Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | JOÃO LEE FERREIRA | ||
Descritores: | ADIAMENTO AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO EFICÁCIA PROVA PERDA | ||
Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 10/07/2013 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | JULGADO IMPROCEDENTE | ||
Sumário: | I – A audiência e a sentença são fases distintas do julgamento em processo penal. II – A norma do art. 328 nº 6 do CPP, que fixa em 30 dias o limite máximo para o adiamento da audiência, sob pena de perda de eficácia da prova já produzida, reporta-se somente à fase da audiência (em sentido estrito) e não também à de elaboração e leitura da sentença. III – O despacho de juiz diferente do que efetuou o julgamento, que se limita a designar dia para nova audiência, sem ter sido publicada a sentença do julgamento já efetuado, não tem qualquer efeito preclusivo ou de força obrigatória no processo, não obstando à validade da sentença posteriormente publicada. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os juízes da secção penal do Tribunal da Relação de Guimarães, I – RELATÓRIO 1. Nestes autos de processo comum n.º 119/11.2GCVRM do Tribunal Judicial de Vieira de Minho após a realização da audiência de julgamento por tribunal singular, a Mmª juíza proferiu a sentença que conclui com o seguinte dispositivo (transcrição) : “Pelo exposto, decido: 1) Absolver o arguido António R..., pela prática, como autor material, de um crime de ofensa à integridade física, p. e p. pelo artigo 143º, nº 1, do Código Penal. 2) Absolver o arguido António R..., pela prática, como autor material, de um crime de ameaça, p. e p. pelo artigo 153º, do Código Penal.3) Sem custas.4) Condenar o arguido Manuel G...pela prática, como autor material, de um crime de ofensa à integridade física, p. e p. pelo artigo 143º, nº 1, do Código Penal, na pena de 160 (cento e sessenta) dias de multa, à taxa diária de € 6,00 (seis euros), o que perfaz o montante global de € 960,00 (novecentos e sessenta euros).(…)” II) Julgo parcialmente procedente o pedido de indemnização cível deduzido pelo demandante António R... contra o demandado Manuel G..., condenando-o:a) No pagamento ao demandante da quantia de € 850,00 (oitocentos e cinquenta euros), a título de danos não patrimoniais sofridos, acrescida de juros de mora, à taxa legal, a contar da presente sentença. b) No pagamento ao demandante da quantia de € 9,60 (nove euros e sessenta cêntimos), a título de danos patrimoniais sofridos, acrescida de juros de mora, à taxa legal, a contar da notificação do pedido atéintegral pagamento.(…)” 2. Inconformado, o arguido Manuel G...interpôs recurso pedindo a revogação da sentença condenatória, quer na parte crime, quer na acção civil enxertada. O Ministério Público, representado pela magistrada no Tribunal Judicial de Vieira do Minho, apresentou resposta concluindo que a sentença deve ser mantida. O ofendido e demandante civil António R... formulou igualmente resposta afirmando que deve negar-se provimento ao recurso. O recurso foi admitido, por despacho judicial 04-06-2013, com o efeito devido. 3. Neste Tribunal da Relação de Guimarães, onde o processo deu entrada a 14-06-2013, o Exm.º. Procurador-Geral Adjunto emitiu fundamentado parecer, onde suscita a ocorrência de uma questão prévia que deve conduzir a repetição da produção de prova em audiência de julgamento. Seguidamente, o arguido apresentou resposta ao parecer do Ministério Público, reiterando o alegado na motivação do recurso. Recolhidos os vistos do juiz presidente da secção e do juiz adjunto e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir. II – FUNDAMENTAÇÃO 4. Questão prévia Da admissibilidade do recurso em matéria cível Vem o arguido-demandado recorrer, além do mais, da condenação no pagamento ao demandante de uma indemnização no valor global de oitocentos e cinquenta e nove euros e sessenta cêntimos Prescreve o artigo 400.º n.º 2 do Código de Processo Penal que o recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil só é admissível desde que o valor do pedido seja superior à alçada do tribunal recorrido e a decisão impugnada seja desfavorável para o recorrente em valor superior a metade desta alçada e estabelece o artigo 24.º da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais (Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro) que em matéria cível a alçada dos tribunais de 1ª instância é de € 5000 (cinco mil euros). A quantia peticionada inicialmente (1500 €) já se continha claramente na alçada do tribunal recorrido e o valor que veio a ser fixado na sentença é manifestamente inferior a metade da alçada do tribunal de primeira instância, pelo que a decisão neste âmbito é irrecorrível. O recurso não deveria ter sido admitido nesta parte e agora não pode prosseguir. Sendo inquestionável que anterior decisão neste âmbito não constitui caso julgado formal, nem vincula o tribunal superior (artigo 414.º n.ºs 2 e 3 do Código de Processo Penal), impõe-se a rejeição liminar do recurso na parte que se restringe à acção civil enxertada. 5. Questões a decidir Como tem sido entendimento unânime, o objecto do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, onde deve sintetizar as razões da discordância do decidido e resumir as razões do pedido - artigos 402º, 403.º e 412.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, naturalmente que sem prejuízo das matérias de conhecimento oficioso (cfr. Silva, Germano Marques da, Curso de Processo Penal, Vol. III, 1994, p. 320; Albuquerque, Pinto de, Comentário do Código de Processo Penal, 3ª ed. 2009, pag 1027 e 1122, Santos, Simas, Recursos em Processo Penal, 7.ª ed., 2008, p. 103; entre outros os Acs. do S.T.J., de 25.6.1998, in B.M.J. 478, p. 242; de 3.2.1999, in B.M.J. 484, p. 271; de 28.04.1999, CJ/STJ, Ano VII, Tomo II, p. 196). As questões a apreciar, por terem sido suscitadas pelo recorrente e pelo Ministério Público no seu parecer são as seguintes : a) Ineficácia da prova produzida; b) Insuficiência da matéria de facto para a decisão, erro notório na apreciação da prova; c) Impugnação da decisão em matéria de facto; d) Medida da pena. 6. Da ineficácia da prova produzida O Exm.º Procurador-geral Adjunto considerou que deve ser declarada a ineficácia da prova produzida e consequente invalidade da sentença recorrida, o que necessariamente implica a repetição de toda a prova em audiência, invocando, em síntese, que decorreu um período superior a trinta dias entre duas sessões da audiência, circunstância que foi mesmo reconhecida por despacho judicial transitado em julgado. Em resposta, o demandante e recorrido considera que não houve trânsito em julgado de despacho que designou data para o reinício da audiência de julgamento por se tratar de despacho que não admite recurso. O circunstancialismo processual com interesse para a decisão desta questão prévia é o seguinte: a) A audiência de julgamento, presidida pela Exmª juíza Natacha Castelo Branco Carneiro teve início em 28 de Março de 2012, com tomada de declarações dos arguidos e depoimentos de testemunhas (cfr. fls. 219 a 221) e prosseguiu em 23 de Abril de 2012, com inquirição de testemunha (cfr. fls. 222 e 223) e em 14 de Maio de 2012. b) Nesta sessão da audiência de 14 de Maio de 2012 houve inquirição de testemunhas, alegações e ultimas declarações dos arguidos, após o que a Exmª juíza proferiu despacho designado o dia 23 de Maio de 2012 para a leitura da sentença (cfr. fls. 224 a 227); c) No dia designado para a leitura da sentença, a Exmª juíza, considerou verificada uma alteração não substancial dos factos descritos na acusação. Procedeu a devida comunicação e, a requerimento, concedeu prazo para os arguidos se pronunciarem quanto a essa alteração dos factos. Em consequência, designou o dia 13 de Junho de 2012 para a leitura da sentença, (cfr. acta de fls. 229 e 230); d) Os arguidos pronunciaram-se sobre a alteração que lhes foi comunicada, sem que tenham de alguma forma requerido a produção de qualquer prova, designadamente por declarações dos arguidos, do assistente e das partes civis ou por testemunho (cfr. fls. 231 a 233); e) Em 12 de Junho de 2012, a leitura da sentença foi adiada, na sequência de comunicação da Exmª juíza que se encontrava doente e impossibilitada de comparecer (cfr. fls. 235); f) Em 26 de Junho de 2012, um outro Exmº juiz titular do processo proferiu o seguinte despacho (transcrição integral): “Para julgamento designo o próximo dia 18 de Outubro de 2012, às 9h00m, Para a eventualidade de não ser possível a realização na data indicada, de harmonia com o disposto no artigo 312.º n. 2 do C.P.P. designo, desde já, o dia 18 de Outubro de 2012, pelas 13h45m.” (cfr. fls. 236); g) No 18 de Outubro de 2012, um terceiro Exmº juiz titular do processo proferiu despacho dando sem efeito a designação de data para a realização de audiência de julgamento, considerando, em síntese, que anteriormente tinha decorrido toda a produção de prova perante a Exmª juíza Natacha Castelo Branco, nunca tinha sido excedido o limite temporal de trinta dias fixado no n.º 6 do artigo 328.º do Código do Processo Penal entre duas sessões da audiência e esse limite não é aplicável à fase da elaboração e leitura da sentença (cfr. 290 e 291). h) A Exmª juíza Natacha Castelo Branco procedeu elaboração da sentença que foi lida e depositada em 21 de Janeiro de 2013 (cfr. fls. 302 a 326). Apreciando e decidindo: A questão fundamental consiste em saber se a prova oralmente produzida na audiência de julgamento perdeu eficácia. Segundo tem sido sublinhado, os princípios da oralidade e da imediação - princípios fundamentais do processo penal – impõem que a apreciação conjunta da matéria de prova decorra numa audiência unitária e continuada. Assim é que a audiência deve decorrer sem qualquer interrupção ou adiamento até ao seu encerramento, com as interrupções estritamente necessárias; Se não puder ser concluída no dia em que se tiver iniciado a audiência é interrompida, para continuar no dia útil imediatamente posterior. Se a simples interrupção não for bastante, ainda é admissível o adiamento da audiência. Porém, a interrupção e o adiamento dependem sempre de despacho fundamentado do presidente. Certo é ainda que o adiamento não pode exceder trinta dias e se não for possível retomar a audiência neste prazo, perde eficácia a produção de prova já realizada (artigo 328.º, n.ºs 1 a 6 do Código do Processo Penal). Neste âmbito, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 11/2008, de 29.10.2008, proferido no processo 07P4822 uniformizou jurisprudência estabelecendo que a perda de eficácia abrange apenas a prova produzida com sujeição ao princípio da imediação e ocorre independentemente da existência de documentação a que alude o artigo 363.º do Código do Processo Penal. A fixação de uma dilação máxima de trinta dias visa seguramente impedir que a memória das provas produzidas oralmente na audiência se desvaneça na mente do julgador ou que fique afectada “imagem global dos meios de prova”, ou a “formulação de um juízo concatenado de toda a prova" pelo que apenas tem sentido para a produção de provas até ao encerramento da audiência de julgamento, mas já não na fase da deliberação e da prolação da sentença, caso em que a lei prevê prazo autónomo no artigo 373.º n.º 1 do CPP. Com efeito, na economia do Código do Processo Penal, a fase do julgamento (Livro VII) comporta dois actos distintos : a audiência propriamente dita (Título I e Título II), e a sentença (Título III). Ora, a norma do n.º 6 do art.º 328.º tem o seu âmbito de aplicação circunscrito à “sub-fase” inicial da audiência. Nesta ordem de ideias, se a leitura da sentença se realizar decorridos que sejam mais de 30 dias após o enceramento da audiência de discussão, existe desrespeito pelo prazo fixado na lei para o efeito, mas não perde eficácia a prova produzida. Como se escreveu no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 4 de Julho de 2012, relatora Eduarda Lobo (citado no despacho judicial de 18 de Outubro de 2012 e também transcrito parcialmente no douto parecer do Exmo. Procurador-geral adjunto), “os princípios da concentração e da continuidade da audiência, plasmados no art. 328º do Código de Processo Penal, bem como o limite temporal de 30 dias previsto no nº 6 do mesmo artigo para os adiamentos sem perda de eficácia da prova anteriormente realizada, se reporta apenas à audiência em sentido restrito, compreendendo os atos de produção de prova e discussão da causa (arts. 340º a 361º), e já não ao momento da decisão e à elaboração e leitura da sentença ou acórdão (arts. 365º a 378º) Este entendimento configura-se como dominante e tem sido persistentemente observado: vide, além da abundante jurisprudência indicada no referido acórdão de 4 de Julho de 2012, também o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 28 de Junho de 2011, Neto de Moura Proc- 737/07, acessível in www.colectanea.pt e o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 21 de Novembro de 2012 proc. 1163/06.7TAVRL.P2 Alves Duarte in www.dgsi.pt . No caso destes autos, realizou-se a audiência em três sessões, sem que entre elas mediasse um período superior a trinta dias, e, finda a produção de prova, efectuadas as alegações orais e dada a oportunidade aos arguidos para fazerem as últimas declarações, foi designada data para a leitura da sentença, após o que foi declarada encerrada a audiência, como determina o n.º 2 do art.º 361.º do Cód. Proc. Penal. Posteriormente, a Exmª juíza entendeu encontrarem-se indiciados factos que não constavam da acusação e deu cumprimento ao disposto no art.º 358.º do Cód. Proc. Penal. Porém, ouvidos para o efeito, nenhum dos sujeitos processuais requereu a reabertura da audiência, nem houve necessidade de produção de qualquer prova suplementar. Ou seja, a prova a apreciar e a valorar na elaboração da sentença manteve-se incólume como a que fora produzida e examinada até ao dia 14 de Maio de 2012. Assim, não se verificou nenhum lapso de tempo superior a trinta dias entre qualquer uma das sessões em que se desdobrou a produção de toda a prova constituenda, pelo que a prova assim produzida nunca perdeu eficácia. Por último, discordando-se do douto parecer do Ministério Público neste tribunal, ter-se-á de negar ao despacho judicial proferido em 26 de Junho de 2012 qualquer efeito preclusivo ou de força obrigatória no processo. Salvo melhor entendimento, o despacho judicial em causa, na sua singela expressão literal, só pode ter a natureza de um acto decisório de mero expediente, que não admite recurso e, por isso, insusceptível de adquirir força de caso julgado formal. Na realidade, não se pode alcançar qual o efectivo motivo dessa decisão e revela-se impossível tentar perscrutar um sentido “implícito”, sem a mínima tradução no teor do escrito. Sem necessidade de outros considerandos, improcede a questão prévia suscitada pelo Exmº Procurador-geral adjunto neste Tribunal. 7. Matéria de facto Para a fundamentação da presente decisão, torna-se imprescindível, antes de mais, transcrever parcialmente a sentença objecto de recurso. O tribunal recorrido julgou provada a seguinte matéria de facto (transcrição): “1) No dia 31 de Março de 2011, cerca das 18:30 horas, no lugar da Parada V..., freguesia de Pinheiro, concelho de Vieira do Minho, quando o arguido António R... se encontrava a queimar mato, os arguidos travaram-se de razões, devido a uma divergência quanto às estremas dos seus prédios. Quanto à matéria de facto não provada, consta na sentença recorrida: “Com interesse para a decisão da causa, não consideramos provados quaisquer outros factos, designadamente: Os factos descritos na acusação e nos pedidos de indemnização não elencados quer nos factos dados como provados, quer nos factos dados como não provados, foram considerados pelo tribunal irrelevantes, conclusivos, que encerravam conceitos de direito ou que se encontravam em contradição com os factos dados como provados.” Na motivação da decisão do tribunal recorrido sobre a matéria de facto, consta o seguinte: “O Tribunal proferiu a decisão quanto à matéria provada e não provada com base na prova produzida em audiência de julgamento analisada e conjugada criticamente à luz das regras da experiência. 8. Da insuficiência da matéria de facto e do erro notório Uma primeira forma de colocar em crise a decisão da matéria de facto em primeira instância consiste na alegação de um dos vícios do artigo 410º nº 2 do Código de Processo Penal, ou seja, a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão ou o erro notório na apreciação da prova. Neste caso, também de conhecimento oficioso, o objecto de apreciação encontra-se bem delimitado: trata-se de analisar apenas a decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras normais de experiência comum. Num segundo plano, este já de “verdadeiro recurso de impugnação da decisão em matéria de facto”, a análise não se restringe ao texto da decisão e envolve uma reapreciação autónoma do juízo valorativo e da decisão tomada pelo tribunal a quo, circunscrita aos factos individualizados que o recorrente considere incorrectamente julgados. Salvo melhor entendimento, o recorrente não distingue os planos ou perspectivas e invoca a verificação do vício decisório da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada “e/ou” do vício decisório de erro notório na apreciação da prova (v. g. nas conclusões 2ª, 22ª) mas aborda sempre a questão como se tratasse de erro de julgamento, decorrente de uma errada apreciação e valoração das declarações dos arguidos dos depoimentos das testemunhas. Porém, em nenhum lugar da motivação o arguido concretiza qualquer argumento ou raciocínio de onde se possa concluir, com base apenas na leitura do texto à luz de regras normais de vivencia comum, que a matéria de facto provada é insuficiente para uma decisão de direito justa e criteriosa Poder-se-á considerar adquirido que o vicio da alínea a) do artigo 410º nº 2 do Código de Processo Penal existe quando se conclua, a partir do próprio texto da sentença, isoladamente considerada ou em conjugação com regras de experiência comum, que a matéria de facto provada se revela insuficiente para a decisão correcta de direito. Entendendo-se necessário precisar que a decisão critério não é aquela decisão que se alcançou no processo, mas a decisão justa, a composição mais próxima da “ideal” e que, tendencialmente, declara a justiça no caso concreto.
Sem necessidade de outros considerandos, improcede o recurso do arguido no plano dos vícios decisórios do artigo 410.º n.º 2 do Código de Processo Penal. 9. Impugnação da decisão da matéria de facto (artigos 412.º, n.ºs 3 e 4, 428.º e 431.º do Código de Processo Penal): A questão a resolver restringe-se a saber se ocorreu erro no julgamento de facto ou seja, se houve valoração indevida de elementos de prova. Ao tribunal de recurso cabe ter em conta e examinar as provas concretas que na perspectiva do recorrente impunham uma decisão diferente. Note-se que impor decisão diferente quanto à matéria de facto provada e não provada, para os efeitos do artigo 412º nº 3 alínea b) do Código de Processo Penal, não pode deixar de ter um significado mais exigente do que admitir ou permitir uma decisão diversa da recorrida. Deste modo, se o tribunal de recurso se convencer que os concretos elementos de prova indicados pelo recorrente permitem ou consentem uma decisão diferente, mas que não a “tornam necessária” ou racionalmente “obrigatória”, então deve manter a decisão da primeira instância tal como está. Isto resulta da constatação que só a recepção directa da prova na audiência de julgamento permite conjugar as razões de ciência e captar factores essenciais para a fiabilidade de um depoimento, onde incluem as reacções, as reticências, o tom de voz, o olhares e as mímicas de uma testemunha. No caso destes autos, o recorrente questiona a decisão quanto a parte significativa da matéria de facto provada (todos os factos enunciados nos pontos 2, 4, 6, 7 e 8 da matéria de facto provada e 1, 2, 5, 6 e 9 dos factos não provados) e invoca discordância quanto à apreciação da prova feita pelo tribunal, no que diz respeito a segmentos das declarações dos arguidos, das testemunhas Gaspar G..., António Baía, Fernanda Graça, que indica e transcreve na motivação. Serão portanto estas as concretas provas que este tribunal de recurso deve analisar, juntamente com outras que entenda relevantes (artigos 412.º n.º 3, n.º 4 e n.º 6 do Código do Processo Penal). A motivação da decisão da matéria de facto da sentença, acima transcrita, enuncia de um modo suficientemente claro os meios probatórios que permitiram a formação da convicção do tribunal. Como se afirma na decisão recorrida, o tribunal foi confrontado com duas versões perfeitamente distintas dos acontecimentos relevantes, onde sobressaem as declarações de cada um dos arguidos, afirmando peremptoriamente ter sido vítima de agressão do outro e assumindo apenas comportamentos defensivos. No mais, os meios de prova disponíveis consistem nos relatórios de exame médico pericial e nos depoimentos das testemunhas Gaspar Fontes Gonçalves, António Manuel Pereira Baía e Fernanda Graça Cardoso que terão presenciado directamente alguns dos acontecimentos relevantes ou alguns factos logo subsequentes. Na livre apreciação da prova, como lhe compete, o tribunal teve em conta além do mais a parcialidade das declarações e dos depoimentos prestados na audiência de julgamento em consequência, quer do interesse directo na decisão, quer de relacionamentos afectivos de inimizade aceitando como seguro, para lá da dúvida razoável, apenas o relato dos arguidos e das testemunhas no segmento em que surgem confirmados pelas lesões examinadas e se encontram em conformidade com regras gerais da vivência comum. Compreende-se que assim seja: naturalmente que o interesse próprio na decisão e a intensa inimizade por conflitos anteriores constituem circunstâncias susceptíveis de afectar as declarações de arguido ou de toldar o discernimento de uma testemunha e que fazem recear pela credibilidade do depoimento. Ainda assim, o tribunal não se encontra adstrito a uma desvalorização absoluta de um meio de prova e o convencimento dependerá – como sempre acontece – da conjugação de elementos tão díspares como a espontaneidade das respostas, a coerência e pormenorização do discurso ou a emoção exteriorizada. No caso concreto, e tanto quanto se pode apreender através do registo da prova, revela-se inquestionável que os arguidos se travaram de razões, devido a uma divergência quanto às estremas dos seus prédios, e que na ocasião o arguido António R... António R... segurava uma forquilha. Também não se questiona que em data próxima desses acontecimentos, os arguidos apresentavam as lesões e sinais constantes dos relatórios de exame médico pericial constantes dos autos Haverá fundamentalmente que decidir se se deve manter o juízo probatório do tribunal de primeira instância quanto à questão de saber: a) se o arguido Manuel G... desferiu um murro na face do ofendido António R... e lhe arremessou uma pedra atingindo-o, e, b) se o arguido António R... desferiu pancadas com a forquilha no hemitórax esquerdo do ofendido Manuel G... perfurando-o em três locais. Segundo consta da sentença recorrida, a aquisição probatória do circunstancialismo referente ao conhecimento e responsabilidade do recorrente Manuel G... decorre da conjugação, à luz de regras normais de experiência comum, do teor das declarações do ofendido e co-arguido, com os documentos médico-legais. A matéria de facto referente ao arremesso da pedra encontra ainda confirmação no depoimento seguro e circunstanciado da testemunha Fernanda C..., no segmento em que ouviu o ofendido “cheio de sangue” a chamar por socorro e viu o arguido Manuel G... a sair do local. Na livre apreciação da prova, o tribunal considerou ainda que estes elementos não foram validamente infirmados por quaisquer outros, designadamente pelas declarações do co-arguido, que negou o cometimento desses factos. Como para nós resulta depois de ouvido todo o respectivo registo aúdio, as declarações, a este propósito, de António R... foram coerentes e os argumentos invocados no recurso não nos impõem uma solução diferente: Em primeiro lugar, não deve impressionar a circunstância de a pessoa visada deter na ocasião um instrumento como a forquilha, se tivermos em conta que tudo ocorreu numa situação de normal exaltação de ânimos pela desavença. Será verosímil que a detenção de um instrumento como uma forquilha não constitua suficiente dissuasão, quando existe uma diferença de compleição física entre os contendores em razão da idade. O que bem poderá ser o caso, já que António R... tinha ao tempo 64 anos de idade e o arguido recorrente a idade de 36 anos; Em segundo, segundo aquilo que poderemos retirar de muitas outras situações da vida real, o cabo da forquilha, ainda que pelo movimento passe “no ar”, junto ou perto da zona da cara, não impede que essa região do corpo seja atingida por um soco ou murro. Por último, e não menos importante, as lesões físicas examinadas no corpo de António R... (ferida contusa com três centímetros de comprimento e quatro pontos de sutura na região parietal esquerda; na face, escoriação com crosta com dois por um centímetro na pálpebra superior esquerda, escoriação tom meio centímetro no canto interno do olho esquerdo, escoriação de meio centímetro no dorso da pirâmide nasal) são consentâneas com a ocorrência de uma pancada com uma pedra na cabeça e com uma outra pancada com a mão fechada na zona do olho esquerdo da vítima. Em nosso entender, as regras normais de vivência comum não permitem considerar como razoável nem plausível que lesões dessa gravidade e extensão tenham sido causadas apenas por uma queda ao solo ou pelos movimentos de ambos quando pretendiam tomar posse da forquilha. Nenhum elemento existe assim que seja susceptível de impor uma situação de dúvida quanto à ocorrência dos factos e que aqui deva favorecer o arguido recorrente. Quanto ao circunstancialismo referente às pancadas com a forquilha (pontos 5, 6 e 9 do elenco da matéria de facto não provada): O tribunal recorrido julgou não provado que o arguido António R... tenha desferido pancadas com a forquilha no hemitórax esquerdo do ofendido Manuel G... perfurando-o em três locais e assim causado voluntariamente as lesões examinadas, fundamentalmente por não ter reconhecido credibilidade, segurança e imparcialidade suficientes nas declarações do aqui ofendido, admitindo como plausível a possibilidade de as lesões no corpo da vítima terem resultado de pancadas com os ”dentes” da forquilha ocorridas na ocasião em que ambos “puxavam” e disputavam a posse desse instrumento. Depois de ouvido todo o registo áudio das declarações de ambos, subscrevemos o entendimento do tribunal recorrido a propósito da apreciação dos meios de prova neste âmbito, divergindo-se apenas num plano: pela extensão e gravidade, as lesões e sinais físicos detectados e examinados no corpo de Manuel G... não são consentâneos com a narrativa dos acontecimentos exposta na audiência pelo aqui ofendido. Com efeito, Manuel G..., afirmou inicialmente que quando mostrava um marco, o arguido António R... o chuçou ou, seja, o espetou com a forquilha. Pelo termo utilizado só se pode querer significar que a extremidade da forquilha perfurou o corpo da vítima, o que necessariamente traduz violência no impacto. Mais à frente, pelos 24m00s até 24m32s, o mesmo ofendido afirmou inclusivamente que “ficou com a forquilha espetada no peito” e que ele “é que retirou a forquilha” do seu corpo” onde estava espetada. Este relato dos factos pressupõe necessariamente uma pancada de intensa violência que não poderia deixar de provocar um golpe profundo e extensas lesões. Deste modo, as declarações do arguido não se configuram como compatíveis com a descrição constante do relatório de exame pericial. Recorde-se que no documento médico não se refere o mínimo sinal ou vestígio de uma perfuração e se descreve que o ofendido apresentava no tórax uma cicatriz linear, não recente, de um centímetro no hemitórax esquerdo ao nível do 6º arco costal e linha axilar anterior; cicatriz linear, não recente, de um centímetro no hemitórax esquerdo ao nível do 6º arco costal e linha axilar média, cicatriz linear, não recente, de meio centímetro no hemitórax esquerdo ao nível do 6º arco costal e linha axilar posterior, o que lhe determinou 7 dias para consolidação médico-legal sem afectação da capacidade de trabalho geral e sem afectação da capacidade de trabalho profissional e as consequências permanentes constantes das cicatrizes supra descritas. Na ausência de qualquer outro elemento de prova, revela-se assim razoável e compreensível a opção do tribunal em negar credibilidade ao relato feito pelo ofendido, aceitando, na dúvida, que as lesões examinadas no tórax de Manuel G... tenham ocorrido quando ambos os arguidos se debatiam e procuravam segurar e ficar na posse da forquilha. O recorrente não apresenta qualquer argumento ao longo das motivações ou conclusões quanto à matéria constante dos pontos 1 e 2 dos factos não provados (que o arguido António R... tenha dito a Manuel G... “hei-de dar-te dois tiros”), pelo que a referência que ficou a constar nas conclusões 34.º e 44.º se terá ficado a dever a mero lapso de escrita. Em conclusão, depois de termos procedido à audição do registo áudio das declarações e depoimentos, nestes se incluindo os segmentos indicados na motivação do recurso, não encontramos no processo de formação da convicção do tribunal recorrido qualquer erro de racionalidade ou infracção de regras de experiencia comum. Ao mesmo tempo, se podemos aceitar que o material probatório analisado poderia eventualmente consentir ou permitir uma outra decisão, também é inequívoco que essas mesmas provas não nos impõem uma solução diferente da que foi alcançada na sentença recorrida, que assim se deve manter integralmente 10. Medida concreta da pena Na motivação e nas conclusões do seu recurso, o arguido invoca que a pena de multa aplicada é excessiva e não respeita a situação económica do recorrente. Os factores concretos de medida da pena, enunciados de forma exemplificativa no artigo 71º nº 2 do Código Penal, compreendem quer circunstâncias referentes à execução do facto, quer relativas à personalidade do agente e, por último, as circunstâncias que relevam da conduta do agente anterior e posterior ao facto. Os elementos a considerar no caso vertente são fundamentalmente os seguintes: - O juízo de censurabilidade da conduta reveste-se de moderada intensidade, sendo de valorar que o arguido actuou no âmbito de uma desavença, com dolo directo, com utilização da mão mas também de um objecto contundente (pedra) e visando uma região sensível do corpo da vítima ; - O desvalor do resultado assume mediana gravidade pela extensão das lesões causadas -O arguido não regista antecedentes criminais e encontra-se familiar, profissional e socialmente inserido, o que atenua as preocupações de prevenção especial; Sopesando em conjunto os elementos enunciados, forçoso se torna concluir que a pena de cento e sessenta dias de multa se revela adequada para corresponder às exigências de tutela dos bens jurídicos e às concretas necessidades de prevenção especial, assim como ainda consentidas pela culpa exteriorizada nos factos pelo arguido. Conforme o disposto no n.º 2 do artigo 47.º do Código Penal, a razão diária da multa será fixada entre o montante de € 5 e de € 500, de acordo com a situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais. A norma do Código Penal não indica os critérios para a determinação daquela situação económica relevante, nem sequer sugere algum princípio de orientação. Em qualquer caso e como tem sido salientado persistentemente pela jurisprudência, a condenação de natureza criminal tem necessariamente de constituir um sacrifício real ao arguido, de modo a criar-lhe um sentimento de segurança, utilidade, punibilidade e justiça, sob pena de esvaziamento das finalidades punitivas. Assim, considerando a amplitude dos rendimentos no nosso país, o mínimo legal de 5 € deverá corresponder a pessoas que vivem numa situação de indigência ou de total carência de rendimentos próprios e o máximo legal de 500 €, no pólo oposto, àquelas pessoas, em número diminuto, detentoras do que vulgarmente se define como rendimentos extremamente elevados, de “grandes fortunas”, ou considerados como os “mais ricos” da nossa sociedade. Nesta linha de raciocínio, uma razão diária de seis euros, ainda tão próxima do valor do limite mínimo, não se poderá considerar excessiva, apesar da difícil situação económica do arguido Em face de tudo o exposto, se conclui que a pena de multa aplicada nestes autos se encontra fixada em medida justa e equitativa, pelo que não merece qualquer censura a decisão recorrida. 11. Uma vez que o arguido decaiu no recurso que interpôs, deverá ser responsabilizado pelo pagamento da taxa de justiça e dos encargos a que a sua actividade deu lugar (artigos 513º e 514º do Código de Processo Penal, na redacção do Decreto-Lei nº 34/2008, de 26 de Fevereiro). De acordo com o disposto no artigo 8º nº 5 e tabela III do Regulamento das Custas Processuais, a taxa de justiça a fixar, a final, varia entre três e seis UC. Tendo em conta a complexidade do processo, julga-se adequado fixar essa taxa em quatro UC. III- DISPOSITIVO 12. Pelos fundamentos expostos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação de Guimarães em rejeitar liminarmente o recurso na parte que se restringe à acção civil enxertada e em julgar totalmente improcedente o recurso, mantendo na íntegra a decisão recorrida. Condena-se o arguido nas custas do recurso, com quatro UC de taxa de justiça. Guimarães, 7 de Outubro de 2013 |