Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
82812/16.0YIPRT.G1
Relator: JOÃO PERES COELHO
Descritores: ACÇÃO ESPECIAL PARA CUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÕES PECUNIÁRIAS
INJUNÇÃO
TESTEMUNHA
DEPOIMENTO ESCRITO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/18/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I - A disciplina prevista no artigo 5º do anexo ao DL 269/98, de 1 de Setembro é aplicável à prova testemunhal apresentada no âmbito da acção especial para cumprimento de obrigação pecuniária iniciada como injunção.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:

I. RELATÓRIO:

“Credora A, S.A.” fez distribuir procedimento de injunção, entretanto transmutado em acção especial para cumprimento de obrigação pecuniária nos termos do DL 269/98, de 1 de Setembro, contra Maria e José, para pagamento da quantia de €11.593,95, emergente de um contrato de concessão de crédito, acrescida de juros de mora à taxa de 15,20%, importando os vencidos em €1.702,69, bem como da quantia de €200,00 a título de despesas administrativas com a recuperação da divida.

Devidamente citados, os Réus apresentaram contestação, arguindo a ineptidão do requerimento injuntivo, por falta de causa de pedir.

Correspondendo ao convite que lhe foi dirigido pelo tribunal, a A. apresentou petição inicial aperfeiçoada, contra a qual os Réus ofereceram nova contestação, excepcionando a liquidação integral da dívida que lhes é imputada.

A A. respondeu, mantendo o alegado no petitório e pugnando pela condenação dos Réus como litigantes de má-fé.
Os autos prosseguiram para julgamento, findo o qual foi proferida sentença a julgar a acção totalmente improcedente, absolvendo os RR do pedido.

Inconformada, a Autora interpôs o presente recurso, em cuja alegação formulou as seguintes conclusões:

1) O presente recurso interposto pelo Recorrente, Exequente nos autos em epígrafe, tem por objecto a douta sentença proferida pelo Vila Real - Juízo Local Cível - Juiz 1 que julgou a presente acção totalmente improcedente e, em consequência, absolveu os apelados totalmente dos pedidos contra si formulados, condenando a autora nas custas processuais;
2) Os presentes autos de Acção Especial para Cumprimento de Obrigações Pecuniárias tiveram origem em procedimento de injunção, os quais foram remetidos à distribuição por força oposição dos RR;
3) Não se vislumbra o entendimento do douto Tribunal a quo ao considerar que, in casu, (SIC) "... o legislador expressamente invocado a aplicação dos artigos 1º, n.º 4, 3º e 4º à acção especial transmutada, sem que fizesse qualquer referência ao artigo 5º parece-nos que foi intenção excluir a possibilidade de apresentação de depoimento escrito, em casos como o dos autos", sendo certo que, salvo o devido respeito por opinião contrária que muito é, a admissibilidade de apresentação de depoimento escrito nos presentes autos encontra-se consagrada no supra citado artigo 5º;
4) O art. 5º do DL 269/98 de 01/09 estabelece apenas, como requisito de legitimação do depoimento escrito por parte da testemunha - “o conhecimento de factos por virtude do exercício das suas funções” - o que de resto, é o caso expresso dos autos, sendo certo que o depoimento escrito junto pela Autora cumpre o requisito de legitimação supra descrito (nem sequer o douto Tribunal a quo fundou a sua pretensão de não admissão do referido meio de prova por insuficiência da sua legitimidade);
5) Assim, salvo melhor e mais douto entendimento em contrário, a audiência de julgamento que se realizou sem atender a tais meios de prova, acto que a lei prescreve (depoimentos escritos da testemunha que, exercendo funções na Requerente, declararam ter conhecimento dos factos por via do exercício das suas funções - art. 5º do DL 269/98 de 01/09) e cujo não atendimento foi susceptível de influir no exame e na decisão da causa, uma vez que a acção foi julgada improcedente por falta de prova dos factos alegados pelo Requerente, está, assim, inquinado de nulidade, nos termos do art. 195 nº 1 do CPC;
6) Deve, pois, declarar-se nula a audiência de julgamento por omissão de um acto – assaz relevante – que a lei prescreve, com a necessária repetição do julgamento para que tenha em consideração o depoimento escrito apresentado podendo ainda o tribunal, oficiosamente ou a requerimento das partes, determinar, sendo ainda possível, a renovação do(s) depoimento(s) na sua presença, nos termos do nº 3 do art. 5º do citado DL 268/98 de 1/9;
7) Neste caso em particular, os RR pretenderam aderir ao mencionado seguro e formalizaram a sua adesão em 28.12.2007 remetendo o devido documento assinado à A. (boletim de adesão ao seguro Doc.nº1 junto com o seu requerimento de 06.07.2017);
8) Incumpriram os R. a sua contraprestação no contrato de crédito que firmaram com a A., não pagando pontualmente as prestações mensais a que se vincularam, com o reembolso das quantias que lhes foram mutuadas;
9) Após considerar provada a celebração do contrato, a celebração do contrato de seguro facultativo, a disponibilização das quantias pela Autora aos RR. (independentemente do motivo, sendo certo que o contrato de mútuo é um contrato quod efectum, repercutindo-se os seus efeitos no momento em que as quantias são disponibilizadas aos RR e estes as utilizem em seu proveito), o período temporal em que os RR foram pagando, e ainda, após a admissão dos documentos juntos pela A., concretamente (SIC) “… o contrato de concessão de crédito em conta corrente (fls.54 vs e 55), documento de fls. 55 vs e 56, boletim de adesão ao seguro facultativo (fls. 57), comprovativo de transferência bancária de fls. 57 vs, extractos integrados de fls. 100 a 275 e extractos de conta de fls. 307 a 318…” constatando-se o incumprimento dos RR., baseou-se o douto Tribunal a quo na alegada falta de prova pela A., para que, assim, declarasse improcedente a acção da ora Recorrente;
10) Sem prejuízo de ter sido vedada à A. a produção de prova testemunhal, nos termos em que o foi, conforme supra já se deixou exarado, a A. fez a prova cabal do por si alegado através da prova documental por si junta. É que dúvidas inexistem:
i) Os RR celebraram o contrato de crédito;
ii) Foi-lhes disponibilizada na conta bancária a quantia de €18.000,00 iniciais;
iii) Os RR aderiram, voluntariamente e porque assim entenderam por bem, a um seguro de crédito facultativo, o qual (conforme boletim informativo junto aos autos e conforme resulta do próprio contrato de crédito, ex vi cláusula 12. do contrato celebrado, cujo conteúdo foi dado como provado - "...O custo do prémio mensal do seguro é imputado na prestação mensal acordada no presente contrato, pelo que o seu pagamento é feito conjuntamente e da mesma forma que a prestação mensal de reembolso do crédito. A adesão ao seguro prolonga o período de reembolso do crédito");
iv) Os RR foram efectuando pagamentos, receberam mensalmente os extractos de conta enviados pela A. onde constavam discriminados todos os valores imputados na prestação mensal, incluindo o valor correspondente ao seguro, nunca colocaram em crise nem o contrato, nem o valor referente ao seguro e, apenas agora, é suscitada a questão do conhecimento dos RR sobre o funcionamento do seguro e imputação do seu valor na mensalidade;
11) Salvo o devido respeito que muito é, considera a Autora Apelante que se verifica um erro lógico na elaboração da sentença na medida em que o julgador, seguindo determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão, em vez de a tirar, decide em sentido oposto ou divergente;
12) Semelhante decisão proferida pelo douto Tribunal a quo vem, salvo o devido respeito que, aliás, muito é, colocar em crise os mais essenciais ditames do instituto da boa-fé, pois que, se por um lado reconhece provado que o contrato existe, que os valores foram financiados e recebidos pelos RR e que por estes foi subscrito um contrato de seguro do crédito e, ainda assim, absolve os RR do pedido, o mesmo equivale a dizer que, apesar de se verificar um enriquecimento ilícito por banda dos RR incumpridores, por força de, apenas agora e nunca antes, colocar em crise a validade do seguro que contrataram e beneficiaram durante toda a execução do contrato, a consequência que se retira de tal decisão é que os RR sempre estariam livres e desonerados das suas obrigações, desculpabilizando-se desta forma a parte que incumpriu os termos do contrato e que, assim, se apoderou de quantias, que fez suas ao abrigo da execução de contratos de mútuo, sem que para tal viesse ressarcir em conformidade com os termos do convencionado a Autora, que financiou;
13) Muito embora o seguro importe um conjunto de benefícios, reais e úteis, que consistem nas garantias previstas nas respectivas condições gerais, tais como Garantia de Desemprego, Garantia de Incapacidade Temporária Absoluta (ITA), Garantia de Incapacidade Absoluta Definitiva (IAD) e Garantia de Morte (desde que preenchidos os requisitos para a sua aceitação), na realidade, e como será expectável, tais benefícios têm um custo;
14) O custo do seguro encontra-se expressamente indicado nas condições gerais sobre o seguro Seguradora X, que são do conhecimento da Ré desde a data de celebração do contrato de crédito, uma vez que as mesmas fazem parte e são enviadas na mesma data em que é enviada a proposta de crédito. Sem conceder quanto ao que supra se deixa escrito, a Autora voltou a informar os RR por escrito que o custo do seguro era de 0,40% sobre o montante total em dívida por mês;
15) Mais se informou novamente que o custo do seguro não provoca o aumento do valor da prestação mensal mas, no entanto, faz baixar o valor da amortização da dívida, i.e., uma parcela da mensalidade passa a estar afecta ao pagamento do prémio do seguro, diminuindo o valor destinado à amortização do valor em dívida, justificando assim, o aumento do prazo de reembolso, ou seja, o número de mensalidades;
16) Resulta assaz curioso que, desde a activação do Seguro em Dezembro de 2007, conste do extracto mensal que foi sempre enviado aos RR o movimento correspondente ao prémio do Seguro devidamente identificado (conforme documentos juntos pela A.), e nunca tenha a aqui Recorrente recebido qualquer reclamação relativamente ao prémio cobrado;
17) Os RR referiram no seu requerimento de 12.07.2017 que nunca receberam da Autora a confirmação da adesão ao seguro quer através do extracto de conta quer por outro meio e que nunca foram informados pela Autora se registou ou não a adesão, faltando deliberadamente à verdade ao tecer semelhante afirmação como bem sabem;
18) Isto porque mensalmente recebiam o extracto a que aludem e no qual se confirmou a adesão (conforme documentos que oportunamente foram juntos aos autos pela A.), sendo que esta adesão foi-lhes também confirmada mediante os diversos contactos telefónicos havidos como pelas comunicações escritas trocadas entre as partes (veja-se, a título de exemplo, o Doc. n.º 3 junto aos autos pela A. com o seu requerimento de 06.07.2017);
19) Os RR não colocaram em crise a existência do contrato e as suas cláusulas, a aceitação das mesmas, os financiamentos recebidos, a utilização dos valores solicitados e demais factos alegados pela A., outrossim, fez tábua rasa do conhecimento das cláusulas do seguro em seu alegado proveito;
20) Existe uma diferença entre o que é a comunicação das cláusulas (que como resulta provado nos autos, ocorreu com a celebração do contrato e adesão ao seguro facultativo) e a sua explicação, i.e., se as cláusulas foram comunicadas aos RR por escrito, se as não leram ou se não pediram esclarecimentos, desde 2007, sobre as mesmas, apenas a si próprios tal se fica a dever, já que atenta a tipologia da fase pré-negocial e que se caracteriza pela manutenção de contactos telefónicos, não cabia à Recorrente estar a indagar, contínua ou insistentemente se os RR alcançaram, ou não, o sentido prático, jurídico e económico de todas as cláusulas;
21) Os RR foram aproveitando, em benefício próprio e durante largos anos, dos montantes disponibilizados pela recorrente, foram efectuando pagamentos, sem que se tenha provado que tenham solicitado esclarecimentos concretos sobre os custos inerentes ao contrato, sendo certo que usufruíram do seguro;
22) Os aqui apelados beneficiaram dos financiamentos, beneficiaram de seguro sem suscitar dúvidas quanto à execução do contrato e apenas quando são demandados pelo incumprimento é que informam e alegam a falta de informação das cláusulas;
23) De facto, face à prova, tanto documental, como a testemunhal não valorada, a sentença de que ora se recorre, consubstancia uma solução que viola, claramente, os princípios jurídicos e bem assim os preceitos legais e inclusive o senso comum que, ao caso, necessariamente, terão que ser aplicados, razão pela qual nos parece ser a mesma além de injusta, irrazoável e não rigorosa na apreciação da prova;
24) Com a presente autos decisão, sem qualquer fundamento fáctico-legal, verifica-se que é atribuído um enriquecimento patrimonial aos RR às custas da ora Autora;
25) O que equivale a dizer que existe, salvo o devido respeito, a violação de lei substantiva que, no caso presente, consiste no erro de interpretação/aplicação das normas aplicáveis e supra referidas, tendo em conta a apreciação da prova produzida, os factos dados como provados, máxime no que tange à celebração do contrato, respectivas cláusulas e efeitos nelas constantes referentes ao incumprimento;
26) Vista a matéria de facto dada como provada, dúvidas não restam que a A. e os RR celebraram um contrato de mútuo;
27) Resulta também provado que os RR não cumpriram a obrigação para si decorrente da celebração de tal contrato de mútuo, ou seja, a restituição da coisa mutuada, no caso o montante emprestado;
28) Destarte e caso o Tribunal “a quo” tivesse sido consequente com tudo o que se discute nos presentes autos, tivesse interpretado correctamente as provas produzidas, documentais, complementadas pela prova testemunhal cuja valoração imediatamente afastou, teria, necessariamente, que ter tomado posição diferente, dado que tais provas impõem decisão contrária, isto é, a procedência da acção, só assim aplicando correctamente o direito e fazendo justiça;
29) Considera a ora Recorrente que o Tribunal “a quo” apreciou de forma deficitária e, até mesmo, não apreciou, da forma de deveria apreciar, toda a prova documental junta aos autos, bem assim, a prova testemunhal da Recorrente, da qual resultou uma parca apreciação e valoração da própria matéria de facto assente, tendo formado a sua convicção sem apreciação correcta dos mesmos factos que considerou provados.
Termina, pedindo que, anulando-se o julgamento e a sentença, se determine que a 1ª instância aprecie e valore o depoimento escrito por si apresentado, repetindo o julgamento e substituindo a sentença por outra que julgue a acção totalmente procedente, condenando-se os RR no pedido formulado.
Os RR apresentaram contra-alegações, pugnando pela confirmação do julgado.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
*
II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO:

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, ressalvadas as questões que sejam do conhecimento oficioso do tribunal (artigos 635º, n.º 4 e 639º, n.º 1 do NCPC).
No caso vertente, importa apreciar e decidir se o indeferimento do depoimento escrito apresentado pela Autora, ora Recorrente, produz nulidade processual atendível.
*
III. FUNDAMENTOS:
Os factos
Na primeira instância foi dada como provada a seguinte factualidade:

1 - A A. é uma instituição de crédito que tem “por objecto o financiamento da aquisição a crédito de bens e serviços”.
2 - No exercício da sua actividade, a A. celebrou com os RR, no dia 06-12-2007 um contrato de abertura/concessão de crédito, junto a fls. 54vs e 55, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
3 - A este contrato foi atribuído o seguinte número interno: ...00;
4 - Pelo referido contrato, o Autor financiou aos RR a abertura/concessão de um crédito em conta corrente no valor de financiamento inicial de €18.000,00 não obstante os RR terem peticionado a quantia de €17.000,00;
5 - A quantia mutuada acrescida de juros remuneratórios e demais encargos devidos (nomeadamente no referente às quantias do seguro subscrito, de igual forma no contrato celebrado entre as partes, pelos mutuários) seria reembolsada da seguinte forma:
a) - em 94 prestações mensais sucessivas,
b) - No valor de €306,00 cada uma, vencendo-se no dia um de cada mês;
6 - Os RR aderiram ao seguro facultativo de vida e protecção ao crédito valor top posteriormente à data de celebração do contrato, i.e., a 28.12.2007;
7 - Desde o dia 17.07.2015, os RR não efectuaram mais qualquer pagamento;
8 - No dia 12 de Dezembro de 2007 a autora procedeu à transferência da quantia de €18.000,00 para a conta bancária dos réus;
9 - No primeiro dia útil do mês a que respeitava cada uma das 94 prestações, os réus procederam ao pagamento em conformidade com a referência criada pela autora;
10 - Os réus procederam aos seguintes pagamentos:

Ano de 2008 - € 3.744,00
- 8 (nove) prestações de € 306,00 = € 2.448,00
- 4 (quatro) prestações de € 324,00 = € 1.296,00
Ano de 2009 - € 3.888,00
- 12 (doze) prestações de € 324,00 = € 3.888,00
Ano de 2010 - € 3.901,48
- 11 (onze) prestações de € 324,00 = € 3.564,00
- 1 (uma) prestação de € 337,48
Ano de 2011 - € 3.888,00
- 12 (doze) prestações de € 324,00 = € 3.888,00
Ano de 2012 - € 3.888,00
- 12 (doze) prestações de € 324,00 = € 3.888,00
Ano de 2013 - € 3.888,00
- 12 (doze) prestações de € 324,00 = € 3.888,00
Ano de 2014 - € 3.888,00
- 12 (doze) prestações de € 324,00 = € 3.888,00
Ano de 2015 - € 2.281,48
- 6 (seis) prestações de € 324,00 = € 1.944,00
- 1 (uma) prestação de € 337,48.

Inversamente, foi dada como não provada a seguinte factualidade:

A) A autora procedeu ao depósito de €18.000,00 na conta dos réus, uma vez que atendendo à análise das condições económico financeiras dos clientes que é feita pela Credora A antes mesmo do financiamento apurou-se que os mesmos tinham capacidade para suportar mensalidade superior;
B) Os réus desconhecem qual o propósito da autora ao ter depositado €18.000,00 na sua conta bancária, já que não lhes foi prestado qualquer esclarecimento sobre a alteração do acordo;
C) Na data da adesão ao seguro facultativo, foram os RR novamente informados pelo Autor dos efeitos da adesão no custo do crédito, ou seja, das cláusulas 6 e 7 do contrato;
D) Nomeadamente, o custo do seguro não provoca o aumento da prestação mensal mas, no entanto, faz baixar o valor da amortização da dívida, isto porque o custo do seguro é de 0,40% sobre o montante total em dívida por mês;
E) A dívida de capital dos réus à autora ascende a € 11.593,95;
F) A autora suportou € 200,00 referente a despesas administrativas com a recuperação da presente dívida.

O direito

Sustenta a Recorrente que, ao indeferir o depoimento escrito por si apresentado e que era legalmente admissível, o tribunal recorrido omitiu um acto que a lei prescreve e que, por ter influência no exame ou na decisão da causa, produz nulidade processual, que expressamente invoca.

Vejamos.
Como ensina Manuel de Andrade em “Noções Elementares de Processo Civil”, 1979, página 176, “As nulidades de processo (…) são quaisquer desvios do formalismo processual seguido em relação ao formalismo processual prescrito na lei e a que esta faça corresponder – embora não de modo expresso – uma invalidação mais ou menos extensa de actos processuais (…)”.
Podem ser principais ou secundárias.
Estas, por sua vez, podem consistir na prática de um acto que a lei não admita ou na omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreva.
Ora, o indeferimento de um meio de prova, ainda que este fosse admissível, não consubstancia qualquer desvio ao formalismo processual.
Na verdade, competia ao tribunal apreciar os requerimentos de prova apresentados pelas partes, deferindo-os ou indeferindo-os, pelo que, rejeitando o depoimento escrito apresentado pela Recorrente, nenhuma infracção cometeu.
Se, porventura, decidiu mal, é questão distinta, que adiante trataremos.
Mais. A tratar-se de uma nulidade processual, sujeita ao regime previsto nos artigos 195º a 197º e 199º do Novo Código de Processo Civil (1), não poderia ser conhecida nesta sede, já que, como tem sido repetidamente afirmado na doutrina e jurisprudência, em via de recurso só podem ser conhecidas nulidades processuais cobertas por despacho que sobre elas se tenha pronunciado, a não ser que sejam do conhecimento oficioso.
Exceptuada essa situação e a prevista no n.º 3 do citado artigo 199º (a de o processo ser expedido em recurso antes de findar o prazo referido no n.º 1, caso em que a arguição pode ser feita perante o tribunal superior), as nulidades devem ser arguidas e julgadas no tribunal perante o qual ocorreram.
E essa regra vale mesmo para as nulidades anteriores à publicação da sentença, mas de que o interessado só tenha conhecimento posteriormente.
Na lição, sempre actual, do Professor Alberto do Reis (2), “As nulidades, ou sejam anteriores ou sejam posteriores à sentença ou acórdão final, estão sujeitas, quanto ao seu julgamento, à regra geral acima formulada (…)”.
Decorre do exposto que, a existir, a nulidade invocada estaria sanada - nesse sentido cfr. acórdão da Relação de Coimbra de 10.7.2007, disponível em www.dgsi.pt.
Mas não existia nulidade!
O vício de que o despacho em crise podia eventualmente padecer era o de ilegalidade, que, essa sim, pode ser sindicada por via de recurso.
Donde se conclui que, embora equivocada quanto à natureza do vício do despacho, a Recorrente acertou no meio utilizado para o atacar.
Acresce que, apesar de alguma ambiguidade que perpassa das conclusões formuladas, a Recorrente pretende apenas que, anulando-se o julgamento e a sentença, se determine que o tribunal recorrido aprecie e valore o depoimento rejeitado, pelo que o objecto do recurso se restringe à legalidade da decisão que recaiu sobre essa questão, tratada como questão prévia na sentença.
Pois bem.
Desde já se adianta que assiste razão à Recorrente.
Na decisão recorrida considerou-se que o depoimento escrito não era admissível porque o preceito que especialmente o regula não se encontrava abrangido pela remissão feita no n.º 1 do artigo 17º do anexo ao DL 269/98, de 1 de Setembro.
E, efectivamente, este último artigo prescreve que, havendo oposição ao requerimento de injunção, os autos, uma vez apresentados à distribuição, seguem, “com as necessárias adaptações, o disposto no n.º 4 do artigo 1º e nos artigos 3º e 4º”.
Por sua vez, a possibilidade de apresentação do depoimento por escrito está prevista no artigo 5º do mesmo diploma.
Sucede, porém, que, ao remeter para os artigos precedentes a esse, o citado artigo 17º, n.º 1, reporta-se apenas ao processo, ou seja, à tramitação dos autos após a distribuição (articulados admissíveis, prazo dentro do qual deve ser realizada a audiência de julgamento e causas do seu adiamento, número de testemunhas que cada uma das partes pode apresentar, etc).
Ora, no que aqui releva, prevê-se que cada parte possa produzir até três testemunhas sobre cada um dos factos que se propõe provar (artigo 3º, n.º 4).
Nada mais.
O regime, onde se inclui o juramento e interrogatório preliminar e os fundamentos de impugnação, e modo de produção da prova testemunhal serão os previstos no Código de Processo Civil e no referido artigo 5º, que constitui uma norma especial.
Com efeito, a razão de ser desta norma é a de facilitar, aligeirando os requisitos substanciais e formais previstos nos artigos 518º e 519º daquele Código, a apresentação dos depoimentos por escrito no âmbito dos procedimentos que se inserem na chamada litigância de massa, evitando a deslocação sistemática a tribunal, com os evidentes prejuízos que daí decorreriam para as empresas, das testemunhas que tiverem conhecimento dos factos controvertidos por virtude do exercício das suas funções.
Acresce que tal faculdade encontra plena justificação, quer quando o procedimento se inicia como acção declarativa especial para cumprimento de obrigação pecuniária, quer quando se inicia como injunção e se transmuta naquela acção mercê da dedução de oposição, pelo que, com o devido respeito, nem sequer se compreenderia a restrição implícita no despacho recorrido.
Impõe-se, pois, admitir o depoimento por escrito apresentado pela Recorrente, por observar os requisitos previstos no artigo 5º, e, consequentemente, ordenar a reabertura da audiência de julgamento e a ulterior prolação de nova sentença que considere e aprecie tal depoimento.


Sumário: I - A disciplina prevista no artigo 5º do anexo ao DL 269/98, de 1 de Setembro é aplicável à prova testemunhal apresentada no âmbito da acção especial para cumprimento de obrigação pecuniária iniciada como injunção.
*
IV. DECISÃO:

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar procedente a apelação e, em consequência, admitir o depoimento escrito apresentado pela Recorrente, revogando-se, nesse segmento, a decisão recorrida e ordenando-se a reabertura da audiência de julgamento e a ulterior prolação de nova sentença que considere e aprecie aquele depoimento.
Custas a cargo da parte vencida a final.
Guimarães, 18 de Janeiro de 2018

Relator - João Peres Coelho
1º Adjunto – Pedro Damião e Cunha
2º Adjunto – Maria João Matos


1. Diploma a que pertencerão os restantes preceitos citados sem indicação de origem.
2. Código de Processo Civil Anotado, volume V, página 139.