Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
4782/07.0TBGMR.G1
Relator: ANTÓNIO SOBRINHO
Descritores: ACÇÃO DE DIVISÃO DE COISA COMUM
ADJUDICAÇÃO
CASO JULGADO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/19/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1. A sentença de adjudicação do imóvel, proferida na acção de divisão de coisa comum, constitui caso julgado que releva como autoridade de caso julgado material no presente processo de declaração de nulidade dessa adjudicação judicial, visto que o objecto processual anterior (pedido e causa de pedir) é condição para apreciação do objecto processual posterior.
2. É a relevância da função negativa do caso julgado que está em causa: declarada, por via judicial, com trânsito em julgado, determinada adjudicação como válida, não pode suscitar-se no futuro a sua nulidade.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:


I – Relatório;

Recorrente (s): AO… (autora);
Recorrido (s): NM… e ML (réus);

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Nos presentes autos, AO veio propor a presente acção sob a forma de processo ordinário contra NM e ML, com seguintes fundamentos:

Pedido:
- Que seja declarada a nulidade da adjudicação feita no processo judicial de divisão de coisa comum ao ora R..

Causa de pedir:

- Foi casada com o R. e que, tendo-se divorciado, correu termos acção para divisão de coisa comum em consequência da qual o imóvel referido no art.º 6.º da p.i. foi adjudicado ao referido R.
Então, a sua advogada renunciou ao mandato na respectiva acção, não tendo mais, a A., constituído mandatário na acção.
Atento o facto de não ter constituído mandatário e em virtude de tal constituição ser obrigatória, o acto de adjudicação do imóvel é nulo.
*
Os RR. impugnaram, invocando a questão do caso julgado, por todos os actos praticados no processo de divisão de coisa comum há muito não eram passíveis de recurso, alegaram o abuso de direito da A. consistente na adopção de um comportamento contrário ao que teve na acção de divisão de coisa comum, em virtude de não ter reagido, nesse mesmo processo, perante as decisão que nele iam sendo tomadas.
Reconviram, alegando factos constitutivos da aquisição originária do imóvel em causa e que o puseram à venda, a qual não se concretizou, por via desta acção, o que lhes causou prejuízo, a liquidar posteriormente.
Houve réplica.

Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença em que se decidiu o seguinte:
- Condenar a A. AO a reconhecer que os RR. NM E ML são donos e proprietários do prédio rústico sito no Lugar de Monte Alver, freguesia de Ronfe, Guimarães, descrito na Conservatória do Registo Predial de Guimarães sob o n.º 006…. e inscrito na respectiva matriz predial sob o art.º 3… daquela freguesia.
- Absolver a A. e os RR. do demais peticionado.


Inconformado com tal decisão, dela interpôs recurso a autora, pretendendo a sua revogação, em cujas alegações suscita, em suma, as seguintes questões:
1 - A sentença recorrida julgou a acção improcedente, por entender que à procedência obstava o caso julgado formado pela sentença anterior que confirmou aquela adjudicação, e por não ter, nesse processo, a aqui Autora alegado qualquer vício de vontade, nem qualquer nulidade, nem recorrido, no pressuposto, assim afirmado na mesma sentença recorrida, de que a nulidade invocada é “adjectiva” e secundária.
2 - Não são aceitáveis, por mais do que um motivo, quaisquer dos pressupostos em que assentou a decisão recorrida, cujo primeiro vício é o de supor que a Autora, mesmo sem advogado constituído, devia ter visto no processo condições para arguir qualquer vício de vontade, qualquer nulidade, ou para interpor qualquer recurso, o que constitui um verdadeiro absurdo pois é evidente que só através das informações que lhe fossem prestadas por advogado por si constituído é que a Autora poderia ter conhecimento dessas faculdades, que o douto julgador supõe à mercê de qualquer pessoa.
3 - Nos termos do artigo 32°, n°1 do Código de Processo Civil, é obrigatória a constituição de advogado nas causas de competência de tribunais com alçada, em que seja admissível recurso ordinário, bem como nas causas em que seja sempre admissível recurso, independentemente do valor, o que nesse processo sucedia.
4 - A doutrina distingue nulidades processuais absolutas que se reconduzem a situações de quase inexistência jurídica (como será o caso de uma sentença produzida por um agente administrativo) de nulidades processuais relativas: das primeiras o juiz pode conhecer oficiosamente, são insanáveis pelo decurso do tempo ou pelo acordo das partes; das segundas, o juiz só pode conhecer dentro de determinado prazo e apenas desde que a questão lhe seja suscitada por alguma das partes.
5 - A falta de constituição de advogado é de qualificar como falta absoluta de um pressuposto que tem como consequência a “inutilização da sentença”.
6 - Com efeito, a falta de constituição de advogado equivale à falta absoluta de audiência da parte que devia por ele ser representada, em violação dos n°s 1 e 3 do artigo 3° do Código de Processo Civil, que exige que para resolver o conflito de interesses que a acção pressupõe é indispensável que a parte demandada seja devidamente chamada para deduzir oposição, sucedendo mesmo que (Ac. Tribunal Constitucional n°25912000, de 2 de Maio, in Acs. TC, 47, 345 e DR li de 7 de Novembro de 2000) só através da constituição de advogado o direito de acesso aos tribunais é assegurado, e bem assim o correcto funcionamento das regras do contraditório, que tomam o processo equitativo e leal.
7 - A decisão recorrida, menosprezando a necessidade de intervenção de advogado, interpreta, implícita ou explicitamente, o artigo 32° do Código de Processo Civil como regra que está na livre disponibilidade das partes ou do juiz, interpretação que é inconstitucional por denegar o acesso ao direito, o acesso ao patrocínio judiciário e excluir a possibilidade de a decisão resultar de um processo equitativo, razão pela qual tal interpretação deve ser rejeitada pelos tribunais.
8 - Sem prescindir, não é invocável o trânsito em julgado da decisão final do anterior processo porque neste existe um despacho, seguramente transitado em julgado e produzido antes da decisão final, em cujos termos (facto 24 fixado na sentença) só foi admitida “a intervenção sem mandatário por parte da requerida” “até que se mostrem suscitadas questões de direito”, de onde a obediência a tal decisão, porque produzida anteriormente a qualquer outra que a contrariasse, se impunha, nos termos do artigo 657°, n°1, do Código de Processo Civil.
9 - Sendo a sentença do precedente processo ferida de um vício de essência, deve a mesma considerar-se como inexistente, à semelhança do que sucede quando uma decisão de um órgão administrativo versa actividade jurisdicional não incluída nos seus poderes.
Houve contra alegações nas quais se pugna pelo julgado.


II – Delimitação do objecto do recurso; questões a apreciar;

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações, nos termos dos artigos 660º, nº 2, 664º, 684º, nºs 3 e 4 e 690º, nº 1, todos do Código de Processo Civil (CPC).

A única questão suscitada pela Recorrente é a de saber se a sentença recorrida deve ser alterada, no sentido de se julgar procedente a excepção de caso julgado material.


Colhidos os vistos, cumpre decidir.


III – Fundamentos;

1. De facto;

A factualidade dada como assente é a seguinte:
1. A A. e o Réu marido foram entre si casados, uma vez que contraíram matrimónio canónico, devidamente transcrito, na igreja paroquial de Ronfe, no dia 16 de Fevereiro de 1969 – al. A) da matéria assente.
2. O seu matrimónio foi dissolvido por divórcio decretado por um Tribunal francês, país onde A. e Ré haviam fixado residência, o Tribunal de Grande Instância de Lion, conforme decisão revista e confirmada por Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 2 de Novembro de 1992, transitado em julgado em 19 de Novembro de 1992 – al. B) da matéria assente.
3. A. e Réu haviam sido casados no regime supletivo de comunhão de adquiridos, uma vez que nenhum haviam expressamente convencionado – al. C) da matéria assente.
4. Em 19 de Abril de 1994, o Réu viria a casar, segundo o regime da comunhão de adquiridos com a aqui Ré – al. D) da matéria assente.
5. Em 13 de Dezembro de 1978 o Réu marido, por escritura pública celebrada no Primeiro Cartório da Secretaria Notarial de Guimarães, mediante o pagamento do preço de 300.000 escudos comprara para o seu casal – então formado por ele e pela A. – o seguinte prédio:
Prédio rústico denominado Sorte do Monte de Alvar, sito na freguesia de Ronfe, no lugar do seu nome a confrontar de norte com caminho público, de sul com Virgílio de Sousa Lobo, de nascente com D. Maria Henriqueta de Sousa Silva Alcoforado e do poente com herdeiros de José de Oliveira Pinto, descrito na Conservatória do Registo Predial deste concelho, sob o n.º 3… e inscrito na matriz rústica sob o artigo 1… – cfr. al. E) da matéria assente.
6. Aquando do seu divórcio, a A. e o Réu marido eram ainda proprietários do referido imóvel que, contudo, estava então descrito na matriz predial rústica sob o artigo 3…, mercê de posteriores avaliações cadastrais, e se designava do seguinte modo:
Terreno de mato e eucaliptal, com a área total de 3600 m2, a confronta de norte com Francisco O. Gonçalves, de nascente com Joaquim C. Antunes, de sul com Jerónimo F. Dias e de poente com a estrada – cfr. al. F) da matéria assente.
7. Em 1994 o R. marido intentou processo de inventário para partilha dos bens comuns do casal, subsequente a divórcio, processo que, com o nº 220/94, correu termos pelo 1.º Juízo Cível da Comarca de Guimarães – cfr. al. G) da matéria assente.
8. Nesse processo de inventário foi adjudicado a ambos os interessados, em comum e partes iguais, o prédio objecto da presente acção e que constituía a única verba da relação de bens a partilhar – cfr. al. H) da matéria assente.
9. Ficou assim esse prédio a pertencer em compropriedade à aqui autora e réu, na proporção de metade para cada um – cfr. al. I) da matéria assente.
10. Tendo tal facto sido levado ao registo predial – cfr. al. J) da matéria assente.
11. Foi para fazer cessar essa situação de compropriedade que o aqui réu, em 20 de Fevereiro de 2003, instaurou acção de divisão de coisa comum, a qual correu por apenso ao referido processo n.º 220/94, com o n.º 220-B/94, do l.º Juízo Cível desta comarca – cfr. al. L) da matéria assente.
12. Acção essa através da qual pedia que o referido prédio fosse julgado indivisível em substância, fosse ordenada a sua venda judicial, e o produto desta fosse repartido entre ele a ora A. – cfr. al. M) da matéria assente.
13. Instruiu esse pedido com os documentos necessários e pediu a citação da Ré, ora A., para contestar, querendo – cfr. al. N) da matéria assente.
14. No referido processo viria a ser realizada, em 21 de Janeiro de 2004, uma conferência de interessados, presidida pela Exma. Magistrada titular daquele 1° Juízo, à época, Dr.ª Sofia Reis Rodrigues e à qual compareceram as duas partes, acompanhadas dos respectivos advogados constituídos, Dr. Victor Borges, advogado desta comarca e Dr.ª Maria Cândida Fonseca, advogada com domicílio profissional na Rua dos Armazéns, n.º 1, na cidade do Porto, que juntou procuração conferida pela aqui A. – cfr. al. O) da matéria assente.
15. Constatando-se na conferência a impossibilidade das partes acordarem quando à adjudicação daquele prédio, cuja divisão fora requerida, determinou a Exma. Magistrada que se procedesse à venda do citado imóvel, nos temos prescritos pelo artigo 1056.º n.º 2 do Código de Processo Civil – cfr. al. P) da matéria assente.
16. Tendo ambos os mandatários requerido a concessão do prazo de 10 dias, que lhes foi deferido, para se pronunciarem, querendo, quanto à modalidade da venda e valor base do bem a vender – cfr. al. Q) da matéria assente.
17. Tal despacho transitou, há muito, em julgado – cfr. al. R) da matéria assente.
18. Ambas as partes, ainda representadas pelos citados Exmos. Advogados, pronunciando-se, conforme haviam requerido, viriam a convir que a venda deveria ser feita por meio de propostas em carta fechada – cfr. al. S) da matéria assente.
19. Divergindo, contudo, quanto ao valor base que, para a aqui A. deveria ser “por preço não inferior a 30000€” e para o aqui Réu marido o de 100000€ – cfr. al. T) da matéria assente.
20. Determinou, na sequência, a Exma. Juíza do processo, por despacho de 25 de Fevereiro de 2004, que se procedesse à avaliação do imóvel – cfr. al. U) da matéria assente.
21. Avaliação essa que viria a dar para o mesmo o valor de 88.000€, conforme laudo apresentado no processo em 17 de Maio de 2004 – cfr. al. V) da matéria assente.
22. . Em 29 de Junho de 2004, a Exma. mandatária da aqui A., Dr.ª Maria Cândida Fonseca, por não lhe convir “continuar com o patrocínio da mesma” renunciou ao mandato – cfr. al. X) da matéria assente.
23. A aqui A. informou então por requerimento nos autos que decidira “rescindir a ligação com a minha Advogada Dr.ª Maria Cândida Fonseca e decidi representar-me a mim própria” – cfr. al. Z) da matéria assente.
24. Pronunciando-se sobre o requerido a Exma. Magistrada decidiu admitir “a intervenção sem mandatário por parte da requerida Alexandrina Oliveira, pelo menos até que se mostrem suscitadas questões de direito”, isto apesar de reconhecer que a acção era de “patrocínio obrigatório” – cfr. al. AA) da matéria assente.
25. Tal despacho, produzido em 12 de Outubro de 2004, há muito transitou em julgado – cfr. al. AB) da matéria assente.
26. No mesmo douto despacho, e por isso igualmente com transito em julgado foi determinado “se proceda à venda judicial por propostas em carta fechada do imóvel em referência nos autos”, tendo sido designado para a abertura de propostas o dia 2 de Dezembro próximo futuro pelas 10 horas – cfr. al. AC) da matéria assente.
27. Nesse dia e hora (autos a fls. 103) na presença da A. e do Réu marido, e sem a presença de qualquer Advogado em representação de uma ou outra das partes, constatando a Exma. Magistrada que não foram apresentadas quaisquer propostas determinou que a secretaria notificasse “o requerente e a requerida para, no prazo de dez (10) dias, requererem o que tiverem por conveniente nos termos do artigo 895°, n.º 2 do C.P. Civil” – cfr. al. AD) da matéria assente.
28. Tal despacho transitou em julgado – cfr. al. AE) da matéria assente.
29. Apenas o aqui Réu viria, na sequência da notificação a requerer que fosse ordenada “a venda do bem por negociação particular”, pelo valor resultante da avaliação, nos termos do “artigo 904° al. e) do Código Civil” o que a Exma. Magistrada deferiu – cfr. al. AF) da matéria assente.
30. Subsidiando-se (cfr. douto despacho de fls. 108 de 10 de Janeiro de 2005) “das disposições conjugadas dos artigos 1056° n.º 2 e 904°, al. c) do C.P.Civil” à Exma. Magistrada determinou que se procedesse “à venda extrajudicial” – cfr. al. AG) da matéria assente.
31. Tal despacho transitou igualmente em julgado – cfr. al. AH) da matéria assente.
32. Continuando a A. a representar-se a si própria nesse processo, dirigiu ao Tribunal (autos a fls. 129), e, concretamente, a “Francisca Cândida (Oficial de Justiça)”, um requerimento informando que não lhe interessava a oferta feita por Guedes e Araújo, Imobiliária S.A. (que propusera – autos a fls. 125- comprar o terreno por 62.000€ e preferia “ficar com o terreno” – cfr. al. AI) da matéria assente.
33. Pronunciando-se sobre esse requerimento a Exma. Magistrada indeferiu por entender que não estava na disponibilidade da requerida “ficar com o terreno”, “sem prejuízo de a mesma apresentar proposta de aquisição junto do Sr. encarregado de venda” conforme douto despacho de 14 de Junho de 2005 – cfr. al. AJ) da matéria assente.
34. Tal despacho transitou em julgado – cfr. al. AL) da matéria assente.
35. Na sequência, e sempre sem que a A. tivesse constituído mandatário forense, viria o aqui Réu a requerer que lhe fosse adjudicado o prédio por 62.050,00€ – cfr. al. AM) da matéria assente.
36. O que viria a ser admitido, “uma vez que não surgiu nenhuma outra proposta de valor superior”, determinando-se a notificação do aqui Réu para depositar à ordem do processo “a parte do preço correspondente à quota da Requerida, acrescida do valor correspondente às custas prováveis” – cfr. al. AN) da matéria assente.
37. (…) Em 10 de Fevereiro de 2006 (fls. 150) a A. requereu nos autos que se procedesse à resolução deste caso o mais rapidamente possível”, porque “tenho em mim o desejo de manter em minha posse o dito terreno” – cfr. al. AO) da matéria assente.
38. Sempre sem qualquer intervenção de mandatário constituído pela aqui A., viria então nesse processo a ser produzido (a fls. 159) o despacho final, determinando que “mostrando-se pago o correspondente preço, adjudico ao Requerente/Proponente NM a parte do direito de propriedade sobre o prédio rústico situado no lugar de Alvar, freguesia de Ronfe, Guimarães, inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo 3… e descrito na Conservatória do Registo Predial de Guimarães sob o n.º 006… que era titulado pala Requerida AO” – cfr. al. AP) da matéria assente.
39. No mesmo despacho declarou-se extinta a acção, por ter cessado “a situação de compropriedade pela venda do imóvel comum”, com “custas por Requerente e Requerida em partes iguais” – cfr. al. AQ) da matéria assente.
40. A A. nunca alegou no processo no 220-A/94 a nulidade dos actos praticados após a admissão da renúncia ao mandato pela sua Advogada – cfr. al. AR) da matéria assente.
41. Por sentença já transitada em julgado e proferida nos autos de processo que, com o n.º 224-B/94, correram termos pelo l.º Juízo Cível desta comarca, foi adjudicado ao aqui réu marido o prédio rústico situado no Lugar de Monte Alvar, da freguesia de Ronfe, desta comarca, descrito na Conservatória do Registo Predial de Guimarães sob o n.º 006… e inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo 3… daquela freguesia – cfr. al. AS) da matéria assente.
42. Adjudicação que foi levada ao registo por apresentação de 2006/12/19.
43. Notificada a aqui A. da conta de custas manifestou-se a mesma espantada, informando que não entendia o alcance da sentença final e perguntando se o terreno fora afinal vendido, caso afirmativo por quem, quando, por que quantia, uma vez que, dizia, não estava “ao corrente de nada” e “ o documento da sentença final” não era “ de modo algum esclarecedor”(autos a fls. 181) – resposta ao quesito 1.º.
44. Em resposta, findo que estava o processo, o tribunal entendeu nada ter a ordenar e notificou a requerente com cópias de algumas peças anteriores à sentença, conforme douto despacho de fls. 185 - resposta ao quesito 2.º.
45. O R., desde 1996, limpa o imóvel referido no supra ponto 5. dos factos – resposta ao quesito 4.º.
46. Após o trânsito em julgado da sentença proferida nos referidos autos de processo n.º 220-B/94, do l.º Juízo Cível do Tribunal desta comarca o R. pôs à venda o prédio que por aquela sentença adquiriu – resposta aos quesitos 8.º e 9.º.
47. Tendo feito colocar no aludido prédio uma tabuleta anunciando essa venda - resposta ao quesito 10.º
48. A moradia a construir teria três quartos, sala, cozinha, três casas de banho, cave, garagem e arrumos, com cave, rés-do-chão e primeiro andar – resposta ao quesito 13.º.
49. A propositura da presente acção – que está sujeita a registo – tem a natural demora de um processo com estas características, que comporta a possibilidade de recursos até ao mais alto grau de jurisdição – resposta ao quesito 14.º.


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2. De direito;

O artº 664º, do Código de Processo Civil ( doravante CPC ), estatui que o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito.
Por outro lado, em sede de recurso, apreciam-se questões e não razões.
Os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido.

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Coloca-se, à consideração deste Tribunal, a questão de se saber se a sentença de adjudicação do dito imóvel proferida na acção de divisão de coisa comum deve ser declarada nula como pretende a recorrente, com os fundamentos em nulidade absoluta daquele acto judicial de adjudicação, de interpretação inconstitucional do artº 32º, do CPC, e de não acatamento de caso julgado anterior, em virtude de a requerida nesse processo (e aqui apelante) não estar acompanhada de advogado constituído.
Apreciando.
Na sentença objecto de recurso considerou o Tribunal a quo que a existência de caso julgado anterior obsta a que seja deferida a pretensão da demandante, o que será de sufragar.

Desde logo, a recorrente aborda a questão de não constituição de advogado naqueloutro processo como se de falta absoluta de advogado nos autos se tratasse desde o início, o que não se verificou.
Na verdade, a ali requerida constituiu advogada, a qual veio posteriormente renunciar à procuração, tendo a respectiva mandante/requerida conhecimento desse facto.
Nesta situação de renúncia, o que o artº 39º, nº 3, do CPC, estatui é que, no caso de patrocínio obrigatório, se o réu não constituir novo mandatário no prazo de 20 dias, o processo segue os seus termos, se a falta for do réu.
Em suma, in casu não estamos perante uma situação de falta absoluta de constituição de advogado, isto é desde ab initio, mas sim de uma renúncia de mandato no decurso do processo, da qual a recorrente teve conhecimento e tomou a decisão própria de não se fazer representar no processo.
A própria lei processual permite assim que os autos prossigam sem que a parte seja representada por advogado.
Os efeitos dessa renúncia e a decisão da parte de não constituir novo advogado não podem deixar de lhe ser imputáveis.
De outro modo, a dialéctica de interesses ou de direitos em jogo (direito de acção versus direito de defesa) seria postergada, tornando-se num processo injusto, por favorecer um dos litigantes.

Questão diversa seria a de o processo se iniciar e seguir os seus termos até final sem que a parte tenha constituído advogado algum, sendo esse patrocínio obrigatório.
Tal falta de pressuposto seria susceptível de traduzir uma violação de princípios como o direito de defesa e a igualdade das partes, bem como os de um processo equitativo e de tutela jurisdicional efectiva, consagrados nos artºs 3º, nº 3 e 3º-A, ambos do CPC e artº 20º da Constituição da República Portuguesa.
No caso em análise, porém, a parte constituiu advogado, pôde conferenciar com o mesmo, informar-se e inteirar-se dos trâmites do processo, estruturar e preparar a defesa dos seus interesses, não correndo os autos à sua revelia nem à revelia da constituição de um advogado.
Enfim, teve a possibilidade de se pronunciar nos autos sobre questões suscitadas e teve a faculdade de constituir novo mandatário, querendo.
Importa não olvidar que a necessidade de se dar às partes a possibilidade de se pronunciarem sobre as questões a decidir, seja quanto ao pedido, seja quanto à defesa, consagrado no apontado artº 3º, nº 3, do CPC, pressupõe um dever de diligência das partes, como seja, no caso em apreço, quanto à apelante, então requerida, notificada que foi da decisão de adjudicação do imóvel, obter a consulta de um advogado e, querendo, reagir contra mesma, por meio de recurso.
Ao invés, nada tendo feito, parece usar o presente meio processual como forma de repristinação do direito ao recurso que se precludiu.
Pelas razões sobreditas, a circunstância de os autos prosseguirem sem a constituição de novo advogado (por esta ter tomado a confessada iniciativa de “se representar a si própria”), pese embora o despacho judicial proferido de «admitir “a intervenção sem mandatário por parte da requerida Alexandrina Oliveira, pelo menos até que se mostrem suscitadas questões de direito”, isto apesar de reconhecer que a acção era de “patrocínio obrigatório”», não configura uma nulidade absoluta desse processo que afecte a existência e validade da sentença de adjudicação, por falta de audiência da requerida.
Tão pouco, pelos motivos supra e infra expendidos, se descortina na sentença a propalada interpretação (inclusive implícita) inconstitucional do artº 32º, do CPC, por violação do artº 20º da Constituição da República Portuguesa, no sentido de que naquela se admite que o citado preceito processual institui a regra de que a necessidade ou não de intervenção de advogado depende da disponibilidade das partes ou do juiz, por denegação do acesso ao direito, do direito ao patrocínio judiciário, do direito à representação por advogado.
No processo de divisão de coisa comum não deixou de ser assegurado o acesso ao Direito, o acesso ao patrocínio judiciário (a parte foi representada por advogada até à renúncia de mandato), sendo que a parte teve conhecimento dessa renúncia, teve a possibilidade de constituir novo advogado e foi notificada de todos os actos e decisões judiciais, deixando que o seu trânsito se verificasse.


E também quanto esta questão, é de acolher o decidido em 1ª instância, uma vez que reforça o acerto da sua fundamentação.
Com efeito, “A excepção do caso julgado visa evitar que o órgão jurisdicional, duplicando as decisões sobre idêntico objecto processual, contrarie na decisão posterior o sentido da decisão anterior ou repita na decisão posterior o conteúdo da decisão anterior: a excepção do caso julgado garante não apenas a impossibilidade de o tribunal decidir sobre o mesmo objecto duas vezes de maneira diferente ..., mas também a inviabilidade do tribunal decidir sobre o mesmo objecto duas vezes de maneira idêntica ...” e a autoridade de caso julgado manifesta-se no seu efeito positivo de proibição de contradição de decisão transitada e no seu aspecto negativo de proibição de repetição da decisão; traduz-se no “comando de omissão ou a proibição de acção respeitante ao impedimento subjectivo à repetição no processo subsequente do conteúdo da decisão anterior e ao impedimento subjectivo à contradição no processo posterior do conteúdo da decisão antecedente” (Miguel Teixeira de Sousa, em “O objecto da sentença e o caso julgado material”, no BMJ 325, págs. 325, págs. 176 e 179).
“Assim, verifica-se que o caso julgado material pode valer em processo posterior como autoridade de caso julgado, quando o objecto da acção subsequente é dependente do objecto da acção anterior, ou como excepção de caso julgado, quando o objecto da acção posterior é idêntico ao objecto da acção antecedente” (Idem, 178).
Também Lebre de Freitas (CPC Anotado, Vol 2º, 325), refere que pela excepção visa-se o efeito negativo da inadmissibilidade da segunda acção, constituindo-se o caso julgado em obstáculo a nova decisão de mérito enquanto a autoridade do caso julgado tem antes o efeito positivo de impor a primeira decisão, como pressuposto indiscutível da segunda decisão de mérito.
E quanto aos seus limites?
O artº 660º, nº2, do CPC, impõe ao juiz o dever de resolver todas as questões que as partes tenham submetido á sua apreciação e nos termos do artº 673º, a sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga.
Ora, se para uns os limites objectivos do caso julgado se confinam à parte injuntiva da decisão, não constituindo caso julgado os fundamentos da mesma - Castro Mendes (DPC, III (1980), 282 e 283), Antunes Varela, (Manual de Processo Civil, 695), Manuel de Andrade (Noções Elementares (1976), 334) e Anselmo de Castro (Lições de Processo Civil, I, 1970, 363 e segs) -, para outros reconhecer que a decisão está abrangida pelo caso julgado não significa que ela valha, com esse valor, por si mesma e independente dos respectivos fundamentos (Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 578), pois que o caso julgado incide sobre a decisão como conclusão de certos fundamentos e atinge esses fundamentos enquanto pressupostos daquela decisão.
Em “Notas ao Código de Processo Civil”, III, pag. 200 e 201, o Conselheiro Rodrigues Bastos afirma, também, que a posição actualmente predominante é favorável a uma mitigação do referido conceito restritivo de caso julgado, no sentido de, considerando embora o caso julgado restrito à parte dispositiva do julgamento, alargar a sua força obrigatória à resolução das questões que a sentença tenha tido necessidade de resolver como premissa da conclusão firmada.
Veja-se os Acórdãos do STJ de 30.4.96, CJ STJ IV, 2, 48 e de 5/5/05 in dgsi.pt, além de muitos outros.
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Reportando-nos ao caso sub judice, independentemente da posição que se adopte, a referida sentença de adjudicação do imóvel, proferida na acção de divisão de coisa comum, constitui caso julgado que releva como autoridade de caso julgado material no presente processo de declaração de nulidade dessa adjudicação judicial, visto que o objecto processual anterior (pedido e causa de pedir) é condição para apreciação do objecto processual posterior.
Enfim, é a relevância da função negativa do caso julgado que está em causa: declarada, por via judicial, com trânsito em julgado, determinada adjudicação como válida, não pode suscitar-se no futuro a sua nulidade Vide neste sentido os Acórdãos do STJ de 19.02.1998, de 06.07.1994 e 21.03.2000, in, respectivamente, BMJ, 474º-405, AD, 398º-231 e Sumários:39º-19, bem como o Acórdão da RL, de 09.07.10985:CJ, 1985,4º -119 e o Acórdão RC de 07.06.1994:BMJ 438º-559..
Como diz Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil Anotado, vol.v, pg.193: “ Formado o caso julgado, a situação jurídica que ele declarou e definiu torna-se imutável.”


Também não se vislumbra que se esteja perante um caso de inexistência jurídica da sentença de adjudicação, como defende a recorrente, por não enfermar de vício que a afecte no seu âmago, mormente por “error procedendo”, como seja o caso de vício formal, com preterição do previsto no artº 157º, nº1, do CPC.

Concluindo, face às razões aduzidas, deve manter-se a decisão recorrida.


III. DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes que constituem esta 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.

Custas pela apelante.


Guimarães, 19.01.2012
António Sobrinho
Maria Isabel Rocha
Jorge Teixeira