização das diligências probatórias teriam apenas por fim avaliar se a prestação alimentar fixada deveria ser mantida ou descida no seu montante, mas nunca aumentada, e isso mesmo no caso em que a situação do menor se tivesse de algum modo deteriorado, sendo insuficiente o valor fixado inicialmente para fazer face às suas necessidades, tendo em vista o escopo primordial de salvaguarda e promoção do seu integral e harmonioso desenvolvimento e que teria justificado, um pedido de alteração do montante de alimentos fixado. Este entendimento encontra também suporte no preâmbulo do DL 164/99, de 13.05, onde se refere que constitui dever do Estado “assegurar a garantia da dignidade da criança como pessoa em formação a quem deve ser concedida a necessária protecção” e no artº 69º da CRP onde se consagra que “as crianças têm direito à protecção da sociedade e do Estado, com vista ao seu desenvolvimento integral, especialmente contra todas as formas de abandono, de discriminação e de opressão e contra o exercício abusivo da autoridade na família e nas demais instituições.”
É certo que o Fundo, face ao disposto no artigo 6.º, nº3, da Lei n.º 75/98, de 19.11, ficará, contudo, apenas sub-rogado nos direitos do menor relativamente aos alimentos judicialmente fixados. No entanto, esta limitação não tem valor decisivo para o que está em questão.
Questão diferente é se, face aos elementos factuais, se justifica o aumento da prestação de €150,00 para €200,00. Só que esta questão não foi colocada pelo recorrente. Este não põe de algum modo em causa a adequação da quantia fixada às necessidades do menor, mas apenas se insurge contra tal fixação por ultrapassar o montante a que o progenitor se obrigou, pelo que não pode este Tribunal apreciar o montante fixado na referida perspectiva.

Sumário:
.O montante da prestação de alimentos incumprida pelo primitivo devedor, funciona apenas como um dos factores de ponderação na fixação do montante a pagar pelo FGADM.
.Sendo que, a lei permite que o juiz, atendendo às concretas circunstâncias económicas do menor e do agregado em que está inserido e às necessidades do primeiro, fixe o montante a suportar pelo Fundo em valor igual, inferior ou superior ao valor que o progenitor estava obrigado a pagar.

IV – Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal em julgar improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida.
Sem custas por delas estar isento o recorrente (Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, IP, na qualidade de gestor do FGADM - art.º 4º, nº 1, al. g), do Regulamento das Custas Processuais).
Notifique.
Guimarães, 6 de Fevereiro de 2014
Helena Melo
Heitor Gonçalves
Amílcar Andrade

(1) No sentido de que o montante a pagar pelo Fundo pode exceder o montante fixado ao devedor originário, Acs. do TRP de 18.06.2007, proc. nº 0733397, do TRL de 12.07.2007, proc.5455/2007-6, do TRE de 17.04.2008, proc. 3137/07-2, do TRC de 09.02.2010, proc. 415/05.8TBAD.C1 e do TRG de 17.12.2013, proc.2378/10.9TBVCT-B.G1, de 10.12.2013, proc. 290/08.0TBMNC-E.G1, de 5.12.2013, proc.758/09.1TBCBT.A.G1 e de 14.11.2013, proferido no proc.699/11.2TBCBT.A.G1, do qual fomos adjunta e cuja argumentação seguimos de perto. Em sentido contrário, Acs. do TRG de 12.01.2005, proc. nº 2211/04-1, do TRL de 13.12.2007, proc. nº 10407/2007-8 e do TRC de 06.03.2008, proc. nº 1608/2008-6, todos disponíveis em www.dgsi.pt, sítio onde poderão ser consultados todos os acórdãos que venham a ser citados, sem indicação de outra fonte.

(2) Cfr. Acórdão do STJ de 04.06.2009, proferido no proc. nº S91/03.2TQPDL.S1.