Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
120/16.0T8EPS.G1
Relator: JOSÉ AMARAL
Descritores: EMPRÉSTIMO BANCÁRIO
CASA DE MORADA DE FAMÍLIA
ATRIBUIÇÃO PROVISÓRIA
COMPENSAÇÃO
PEDIDO RECONVENCIONAL
ADMISSIBILIDADE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/18/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:

1. Se o despacho interlocutório relativo à verificação das condições em que pode ser deduzida reconvenção (artº 266º, CPC) se limitou a admiti-la tabelarmente, tal não constitui caso julgado formal e a questão é de apreciação oficiosa pela Relação por estar em causa uma excepção dilatória inominada.

2. Tendo, na acção de divórcio, sido acordado, pelos cônjuges, que o gozo da casa de morada de família (bem comum) ficava atribuído provisoriamente ao ex-marido até à partilha, sem mais nada a ex-mulher, que já antes optara por sair e ir habitar outra, lhe ter, então ou depois, exigido como contrapartida por tal uso, não pode ela, depois do divórcio, do inventário e da divisão daquela coisa comum, no contexto de uma acção que aquele moveu contra esta pedindo a condenação dela a pagar-lhe metade do valor das prestações bancárias devidas pelo empréstimo contraído para a sua aquisição que só ele suportou naquele período, pretender, em reconvenção, que, com fundamento substantivo, designadamente, no regime do artº 1793º, do CC, ou no do enriquecimento sem causa previsto nos artºs 473º, e sgs, do CC, ele lhe pague agora uma quantia compensatória pelo não uso, calculada em função do respectivo valor locativo.

3. Aliás, tal reconvenção não é processualmente admissível, nos termos do artº 266º, do CPC.

4. Como se entende no Supremo Tribunal de Justiça, ainda que, nos termos do nº 7, do artº 931º, CPC, a medida cautelar e provisória de atribuição da casa de morada de família a um dos cônjuges possa comportar a fixação de uma compensação pecuniária ao outro com base até na aplicação analógica do regime previsto para a atribuição definitiva (artºs 1793º, CC, e 990º, CPC), tal só é possível, dada a peculiar configuração normativa em que tal se admite, na condição de o juiz a ter efectivamente fixado e atribuído na decisão respectiva procedendo aí a uma concreta valoração das circunstâncias da vida dos cônjuges e por razões de equidade ou justiça material.
Decisão Texto Integral:

Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães:

I. RELATÓRIO

O autor JOSÉ, intentou, em 17-03-2016, no Tribunal de Esposende, acção declarativa, com processo comum, que veio a prosseguir no de Viana do Castelo, contra a ré MARIA.

Pediu a sua condenação a pagar-lhe a quantia de 12.570,69€ (e juros).

Alegou, em síntese, na petição inicial, que se divorciou desta, por mútuo consentimento, em 16-11-2004.
Apenas em 06-06-2008, foi partilhado o património comum, que incluía a casa que foi morada de família adquirida com recurso a empréstimo bancário.
Durante aquele período (entre o divórcio e a partilha), pagou as prestações respectivas ao Banco.
É de 8.503,13€ o valor da metade devida pela ré e que esta lhe deverá repor.
No mesmo período, pagou as despesas de água e luz.
É de 4.067,56€ a parte destas devida pela ré.

Juntou documentos e, entre eles, cópia da acta de conferência realizada na acção de divórcio da qual consta que, por acordo, a casa de morada de família foi atribuída ao autor até à partilha e da sentença homologatória desta.

A ré, na contestação (27-05-2016), resumindo, além de excepcionar a incompetência territorial do tribunal, aceitou parte da matéria de facto alegada e impugnou outra, refutando a pretensa obrigação de pagar parte das prestações do empréstimo bancário relativas ao invocado período.

Com efeito, alegou que, em contrapartida do gozo exclusivo do imóvel, o autor aceitou pagar a totalidade dos valores mensais devidos pelo empréstimo ao Banco, o que fez, desde a data do divórcio e até à partilha, sem manifestar contrariedade e nunca tendo exigido qualquer valor à ré, convicto de que assim a compensava da privação, por parte dela, do uso do imóvel. Aliás, se o autor tal não tivesse aceitado, a ré não teria concordado na atribuição ao mesmo da casa ou ter-lhe-ia exigido o pagamento da compensação respectiva. O valor locativo do imóvel seria de 400,00€/mês, próximo do da prestação bancária, tendo, assim, a ré ficado dispensada, em contrapartida, de proceder ao pagamento da sua quota-parte (cerca de €200/mensais) das prestações bancárias, correspondente a metade daquele a que teria direito. Daí que deva ser absolvida do pedido relativo à quantia de 8.503,13€.

Quanto às alegadas despesas, elas respeitam a consumos próprios e são da responsabilidade exclusiva do autor, que as fez gozando o imóvel, pelo que deve também ser absolvida do pedido na parte relativa ao valor de 4.067,56€.

À cautela e sem prescindir do alegado, deduzindo reconvenção, alegou que, dadas as características e valor da casa, os rendimentos auferidos por cada um e porque ela própria teve de pagar renda noutra casa onde ficou a habitar com os filhos do casal, nos termos do artº 1793º, CC, ou segundo as regras do enriquecimento sem causa, sempre teria direito a exigir do autor uma compensação por ter ficado privada do gozo do bem comum e como contrapartida de este ter sido atribuído e fruído exclusivamente por ele. Sendo de 400,00€/mês o valor locativo, deve ser-lhe paga a metade (200,00€) nos 43 meses (entre a data do divórcio e a partilha), no total de 8.600,00€.
Concluiu que “deve:

a) a presente acção ser julgada totalmente improcedente e em consequência ser a Ré totalmente absolvida do pedido;
b) a litigância de má procedente por provada e por via dela ser o A. condenado a pagar multa e indemnização a favor da Ré no montante de €2.500 e
c) sem prescindir, a Reconvenção ser julgada totalmente procedente por provada e por via dela ser o A./reconvindo condenado pagar à R./reconvinte a quantia total de €8.600 a título das rendas devidas pela utilização por parte do A. do imóvel comum durante o período de 43 meses que medeia entre a data do divórcio e a partilha, à razão de €200/mensais. €200/mensais.”

Na réplica, o autor, negando ser devida qualquer compensação ou contrapartida, alegou que nunca a ré foi privada de usar e fruir o imóvel, tendo sido esta quem por sua livre e espontânea vontade decidiu abandonar a casa e de facto a abandonou em 04-03-2003. Desde Fevereiro de 2004 e desde Maio de 2004, respectivamente, os filhos Joaquim (maior e por decisão própria) e Manuel (menor e por decisão judicial que, primeiro, o confiou à guarda e cuidados do autor e, depois, regulou assim o exercício das responsabilidades parentais), passaram a habitar com este a casa. A ser devida qualquer renda, ela teria de ser pedida e fixada na sentença homologatória do divórcio, o que não aconteceu, não podendo agora a ré exigi-la, tal como qualquer compensação. Nunca a ré manifestou qualquer intenção de ali habitar, antes sempre vincou a sua posição de ruptura com o núcleo familiar. De resto, o valor reclamado é excessivo.

Por despacho datado de 12-07-2016, foi julgada procedente a excepção de incompetência territorial e ordenada a remessa do processo ao Tribunal de Viana do Castelo.

Procedeu-se à realização da audiência prévia. Nela se proferiu despacho saneador tabelar, admitiu a reconvenção(1), fixou o valor da acção, identificou o objecto do litígio (2), se enunciaram os temas da prova (3), apreciaram os requerimentos probatórios e ordenou-se a realização de perícia ao imóvel.

Entretanto, o autor, alegando que, afinal, foi superior o valor das prestações por si pagas ao Banco no período em causa, ampliou para 14.337,08€ o valor do pedido, o que, sem oposição, foi admitido.

Designou-se e realizou-se a audiência de julgamento, nos termos e com as formalidades descritas nas actas, tendo sido ouvidas as partes e inquiridas testemunhas.

Com data de 17-08-2017, foi proferida a sentença que culminou na seguinte decisão:

“Pelo exposto, decide-se:

5.1. Julgar a presente acção parcialmente procedente e, em consequência, condena-se a Ré a pagar ao Autor a quantia de € 10.269,52 (dez mil duzentos e sessenta e nove euros e cinquenta e dois cêntimos), acrescida dos juros de mora, à taxa legal, a contar da citação até efectivo e integral pagamento.
5.2. Julgar a reconvenção totalmente procedente e, em consequência, condena-se o Autor a pagar à Ré a quantia de € 8.600,00 (oito mil e seiscentos euros).
Custas da acção pelo Autor e Ré, na proporção do decaimento (art.º 527º, nºs 1 e 2 do CPC).
Custas da reconvenção pelo Autor (art.º 527º, nºs 1 e 2 do CPC).
Registe e notifique.”

O autor não se conformou e apelou, apresentando-nos, para fundamentar o pedido de alteração da sentença, quanto à reconvenção, fundamentos que sintetizou nas seguintes conclusões:

1. Fundamenta-se este recurso na errada apreciação da prova produzida pelo Tribunal a quo, resultando na omissão de um facto que deveria ter sido dado como provado e, consequentemente, na errada aplicação ínsitas nos artigos 1405º, 1406º e 1793º do Código Civil.
2. Das declarações da Recorrida supra transcritas, resulta um facto fundamental para decisão da questão que nos ocupa, a Recorrida saiu voluntariamente da então casa de morada de família, nunca tendo sido privada do seu uso e fruição.
3. Trata-se de um facto essencial para a boa decisão da causa, pelo que, deverá ser ampliada a matéria de facto, passando a figurar dos Factos Provados o que ora se enuncia: “r) Nos meses que antecederam o divórcio, a Ré saiu voluntariamente, por ser essa a sua vontade livremente formada, da então casa de morada de família.”
4. Com base na errada interpretação da prova e não consideração do Facto Provado supra enunciado, o Tribunal a quo subsumiu incorretamente os factos ao direito aplicável.
5. A atribuição da casa de morada de família ao Recorrente antes deu forma jurídica a uma situação de facto existente, de ser o Recorrente o único a habitar o aludido imóvel, por a Recorrida dele ter voluntariamente saído.
6. Por esse motivo, não foram alegados, e muito menos provados, factos demonstrativos de que a Recorrida tenha pretendido exercer os seus direitos sobre o prédio e disso ter sido ilicitamente impedida pelo Recorrente.
7. Naquele período, a ambos era lícita a utilização do imóvel, desde que respeitados os princípios decorrentes dos arts. 1405º e 1406º do Código Civil.
8. Pelo que, com o devido respeito, mal andou o Tribunal a quo, primeiro, ao dar como adquirido que a Recorrida foi privada de utilizar o seu bem, quando na realidade não foi, e, segundo, ao fixar um valor indemnizatório decorrente dessa alegada privação.
9. Ademais, se a ora Recorrida não estava interessada na manutenção da situação, poderia ter requerido no processo de divórcio a atribuição a ela própria da então casa de morada de família, em termos de regime provisório – art. 931º nº 7 do Código de Processo Civil -, ou, após o trânsito em julgado do divórcio, requerer, ao abrigo do disposto no artigo 1793º do Código Civil, o direito ao seu arrendamento.
10. Como também seria nesse período que a Recorrida deveria exigir ser de alguma forma compensada, se a isso tivesse direito, mas nunca o fez!
11. Não tendo sido pedida no momento devido, acredita-se, salvo melhor opinião, que não poderá a Recorrida prevalecer-se agora de tal argumentação para exigir algo que sempre considerou não ser de exigir.
12. Por força do alegado, deveria o Tribunal a quo ter aplicado os artigos 1405º, 1406º e 1793º do Código Civil, no sentido de considerar não ter ocorrido qualquer privação no direito da Recorrida em utilizar o bem imóvel de que era comproprietária juntamente com o Recorrente e, como tal, não ser de fixar qualquer renda ou valor indemnizatório, não só por não ser devido, mas por não ter sido exigido no tempo e pelo meio devido.

NESTES TERMOS,
Deve ser concedido provimento ao presente recurso, proferindo-se douto acórdão que revogue parcialmente a douta sentença proferida e, consequentemente, considere não provada e improcedente a Reconvenção deduzida pela Recorrida.”.

Não houve contra-alegações pela ré.

Foi admitido o recurso como de apelação, com subida imediata, nos autos e efeito meramente devolutivo.

Corridos os Vistos legais, cumpre decidir, uma vez que nada a tal obsta.

II. QUESTÕES A RESOLVER

Pelas conclusões apresentadas pelo recorrente, sem prejuízo dos poderes oficiosos do tribunal, se fixa o thema decidendum e se definem os respectivos limites cognitivos. Assim é por lei e pacificamente entendido na jurisprudência – artºs 5º, 608º, nº 2, 609º, 635º, nº 4, 637º, nº 2, e 639º, nºs 1 e 2, do CPC.

No caso, importa apreciar e decidir se:

a) Se era por ocasião do divórcio e no respectivo processo (ou até à partilha) que a ré devia ter exigido/pedido a compensação pelo não uso da casa de morada de família e não agora por reconvenção.
b) Se deve ser ampliada a matéria de facto provada.
c) Se não é devida pelo autor à ré qualquer contrapartida (renda ou compensação) por apenas ele ter usufruído (mantendo a situação de facto existente e segundo o acordo estabelecido no divórcio), e não ela (que espontaneamente a abandonou e foi morar para outro local sem jamais ter manifestado qualquer pretensão sobre a mesma fosse de que espécie fosse), da casa de morada de família desde a data do divórcio até à da partilha.

III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

O tribunal recorrido, nesta sede, decidiu seleccionar como relevantes e julgar como provados os seguintes factos – a que acrescerá um outro que adiante se decidirá aditar:


a) O Autor e a Ré foram casados entre si no regime de comunhão de adquiridos.
b) Por sentença proferida no dia 16 de Novembro de 2004, no processo nº 3719/04.3 TBBCL do 3º Juízo Cível do Tribunal da Comarca de Barcelos, foi decretado o divórcio por mútuo consentimento entre Autor e Ré (cfr. cópia da acta de tentativa de conciliação junta como doc. nº 1 com a petição inicial).
c) Através da referida sentença foi homologado o acordo de atribuição da casa de morada de família ao Autor até à partilha (cfr. cópia da acta de tentativa de conciliação junta como doc. nº 1 com a petição inicial).
d) No âmbito do referido processo, Autor e Ré relacionaram como bens comuns:

- Benfeitorias no terreno sito na Rua …, freguesia de …, Barcelos e hipoteca à Banco A em virtude de três empréstimos (cfr. cópia da acta de tentativa de conciliação junta como doc. nº 1 com a petição inicial).
e) Correu termos na Secção de Família e Menores da Instância Central de Barcelos, Juiz 1, do Tribunal da Comarca de Braga, sob o nº 3719/04.3 TBBCL-A, o processo de inventário para partilha de bens comuns subsequente ao divórcio de Autor e Ré, no âmbito do qual foram relacionados, para além do mais, os seguintes bens e passivo:

- Verba nº 13: Casa de rés-do-chão, andar e coberto, com logradouro, que confronta de norte com Josefino, sul com LF, nascente com caminho vicinal e poente com caminho particular, omisso na matriz urbana da freguesia de …, concelho de Barcelos, descrito na Conservatória do Registo Predial, sob o nº …, com o valor de € 192.900,00.
- Verba nº 1 do passivo: Empréstimo bancário contraído no Banco A----€ 19.718,75;
- Verba nº 2 do passivo: Empréstimo bancário contraído no Banco A-----€ 7.560,25;
- Verba nº 3 do passivo: Empréstimo bancário contraído no Banco A------------€ 17.890,48.
- Verba nº 4 do passivo: Dívida ao cabeça de casal, José, relativa ao pagamento de encargos com os empréstimos supra relacionados durante o período de 04/07/2003 até 08/02/2006----------------------------------------------€ 11.588,11;
Verba nº 5 do passivo: Dívida ao cabeça de casal, José, relativa ao preço do terreno sob o qual foi construído o imóvel relacionado-----€ 65.100,00;
Verba nº 6 do passivo: Dívida ao cabeça de casal pelas prestações suportadas relativa ao pagamento de encargos com os empréstimos supra relacionados durante o período de 08/02/2006 até à presente data, montante a determinar em sede de conferência de interessados (cfr. certidão junta a fls. 67 e ss.).
f) Na conferência de interessados realizada no dia 18 de Fevereiro de 2008, a Ré não aceitou o passivo relacionado sob as verbas nºs 4 e 6 (cfr. certidão junta a fls. 67 e ss.).
g) Na mesma conferência de interessados foram os bens do activo licitados, com excepção do imóvel relacionado sob a verba nº 13 que não obteve qualquer licitação (cfr. certidão junta a fls. 67 e ss.).
h) Por sentença proferida no âmbito do referido processo em 06/06/2008, o imóvel relacionado sob a verba nº 13 foi adjudicado a Autor e Ré, em partes iguais, e o passivo referente aos empréstimos contraídos no Banco A foi atribuído em partes iguais a Autor e Ré (cfr. mapa de partilha e sentença proferida nos respectivos autos juntos como doc. nº 2 com a petição inicial).
i) Correu termos na Secção de Família e Menores da Instância Central de Barcelos, Juiz 1, do Tribunal da Comarca de Braga, sob o nº 3719/04.3 TBBCL-B, uma acção de divisão de coisa comum instaurada pela aqui Ré contra o aqui Autor, no âmbito do qual foi adjudicado ao Autor o prédio identificado na alínea e) destes factos provados, por sentença proferida em 19/06/2012 (cfr. doc. nº 3 junto com a petição inicial).
j) Entre a data do decretamento do divórcio (16/11/2004) e a data da sentença proferida no processo de inventário (06/06/2008), os valores referentes aos empréstimos contraídos junto do BANCO A foram assegurados única e exclusivamente pelo Autor, que pagou os seguintes montantes:
- Empréstimo nº ...3, o valor de € 6.952,99;
- Empréstimo nº ...5, o valor de € 5.531,32;
- Empréstimo nº ...9, o valor de € 8.054,73.
k) O Autor passou a residir, em exclusivo, no imóvel identificado na alínea e) destes factos desde 16/11/2004 e ininterruptamente até à presente data.
l) O imóvel identificado na alínea e) destes factos é composto de moradia geminada com 4 quartos, 2 wc, cozinha, sala, garagem, cave e logradouro.
m) O imóvel tem o valor comercial de € 192.900 (cento e noventa e dois mil e novecentos euros).
n) O valor locativo desse imóvel por referência à data de 16/11/2004 era de € 425,00.
o) À data do divórcio, o Autor auferia vencimento mensal superior a € 1.000,00.
p) À data do divórcio a Ré auferia o vencimento mensal correspondente ao salário mínimo nacional como operária fabril nas “Confecções X, Lda.”, em Barcelos.
q) Após o divórcio, a Ré arrendou um apartamento na comarca de Barcelos.”

E decidiu considerar relevantes mas julgar como não provados os seguintes:

a) Entre Novembro de 2004 e Maio de 2012, o Autor pagou, em exclusivo, despesas correntes com abastecimento de água ao imóvel identificado na alínea e) destes factos, o montante total de € 3.021,07.
b) Entre Novembro de 2004 e Maio de 2012, o Autor pagou, em exclusivo, despesas correntes com o abastecimento de electricidade ao imóvel identificado na alínea e) destes factos, o montante total de € 5.144,05.
c) Como contrapartida pelo gozo exclusivo do imóvel, o Autor aceitou pagar a totalidade dos valores mensais dos empréstimos detidos pelo casal junto do Banco A identificados na alínea j) dos factos provados.
d) A Ré pagava, a título de arrendamento para o apartamento onde foi residir € 230,00 mensais.“

Para tal, baseou-se na seguinte motivação expendida:

Na consideração da factualidade provada e não provada o tribunal fundamentou a sua convicção no conjunto da prova produzida, concretamente, no teor dos documentos carreados para os autos por ambas as partes, no prova pericial produzida para apuramento do valor locativo do imóvel em apreço nos presentes autos e cujo relatório se encontra nos autos a fls. 110 a 115, e na prova produzida em sede de audiência de julgamento e que consistiu nos depoimentos de ambas as partes e nos depoimentos das testemunhas PG e AC, que, no entanto, não aportaram factos com interesse significativo para os autos, pois revelaram um conhecimento muito superficial dos factos essenciais para a decisão da causa, baseados sobretudo em conhecimentos adquiridos através do que lhes era verbalizado pelo Autor, no que respeita ao primeiro, e pela Ré, no que respeita à segunda. Apenas revelaram ter conhecimento directo dos factos já dados como inequivocamente assentes entre as partes, designadamente da saída voluntaria da Ré da casa de morada de família aquando da separação de facto do casal, do divórcio do casal, e de que o Autor sempre viveu na casa de morada de família. A AC atestou, ainda, por conhecimento directo e pessoal, da situação profissional da Ré após ter-se separado do Autor, já que era entidade patronal desta, e do local para onde a Ré foi viver, revelando, porém, desconhecimento relativamente ao montante da renda que esta pagava pelo imóvel arrendado onde residia.
No que concerne, ao valor locativo da casa de morada de família apurado por referência à data do decretamento do divórcio (16/11/2004), foi essencial a perícia realizada que fixou o referido valor em € 425,00, e que se encontra devidamente fundamentada em critério rigorosos e objectivos e que não foi objecto de qualquer contestação ou reclamação das partes.
Os valores indicados pelo Autor relativamente aos valores pagos mensalmente para amortização dos empréstimos associados à casa de morada de família, não sofreram qualquer contestação, nem em relação aos respectivos montantes, nem em relação ao alegado pagamento exclusivo dos mesmos pelo Autor e baseiam-se nas declarações emitidas pela respectiva instituição bancárias juntas como doc. nº 4, 5 e 6 com a petição inicial e junta a fls. 72.

Já no que concerne aos pagamentos que terão sido efectuados exclusivamente pelo Autor, a título de abastecimento de electricidade e água, apesar de não ser controvertido o seu pagamento exclusivo pelo Autor, já o são os respectivos montantes reclamados, os quais foram impugnados pela Ré, sendo certo que o Autor não fez qualquer prova dos respectivos montantes, com excepção das relações juntas como documentos nºs 7 e 8 que, no entanto, a nosso ver, desacompanhadas de quaisquer outros documentos ou depoimentos que as corroborem são insuficientes para prova dos respectivos factos, designadamente dos montantes pagos.
Tais factos sendo constitutivos do direito de que se arroga o Autor, era a este que competia a respectiva prova – art.º 342º, nº 1 do Cód. Civil.

Por sua vez, a Ré não logrou fazer qualquer prova objectiva e minimamente sustentada do alegado acordo que terá existido com o Autor, de que este aceitou pagar a totalidade dos empréstimos contraídos por ambos como contrapartida pelo gozo exclusivo da casa de morada de família. Com efeito, tendo ocorrido esse acordo, o mesmo deveria ter sido consignado no acordo respeitante à casa de morada de família, sendo que no acordo alcançado apenas ficou consignado que “a casa de morada de família é atribuída ao Autor até à partilha”, conforme resulta da Acta de tentativa de conciliação junta como doc. nº 1 com a petição inicial.

A Ré para além das suas próprias declarações não produziu qualquer prova demonstrativa desse acordo, pelo que tratando-se de um facto impeditivo do direito reclamado pelo Autor, competia-lhe a respectiva prova, nos termos do disposto no art.º 342º, nº 2 do Cód. Civil. ”.

IV. APRECIAÇÃO

No objecto do presente processo cruzam-se duas acções – a principal e a reconvencional.

Através da primeira, o autor, no pressuposto de que o imóvel urbano em que estava radicada a casa de morada de família era um bem comum e para a sua aquisição/construção foi contraído um empréstimo junto do Banco por ele e esposa (4) da responsabilidade de ambos, exigiu a condenação desta a pagar-lhe, além do mais, as consequentes prestações que ele, sozinho, no período entre a data do divórcio e da partilha (33 meses), desembolsou.

Isto apesar de só ele, nesse espaço de tempo, ter usufruído da casa, conforme, aliás, acordado em sede de divórcio (5).

Após excursão teórica sobre o regime de bens do casamento e seus efeitos, sobre a dissolução do vínculo e respectivas consequências mormente quanto à partilha do activo e passivo do património comum (e natureza e regras por que este se deve reger entretanto) e acertamento dos créditos recíprocos, o tribunal a quo entendeu, na sentença, quanto ao pedido principal, o seguinte:

“Reportando-nos ao caso concreto, Autor e Ré foram casados no regime de comunhão de adquiridos, sendo que a casa de morada de família pertencia ao património comum de ambos os cônjuges, pelo que as dívidas contraídas por causa dela eram, igualmente, da responsabilidade de ambos, pois foram contraídas por ambos na constância do casamento, logo, tratam-se de dívidas que responsabilizam ambos os cônjuges, nos termos do estipulado no artº 1691° nº 1, al. a), do Código Civil.

Pelas referidas dívidas, respondem solidariamente ambos os ex-cônjuges perante o credor (art.º 512º do Cód. Civil). De harmonia com o preceituado no art.º 516º do Cód. Civil nas relações entre si, presume-se que os devedores solidários comparticipam em partes iguais na dívida, sempre que da relação jurídica entre eles existente não resulte que são diferentes as suas partes, ou que um só deles deve suportar o encargo da dívida ou obter o benefício do crédito.
Nos termos do disposto no art.º 524º do Cód. Civil “O devedor que satisfizer o direito do credor além da parte que lhe competir tem direito de regresso contra cada um dos condevedores, na parte que a estes competir. “

Reportando-nos ao caso concreto, decorre da factualidade provada que entre o divórcio e a partilha, o Autor suportou, em exclusivo, os empréstimos de crédito a habitação, sendo que entre ambos os referidos momentos temporais, ou seja, entre 16/11/2004 e 06/06/2008, o Autor pagou os seguintes montantes:

-Empréstimo nº ...3, o valor de € 6.952,99;
-Empréstimo nº ...5, o valor de € 5.531,32;
-Empréstimo nº ...9, o valor de € 8.054,73, no montante total de € 20.539,04.

Assim, ao abrigo do disposto nos artºs 516º e 524º ambos do Cód. Civ. tem o mesmo o direito a receber da Ré, metade daquela quantia por si custeada, ou seja, o montante de € 10.269,52, correspondente à quota-parte devida por esta no montante total dos valores amortizados.

No que concerne aos valores reclamados, a título de valores que alegadamente foram pagos pelo Autor com despesas de abastecimento de electricidade e água, entende-se que não assiste razão ao Autor, pois se por um lado, não logrou provar o efectivo pagamento desses valores, por outro lado, os mesmos dizem respeito a consumos de electricidade e água efectuados exclusivamente por si, não tendo a Ré qualquer responsabilidade quanto ao seu pagamento, pois nesse mesmo período esteve privada de usufruir da referida casa.”

Deste modo, foi julgada parcialmente procedente a acção e a ré condenada a pagar ao autor a quantia de 10.269,52€ (e juros desde a citação).

Ao invés, tendo sido julgada não provada a matéria de facto pela ré alegada na contestação, segundo a qual no acordo de atribuição do gozo exclusivo da casa de morada de família ao autor se compreendia, como contrapartida, a assunção de responsabilidade, apenas por ele, do pagamento integral ao Banco das prestações do empréstimo e só nessa condição a tal anuiu e prescindiu de exigir qualquer compensação, considerou-se implicitamente não procedente a excepção peremptória que tal matéria integrava e que, nas relações internas entre devedores, extinguiria o direito de regresso do autor. (6)

Ora, a ré de modo nenhum questionou o assim decidido, fosse recorrendo, como vencida, independentemente ou subordinadamente, dessa parte condenatória da sentença, fosse, ao menos, requerendo a ampliação do objecto do recurso.

Simplesmente, a ré quedou-se passiva e nem contra-alegou.

Daí que, quanto ao procedente e reconhecido direito de crédito do autor reclamado na acção e quanto à improcedente excepção peremptória por si oposta ao mesmo mas não reconhecida, se verifique inelutável caso julgado.

Através da acção reconvencional, pretendeu a ré, como solução paliativa e preventiva do insucesso da sua defesa, obter, agora e neste processo (7), a condenação do autor a pagar-lhe a quantia de 8.600,00€ correspondente a 43 meses de “renda” (contados desde a data do divórcio até à da partilha) em contrapartida da utilização exclusiva da casa, nesse período, pelo autor, com fundamento no artº 1793º, do CC, ou nas regras do enriquecimento sem causa, alegando ter ficado privada do gozo do bem comum e tido necessidade de arrendar um apartamento.

Querendo, assim, fazer remontar o fundamento de tal reacção às circunstâncias (2004) em que se rompeu o vínculo conjugal e no âmbito do regime legal com elas conexo, tentou, por esta via, recompor-se do ataque provindo do autor, porventura já não esperado, dado que o termo do gozo da casa para o efeito aqui em apreço ocorreu com a partilha em 2008 e, depois disso, houve o inventário e a divisão de coisa comum, apesar de ciente da sua condição de condevedora do empréstimo e de, no processo de divórcio, ter acordado na atribuição, sem compensação alguma aí expressa, daquela ao seu ex-cônjuge. (8)

A sentença recorrida deu-lhe razão.

Assim, julgou a reconvenção procedente e condenou o autor a pagar-lhe a quantia pedida (8.600,00€).

Vejamos como se fundamentou tal decisão:

“Decorre da factualidade demonstrada que o imóvel em causa constituía a casa de morada de família a qual foi atribuída até à partilha ao Autor, na sentença que decretou o divórcio, proferida no dia 16/11/2004, sendo que a partilha foi homologada por sentença proferida no respectivo processo de inventário em 06/06/2008.
Nesse mesmo período, é ponto assente que a Ré ficou privada (9) de utilizar e usufruir do referido imóvel, tendo-se provado que arrendou um apartamento na cidade de Barcelos, embora não se tendo concretamente apurado qual o valor da renda mensal.
De acordo com o disposto no artigo 1405º do CC, os comproprietários exercem em conjunto todos os direitos que pertencem ao proprietário singular; separadamente, participam nas vantagens e encargos da coisa, em proporção das suas quotas e nos termos regulados nos artigos 1406º e seguintes.
Assim, as vantagens que resultam da actuação isolada de um dos contitulares no uso da coisa terão de ser repartidas pelo outro contitular na proporção das respectivas quotas.
Tal entendimento tem sido sufragado pela jurisprudência dos tribunais superiores, realçando-se o que a propósito se escreveu no acórdão do STJ de 26.04.2012, proc. 33/08.9 TMBRG.G1.S1 para justificar o modo como deve processar-se a repartição a um dos cônjuges da vantagem consistente na utilização provisória da casa de morada de família pelo outro:
“Sendo qualitativamente iguais os direitos dos ‘consortes’ (art. 1403.º, nº 2 do CC) e sendo certo que o uso da ‘coisa comum’ por um dos ‘comproprietários’, não constitui, em princípio, posse exclusiva ou posse superior à dele (art. 1406.º, nº 2 do mesmo CC), crê-se ter cabimento que aquele que da sua ‘quota-parte’ não usufrui, tenha também direito a um gozo indirecto, que consistirá em perceber, tal como se locação houvesse, compensação pelo valor do uso de tal ‘quota-parte’. Isto, no plano dos princípios, pois, não disciplinando a lei, de forma específica, como efectuar a atribuição provisória (…), nada impede que nos socorramos, pelo menos como pano de fundo, do regime arrendatício fixado no citado art. 1793º (está em causa um bem comum dos cônjuges e não um imóvel arrendado).”
No caso dos autos não se tratará propriamente de uma renda, mas antes de uma compensação ao outro cônjuge, pois sendo a casa um bem comum de ambos os cônjuges, não seria justo que se beneficiasse um deles (o cônjuge que fica com o direito de utilizar a casa de morada de família) sem compensar o outro da privação do uso e fruição de um bem que também lhe pertence (neste sentido também se pronunciaram os Acórdãos da Relação do Porto, de 11/03/2014, proc. 5815/07.6 TBVNG-K.P2; Acórdão da Relação do Porto, de 06/10/2014, proc. 3835/11.5 JVNF-C.P1 e Acórdão da Relação de Lisboa, de 14/04/2016, proc. 273/14.1 TBSCR-L1).
O montante dessa compensação tem por referência o valor de mercado do arrendamento para a zona e tipo de imóvel, sendo que no caso concreto foi determinado que o valor locatício do imóvel, à data do decretamento do divórcio (16/11/2004), era de € 425,00, pelo que a quota-parte da Ré, corresponde ao montante de € 207,50/mensais.
Assim, assiste inteira razão à Ré, que tem direito a ser compensada da privação da usufruição da casa de morada de família entre a data do decretamento do divórcio e a partilha, impondo-se condenar o Autor a pagar o montante de € 8.600,00 […]”.

Sucede que o autor não se conforma.

E questiona, no seu recurso, a oportunidade de tal pedido, a propriedade do meio utilizado para o deduzir (10), a matéria de facto implicada e, por fim, a ausência de fundamento jurídico capaz de o sustentar.

O problema não é simples de equacionar nem fácil de resolver.

Em face de tais circunstâncias, pode a ré exigir ao autor, neste processo, como fez deduzindo reconvenção (processualmente admitida), com fundamento substantivo no regime do artº 1793º, do CC, ou no do enriquecimento sem causa previsto nos artºs 473º, e sgs, do CC, e em face de apenas a ele ter sido “atribuída” a casa de morada de família (bem comum) e de ter ficado “privada” (ao deixar de a usufruir) do respectivo gozo, o pagamento de uma quantia compensatória calculada em função do respectivo valor locativo?

Vejamos as respostas que a jurisprudência casuisticamente lhe tem dado.

Por via da obrigação de prestar contas e em processo especial respectivo, entendeu-se que sim no Acórdão do STJ, de 25-03-2004. (11) Relevou, face à inexistência de acordo, a obrigação impendente sobre o ex-cônjuge administrador e a vantagem económica tirada da utilização exclusiva por ele do bem comum sem que em contrapartida nada tenha pago à ex-cônjuge que nele deixou de viver.

Assim se sumariou tal entendimento:

I - Dissolvido o casamento por divórcio, o ex-cônjuge administrador que detenha a posse de bens comuns do casal e deles colha os seus frutos ou utilidades é obrigado a prestar contas ao outro ex-cônjuge, desde data da propositura da acção de divórcio.
II - O cônjuge administrador não pode beneficiar do lucro que lhe proporciona a utilização exclusiva dos prédios comuns, em prejuízo do outro ex-cônjuge.
III - O valor do uso desses prédios representa uma vantagem económica, que não pode deixar de ser considerado na prestação de contas, sob pena de injusto locupletamento à custa alheia e de um intolerável enriquecimento sem causa do cônjuge que os utiliza exclusivamente, em seu benefício.”.

Decidiu-se que não – num caso em que também inexistiu qualquer acordo sobre o uso da casa e não se colocava o problema de encargos a pagar – no Acórdão do STJ, de 18-11-2008 (12), embora por simples maioria, sinal da controvérsia em torno do problema, entendendo-se que sim nos dois Votos de Vencido. Remete-se para a argumentação num e noutro sentido aí expendida.

Entendeu-se que sim no Acórdão desta Relação de Guimarães, de 17-05-2011 (13), considerando-se, apenas, depois de invocado o disposto no artº 1793º, CC, que “não se vê motivo para não atribuir ao apelante uma compensação pecuniária pelo uso exclusivo por parte da apelada de um bem que também é seu”.

Tal entendimento foi sufragado no Acórdão do STJ, de 26-04-2012, que apreciou a pedida revista daquele (14). Neste se salientou que, embora, no caso em apreço, se tratando da atribuição provisória da casa de morada de família até à partilha e não da constituição de arrendamento nos termos do artº 1793º, período em que se mantém a chamada comunhão de mão comum ou propriedade colectiva a que será aplicável o regime da compropriedade previsto nos artºs 1404º e sgs, “crê-se ter cabimento que aquele que da sua «quota-parte» não usufrui, tenha também direito a um gozo indirecto, que consistirá em perceber, tal como se locação houvesse, compensação pelo valor do uso de tal «quota-parte»”, compensação esta a fixar à luz da equidade (artºs 990º e 987º, CPC).

Também no Acórdão desta Relação de Guimarães, de 08-03-2012 (15), no âmbito de acção especial de prestação de contas instaurada por apenso a inventário para partilha de bens comuns subsequente a divórcio, se entendeu, na linha do já atrás citado Acórdão do STJ, de 25-03-2004, que:

1. Após o divórcio, tendo ficado um dos ex-cônjuges a deter a posse de bens comuns, deve prestar ao outro contas desde a data da propositura da acção de divórcio (nº 1 do artº 1789º do CC) ou da data em que foi declarada cessada a coabitação, no caso previsto no nº 2 do artº 1789º do CC.
2. Tendo um dos cônjuges a posse exclusiva de um imóvel que era comum, deverá o valor locativo desse imóvel ser considerado como receita.
3. O processo de prestação de contas não é o meio próprio para formular um pedido de indemnização pela privação do uso de uma fracção.”

Na esteira do entendimento maioritário que prevaleceu no já citado seu Acórdão de 18-11-2008, reafirmou o STJ, em aresto prolatado com data de 17-01-2013 (16), referindo-se a um caso em que, por acordo estabelecido na acção de divórcio litigioso, provisoriamente se atribuiu a casa de morada de família a um dos cônjuges, este continuou a utilizá-la sem qualquer contrapartida mesmo depois de decretado o divórcio com a aquiescência do outro e sem que nenhum requeresse a resolução definitiva da questão no âmbito do artº 1793º, do CC, e por meio do processo previsto no artº 1413º (actual 990º, do CPC), que:

“A persistência da situação não confere ao cônjuge não utilizador da casa de morada de família o direito a ser compensado segundo as regras do enriquecimento sem causa, uma vez que a situação encontra justificação na sua própria inércia relativamente ao accionamento do mecanismo processual previsto no artº 1413º do CPC”.

Salientando-se aí que apenas no âmbito deste regime (artºs 1793º, CC, e 990º, CPC) pode e deve ser regulada definitivamente tal situação sob impulso de qualquer dos ex-cônjuges e que a passividade e condescendência daquele que não utiliza a casa ante o outro que dela usufrui não é critério legalmente atendível para justificar a pretensão de qualquer compensação, rejeitou, com convincente fundamentação para que se remete, a sua tutela pelo regime de enriquecimento sem causa que porque tal causa existe e radica na inércia referida daquele que não accionou o mecanismo específico referido quer porque não se verifica o pressuposto da subsidiariedade uma vez que o ordenamento jurídico consagra solução para o problema.

No Acórdão da Relação do Porto, de 31-01-2013 (17), parte de cujo texto foi adoptado na fundamentação da sentença recorrida (18), em situação paralela na qual o ex-cônjuge reclamou do outro o crédito derivado do pagamento por si feito de prestações bancárias de empréstimo como dívida comum não considerado na partilha subsequente ao divórcio, contrariamente à decisão recorrida ali em apreço que considerara tal direito precludido por não exercido no inventário, entendeu-se que, além de o credor poder recorrer a partilha adicional, também não lhe está vedado socorrer-se dos meios comuns desde que não tenha renunciado ao direito nem este tenha sido assegurado naquela partilha. Trata-se, porém, de situação equiparada à do aqui autor apelante e que estruturou e viabilizou a acção por ele intentada e julgada procedente (prestações bancárias). Não se trata de crédito substancialmente análogo ao reclamado, por meio da reconvenção, pela aqui ré apelada (compensação pelo não uso da casa de família). (19)

No Acórdão da Relação do Porto, de 05-02-2013 (20), tratando-se de caso em que o processo de divórcio sem consentimento foi convertido, por acordo entre os cônjuges, em divórcio por mútuo consentimento e assim decretado mas em que não houve consenso quanto ao destino da casa de morada de família e, por isso, foi proferida decisão judicial a atribuí-la a um deles, até à partilha dos bens comuns, a título de arrendamento e mediante o pagamento ao outro de uma renda (21) e distinguindo-se entre a atribuição provisória (prevista nos artºs 931º e sgs, e 994º, nº 1, alínea f), e 996º, nº 2, CPC) (22) e a atribuição em regime definitivo (regulada no processo de jurisdição voluntária definido no artº 990º, CPC), entendeu-se que, não sendo embora caso de aplicação do regime do artº 1793º, do CC, este é indirectamente aplicável “como pano de fundo” em tal caso de atribuição provisória mas apenas quanto “ao segmento que prevê a «compensação» do outro cônjuge com uma renda a que se deveria ter cingido da decisão recorrida.”

Em resumo:

I - O incidente de atribuição provisória da casa de morada de família constitui um processo especialíssimo, norteado por critérios de conveniência, que apenas tem em vista a fixação de um regime provisório, até à partilha dos bens comuns.
II - Tal incidente não se confunde, à partida, com o processo de constituição de arrendamento da casa de morada de família, regulado, como processo de jurisdição voluntária, no art. 1413° do CPC, previsto, como efeito do divórcio, nos arts. 1793° e 1105° do CC.
III - Apesar disso, não disciplinando a lei, de forma específica, como efectuar a atribuição provisória da casa de morada de família, nada impede que, como pano de fundo, se recorra ao regime arrendatício fixado no citado art. 1793°, o qual fixa os índices de referência quanto à atribuição provisória da casa de morada de família.
IV - Daí decorrendo que o cônjuge a quem for atribuído provisoriamente o dito bem deve pagar ao outro uma compensação/renda, por este se ver privado de um bem que também é seu (quando integre o património comum do casal) ou que é apenas seu (caso seja um bem próprio deste).”

No Acórdão da Relação de Lisboa, de 31-03-2013 (23), entendeu-se também que:

“1. O incidente de atribuição da casa de morada de família previsto no n.º 7, do art.º 1407.º, do C. P. Civil, não está sujeita a critérios de legalidade estrita, mas a critérios de conveniência e oportunidade, podendo o tribunal investigar livremente os factos, coligir as provas, ordenar os inquéritos e recolher as informações convenientes, devendo observar-se as regras processuais previstas nos art.ºs 302.º a 304.º e 1409.º a 1411.º do C. P. Civil.
[…]
5. Na ausência de lei expressa sobre os critérios a observar na fixação do regime provisório, justifica-se a aplicação daqueles que estão definidos para o regime definitivo, isto é, os critérios orientadores no art.º 1793.º do C. Civil, no caso de a casa pertencer a ambos os cônjuges ou a um deles, ou do art.º 1105.º, do mesmo código, tratando-se de casa arrendada.
6. O critério da «necessidade de um dos cônjuges» só poderá ser densificado se aferido em função dos concretos rendimentos e encargos de ambos os cônjuges, de modo a ajuizar qual deles se encontra numa situação mais desfavorável, isto é, qual deles tem maior premência da necessidade da casa.”

No Acórdão da Relação do Porto, de 01-07-2013 (24), perante situação em que, na pendência da acção de divórcio, o cônjuge, que não estava a habitar a casa de morada de família mas se conformou com essa “privação” aceitando que o outro continuasse a habitá-la como já vinha acontecendo, deduziu um incidente para fixação judicial do regime provisório quanto à utilização desta pedindo que aquele fosse condenado a pagar-lhe, em contrapartida, uma compensação, correspondente a metade do valor locativo da mesma, distinguindo-se entre o regime processual de tal incidente (artº 1407º, nº 7, actual 931º, nº 7) e o da típica providência cautelar (artºs 381º e sgs) e, bem assim, entre o daquele e o do incidente destinado a regular a atribuição da casa de morada de família nos termos do artº 1793º, CC (artº 1413º, CPC, actual artº 990º), e salientando precisamente que não fora pedida a atribuição provisória da casa mas apenas a atribuição de uma compensação ao cônjuge que dela se não serve pelo cônjuge que a estava a usar, admitiu-se como possível a fixação desta, para tal se mandando completar a instrução dos autos, observando a tal propósito que:

“A fixação do aludido regime provisório, apesar de ter um fim cautelar, não corresponde estruturalmente ao decretamento de uma providência cautelar nos moldes dos artigos 381.º e seguintes do C.P.Civil, dado que não procura, como acontece com esta, "assegurar a efectividade do direito ameaçado".
Acresce que, o previsto no artigo 1407.º, nº 7, se enxerta na acção de divórcio e o outro tem tramitação própria inerente a procedimento cautelar tipificado, dependendo, além do mais, de pedido, emergindo ainda como significativa diferença o facto de, naquele, o próprio Tribunal, oficiosamente, poder fixar, provisoriamente, um regime quanto à casa de morada de família.
As possibilidades de o juiz avançar para o estabelecimento desse regime provisório ex officio e de o rejeitar caso não o considere conveniente, previstas no artigo 1407.º, nº 7 do CPC, acrescem ao propósito do legislador de conferir ao julgador a máxima amplitude tanto na aplicação do direito (pelo apelo à equidade) como no campo da avaliação fáctica, aqui quer na livre investigação dos factos quer na sondagem das provas, afastando a intervenção da ritologia específica da jurisdição contenciosa.
Esta faculdade concedida à capacidade inventiva e autonomia de indagação do juiz, à sua experiência e senso, que individualizam a jurisdição voluntária (artigo 1409.º do CPC) não pode deixar de aqui ter pleno cabimento em função da delicadeza e particularidade das questões submetidas à apreciação do tribunal.
A especificidade dos temas a tratar pelo juiz, justificando a recusa da rigidez dos mecanismos de formação da prova próprios da jurisdição contenciosa, é também totalmente incompatível com o ónus da impugnação especificada plasmado pelo art.º 490, nºs 1 a 3 do CPC.
O contraditório do requerido desempenha neste tipo de providência mais o papel de uma fonte de esclarecimento complementar do juiz–com a adução de matéria nova e provas confluentes no círculo fáctico decisivo–do que um instrumento da consolidação dos interesses do autor-requerente, desenvolvidos com a acção.
Ora, a providência de fixação do regime provisório de utilização da casa de morada de família prevista no nº 7 do art.º 1407.º do CPC distingue-se, no plano processual ou adjectivo, do incidente de atribuição da casa de morada de família, regulado no art.º 1413.º do mesmo diploma.
Visando este último a definição duradoura do regime de ocupação da morada do desmembrado casal, a vigorar subsequentemente à decisão final de divórcio, aquele destina-se apenas a acautelar a protecção da habitação de um dos cônjuges durante o processo de divórcio, em função do condicionalismo que a lei tem por pertinente.[3]
Aquela primeira situação tem a sua previsão no disposto nos artigos 1793.º do C. Civil. e 1413.º do CPC, pressupondo que o cônjuge que a ela lança mão formule expressamente o pedido de arrendamento daquela, quer se trata de um bem comum do casal ou de um bem próprio do outro cônjuge.
[…]
A lei não disciplina de forma específica, como efectuar a atribuição provisória da casa de morada de família.
Acontece que, tal como se diz no Ac. STJ de 26-04-2012[4] nada impede que nos socorramos, pelo menos como pano de fundo, do regime arrendatício fixado nos artigos 1793.º e ss. do C.Civil (está em causa um bem comum dos cônjuges e não um imóvel arrendado). Ou seja, apesar da atribuição provisória da casa de morada de família não estar directamente regulada nos citados artigos ainda assim, o regime prescrito nestes normativos é indirectamente aplicável.[5]
Evidentemente que tal regime dirá respeito, não especificamente na parte que alude ao arrendamento, mas sim no segmento em que prevê a “compensação” do outro cônjuge com uma renda, pedido esse, justamente o formulado pela apelante.
Ora, a fixação desta compensação/renda é facilmente compreensível, pelo menos, em casos como o dos autos, em que está em questão um bem que é comum de ambos os cônjuges-ou ex-cônjuges, caso, entretanto, o divórcio tenha sido já decretado-não fazendo sentido beneficiar um deles-o que fica com o direito de utilizar provisoriamente a casa de morada de família-sem compensar o outro-o que fica sem o direito de a utilizar-por se ver privado do uso e fruição de um bem que também é seu, sendo certo que entre o momento da atribuição provisória daquela e o da partilha dos bens comuns pode decorrer um período mais ou menos longo.[6]
[…]
Na verdade, como já se referiu estamos no domínio da jurisdição voluntária, podendo o tribunal investigar livremente os factos, coligir as provas, ordenar inquéritos e recolher as informações convenientes (cfr. artigos 1409.º, n.º 2, e 1413.º do CPC), em consequência do que o ónus de alegação pelos interessados dos factos necessários à decisão da providência, bem como a sua prova, possam ser oficiosamente supridos.[7]
Além disso, o tribunal pode decidir o mérito da mesma por critérios de oportunidade e de conveniência e não por critérios de legalidade estrita (cfr. art.º 1410.º do CPC).”

No Acórdão da Relação do Porto, de 11-03-2014 (25), tratando-se de caso em que, por apenso à acção de divórcio, fora pedida a fixação de um regime provisório quanto à utilização da casa de morada de família e em que o outro cônjuge não se opôs mas na condição de ficar isento de qualquer direito de compensação ou de regresso quanto às prestações bancárias que viessem a ser pagas pelo requerente para liquidação do empréstimo contraído para aquisição da mesma, tendo-se, em 1ª instância deferido o primeiro pedido e indeferido este, entendeu-se, embora tratando-se de situação provisória e distinta da do artº 1793º, do CC, e salientando-se a feição do processo (jurisdição voluntária) e os critérios (não de legalidade estrita) a que o mesmo está sujeito, o seguinte:

“Mas, será que estando-se em sede de atribuição provisória da casa de morada de família, não se deve fixar qualquer compensação pela sua atribuição exclusiva ao cônjuge que o Tribunal, realizadas as diligências que considerou necessárias, entendeu dela mais carecer? E se o cônjuge a quem não foi atribuída a casa de morada de família não requerer qualquer compensação deve o tribunal fixá-la oficiosamente?
Quanto à primeira questão, começa-se por lembrar que, até à partilha, se aplicam aos bens do casal as regras da compropriedade.
De acordo com o disposto no artigo 1405º do CC, os comproprietários exercem em conjunto todos os direitos que pertencem ao proprietário singular; separadamente, participam nas vantagens e encargos da coisa, em proporção das suas quotas e nos termos regulados nos artigos 1406º e seguintes.
Assim, as vantagens que resultam da actuação isolada de um dos contitulares no uso da coisa terão de ser repartidas pelo outro contitular na proporção das respectivas quotas[4].
Eis o que se escreveu no acórdão do STJ de 26.04.2012[5] para justificar o modo como deve processar-se a repartição a um dos cônjuges da vantagem consistente na utilização provisória da casa de morada de família pelo outro:
“Sendo qualitativamente iguais os direitos dos ‘consortes’ (art. 1403.º, nº 2 do CC) e sendo certo que o uso da ‘coisa comum’ por um dos ‘comproprietários’, não constitui, em princípio, posse exclusiva ou posse superior à dele (art. 1406.º, nº 2 do mesmo CC), crê-se ter cabimento que aquele que da sua ‘quota-parte’ não usufrui, tenha também direito a um gozo indirecto, que consistirá em perceber, tal como se locação houvesse, compensação pelo valor do uso de tal ‘quota-parte’.
Isto, no plano dos princípios, pois, não disciplinando a lei, de forma específica, como efectuar a atribuição provisória (…), nada impede que nos socorramos, pelo menos como pano de fundo, do regime arrendatício fixado no citado art. 1793º (está em causa um bem comum dos cônjuges e não um imóvel arrendado).”
No caso dos autos não se tratará propriamente de uma renda, mas antes de uma compensação ao outro cônjuge, pois sendo a casa um bem comum de ambos os cônjuges, não seria justo que se beneficiasse um deles (o cônjuge que fica com o direito de utilizar provisoriamente a casa de morada de família) sem compensar o outro da privação do uso e fruição de um bem que também lhe pertence.
Respondida a primeira questão, passemos à segunda.
Não é difícil descortinar a diferença entre o pedido efectivamente deduzido pela Requerida no articulado de oposição ao incidente[6], como contrapartida pela aceitação da atribuição da casa de morada de família ao cônjuge marido, e a pretensão de, agora, em sede de recurso, querer que lhe seja atribuída uma compensação pelo uso que esse cônjuge faz do bem comum que constitui a casa de morada de família.
Indeferido aquele poderia pensar-se – tal como faz o apelado – que essa pretensão configura uma questão nova, não submetida à apreciação do tribunal de que se recorre, e como tal insusceptível de ser conhecida na 2ª instância.
Não é, contudo, assim.
De facto, como já se decidiu nesta Relação, “(…) havendo [necessariamente] lugar àquela compensação/renda como contrapartida da atribuição provisória da casa de morada de família, terá o Julgador que a fixar, independentemente de ter sido incluída ou não no pedido formulado (…)”[7], pois, no âmbito dos processos de jurisdição voluntária, como o presente, o tribunal não está sujeito a critérios de legalidade estrita, devendo antes adoptar em cada caso a solução que julgue mais conveniente, oportuna e equitativa.
Certamente que o montante dessa compensação não terá por referência os critérios avançados pela apelante nas conclusões VII e IX do recurso, devendo antes corresponder a um valor que tenha em conta os padrões do mercado de arrendamento para a zona e tipo de imóvel, as específicas condições económicas do apelado e outras circunstâncias que se mostrem atendíveis.
Por não existirem nos autos elementos suficientes para fixar, neste momento, o valor dessa compensação, terá o tribunal da 1ª instância de promover as diligências necessárias para o efeito.”.

Entretanto, no Acórdão da Relação do Porto, de 06-10-2014 (26), que, no âmbito daquele mesmo processo sobre que já se pronunciara o acima referido de 01-07-2013 e em que, na sequência disso, a 1ª instância, após instrução do incidente, o deferiu e fixou o valor da compensação pretendida pelo cônjuge requerente (não morador na casa), discutindo-se apenas o momento a partir do qual aquela era devida, confirmou-se a decisão e exprimiu-se, em suma, o seguinte entendimento:

I - O regime provisório de utilização da casa de morada de família previsto no nº 7 do art.º 1407.º do CPC distingue-se, no plano processual, do incidente de atribuição da casa de morada de família, regulado no art.º 1413.º do mesmo diploma, porque este último visa a definição duradoura do regime de ocupação da morada do casal, a vigorar subsequentemente à decisão final de divórcio, ao passo que o regime provisório se destina apenas a acautelar a protecção da habitação de um dos cônjuges durante o processo de divórcio.
II - Tal regime provisório tem natureza cautelar, nele podendo ser atribuído, durante o processo de divórcio, ao cônjuge requerente privado do direito de utilização da casa de morada de família, metade do valor mensal locativo do referido imóvel do casal, habitado exclusivamente pelo cônjuge requerido.
III - A prestação em causa no incidente do regime provisório referido traduz-se numa compensação devida ao cônjuge que não habita a casa de morada de família, como contrapartida do uso e fruição exclusiva por parte do outro cônjuge, exercidos provisoriamente sobre o referido bem comum, sendo devida desde que se iniciou tal uso e fruição por um dos cônjuges de forma exclusiva e enquanto a mesma se mantiver, até à partilha dos bens comuns.”.

No Acórdão da Relação do Porto, de 26-05-2015 (27), numa acção de divórcio sem consentimento mas em que aquele foi decretado após acordo mútuo para tal obtido mas em que não foi logrado consenso quanto à casa de morada de família e em que, por isso, foi decidido em 1ª instância atribui-la, até à venda ou partilha, à cônjuge apenas mediante a condição de a mesma pagar a prestação bancária mensal do empréstimo contraído para sua aquisição e respectivos encargos e em que era tema do recurso apreciar e decidir se, como pretendia o outro ex-cônjuge recorrente, devia, ainda assim, ser-lhe atribuída uma “renda” a fixar pelo tribunal correspondente a metade do valor locativo, entendeu-se – com o fundamento considerado essencial de que tal incidente tem natureza provisória, não se podendo confundir com o processo de jurisdição voluntária previsto no artigo 990.º do CPC – que a decisão recorrida era de confirmar nos seus precisos termos, “não se revelando imperativo o estabelecimento de uma relação arrendatícia”.

Em suma:

“I - O regime processual previsto no n.º 2 in fine e no n.º 7 do artigo 931.º do CPC constitui incidente na tramitação da acção de divórcio “sem consentimento do outro cônjuge”, tendo natureza provisória, como expressamente resulta das citadas disposições legais: é provisório o acordo obtido quanto ao destino da casa de morada de família [vigorando em regra “durante o período de pendência do processo” – art. 931/2]; é provisório o regime adoptado na decisão do juiz proferida perante a inviabilidade do acordo das partes [como expressamente o define o n.º 7 do art. 931.º].
II - O referido incidente distingue-se do processo de jurisdição voluntária previsto no artigo 990.º do CPC, que não se caracteriza pela mesma provisoriedade, apesar da sua alterabilidade, prevista no n.º 3 do artigo 1793.º do Código Civil, própria dos processos desta natureza (art. 988.º do CPC).
III - Apesar da apontada diferença de regimes processuais, nada impede a utilização, no incidente previsto no artigo 931.º do CPC, dos critérios enunciados no artigo 1793.º do Código Civil, que deverão presidir à escolha do cônjuge a quem deverá ser atribuída a casa de morada de família.
IV - A casa de morada de família deverá ser atribuída em função das necessidades de cada um dos cônjuges, assumindo particular relevância o «interesse dos filhos», devendo privilegiar-se, na ausência de prova da situação patrimonial das partes, aquela a quem os filhos menores do casal se encontram confiados e com quem residem.
V - Face à natureza provisória do incidente previsto no artigo 931.º do CPC, não tendo as partes alegado qualquer facto referente à sua situação económica, sobre a qual nenhuma prova foi produzida, não se revela imperativo o estabelecimento de uma relação arrendactícia, cumprindo os critérios legais enunciados a atribuição da casa de morada de família ao cônjuge a quem os filhos menores foram confiados, e com quem residem, até à “partilha ou venda da casa”, mediante o pagamento integral do “valor relativo à amortização mensal do empréstimo para aquisição dessa habitação, bem como todos os encargos decorrentes da mesma (seguros e IMI).”.
VI - A imposição dos referidos pagamentos ao cônjuge beneficiário da atribuição traduz-se, desde logo, numa contrapartida a favor do outro: a dispensa do pagamento da sua parte da prestação bancária e restantes encargos referentes a um bem comum.”.

No Acórdão da Relação de Lisboa, de 14-04-2016 (28), salientando-se a provisoriedade do incidente e a natureza do processo respectivo, seguiu-se também o entendimento, resumido no sumário, de que:

“4. O incidente de atribuição provisória da casa de morada de família previsto no nº 7 do artigo 931º CPC constitui um processo especialíssimo, norteado por critérios de conveniência, que apenas tem em vista a fixação de um regime provisório, até à partilha dos bens comuns.
5. O cônjuge a quem não foi atribuída, provisoriamente, a casa de morada de família deverá receber do outro cônjuge, pelo respectivo uso e fruição, de forma exclusiva, por parte deste, uma contrapartida monetária que se manterá até à partilha do património comum do casal.”.

Assim vogava a jurisprudência, quando foi proferido o Acórdão do STJ, de 13-10-2016 (29), no qual se procurou traçar directrizes seguras.

Debruçou-se ele sobre um caso em que uma ex-cônjuge intentou contra o outro acção (30) na qual pediu se fixasse, como compensação pela utilização exclusiva da casa de morada de família, decretada provisoriamente no processo de divórcio a favor dele, uma certa quantia correspondente a metade do valor locativo do imóvel até à partilha e entrega dos bens adjudicados, para tal tendo alegado que: ela e o réu foram casados e que o casamento foi dissolvido por divórcio, convolando-se da inicial pretensão litigiosa para o mútuo consentimento dos cônjuges; que no âmbito da acção de divórcio foi provisoriamente atribuído ao réu o direito de utilizar a casa de morada de família, incluindo o recheio; que desde então tem sido o réu quem a tem utilizado exclusivamente; que a casa de morada de família é propriedade da autora; que deve ser fixado a seu favor um valor mensal, correspondente a metade do valor locativo do imóvel, que a compense pelo facto de o réu utilizar exclusivamente o imóvel que foi a casa de morada de família.

Tendo o réu contestado, foi julgada parcialmente procedente a excepção de caso julgado por ele invocada na parte relativa ao pedido de condenação no pagamento de uma contrapartida monetária pelo uso da casa de morada de família durante a pendência da acção de divórcio e absolvido este do pedido na parte relativa à compensação pretendida pela utilização até à partilha por, quanto a tal, ter sido julgada verificada a renúncia da requerente a qualquer contrapartida monetária.

Segundo o Acórdão da Relação aí em revista e transcrito naquele (31), para justificar negação da obrigação de o cônjuge beneficiário exclusivo da utilização da casa pagar ao outro qualquer compensação:

“Em primeiro lugar, não há obrigações sem causa, sem uma fonte. E as obrigações ou têm a sua fonte na lei geral ou têm a sua fonte na lei das partes (contratos e negócios jurídicos unilaterais). Segue-se do exposto que a obrigação de compensação, se existisse, teria de resultar ou da vontade dos cônjuges ou da lei geral.
No caso, a vontade dos cônjuges, como fonte da obrigação de compensação, é de afastar, pois não há prova – não foi sequer alegado - que o réu se tenha obrigado a pagar à autora qualquer compensação pela utilização da casa que foi casa de morada de família.

A lei não contém qualquer norma a afirmar que o cônjuge que utiliza a casa de morada de família ao abrigo do regime provisório previsto no n.º 7 do artigo 931.º do CPC [correspondente ao n.º 7 do artigo 1407.º do CPC de 1961] ao abrigo do acordo sobre o destino da casa de morada de família previsto na alínea d), do n.º 1 do artigo 1775.º do Código Civil, está obrigado a pagar ao outro cônjuge uma compensação pela utilização exclusiva da casa de morada de família.

No nosso entender, a obrigação de pagamento da compensação também não resulta nem do regime do artigo 1793.º do Código Civil, nem do regime da compropriedade.
Vejamos o caso do artigo 1793.º do Código Civil.
Nos termos deste preceito, “pode o tribunal dar de arrendamento a qualquer dos cônjuges, a seu pedido, a casa de morada de família, quer essa seja comum quer própria do outro cônjuge, considerando, nomeadamente, as necessidades de cada um dos cônjuges e o interesse dos filhos do casal”.

Este preceito vale apenas para os casos em que um dos cônjuges pede ao tribunal – e pode fazer este pedido tanto depois de ser decretado o divórcio como na pendência da acção de divórcio, como resulta do n.º 4 do artigo 991.º do CPC - que a casa de morada de família, quer essa seja comum ou própria do outro cônjuge, lhe seja dada de arrendamento.

Este pedido não é assimilável ao pedido que um dos cônjuges faça no sentido de ser fixado um regime provisório quanto à utilização da casa de morada de família, ao abrigo do n.º 7 do artigo 931.º do CPC.

O pedido tido em vista pelo n.º 1 do artigo 1793.º, embora possa ser feito, como se escreveu acima, na pendência da acção de divórcio, visa regular a utilização da casa de morada de família após o divórcio sem consentimento de um dos cônjuges. E visa regular a utilização mediante uma relação de arrendamento. Ao invés, o pedido no sentido de se fixar um regime provisório quanto à utilização da casa de morada de família vale apenas para o período da pendência do processo e não envolve a constituição de qualquer relação contratual entre os cônjuges.

Assim, no nosso entender, do n.º 1 do artigo 1793.º não se retira o princípio de que, no caso de um dos cônjuges utilizar em exclusivo a casa de morada de família, quer ela seja comum ou própria do outro cônjuge, está obrigado a pagar uma compensação ao outro cônjuge. Por outras palavras, o regime previsto no n.º 1 do artigo 1793.º do Código Civil vale apenas para os casos nele previstos, ou seja, para a utilização da casa de morada de família a abrigo de um arrendamento; não vale nem para os casos em que a casa foi atribuída provisoriamente a um dos cônjuges, ao abrigo do n.º 7 do artigo 931.º do CPC, nem para os casos em que a casa é utilizada por um deles com o acordo do outro, obtido no âmbito do divórcio por mútuo consentimento.

Como se escreveu acima, a obrigação de pagamento de compensação também não resulta do regime da compropriedade.
A única norma do regime da compropriedade que releva para o caso é a do n.º 1 do artigo 1406.º do Código Civil, sobre o uso da coisa comum. Segundo o mencionado preceito, “na falta de acordo sobre o uso da coisa comum, a qualquer dos comproprietários é lícito servir-se dela, contando que a não empregue para fim diferente daquele a que a coisa se destine e não prive os outros consortes do uso a que igualmente têm direito”.

Esta norma serviria de amparo à pretensão da recorrente se dela resultasse que o comproprietário que use licitamente e de modo exclusivo a coisa comum está obrigado a indemnizar os outros comproprietários. Sucede que não é este o princípio que resulta da norma. O princípio que dela resulta é que o comproprietário que use a coisa comum está obrigado a indemnizar os outros comproprietários desde que prive ilicitamente os outros consortes de utilizar tal coisa.
Sucede que, no caso, não está preenchida esta condição, ou seja, a privação ilícita do uso da casa de morada de família pelo outro cônjuge. Com efeito, a casa está a ser usada exclusivamente pelo réu, primeiro por tal uso lhe ter sido atribuído por decisão judicial e depois por tal uso lhe ter sido atribuído por acordo estabelecido entre ele e a ora autora. A utilização exclusiva da casa de morada de família pelo réu é, pois, lícita.

Se a utilização exclusiva da coisa comum - casa de morada de família - é lícita; se a indemnização pela prática de actos lícitos só é devida nos casos excepcionais previstos na lei; e se a lei não prevê que o consorte que use exclusivamente, mas licitamente, a coisa comum indemnize os outros consortes, a conclusão a retirar é a de que a obrigação de compensação reclamada pela recorrente não tem amparo no regime da compropriedade.

No caso, a obrigação de compensação também não tem apoio no princípio da proibição do enriquecimento sem causa enunciado no n.º 1 do artigo 473.º do Código Civil. Na verdade, o enriquecimento do réu, consistente na utilização da casa de morada de família, tem como causa uma decisão judicial e um acordo entre os cônjuges quanto à utilização da casa de morada de família.

Em síntese: não há fundamento legal para impor ao réu a obrigação de pagar à autora, ora recorrente, o pagamento de uma compensação pelo facto de aquele estar a utilizar de modo exclusivo o imóvel que constitui a casa de morada de família.”.

Suplantadas as questões relativas à admissibilidade da revista deste aresto, além do mais fundamentada em conflito jurisprudencial, fixou o STJ como objecto deste o seguinte:

“O que cumpre decidir na presente revista é, pois, a questão da interpretação normativa, situada no plano geral e abstracto, do regime contido no nº 7 do art. 931º do CPC: ao prever-se a possibilidade de o juiz, no âmbito do divórcio, fixar, oficiosamente ou a requerimento do interessado, um regime provisório quanto à utilização da casa de morada de família a lei admite ou impõe que tal composição provisória de interesses conflituantes envolva a fixação de uma contrapartida pecuniária ao outro cônjuge, necessariamente privado do uso do bem enquanto durar o processo? Tal norma pressupõe uma atribuição provisória, necessariamente a título gratuito, da casa de morada da família a um dos cônjuges, tido por mais necessitado? ou pelo contrário, consente também numa atribuição do imóvel a título oneroso, envolvendo o pagamento de uma contraprestação ao outro cônjuge, em termos análogos aos que estão previstos a propósito da atribuição definitiva da casa de morada, face ao disposto no art. 1793º do CC, moldada fundamentalmente pelo regime do arrendamento?”.

E decidiu-se, então, negar, no caso concreto, a atribuição de qualquer compensação e confirmar o juízo de improcedência da acção emitido pela Relação, mas com os seguintes e não coincidentes fundamentos:

“Como atrás se referiu, a jurisprudência das Relações tem oscilado, quanto a esta questão, entre duas visões, rígidas e extremadas, entendendo uma das orientações, plasmada, por exemplo, no acórdão recorrido, que (independentemente de qualquer valoração ou ponderação concreta da situação dos cônjuges dissidentes) a fixação de tal compensação é legalmente inadmissível, ao passo que a outra corrente jurisprudencial considera que tal atribuição compensatória deverá ter necessariamente lugar, como forma de obviar a um inadmissível enriquecimento do cônjuge a quem o imóvel foi provisoriamente atribuído à custa do outro interessado.
Considera-se que nenhuma destas posições extremadas, assentes fundamentalmente numa análise conceitual do regime jurídico em causa, é adequada às exigências de ponderação equitativa das circunstâncias do caso concreto, especialmente prementes no campo da definição provisória das relações entre os cônjuges, na pendência do processo de divórcio: na verdade, a formulação legal – ao limitar-se a prescrever a possibilidade de o juiz proferir decisão provisória acerca da utilização da casa de morada de família na pendência do processo - é suficientemente ampla, indeterminada e flexível para consentir, em função de uma valoração prudencial e casuística das circunstâncias pessoais e patrimoniais dos cônjuges, quer numa atribuição do bem imóvel a título gratuito, quer numa atribuição a título oneroso; no primeiro caso, o julgador entenderá que, perante o resultado de tal ponderação casuística, a vantagem auferida pelo cônjuge beneficiário com o uso exclusivo do imóvel não justifica a atribuição de uma contrapartida patrimonial ao outro cônjuge, privado temporariamente do uso do bem; na segunda situação, pode o juiz temperar tal atribuição exclusiva com a imposição da obrigação do pagamento ao outro cônjuge de uma contrapartida económica, fundada em razões de equidade e justiça, aproximando-se, neste caso, ao menos por analogia, do regime de arrendamento que está legalmente previsto para a atribuição definitiva da casa de morada de família.

Note-se que a resposta à questão que nos ocupa não pode fluir directamente de uma simples análise do regime da compropriedade, nomeadamente da norma que consta do art. 1406º, nº1, do CC: para além de as relações patrimoniais entre cônjuges ou ex-cônjuges se não poderem reconduzir, de um ponto de vista funcional, aos precisos quadros do regime legal da compropriedade em bens determinados, a referida norma, ao estabelecer uma possibilidade de uso individual do bem comum por cada comproprietário sem, todavia, privar de forma inadmissível os restantes contitulares de tal direito de uso, não contempla obviamente a específica situação litigiosa que nos ocupa, em que a atribuição do imóvel, em uso exclusivo a um dos contitulares, radicou numa decisão jurisdicional, que resolveu provisoriamente a situação de conflito, real ou latente, entre os interessados.

Tal significa, como é evidente, que o uso, individual e exclusivo, do bem pelo cônjuge a quem o mesmo foi judicialmente atribuído é lícito, encontrando ainda causa ou suporte precisamente na dita decisão, ou seja, na hétero composição de interesses que a mesma - injuntivamente – contém. Mas a circunstância de não existir efectivamente uma situação de responsabilidade civil do beneficiário da atribuição ou de enriquecimento sem causa deste não significa que se deva afastar em absoluto a possibilidade de, por exigências de justiça e equidade, face às circunstâncias concretas da vida dos cônjuges, tal atribuição exclusiva poder ser temperada com a compensação, no plano patrimonial, do outro cônjuge, privado do uso referido imóvel e, por isso, eventualmente obrigado a suportar outras despesas ou incómodos graves com o estabelecimento da sua residência, até à partilha dos bens…

Saliente-se que nos movemos no campo das decisões provisórias e cautelares, em que sempre se entendeu que o julgador dispõe de amplas possibilidades de valoração concreta e flexível dos interesses contrapostos, bem expressas, por exemplo, na norma constante do art. 376º, nº3, do CPC, ao prescrever que – em sede de procedimentos cautelares – o juiz não está sujeito à providência concretamente requerida, podendo decretar a que se revele mais eficaz e adequada à tutela do direito e à prevenção do periculum in mora.

O concreto conteúdo das medidas ou providências cautelares a decretar obedece, assim, desde há muito, a uma ampla possibilidade de modelação judicial, feita em função de juízos casuísticos, não se conciliando com uma rigidez de procedimentos, segundo a qual, independentemente das circunstâncias do caso, o tipo e a natureza da medida cautelar teriam de ser, sempre e necessariamente, definidas em abstracto; ora, tal flexibilidade impõe-se, por maioria de razão, no campo da jurisdição voluntária, em situações em que urge definir provisoriamente, segundo critérios substanciais de justiça e equidade, os interesses contrapostos dos cônjuges.

Interpreta-se, pois, a norma constante do nº 7 do art. 931º do CPC no sentido de a medida provisória e cautelar de atribuição da casa de morada de família poder ou não comportar, em função de uma valoração judicial concreta das circunstâncias dos cônjuges e atentas as exigências de equidade e de justiça, a fixação de uma compensação pecuniária ao cônjuge privado do uso daquele bem, pressupondo esta eventual atribuição a título oneroso uma aplicação analógica do regime que está previsto para a atribuição definitiva da casa de morada de família.

Desta configuração normativa conferida à decisão que atribui, a título provisório, a um dos cônjuges a casa de morada de família decorre que só existe direito a uma compensação pelo uso exclusivo se o juiz a tiver efectivamente atribuído na decisão proferida: ou seja, tal direito a uma compensação patrimonial pressupõe necessariamente, em termos constitutivos, a formulação de um juízo equitativo, em que o julgador, ponderadas as circunstâncias concretas da vida dos cônjuges e por imperiosas razões de justiça material, considera que o equilíbrio dos interesses em confronto só se satisfaz com a imposição ao beneficiário da utilização do imóvel de uma contrapartida por tal uso exclusivo; e, assim sendo, não existe direito à compensação pelo uso exclusivo se se consolidar a decisão provisória acerca do uso da casa de morada, sem nela se prever explicitamente qualquer obrigação de pagamento por parte do cônjuge beneficiado com o uso exclusivo – estando, deste modo, excluída a possibilidade de o outro cônjuge vir ulteriormente, como sucede no caso dos autos, em nova acção, apensada ao processo de divórcio, pretender obter compensação, não prevista na decisão provisória oportunamente proferida nos autos sobre esse tema.
Acresce, no caso dos autos, que a referida decisão provisória foi, de algum modo, a partir do decretamento do divórcio, substituída ou consumida pelo acordo, celebrado pelos cônjuges, judicialmente homologado, no qual identicamente se não prevê o pagamento de qualquer compensação pecuniária pelo uso exclusivo da casa, nele explicitamente atribuído ao R.: saliente-se que tal acordo, interpretado à luz do princípio da impressão do destinatário, só pode significar que nele se não contemplava o pagamento de qualquer quantia como contrapartida da utilização expressamente permitida ao R – implicando a pretensão formulada na presente acção uma modificação substancial dos termos de tal acordo, ao pretender transformar a utilização incondicionada, ali efectivamente prevista, numa utilização condicionada ao pagamento de quantia pecuniária, que não encontrava o mínimo rasto ou traço nas cláusulas que o integravam.

Deste modo, não estando prevista, quer na decisão provisória, proferida no início do processo de divórcio acerca da utilização provisória da casa de morada de família, quer no acordo dos cônjuges acerca desta matéria, judicialmente homologado, o pagamento de qualquer compensação à A. pela utilização exclusiva da casa de morada da família, atribuída ao R., não existe fundamento bastante para obter o reconhecimento ulterior de tal obrigação, que não decorre automática e necessariamente dessa atribuição provisória, pressupondo antes uma valoração judicial constitutiva que, no caso, se não verificou.”. (32)

Na perspectiva do processo especial de prestação de contas e contrariando o já acima referido Acórdão desta Relação de 08-03-2012, entendeu-se no Acórdão da Relação de Coimbra, de 28-03-2017 (33), que por o uso da casa de morada de família não corresponder a uma receita a contabilizar na prestação de contas e, além de no caso concreto analisado inexistir base factual, também não há fundamento legal que, na linha do referido no atrás transcrito Acórdão do STJ, de 13-10-2016, sustente a obrigação de pagar compensação, mesmo com base no enriquecimento sem causa e se a decisão ou o acordo tal não contemplaram.

Resumindo:

1. A utilização da casa de morada de família por parte de um dos cônjuges, desde a separação até à partilha, quando atribuída por decisão judicial ou por acordo (ainda que tácito), não impõe, necessariamente, a obrigação de pagar uma qualquer compensação por tal utilização.
2. A acção de prestação de contas tem por objecto o apuramento e aprovação das receitas obtidas e das despesas realizadas por quem administra bens alheios e a eventual condenação no pagamento do saldo que venha a apurar-se.
3. Tendo a autora, juntamente com a filha do casal, habitado a casa morada de família, bem comum do casal, desde a separação até à partilha, o valor da utilização exclusiva do imóvel por parte da autora (seja ele o valor locativo ou qualquer outro valor), não corresponde a uma receita obtida com a administração do bem que, como tal, possa ser contabilizada no âmbito de uma prestação de contas, referente a tal administração.”

Em situação análoga à ora e aqui em apreço (34), destacando o acordo estabelecido e a ausência nele da estipulação de qualquer compensação, entendeu-se no Acórdão da Relação de Coimbra, de 27-04-2017 (35), que:

I – É legalmente admissível a fixação de uma compensação pa­trimonial do cônjuge privado do uso daquela que foi a casa de morada de família por força da sua atribuição ao outro cônjuge até à partilha do bem. Tal compensação deve ter lugar por razões de justiça e equidade, designadamente porque o cônjuge privado do uso desse bem pode estar sujeito, e, por isso, não pode deixar de ter em conta as circunstâncias concretas da vida dos cônjuges.
II - Tal compensação não poderá deixar de ser determinada pelo juiz como consequência da decisão provisória de atribuição do uso da casa de morada de família ou estipulada pelo acordo das partes quando, ao porem termo ao processo de divórcio convertendo-o em divórcio por mútuo consentimento, acordam, acordo sujeito a homologação judicial, na atribuição da casa de morada de família a um dos cônjuges até à partilha desse bem.
III - Nada sendo decidido pelo juiz ou acordado pelas partes, já não será possível, em ação judicial posterior, proceder a tal fixação, porquanto tal implicaria, na verdade, uma alteração substancial do teor da decisão judicial ou do acordo das partes que contempla uma utilização do bem incondicionada, passando-se a estipular, como acima se disse, uma utilização condicionada ao pagamento de quantia pecuniária.
IV - Não constando do acordo outorgado qualquer pagamento pela atribuição do uso da habitação da casa de morada de família ao Réu, qualquer declaratário normal – que de acordo com o disposto no n.º 1 do art.º 236º do C. Civil corresponde ao "bonus pater familias" equilibrado e de bom senso, pessoa de qualidades médias de instrução, inteligência e diligência normais –, entenderá que foi porque as partes o não quiseram convencionar pois se o quisessem o contrário tê-lo-iam deixado expresso, nada permitindo que se equacione coisa diversa.”.

Por fim, sob o enfoque da alteração superveniente de circunstâncias, da natureza das resoluções adoptadas em procedimentos de jurisdição voluntária, à luz do que a lei, designadamente o disposto no artº 1793º, nº 3, do CC, prevê sobre isso, e estribando-se na jurisprudência a tal propósito invocada (36), entendeu-se no recente Acórdão desta Relação de Guimarães, de 28-09-2017 (37), que:

“Tendo sido acordado no âmbito de acção de divórcio, onde foi proferida sentença já transitada em julgado, que o cônjuge marido ficaria a residir na casa de morada de família até à partilha dos bens, sem ter sido fixada a contrapartida de qualquer compensação/renda, pode a mulher requerer posteriormente ao tribunal que seja fixada em seu benefício uma quantia mensal por aquela ocupação se, entretanto, se alteraram em seu desfavor, as circunstâncias que estiveram na base daquele acordo.”.

Exaurido assim o panorama jurisprudencial que dos citados arestos se antolha, é patente a inflexão que, a partir do referido Acórdão do STJ, de 13-10-2016, no sentido mais sólido e correcto, se deu, com base na ampla, profunda e brilhante análise exposta pela pena do Sr. Conselheiro Lopes do Rego.

Ora bem.

A questão recursiva suscitada pelo apelante e que logicamente deve conhecer-se em primeiro lugar consiste em saber se, sendo por ocasião do divórcio e no respectivo processo que a apelada devia ter exigido/pedido a compensação pelo não uso da casa de morada de família, mas apenas o tendo feito, anos mais tarde, a reboque desta acção contra ela dirigida por aquele para se ressarcir das prestações do empréstimo bancário, a reconvenção dela objecto é inoportuna, meio impróprio (indevido) para a obter e não tem fundamento legal.

Esta primeira questão apresenta-se-nos, assim, com uma dupla dimensão:

-Por um lado, a estritamente processual – extemporaneidade (preclusão) e forma de processo errada (inadmissibilidade da acção, ainda que reconvencional).
-Por outro, a material ou substantiva (indevida qualquer compensação por ausência de fundamento legal que, fora das circunstâncias do divórcio e do regime inerente, a preveja e sustente).

Como se relatou, na réplica à mesma, o apelante alegara que, a ser devida qualquer renda, ela teria de ser pedida e fixada na sentença homologatória do divórcio, o que não aconteceu, não podendo agora a ré exigi-la, tal como qualquer compensação.

Não obstante, o tribunal a quo, no saneador, de forma praticamente tabelar e sem concretamente nada apreciar, limitou-se a declarar: “Admito o pedido reconvencional deduzido, ao abrigo do disposto no art. 266º nº. 1 e 2, al. c) do C.P.C.”.

Não foi, mormente pelo autor apelante, esboçada qualquer reacção, sendo certo que, à luz dos nºs 1 a 3, do artº 644º, do CPC, ele só pode ser impugnada no recurso da decisão final. (38)

Como se colhe da fundamentação desta, na parte relativa à reconvenção, nada se referiu quanto ao problema, colocando-se todo o enfoque na pressuposta privação do uso do bem comum e na perspectiva do regime dos artºs 1405º e 1406º, do CC.

Daí que o autor apelante insista que devia ter sido por ocasião do divórcio e no respectivo processo que a ré devia ter exigido a compensação e que não pode fazê-lo agora (oportunidade) e por este meio indevido (impropriedade) – cfr. conclusões 10ª a 12ª.

Se bem que o apelante não seja bem explícito na qualificação ou enquadramento jurídico de tal dever e consequente impossibilidade nem na manifestação de vontade no sentido de que pretende impugnar o aludido despacho interlocutório que admitiu a reconvenção, o certo é que a verificação dos pressupostos a que alude o artº 266º, nºs 2 e 3, do CPC, é matéria de conhecimento oficioso por integrar excepção dilatória inominada – artºs 578º, 590º, nº 1. (39)

De resto, ele jamais poderia estar coberto por caso julgado formal, uma vez que, no referido despacho interlocutório, o tribunal recorrido não se pronunciou quanto às questões concretamente suscitadas – artº 595º, nº 3.

Daí que a reapreciação de tal despacho e das condições de admissibilidade da reconvenção possa e deva ser feita. (40)

Vejamos, então.

A reconvenção pressupõe um modificação objectiva da instância e é uma excepção ao princípio da estabilidade desta – artº 260º.

Estabelece o artº 266º:

“1 - O réu pode, em reconvenção, deduzir pedidos contra o autor.
2 - A reconvenção é admissível nos seguintes casos:
a) Quando o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à ação ou à defesa;
b) Quando o réu se propõe tornar efetivo o direito a benfeitorias ou despesas relativas à coisa cuja entrega lhe é pedida;
c) Quando o réu pretende o reconhecimento de um crédito, seja para obter a compensação seja para obter o pagamento do valor em que o crédito invocado excede o do autor;
d) Quando o pedido do réu tende a conseguir, em seu benefício, o mesmo efeito jurídico que o autor se propõe obter.
3 - Não é admissível a reconvenção, quando ao pedido do réu corresponda uma forma de processo diferente da que corresponde ao pedido do autor, salvo se o juiz a autorizar, nos termos previstos nos n.os 2 e 3 do artigo 37.º, com as necessárias adaptações.”

No caso, a reconvenção não emerge de facto jurídico que serve de fundamento à acção ou à defesa.

Com efeito, aquela estribava-se na responsabilidade da ré por metade da dívida comum paga pelo autor ao Banco e, esta, no alegado acordo que compreendia o compromisso de o apelante as pagar sozinho.

Ao passo que o pedido reconvencional foi baseado no direito a uma contrapartida ou renda devidas pela utilização exclusiva do autor do bem comum do casal com fundamento no artº 1793º, ou 473º e sgs., do CC.

Não há, pois, conexão entre esta pretensa contrapartida do uso e a dívida das prestações bancárias.

Manifestamente estando fora de questão as alínea b) e d), também o está – contrariamente ao sugerido no despacho interlocutório que tabelarmente ao abrigo da mesma admitiu tal pedido – a alínea c).

Na verdade, pretendendo a ré o reconhecimento de um crédito a seu favor, não visou compensá-lo com o do autor nem obter o pagamento apenas do valor na parte excedente. (41) Este valor é menor e não pediu que tal compensação operasse.

Além disso, como sobejamente ficou demonstrado nos referidos Acórdãos do STJ, de 13-10-2016, e da Relação de Coimbra, de 27-04-2017, tratando-se, no caso, da atribuição provisória da casa de morada de família no período compreendido entre o decretamento do divórcio e a partilha, sujeita a procedimento próprio com a natureza de jurisdição voluntária e a critérios casuísticos de oportunidade, equidade e justiça e tendo sido, no divórcio, aquela sido objecto de acordo homologado na decisão que dissolveu o vínculo matrimonial e no qual se não está prevista nem pode encontrar-se por via interpretativa qualquer compensação pecuniária em contrapartida, não podem as condições daquela atribuição voltar a ser de novo discutidas em acção posterior, de feição adjectiva diversa e obviamente subordinada a critérios de legalidade estrita, e a alterar-se substancialmente o antes decidido ou acordado fora de tal procedimento e sem que se tenham alterado supervenientemente as circunstâncias fácticas que presidiram àquela atribuição e respectivas condições.

Correspondendo, assim, ao pedido da ré formulado na presente reconvenção uma forma de processo diferente (42) da que corresponde ao do autor deduzido nesta acção e não sendo caso de excepcionalmente se poder e dever autorizar tal forma pelas razões largamente expendidas naqueles arestos relativas à especificidades, adjectiva e substantiva, do regime de atribuição provisória, naquele período, da casa de morada de família, também é inadmissível a reconvenção, à luz do nº 3, do referido artº 266º.

Assim sendo, procede a excepção dilatória inominada (insuprível) de inadmissibilidade da reconvenção, o que implicaria a absolvição do autor da respectiva instância – artºs 278º, nº 1, alínea e), 576º, nºs 1 e2, 577º, 590º, nº 1.

Sucede que, como dispõe o nº 3, do artº 278º, segunda parte, esta absolvição não tem lugar quando, destinando-se a tutelar o interesse de uma das partes, nenhum outro motivo obste, no momento da apreciação da excepção, a que se conheça do mérito da causa e a decisão desta deva ser integralmente favorável a essa parte.

Ora, independentemente dessa dimensão adjectiva do problema, nos termos que defluem dos arestos a cujo entendimento aderimos e vimos seguindo, ultrapassada que está há muito a fase e processo de divórcio no âmbito da qual foi acordada e homologada a atribuição provisória da casa de morada de família e nada, a título de compensação, então e ali a ré tendo obtido nem exigido em consenso ou por decisão judicial e segundo os critérios legais de ordem material ou substantiva que tal lhe possibilitavam e se pautam pela equidade e justiça prevalecentes no âmbito da jurisdição voluntária, não pode a ponderação e decisão que naquela oportunidade e processo deveria ter sido promovida e ter tido lugar ser retomada e reposta agora neste, desconexamente, uma vez que a acção declarativa se rege por diferentes princípios e regras que não suportam tal pretensão nem a eventual alteração do decidido que tal implicaria.

Como se diz no Acórdão do Supremo, ainda que, nos termos do nº 7, do artº 931º, CPC, a medida cautelar e provisória de atribuição da casa de morada de família a um dos cônjuges possa comportar a fixação de uma compensação pecuniária ao outro com base até na aplicação analógica do regime previsto para a atribuição definitiva (artºs 1793º, CC, e 990º, CPC), tal só é possível, dada a peculiar configuração normativa em que tal se admite, na condição de o juiz a ter efectivamente fixado e atribuído na decisão respectiva procedendo aí a uma concreta valoração das circunstâncias da vida dos cônjuges e por razões de equidade ou justiça material.

Consolidando-se a decisão provisória oportunamente proferida sem que nela algo se tivesse previsto explicitamente quanto a tal contrapartida, fica excluída a possibilidade de o outro cônjuge vir ulteriormente, como sucede no caso destes autos, em nova acção declarativa (já não de jurisdição voluntária), a pedi-la e a obtê-la.

Assentando este fundamento em razões substanciais ligadas aos critérios de decisão diversos (legalidade e não conveniência ou oportunidade) e, portanto, respeitando a uma outra dimensão que extravasa a dos obstáculos adjectivos antes referidos, mas que implica reconhecer o mérito, também nesta perspectiva, da primeira questão recursiva em apreço suscitada pelo apelante, deve, nos termos da segunda parte do nº 3, do citado artº 278º, do CPC, afirmar-se a procedência desta e, consequentemente, a insubsistência da decisão proferida quanto ao pedido reconvencional e a absolvição do autor em relação ao mesmo.

De resto, além dessa, outras razões confluem no sentido de que a decisão impugnada se não possa manter.

Desde logo, a da pretendida ampliação da matéria de facto provada – segunda questão recursiva.

Com efeito, na réplica, o autor, para refutar a pela ré invocada privação do uso do imóvel com que esta pretendeu fazer valer o disposto no artº 1406º, nº 1, do CC, e fundamentar o pedido de compensação, alegou que foi a sua ex-cônjuge quem, por sua livre e espontânea vontade, decidiu abandonar a habitação que constituía a morada do casal e de facto a abandonou em 04-03-2003.

Porém, apesar do evidente relevo de tal facto em vista daquela norma e da do artº 1405º, ao abrigo das quais alguma jurisprudência, como se viu, soluciona a questão, a sentença, apesar de também a ter seguido de perto, quer no elenco dos factos provados e não provados quer na motivação, é totalmente omissa sobre ele.

Tal facto, respeita à razão que esteve na base da saída da casa e ao modo como esta se processou e, portanto, releva na ponderação da licitude ou ilicitude com que a privação do seu uso protagonizada pela ré teria decorrido (voluntária ou provocada).

Considera-se, pois, indispensável a ampliação ao mesmo da decisão sobre a matéria de facto – alínea c), do nº 2, do artº 662º, CPC – como defende o apelante.

Sucede que, para o efeito, nem sequer se torna necessária a anulação do julgamento, uma vez que se dispõe nos autos de todos os elementos necessários e tal matéria foi contraditoriamente discutida em audiência.

Na verdade, examinado o processo onde nada de relevante em termos probatórios ou contraprobatórios se contém sobre ele (nem é suposto que existisse), mas ouvida toda a prova gravada, especialmente o depoimento de parte da ré, é absolutamente claro e seguro, em função do que ela reconheceu e do modo expresso e firme como o fez, o reconhecimento de que, cerca de dois meses antes do divórcio, por sua livre vontade, decidiu sair definitivamente de casa, sem que a tal tivesse sido constrangida.

Instada, foi peremptória em confirmar ter-se tratado de uma opção sua e definitiva (ainda que motivada pela perspectiva de se divorciar e norteada pelas razões que para tal teria, que se desconhecem e que ela própria não referiu nem imputou a qualquer conduta do autor, activa ou omissiva, causalmente adequada a provocar a sua voluntária “privação” do gozo da casa).

O próprio autor, nas suas declarações, refutou qualquer atitude nesse sentido e sublinhou a livre decisão da ré.

As duas testemunhas inquiridas, arroladas por uma e outra parte, também não contrariaram a versão da mesma. Pelo contrário.

Assim, aditar-se-á, nos termos do artº 662º, nºs 1 e 2, alínea c), do CPC, ao elenco dos factos provados uma alínea r), com a seguinte redacção:

Cerca de dois meses antes de ter sido decretado o divórcio, a ré saiu livre e voluntariamente da até então casa de morada de família, indo morar para Barcelos e nunca mais tendo pretendido voltar para a mesma.”

Nesta medida, procede a segunda questão recursiva.

Quanto, ainda, à terceira questão do recurso – que consiste em saber se, por carência de fundamento legal, como defende o apelante e contra o que se entendeu na sentença recorrida, também não é devida pelo autor à ré qualquer contrapartida (renda ou compensação) por apenas ele ter usufruído (mantendo a situação de facto existente e segundo o acordo estabelecido no divórcio), e não ela (que espontaneamente a abandonou e foi morar para outro local sem jamais ter manifestado qualquer pretensão sobre a mesma fosse de que espécie fosse), da casa de morada de família, desde a data do divórcio até à da partilha – também esta merece ser acolhida.

Como se mostrou, na sentença, o tribunal a quo baseou-se, sobretudo, no regime dos artºs 1405º e 1406º, do CC, considerou-o aplicável por, no período entre o divórcio e a partilha sempre subsistir uma comunhão de bens (43).

Partindo da constatação como “ponto assente que a ré ficou privada de utilizar e usufruir” o imóvel, considerou-se que, sendo este um bem comum, “não seria justo que se beneficiasse um deles (o cônjuge que fica com o direito de utilizar a casa de morada de família) sem compensar o outro da privação do uso e fruição de um bem que também lhe pertence”.

Só que tal entendimento não resiste a várias objecções.

A primeira delas é que, como atrás se viu, a propósito sobretudo do Acórdão do STJ, de 13-10-2016, não existindo um regime legal que preveja a compensação a pagar pelo cônjuge ao qual for atribuído provisoriamente o gozo da casa de morada de família ao outro em contrapartida da inerente privação deste desse mesmo gozo no período que vai do divórcio até à partilha, nem defluindo ele de qualquer outro aparentado, designadamente do da compropriedade, a consideração das invocadas razões de justiça ou de equidade que, mormente por analogia com o regime do artº 1793º, do CC, podem ou não fundamentar a oportunidade e conveniência de fixar tal compensação, apenas pode ter lugar no âmbito do processo ou incidente apropriados e pautar-se pelas regras da jurisdição voluntária.

Tal “ponderação judicial, casuística e equitativa” não pode “inovatoriamente” ocorrer em ulterior acção e recorrendo nesta aos critérios da outra.

A segunda, em que o apelante com razão insiste, é que, afinal de contas, nem os invocados artºs 1405º e 1406º, CC, prevêem qualquer compensação sucedânea pelo não gozo da coisa por um dos cônjuges, nem, no caso, ocorre uma “privação” ilícita e censurável por cujos efeitos o outro deva ser responsabilizado.

Desta perspectiva, não é precisa nem consequente a afirmação fáctica de que a ré foi “privada” de utilizar a casa e que tal “privação” deve ser compensada pelo autor.

A regra, na compropriedade, de acordo com o artº 1405º, nº 1, CC, é ambos os comproprietários exercerem, em conjunto, o direito de usufruir a coisa; e de, cada um, participar proporcionalmente nas vantagens e nos encargos dela.

Tratando-se da casa de morada de família cuja propriedade continuou a ser titulada, depois do divórcio e antes da partilha, pelos dois membros do ex-casal, em conformidade com tal regra, se considerada aplicável, e com a do artº 1305º, não há dúvida que qualquer deles manteve o direito a servir-se dela como sua habitação, participando da correspondente vantagem pelo imóvel para tal propiciada.

Tendo este sido adquirido ou construído com dinheiro emprestado ao casal pelo Banco e em garantia de cujo pagamento ele estava hipotecado a favor do mutuante (44), é claro que cada um deve participar na satisfação do correspondente encargo.

Sem embargo, o uso da coisa comum pode ser objecto de acordo, como se prevê na parte final do nº 1, do artº 1405º, e se extrai do nº 1, do artº 1406º.

Se o for, prevalecerão as estipulações nele compreendidas, nos termos dos artºs 405º e 406º.

No caso, no âmbito do divórcio por mútuo consentimento e da respectiva conferência, foi acordado, por autor e ré – não decidido nem judicialmente imposto –, que a casa de morada de família, até à partilha, ficava “atribuída” ao primeiro.

Não consta que, no acto, tivesse sido exigida pela ré, estabelecida entre as partes e muito menos decidida pelo tribunal qualquer espécie de contrapartida a satisfazer pelo autor por tal “atribuição”.

Sendo certo que aquela a alegou na sua contestação – cfr. relato supra –, vagamente a qualificando como uma aceitação deste e a consubstanciando no pagamento integral, apenas pelo mesmo, das prestações devidas ao Banco em razão do empréstimo e que até teria sido a condição para a ré ter acordado na dita “atribuição” e prescindido de exigir qualquer compensação por esta, a verdade também é que, como decorre do elenco dos factos provados e não provados, sobretudo da alínea c) destes, nada quanto a isso foi demonstrado, como se viu.

Compreendendo-se na referida “atribuição” o gozo ou usufruição da casa como morada ou habitação do ex-cônjuge, assim ficou voluntariamente regulado, por comum acordo, o uso do imóvel.

Tal significa, por um lado, que o autor, mesmo já podendo licitamente habitar a casa desde que não privasse a ré de usufruir igual vantagem e, portanto, respeitasse a obrigação de, para tal, a usar conjuntamente caso ela quisesse (mas não quis) fazê-lo, obteve o direito de, assim, nela morar sozinho.

Significa, por outro lado, que a ré, a despeito do que, na falta de acordo, a lei lhe garantia, ou seja, de também poder igualmente servir-se da casa conformando tal exercício com o do autor, mediante o acordo firmado, abdicou voluntariamente de tal possibilidade em favor deste reconhecendo-lhe a de ele poder servir-se daquela em exclusivo (afastando a regra da conjunção), assim alargando licitamente os respectivos poderes dele.

Significa, ainda, que o autor, com a sua conduta, não privou activa e ilicitamente a ré de se servir também da casa (o que, a acontecer, poderia despoletar responsabilidade civil pelos danos). Limitou-se ele a beneficiar licitamente da voluntária aceitação por parte dela em “atribuir-lha” e da sua correspondente passividade em usá-la, desde que, cerca de dois meses antes do divórcio livre e voluntariamente, ainda que motivada pela ideia do termo da vida em comum e pela intenção de por termo à relação conjugal, de lá saiu e foi morar noutro local em apartamento arrendado.

E, por fim, que nenhuma contrapartida foi, a tal propósito, estipulada no acordo nem judicialmente decidida na sentença que o homologou, apesar de a ré assim se ter visto despojada de um direito (abstendo-se de usar a casa ou renunciando a tal uso) e de a sua obrigação de concorrer para o encargo (pagamento das prestações do empréstimo ao Banco) subsistir (45), uma vez que nada em contrário ou no sentido de a exonerar dela foi então acordado, maxime como condição da referida “atribuição”, seja no âmbito voluntário (acordo) seja no do processo de divórcio (artº 1793º, CC e 994º, nº 1, alínea f), do CPC), nem posteriormente promovido em termos de alteração do acordo (como prevê o nº 3, daquele artº 1793º), só o tendo feito, neste processo, a destempo e inoportuna e indevidamente, como se viu, quando foi chamada a responder pela sua quota parte nas prestações do empréstimo pagas pelo ex-marido.

Releva, pois, o acordo firmado. Ele não contempla qualquer compensação, nem sequer por via interpretativa a mesma pode ser nele entendida.

A atribuição da casa ao autor e a consequente privação dela a que se sujeitou a ré partiram de acordo expresso (não de uma simples condescendência), livre, voluntário, incondicionado. Não foi resultado de qualquer atitude ilícita. Não há notícia de alguma vez a ré a ter querido também usufruir e disso ter sido impedida. Pelo contrário. Nem de ter querido por isso ser compensada.

Tal acordo foi a causa da vantagem usufruída pelo autor. Não tendo nele sido estabelecida qualquer onerosidade, não pode agora a ré pretendê-la por via subsidiária.

Esta vantagem não é uma receita de que o cônjuge, simultaneamente administrador de (em parte) coisa alheia, deva prestar contas.

Enfim, nem sequer se tendo provado os pela ré alegados pressupostos ou condições segundo os quais teria concordado, na conferência do divórcio, com a atribuição da casa ao autor, ignorando-se como, na partilha e na subsequente divisão de coisa comum que levou à adjudicação do imóvel ao autor foram consideradas ou eventualmente balanceadas as posições ou expectativas de um e outro em relação ao património comum, não pode subsistir a fundamentação da sentença recorrida, nem outra se descortina, capaz de sustentar a procedência do pedido reconvencional.

Deve, pois, proceder a apelação, revogar-se, nesta parte, a decisão e absolver-se o autor daquele pedido.

V. DECISÃO

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes desta Relação em julgar procedente o recurso e, em consequência, dando provimento à apelação, revogam a decisão recorrida na parte respeitante à reconvenção (ponto 5.2 e custas inerentes), julgando-se a mesma totalmente não provada e improcedente e absolvendo-se o autor do pedido respectivo.
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Custas da reconvenção e da apelação pela ré/apelada – (artºs 527º, nºs 1 e 2, e 529º, do novo CPC, e 1º, nºs 1 e 2, 3º, nº 1, 6º, nº 2, referido à Tabela anexa I-B, 7º, nº 2, 12º, nº 2, 13º, nº 1 e 16º, do RCP).
*
Notifique.
Guimarães, 18 de Janeiro de 2018


José Fernando Cardoso Amaral
Helena Maria de Carvalho Gomes de Melo
João António Peres de Oliveira Coelho


Sumário:

1. Se o despacho interlocutório relativo à verificação das condições em que pode ser deduzida reconvenção (artº 266º, CPC) se limitou a admiti-la tabelarmente, tal não constitui caso julgado formal e a questão é de apreciação oficiosa pela Relação por estar em causa uma excepção dilatória inominada.
2. Tendo, na acção de divórcio, sido acordado, pelos cônjuges, que o gozo da casa de morada de família (bem comum) ficava atribuído provisoriamente ao ex-marido até à partilha, sem mais nada a ex-mulher, que já antes optara por sair e ir habitar outra, lhe ter, então ou depois, exigido como contrapartida por tal uso, não pode ela, depois do divórcio, do inventário e da divisão daquela coisa comum, no contexto de uma acção que aquele moveu contra esta pedindo a condenação dela a pagar-lhe metade do valor das prestações bancárias devidas pelo empréstimo contraído para a sua aquisição que só ele suportou naquele período, pretender, em reconvenção, que, com fundamento substantivo, designadamente, no regime do artº 1793º, do CC, ou no do enriquecimento sem causa previsto nos artºs 473º, e sgs, do CC, ele lhe pague agora uma quantia compensatória pelo não uso, calculada em função do respectivo valor locativo.
3. Aliás, tal reconvenção não é processualmente admissível, nos termos do artº 266º, do CPC.
4. Como se entende no Supremo Tribunal de Justiça, ainda que, nos termos do nº 7, do artº 931º, CPC, a medida cautelar e provisória de atribuição da casa de morada de família a um dos cônjuges possa comportar a fixação de uma compensação pecuniária ao outro com base até na aplicação analógica do regime previsto para a atribuição definitiva (artºs 1793º, CC, e 990º, CPC), tal só é possível, dada a peculiar configuração normativa em que tal se admite, na condição de o juiz a ter efectivamente fixado e atribuído na decisão respectiva procedendo aí a uma concreta valoração das circunstâncias da vida dos cônjuges e por razões de equidade ou justiça material.


1. Apesar de o autor, na réplica, ter questionado a possibilidade de, agora (rectius: nesta acção declarativa, com processo comum e por via de reconvenção), a ré poder exigir qualquer compensação pelo uso da casa de morada de família atribuído àquele e com que concordou em sede de processo de divórcio (argumentando que era neste que ela devia ter sido pedida e fixada), o despacho a admitir a reconvenção foi praticamente tabelar, limitando-se a invocar uma das alíneas do nº 2, do artº 266º, sem qualquer apreciação concreta dos pressupostos em tal norma exigidos, maxime daquela questão.
2. Confinado apenas ao apuramento do “direito de crédito do autor”.
3. Nos seguintes termos e sem qualquer reclamação de qualquer das partes: “a)- Como contrapartida do pelo gozo exclusivo do imóvel, o autor aceitou pagar a totalidade dos empréstimos contraídos por ambos; b)- O valor locativo do imóvel à data do divórcio era de 400€; c)- À data do divórcio o autor auferia vencimento mensal superior a 1000€; d)- À data do divórcio a ré auferia vencimento mensal de 600€; e)- Após o divórcio, a Ré arrendou um apartamento em Barcelos pagando a renda mensal de 230€ onde passou a residir com os dois filhos do casal.
4. Cujos exactos termos contratuais, designadamente no que concerne à participação e responsabilidade da ré se ignoram nos autos.
5. Esta acção judicial é a quarta que, na sequência da separação do casal, foi levada a juízo (sendo as três primeiras, a de divórcio litigioso convolado em mútuo, a de inventário e a de divisão de coisa comum).
6. O eventual acordo em tais termos sem assentimento do Banco credor não seria oponível a este. Manter-se-ia, por isso, na relação externa. Todavia, nas relações entre condevedores, seria, segundo nos parece, mais excepção peremptória extintiva do que meramente impeditiva do direito do autor (diferentemente do que diz o tribunal recorrido), na medida em que a responsabilidade exclusiva eventualmente assumida por ele consubstanciaria uma compensação do seu débito pelo gozo da totalidade do imóvel com o crédito da autora pela correspondente cedência de igual direito a servir-se da coisa e da correspondente vantagem daí adveniente.
7. A partilha e, portanto, o termo do período em causa, ocorreu em 08-06-2008.
8. Recorde-se que, reconhecendo tal acordo, não logrou, contudo, demonstrar o alegado pressuposto e condição em que nele teria assentido e de que lhe teria advindo a esperança de pela sua quota das prestações pagas ao Banco na totalidade pelo ex-marido jamais vir a ser demandada por este
9. A afirmação de que “ficou privada de utilizar e usufruir…” é, nas circunstâncias de que trata este processo, algo equívoca. Reportando-se ela à mera constatação da situação fáctica que resultou de a ré, a partir de certa altura, ter deixado de morar na casa que era bem e morada comum do casal, tal privação tanto pode ter sido causada por uma sua decisão puramente livre e voluntária (tratando-se, nessa hipótese, de auto-privação) como por acção directa e imediata do outro cônjuge ou, ainda, indirectamente devida a este se e na medida em que com a respectiva conduta se conexionem a referida saída e o subsequente divórcio. Daí a reacção do autor à afirmação e o seu pedido de que, quanto a ela, em vista do disposto no nº 1, do artº 1406º, CC, relevado na sentença, seja alterada a matéria de facto.
10. Alegando que “era no âmbito do processo de divórcio, ou na pior das hipóteses até à partilha do património comum” e “nesse período” que devia ter exercido os seus direitos, que não o fez “no momento devido – aquele processo de divórcio e partilha” e que, por isso, não é de “fixar qualquer renda ou valor indemnizatório, não só por não ser devido, mas por não ter sido exigido no tempo e pelo meio devido”.
11. Publicado na Base de Dados do ITIJ/DGSI e na CJ Ano XII, Tomo i/2004, nº 173, páginas 145 e 146, relatado pelo Consº Azevedo Ramos.
12. Publicado, sem o texto dos dois Votos de Vencido, na Base de Dados do ITIJ/DGSI, e na CJ, Ano XVI, Tomo III/2008, nº 211, páginas 131 a 139. Votaram a favor os Consºs Camilo Moreira Camilo (Relator), Urbano Dias e Paulo Sá e contra os Consºs Moreira Alves e Alves Velho.
13. Processo nº 33/08.9TMBRG-G1, relatado pela Desembª Ana Cristina Duarte.
14. Relatado pelo Consº Serra Baptista.
15. Processo nº 5372/04.5TBGMR-A.G1, relatado pela Desemb. Helena Melo, 1ª Adjunta deste.
16. Processo nº 2324/07.7TBVCD.P1.S1, relatado pelo Consº Abrantes Geraldes.
17. Proferido no processo 2941/11.0TBVFR.P1, relatado pela Desemb. Maria Amália Santos e subscrito pelo relator do presente.
18. Ainda que sem a indicação da fonte.
19. Daí que, sem prejuízo do que mais adiante se dirá, não nos pareça poder utilizar-se o entendimento subjacente a tal aresto como fundamento decisivo para contrariar a alegação do recorrente de que este não é o tempo nem o meio devido para a recorrida exercer o seu eventual direito, muito embora, na perspectiva formal ou processual, se não descortine diferença notória capaz de justificar a sua tese.
20. Processo nº 1164/10.0TMPRT-B.P1, relatado pelo Desemb. M. Pinto dos Santos.
21. Os artºs1775º, nº 1, alínea f), 1778º-A, nº 3, do CC, pressupõem que, no divórcio por mútuo consentimento, os cônjuges acordem sobre o destino da casa de morada de família ou, na falta de consenso sobre este, o tribunal o fixe, provisoriamente. O mesmo sucederá, no processo de divórcio litigioso à luz do artº 1779º, nº 2, se este passar a consensual. O artº 1793º, possibilita ao tribunal dar de arrendamento a qualquer dos cônjuges, em condições a definir por ele, na respectiva decisão, à luz das regras locatícias, a casa de morada de família (seja ela bem comum ou próprio de um deles), desde que tal lhe seja pedido, no incidente processual próprio, embora possa, nessa sede, também haver acordo que o tribunal se limitará a homologar. Este pedido é deduzido por apenso à acção de divórcio se esta estiver pendente ou ainda que já tenha corrido (artº 990º, nº 4, CPC).
22. De acordo com o artº 931º, nº 7, CPC (divórcio sem consentimento), “Em qualquer altura do processo, o juiz, por iniciativa própria ou a requerimento de alguma das partes, e se o considerar conveniente, pode fixar um regime provisório quanto […] à utilização da casa de morada da família; para tanto o juiz pode, previamente, ordenar a realização das diligências que considerar necessárias”. Embora inserta na regulamentação dos trâmites da acção especial respectiva (processo litigioso), a norma prevê assim, inserido nele, um incidente com características próprias do processo de jurisdição voluntária.
23. Processo nº 2557/10.9TBVFX, relatado pelo Desemb. Tomé Almeida Ramião.
24. Processo 3835/11.5TJVNF-B.P1, relatado pelo Desemb. Manuel Fernandes.
25. Processo 5815/07.6TBVNG-K.P2, relatado pelo Desemb. Henrique Araújo.
26. Processo 3835/11.5TJVNF-C.P1, relatado pelo Desemb. Carlos Querido.
27. Processo 5523/13.9TBVNG-B.P1, relatado pelo Desemb. Carlos Querido.
28. Processo 273/14.1TBSCR.L1-2, relatado pela Desemb. Ondina Carmo Alves.
29. Processo nº 135/12.7TBPBL-C.C1.S1, relatado pelo Consº Lopes do Rego.
30. Note-se que se tratava de uma acção diversa da de divórcio onde fora, cautelar e provisoriamente, decretada, para vigorar durante a pendência do processo em que ele se discutia, a atribuição do direito de utilizar a casa de morada de família ao demandado, apesar de ela ser propriedade da demandante, mas sem qualquer contrapartida ou compensação desta que, apesar de ali pedida em tal incidente lhe foi indeferida (com confirmação em recurso pela Relação), acção de divórcio essa em cuja sentença final que o decretou por mútuo consentimento e homologou o acordo entre ambos entretanto estabelecido relativamente à utilização da casa de morada de família no qual se consagrou a continuação da utilização da casa ao cônjuge marido agora até à partilha dos bens comuns, sem que, concomitantemente, algo se tenha convencionado como contrapartida.
31. Acórdão este que, depois de considerar não verificadas as ditas excepções (caso julgado e renúncia), entendeu que “o cônjuge a quem foi atribuída a casa de habitação, quer ao abrigo da fixação do regime provisório, quer ao abrigo do acordo previsto na alínea d), do n.º 1 do artigo 1775.º do Código Civil, não está constituído na obrigação de pagar ao outro cônjuge qualquer compensação pela utilização exclusiva da casa de habitação”.
32. De onde se extraiu o sumário que, por facilidade, não deixamos de aqui transcrever também: “I. A medida provisória e cautelar de atribuição da casa de morada de família pode ou não comportar, em função de uma valoração judicial concreta das circunstâncias dos cônjuges e atentas as exigências de equidade e de justiça, a fixação de uma compensação pecuniária ao cônjuge privado do uso daquele bem, pressupondo esta atribuição a título oneroso, quando decretada, uma aplicação analógica do regime que está previsto para a atribuição definitiva da casa de morada de família. II. Na verdade, ao limitar-se a prescrever a possibilidade de o juiz proferir decisão provisória acerca da utilização da casa de morada de família na pendência do processo, a norma do art.do nº7 do art. 931º do CPC é suficientemente ampla, indeterminada e flexível para consentir, em função de uma valoração prudencial das circunstâncias pessoais e patrimoniais dos cônjuges, quer numa atribuição do bem imóvel a título gratuito, quer numa atribuição a título oneroso, fundada em razões de equidade e justiça, estabelecida por analogia com o regime que está legalmente previsto para a atribuição definitiva da casa de morada de família. III. Deste modo, dependendo constitutivamente esse direito a uma compensação pelo uso exclusivo da casa de morada pelo outro cônjuge de uma ponderação judicial, casuística e equitativa, ele só existe se o juiz o tiver efectivamente atribuído na decisão oportunamente proferida sobre tal matéria, não podendo ser inovatoriamente reconhecido através da propositura de acção ulterior. IV. O acordo dos cônjuges, judicialmente homologado, no qual se não prevê o pagamento de qualquer compensação pecuniária pelo uso exclusivo da casa, nele atribuído a um dos cônjuges, deve ser interpretado, à luz do princípio da impressão do destinatário, no sentido de que as partes não contemplam o pagamento de qualquer quantia como contrapartida da utilização do imóvel – não sendo admissível uma modificação substancial dos respectivos termos, ao pretender transformar-se a utilização incondicionada, efectivamente prevista no acordo, numa utilização condicionada ao pagamento de quantia pecuniária, que não encontra o mínimo rasto ou traço nas cláusulas que o integravam.”.
33. Processo nº 255/10.2TMCBR-B.C1, relatado pela Desembª Maria Catarina Gonçalves.
34. Com a diferença de que ali colocada pela ex-cônjuge não beneficiária do gozo da casa de morada de família como autora na acção por si interposta contra o réu ex-cônjuge utilizador exclusivo dela, ao passo que aqui em via de reconvenção.
35. Processo 3175/16.3T8VIS.C1, relatado pela Desemb. Sílvia Pires.
36. Acórdãos da Relação do Porto, de 05-02-2007 (processo 0657165, relatado pelo Desemb. Pinto Ferreira), 10-04-2007 (processo 0625464 (Desemb. Marques de Castilho) e 08-10-2015 (processo 2891/11.0TBVNG.P1 (Desemb. Caimoto Jácome) e da Relação de Lisboa, de 08-10-2015 (processo 367/12.8TMLSB-B.L1-8 (Desemb. Ferreira de Almeida).
37. Processo 1163/13.0TBPTL-G.G1, relatado pela Desemb. Raquel Baptista Tavares.
38. O despacho que (processualmente) admite a reconvenção (prosseguindo a respectiva instância) não está mencionado entre as hipóteses que possibilitam recurso autónomo imediato. Apesar de aquela integrar e ser parte de um articulado (contestação), tal despacho não se confunde, para o efeito previsto na alínea d), do nº 2, do artº 644º, com aquele que o admita ou rejeite – Cfr. Decisão Singular de 22-09-2016, do Tribunal da Relação de Évora, proferida no processo nº 752/14.0TBSSB-A.E1 (Desemb. Canelas Brás).
39. Neste sentido, expressamente o Acórdão da Relação do Porto, de 27-04-2017, relatado pelo Desemb. Fernando Samões, invocando doutrina e jurisprudência a tal propósito.
40. Como fundamentadamente se sustenta no precedente aresto, “A afirmação tabelar, no saneador, de que é admitida a reconvenção não constitui apreciação concreta dos pressupostos da sua admissibilidade, pelo que não faz caso julgado formal nos termos do art.º 595, n.º 3, do CPC, continuando, por isso, a ser possível a sua reapreciação em momento posterior.”.
41. O Novo CPC, modificando significativamente o anterior artº 274º, pretendeu clarificar a polémica relativa à compensação por via de reconvenção.
42. Artºs 931º, nº 7, 996º, nº 2, e 990º, do CPC, 1778º, 1778º-A, nº 3, e 1793º (processo de divórcio ou respectivo incidente).
43. Independentemente de como a Doutrina ou a Jurisprudência a qualifique. A sentença refere que com o decretamento do divórcio, “extinguindo-se a comunhão entre eles que é substituída por uma situação de indivisão a que se põe termo com a liquidação do património conjugal comum e com a sua partilha”, esta “indivisão” tem “uma natureza e regime distintos da comunhão conjugal”. Não optando explicitamente por qualquer das perspectivas citadas, todavia acabou por se basear no regime da compropriedade e aplicá-lo.
44. É o que se infere dos autos, dos factos provados e do que as partes alegaram.
45. Embora no inventário não tenha a ré aceite o relacionamento do passivo referente a tais empréstimos como dívida ao autor (cabeça de casal), o certo é que tendo, pela respectiva sentença, sido adjudicado o imóvel em comum e partes iguais a ambos, também tal passivo foi “atribuído” aos dois na mesma proporção. E tendo, na subsequente acção de divisão de tal coisa comum, esta sido adjudicada ao autor, não consta que, nas condições de tal adjudicação, tenha tal dívida sido contemplada, designadamente considerando nas eventuais tornas devidas à ré qualquer compensação ao autor respeitantes às prestações por este pagas ao Banco (artº 929º, do CPC).