Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
4649/11.8TBBRG.G1
Relator: ANA CRISTINA DUARTE
Descritores: PROPRIEDADE HORIZONTAL
TERRAÇOS
PARTE COMUM
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 04/09/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: 1 - Não há lugar à reapreciação da matéria de facto quando os factos concretos objeto da impugnação não forem suscetíveis de, face às circunstâncias próprias do caso em apreciação, terem relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma atividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequente, o que contraria os princípios da celeridade e da economia processual.
2 - Ainda que o terraço se destine ao uso exclusivo de um dos condóminos ele não deixa de ser forçosamente comum pela função capital (de cobertura ou protecção do imóvel) que no interesse colectivo exerce em relação a toda a construção.
3 - Assim considerado o terraço como parte comum do edifício, a sua afectação ao uso exclusivo de um condómino, não retira ao condomínio o direito e a obrigação de proceder à sua conservação e manutenção.
4 – Ao condómino que usa o terraço de forma exclusiva, cabe apenas a obrigação de o manter/conservar limpo, dele fazendo um uso normal e obstando a que os ralos e caleiras se entupam, de forma a provocar inundações e consequentes infiltrações.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães
I. RELATÓRIO
R… e A… deduziram ação declarativa contra J… e mulher M… pedindo que seja reconhecido aos autores o direito de ver reparada a sua fração ou compensá-los monetariamente, condenando-se os réus a repor a situação de facto à sua normalidade, a repararem a sua fração, bem como caixa de entrada e de escadas, de forma a evitar nova situação, bem como condenando-se os réus a pagar aos autores indemnização no montante de € 2500,00 por danos morais e indemnização a fixar em execução de sentença, por cada dia de atraso na realização de obras com vista à restituição natural da habitação dos autores. Alegaram que a sua fração sofreu várias infiltrações de água causadas pela acumulação de água no terraço da fração dos réus, bem como falta de manutenção/conservação do mesmo, o que lhes causou diversos prejuízos que elencaram na petição.
Contestaram os réus, negando a sua responsabilidade e suscitando o incidente de intervenção de M…, como administradora do prédio em que se situam as frações, por entenderem que o seu terraço é parte comum do prédio e que várias vezes insistiram junto daquela para que o condomínio realizasse obras de reparação geral na cobertura e terraço, o que nunca aconteceu.
Responderam os autores, mantendo o já alegado quanto à responsabilidade dos réus.
Admitida a intervenção acessória da administradora do prédio, apresentou-se a contestar M… excecionando a sua ilegitimidade e imputando a responsabilidade do sucedido aos réus em virtude do terraço servir de forma exclusiva a sua fração.
Dispensada a audiência preliminar, foi proferido despacho saneador, onde se julgaram improcedentes as invocadas exceções de ilegitimidade dos réus e da interveniente. Dispensou-se a seleção da matéria de facto.
Teve lugar a audiência de julgamento, após o que foi proferida sentença que julgou a ação parcialmente procedente e, em consequência, condenou os réus a proceder às obras no terraço que cobre a fração dos autores de forma a pôr cobro às infiltrações de águas que daí ocorrem para a mencionada fração e a efetuar trabalhos de arranjo da fração dos autores, suportando o seu custo integral, por forma a repor a situação existente anteriormente à verificação das infiltrações. Absolveu os réus do restante pedido e absolveu a interveniente do pedido.
Discordando da sentença, dela interpuseram recurso os réus, tendo finalizado a sua alegação com as seguintes
Conclusões:
1 – Os ora apelantes não se podem conformar com a douta sentença no que respeita à sua condenação a fazer as obras de reparação no terraço e na fração dos ora apelados.
2 – Consideram os ora apelantes que o Mtº Juiz fez errada interpretação dos depoimentos prestados em sede de audiência de discussão e julgamento, nomeadamente dos depoimentos prestados pelas testemunhas F…, P…, F… e H… e da análise dos documentos, nomeadamente, o documento n.º 4 intitulado Relatório de Perícia, junto à contestação e ainda de quatro documentos juntos na data da audiência de discussão e julgamento, relativo a duas notícias publicadas no “Jornal de Notícias” no dia 03/10/2010; uma notícia publicada no jornal “Correio do Minho” de 04/10/2010 e uma notícia publicada no jornal “Diário do Minho” de 04/10/2010.
3 – Nesta conformidade, deveriam ter resultado provados os seguintes factos:
- Facto 1 – “No dia 3 de Outubro de 2010 – data em que ocorreram as infirltrações de água para a fração dos ora apelados – ocorreu uma tempestade com vento e precipitação muito forte, cujos caleiros ou ralos do prédio em regime de propriedade horizontal eram estreitos e com diâmetro pequeno para um escoamento rápido das águas que neles caíam”
- Facto 2 – “A cobertura do prédio – que é diferente do terraço – encontra-se degradada e com a argamassa a desfazer-se e a cair no terraço e os muretes do terraço e paredes exteriores do prédio apresentam fissuras por onde ocorrem infiltrações de água”.
4 – Da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento e introduzindo os novos factos à matéria de facto dada como provada, entendem os ora apelantes que os apelados não conseguiram provar, como lhes competia, a origem dos defeitos e as causas das consequências das infiltrações.
5 – Indubitavelmente resulta provado com relevância para a descoberta da verdade que as infiltrações são advenientes das partes comuns do prédio (do estado degradado da cobertura, estado degradado das paredes e dos muretes exteriores, existência de ralos pequenos e estreitos e uma situação de tempestade), defeitos e vícios que são a origem das infiltrações das águas ocorridas na fração dos ora apelados.
6 – Apesar do terraço se destinar ao uso exclusivo dos ora apelantes, as obras de conservação e manutenção do terraço e da fração dos ora apelados competem ao Condomínio, nos termos do artigo 1424.º, n.º 1 do CC e não aos ora apelantes.
Nestes termos e nos melhores de direito que V.ª(s) Ex.ª (s) doutamente suprirão, deve a douta sentença ora recorrida ser revogada e substituída por outra que absolve os ora apelantes relativamente à realização de obras de reparação do terraço e da fração dos ora apelados.

Não foram oferecidas contra alegações.
O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
Foram colhidos os vistos legais.

As questões a resolver traduzem-se em saber se deve ser alterada a decisão sobre a matéria de facto e se era o condomínio o responsável pelas obras que os apelantes foram condenados a realizar.

II. FUNDAMENTAÇÃO
Na sentença foram considerados os seguintes factos:
A) Os AA. são donos e legítimos proprietários da fracção C correspondente ao 2º andar do prédio constituído em propriedade horizontal, sito na Rua…, Braga.
B) Os RR. são proprietários do 3º andar direito, com entrada pelo n.º 10 do prédio sito na referida rua, freguesia de…, em Braga.
C) O terraço da fracção do RR. constitui o telhado da fracção dos AA.
D) No dia 3 de Outubro de 2010, pelas 14.00 horas, a fracção dos AA. sofreu infiltrações de água nas diversas divisões, a ponto de ser necessária a intervenção de uma Unidade de Sapadores de Bombeiros e agentes da PSP.
E) As infiltrações resultaram da acumulação de águas no terraço de que são proprietários os RR.,
F) Que estava completamente alagado, com lixo derivado da falta de manutenção da fracção.
G) A Companhia de Seguros “G…”, na qual são segurados os AA., apurou que o evento em questão resultou única e exclusivamente da falta de manutenção/conservação da fracção/terraço do isso superior.
H) Em consequência das infiltrações, a fracção dos AA. sofreu danos no sistema eléctrico (inutilização devido à saída de águas pelos interruptores).
I) Nas paredes divisórias (humidade e bolor).
J) No chão dos quartos (soalho inchou e levantou-se).
L) No rodapé de toda a casa (inchou e separou-se da própria parede).
M) Fissuras em diversas divisões da habitação.
N) Nas portas interiores (encontram-se inchadas, sendo impossível fechá-las).
O) Nos móveis da cozinha.
P) Foi apresentado o seguinte orçamento: para o sistema eléctrico, no valor de 2.100,00 €; para a reparação de paredes, pintura de um T3 e colocação de azulejos na cozinha, no valor de 4.250,00 €; para a colocação de blocos de portas lisas, de apainelados portas e janelas, soalho flutuante e rodapé, no valor de 3.574,00 €.
Q) As fracções dos AA. e dos RR. são partes constituintes de um prédio constituído em propriedade horizontal.
R) O terraço da fracção dos RR. é para uso privativo dos mesmos, sendo os RR. os únicos com acesso ao terraço.
S) Os RR. não residem na fracção identificada em B).
T) M… era a administradora do condomínio à data da ocorrência dos factos.
FACTOS NÃO PROVADOS
1- A fracção dos RR não tem vidros nem janelas.
2- As portas estavam abertas;
3- Em virtude dos danos sofridos, a fracção dos AA. ficou impossibilitada de ser habitada, tendo os AA. que recorrer a ajuda de familiares durante um período superior a 60 dias;
4- Actualmente, os AA. não podem usufruir da totalidade da habitação, uma vez que esta se encontra com humidade no tecto;
5- Com constantes pingas de água em diversas divisões da habitação;
6- Devido à constante humidade, tem surgido bolor nas paredes e cheiros intensos.
7- Os RR. tiveram de recorrer a ajuda de aquecedores eléctricos e a ajuda de familiares para limpeza constante da habitação.
8- Os R. deslocam-se à fracção várias vezes durante o ano para limpeza dos ralos do terraço.
9- A situação ocorrida deveu-se somente a uma tempestade.

Insurgem-se os apelantes contra a decisão da matéria de facto.
Contudo, não dão cumprimento ao disposto no artigo 640.º, n.º 1 do CPC, uma vez que não referem quais os concretos pontos de facto que consideram incorretamente julgados.
A decisão de facto comporta 19 factos provados e 9 factos não provados.
Da leitura atenta das alegações de recurso, não resulta que os apelantes discordem, em concreto, de qualquer um destes factos, ou que queiram ver qualquer um deles com resposta diferente daquela que o tribunal entendeu como a correta.
O que se verifica é que os apelantes pretendem que sejam aditados dois novos factos, com o teor supra referido nas conclusões do seu recurso. Contudo, analisados os articulados, designadamente, a contestação apresentada pelos réus/apelantes, não se vislumbra que tais factos tenham sido alegados – à excepção da tempestade a que aludem no artigo 28.º da contestação – sendo certo que aí apenas pugnaram pela responsabilidade do condomínio no estado em que se encontrava o terraço e outras áreas exteriores do prédio (cobertura, terraços e caixa de escadas).
Ora, não tendo sido alegados tais factos (à excepção da tempestade) não podiam os mesmos ser considerados na sentença (não foi elaborada base instrutória).
Os apelantes baseiam-se, essencialmente, num relatório de perícia que juntaram à sua contestação, bem como no depoimento prestado em audiência pelo perito que subscreveu o mesmo. Contudo, não só o dito relatório não foi transcrito para os articulados, relativamente aos factos de que agora os apelantes se pretendem servir, como se verifica que a dita perícia foi efetuada à fração dos réus e não à dos autores, quase um ano depois da data em que ocorreram os factos relatados nestes autos e que o perito em causa se limita a dar opiniões – até jurídicas, relativas à responsabilidade – sem fundamentar as mesmas (aliás contraditadas por outro perito ouvido em audiência e que trabalhou para a seguradora dos autores). Em lado nenhum dos autos vemos a referência à dimensão dos caleiros ou ralos ou da situação da cobertura do prédio e das argamassas.
Improcede, assim, o pretendido aditamento da matéria de facto.
Deve, aliás, dizer-se que o simples aditamento de tal matéria, mantendo-se a demais matéria de facto tal como foi decidida em 1.ª instância, em nada contribuiria para a alteração da decisão jurídica, atendendo ao que ficou expresso nas alíneas E) e F) da matéria de facto provada, quanto ao nexo de causalidade entre as infiltrações e o estado do terraço de que são proprietários os réus.
Ora, a este propósito, deve dizer-se que, se é certo que a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto visa, em primeira linha, modificar o julgamento feito sobre os factos que se consideram incorretamente julgados, a verdade é que este instrumento processual tem por fim último possibilitar alterar a matéria de facto para, face à nova realidade a que por esse caminho se chegou, se possa concluir que afinal existe o direito que foi invocado, ou que não se verifica um outro cuja existência se reconheceu. Ou seja, que o enquadramento jurídico dos factos agora tidos por provados conduz a decisão diferente da anteriormente alcançada. O seu efetivo objetivo é conceder à parte uma ferramenta processual que lhe permita modificar a matéria de facto considerada provada ou não provada, de modo a que, por essa via, obtenha um efeito juridicamente útil ou relevante. Se, por qualquer motivo, o facto a que se dirige aquela impugnação for de todo irrelevante para a decisão a proferir, então torna-se inútil a atividade de reapreciar o julgamento da matéria de facto, pois, nesse caso, mesmo que, em conformidade com a pretensão do recorrente, se modifique o juízo anteriormente formulado, sempre o facto que agora se considerou provado ou não provado continua a ser juridicamente inócuo ou insuficiente para, por si só, produzir o efeito pretendido.
Quer isto dizer que não há lugar à reapreciação da matéria de facto quando os factos concretos objeto da impugnação não forem suscetíveis de, face às circunstâncias próprias do caso em apreciação, terem relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma atividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequente, o que contraria os princípios da celeridade e da economia processual consagrados nos artigos 2.º, n.º 1, 137.º e 138.º - cfr. neste sentido, Acórdãos da Relação de Coimbra de 06/03/2012 (processo 2372/10.0TJCBR.C1) e de 24/04/2012 (processo 219/10.6T2VGS.C1), disponíveis em www.dgsi.pt.
No caso de que nos ocupamos, o simples aditamento de dois factos, ainda que fosse possível (e não é, como já vimos, por se tratar de matéria não alegada), sem que os apelantes peticionem a alteração de qualquer um dos factos considerados provados e não provados (inclusivamente aqueles em que vem provado o nexo causal entre a situação do seu terraço e as infiltrações ocorridas na fração dos autores), não conduziria a qualquer alteração da decisão jurídica proferida, o que seria perfeitamente inconsequente.

Já a questão jurídica da responsabilidade quanto às obras a realizar na fração dos autores e no terraço do prédio, terá que ser equacionada de uma forma um pouco diferente do decidido em 1.ª instância.

A questão que deve colocar-se é a de saber se, sendo o terraço de cobertura do prédio de uso exclusivo de um dos condóminos, devem os restantes ser responsáveis pelas despesas necessárias à sua conservação.
A questão não tem sido pacífica e vem dividindo as opiniões daqueles que a têm estudado.
Pacífico parece ser o facto de o terraço de cobertura constituir uma parte comum de um edifício – veja-se artigo 1421.º, n.º 1, alínea b) do Código Civil: «São comuns as seguintes partes do edifício: (…) o telhado ou os terraços de cobertura, ainda que destinados ao uso de qualquer fracção». «A enumeração das partes comuns do edifício, feita no n.º 1 deste artigo é imperativa, no sentido de que os elementos nela incluídos são necessariamente comuns a todos os condóminos» - Pires de Lima e Antunes Varela, in «Código Civil Anotado», volume III, 2.ª edição rev. e act., pág. 419. Os mesmos autores referem, ainda, que a maior parte das coisas comuns são, em regra, usadas por todos os condóminos, mas essa correlação natural não obsta a que sejam consideradas comuns coisas cujo uso se encontra afectado apenas a alguns deles, nem a que, embora excepcionalmente, possam ser tidas como comuns coisas destinadas ao uso de um só dos condóminos. Trata-se, neste caso, de coisas que pertencem à estrutura da construção que, são comuns, ainda que o seu uso esteja afectado a um só dos condóminos, pela «razão simples de que a sua utilidade fundamental, como elemento essencial de toda a construção, se estende a todos os condóminos» - autores e obra citada, pág. 420. Adiantam, ainda os mesmos autores, a pág. 422 que «ainda que o terraço se destine ao uso exclusivo de um dos condóminos (por estar situado no mesmo nível do último pavimento, porque o acesso se faça pelo interior desse pavimento, etc.) ele não deixa de ser forçosamente comum pela função capital (de cobertura ou protecção do imóvel) que no interesse colectivo exerce em relação a toda a construção».
O mesmo se pode ler em Mota Pinto, «Direitos Reais», pág. 286, nota 58, citado na obra «Propriedade Horizontal» de Aragão Seia, 2.ª edição, pág. 67: «O terraço na propriedade horizontal, mesmo quando destinado ao uso do último morador – mesmo quando este o pode usar para recreio ou para usos vários – é propriedade dos condóminos».
Ora, o princípio geral aplicável à repartição das despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício é o da proporcionalidade – cada condómino paga na proporção do valor da sua fracção, sendo este o valor que resulta da aplicação do disposto na parte final do art. 1418º do C. Civil. As despesas necessárias à conservação (por exemplo, limpeza e pintura do prédio, substituição de elevadores etc..), à fruição das partes comuns (despesas com electricidade, água, artigos de limpeza etc…) e ao pagamento de serviços de interesse comum (portaria, manutenção de elevadores e jardins etc…) são pagas pelos condóminos, na dita proporção. E essa obrigação é, como afirma a generalidade da doutrina (ver, por todos, Henrique Mesquita, Rev. Direitos Sociais, ano XXIII, p. 130, Pires de Lima e Ant. Varela, Código Civil anotado, III, p. 432) uma típica obrigaçãopropter rem – uma obrigação decorrente não de uma relação creditória autónoma, mas do estatuto do condomínio.
Já relativamente às despesas relativas aos lanços de escada e às partes comuns do prédio que sirvam exclusivamente alguns dos condóminos, o legislador entendeu estabelecer que as mesmas deveriam ficar a cargo, exclusivamente dos que delas se servem, conforme evidencia o citado nº 3 do art. 1424º. “Só que, obviamente, no âmbito excepcional da previsão desse segmento normativo também só podem caber as despesas de conservação e manutenção estritamente relacionadas com o uso normal e específico dessas partes. As que excederem esse campo, por envolverem, por exemplo a fachada ou a cobertura do prédio ou estiverem relacionadas com a estrutura do mesmo, já têm de ser integradas no regime geral consagrado no nº 1” – cfr. Acórdão da Relação de Lisboa de 13/03/2008, in www.dgsi.pt.
Assim entendemos já, também, no Acórdão desta Relação de 04/01/2011, proferido no processo n.º 2209/07.7TBVCT.G1, relatado pela aqui relatora e disponível em www.dgsi.pt: “considerado, nestes termos, o terraço como parte comum do edifício, a sua afectação ao uso exclusivo de um condómino, não retira ao condomínio o direito e a obrigação de proceder à sua conservação e manutenção”.
E assim se decidiu, por exemplo, no Acórdão da Relação de Lisboa de 29/06/1989, in CJ, ano XIV, tomo III, pág. 159: «…a lei não obsta que no título constitutivo da propriedade horizontal se atribua a alguns dos condóminos o uso exclusivo do terraço. As obras de impermeabilização do terraço de cobertura competem a todos os condóminos na proporção das respectivas quotas»
Quando no artigo 1424.º n.º 3 do Código Civil se diz que «as despesas relativas aos diversos lanços de escadas ou às partes comuns do prédio que sirvam exclusivamente algum dos condóminos ficam a cargo dos que delas se servem», não se tinha em vista uma situação como a presente, uma vez que as despesas necessárias à impermeabilização de partes comuns do edifício, a fim de evitar infiltrações que o vão deteriorando têm que ser feitas de modo a que essas partes comuns mantenham a adequada funcionalidade, que lhes foi atribuída na concepção do edifício e proporcionem aos condóminos (a todos) a possibilidade de usufruírem normalmente das suas potencialidades que, designadamente, neste caso, se prendem com a cobertura do edifício em boas condições de isolamento e impermeabilização, de forma a evitar as ditas infiltrações, pese embora a fruição mais lúdica do mesmo esteja exclusivamente atribuída a um deles. Veja-se, neste sentido, o Acórdão da Relação de Guimarães, de 23/10/2008, in www.dgsi.pt/jtrg onde, para além do mais, se pode ler, ainda: «(…)o que acontece é que o terraço de cobertura não serve exclusivamente o autor pois a sua função primordial é, como o recorrente certeiramente assinala, “a de ser parte estrutural” do edifício a que pertence. O nº 3 do artigo 1424º apenas se reporta aos casos em que a parte comum serve exclusivamente um ou alguns condóminos, o que abarca a referida situação do estacionamento na cave, ou a utilização do vão do telhado (entre a laje do último piso e o telhado), situações em que as despesas se destinam a restituir o bem danificado à sua normal fruição pelo usuário (onerando-se este com o custo respectivo). Todavia, tratando-se de parte comum que serve de cobertura ao edifício, não se verifica o pressuposto estabelecido na disposição em causa (nº3 do artigo 1424º), mesmo que afectada ao uso exclusivo de alguns condóminos, sendo por isso mesmo tais despesas não só para viabilizar o uso mas também para reintegrar um elemento estrutural do edifício, em proveito de todos.
O entendimento que deixamos consignado foi o adoptado pelo STJ no acórdão de 19/9/02 (rel. Ferreira de Almeida), disponível no site da dgsi e tirado sobre situação semelhante».

Caso se verificasse que as infiltrações que estiveram subjacentes aos prejuízos invocados pelos autores e verificados na sua fracção não se prendiam com a falta de conservação ou uso anormal do terraço da fracção dos réus, mas sim com os seus elementos estruturais e com a sua finalidade enquanto elemento de cobertura do prédio ou de parte dele, não teríamos dúvidas em imputar responsabilidades a todos os condóminos na proporção do valor das respectivas fracções, nos termos do citado artigo 1424º nº1 do C. Civil – veja-se o Acórdão da Relação de Lisboa, de 29/06/1989, publicado na CJ, ano III, p.159 e seguintes, citado por Sandra Passinhas, em “A Assembleia de Condóminos e o Administrador na Propriedade Horizontal”, 2º ed., p. 146/147, que considerou que o encargo com as obras de impermeabilização de um terraço de cobertura, ainda que afectado a uso exclusivo de algum dos condóminos, cabe a todos na proporção das respectivas quotas. E comentando aquele acórdão refere-se na obra citada: “Isto, apesar de as despesas relativas às partes comuns do edifício que sirvam algum condómino ficarem a cargo dos que delas se servem, já que o terraço, na sua função de cobertura, serve todos os condóminos, (…), do mesmo modo que um telhado não serve só o último andar, mas todos quantos protege, directa ou indirectamente. O que estava em causa, no caso concreto, não era o simples arranjo do terraço, mas antes o arranjo da própria placa, enquanto elemento da estrutura essencial do prédio e elemento protector de todo o bloco interior” – ambos colhidos no Acórdão da Relação de Lisboa de 13/03/2008, já citado.
Assim, as obras de impermeabilização do terraço, de molde a que, no futuro, se evitem infiltrações nas frações que ficam por baixo do mesmo, são da responsabilidade do condomínio e é este que as deve fazer, suportadas por todos os condóminos.
No caso concreto, no entanto, ficou provado que as infiltrações ocorridas no dia 3 de Outubro de 2010 na fração dos autores se ficaram a dever à acumulação de águas no terraço, que estava completamente alagado, em função do lixo derivado da falta de manutenção da fração dos réus, que aí não residem, mantendo-a fechada, omitindo, assim, o especial cuidado que devem ter na manutenção desse terraço que é também parte comum do prédio.
Ou seja, as infiltrações derivaram da falta de manutenção/conservação do terraço e, por isso, a responsabilidade pelos prejuízos que daí advieram aos autores, é dos réus.
Já a sua responsabilidade relativamente ao terraço, é apenas a de o manterem regularmente limpo, dele fazendo um uso normal e não de aí realizarem obras estruturais de impermeabilização, pois essas são da responsabilidade do condomínio.
Daí que a apelação proceda parcialmente, sendo a sentença revogada na parte em que condenou os réus a proceder às obras no terraço que cobre a fração dos autores, de forma a evitar infiltrações de água (uma vez que tal impermeabilização é da responsabilidade do condomínio), mantendo-se apenas na parte em que condenou os réus a efetuar trabalhos de arranjo da fração dos autores, por forma a repor a situação existente anteriormente à verificação das infiltrações (uma vez que estas derivaram da falta de manutenção/limpeza do terraço dos réus, que originou a acumulação de água).

Sumário:
1 - Não há lugar à reapreciação da matéria de facto quando os factos concretos objeto da impugnação não forem suscetíveis de, face às circunstâncias próprias do caso em apreciação, terem relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma atividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequente, o que contraria os princípios da celeridade e da economia processual.
2 - Ainda que o terraço se destine ao uso exclusivo de um dos condóminos ele não deixa de ser forçosamente comum pela função capital (de cobertura ou protecção do imóvel) que no interesse colectivo exerce em relação a toda a construção.
3 - Assim considerado o terraço como parte comum do edifício, a sua afectação ao uso exclusivo de um condómino, não retira ao condomínio o direito e a obrigação de proceder à sua conservação e manutenção.
4 – Ao condómino que usa o terraço de forma exclusiva, cabe apenas a obrigação de o manter/conservar limpo, dele fazendo um uso normal e obstando a que os ralos e caleiras se entupam, de forma a provocar inundações e consequentes infiltrações.

III. DECISÃO
Em face do exposto, decide-se julgar parcialmente procedente a apelação, revogando-se a sentença recorrida, na parte em que condenou os réus a fazerem obras no terraço do prédio que cobre a fração dos autores, mantendo-se quanto ao demais.
Custas por apelantes e apelados na proporção de metade para cada um.
Guimarães, 9 de abril de 2015
Ana Cristina Duarte
Fernando Fernandes Freitas
Maria Purificação Carvalho