Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1026/03-2
Relator: LÁZARO FARIA
Descritores: ADMISSÃO DO RECURSO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/17/2003
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECLAMAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1. O uso do meio – envio por telecópia – não visa o alargamento do prazo para a prática de qualquer acto judicial.
Apenas permite a remessa da peça processual, da qual se não pode ou não quis fazer entrega na própria Secretaria Judicial, ou enviar pelo correio; mas completamente feita.

2. Quem beneficia da vantagem do seu uso assume o risco inerente ao seu não bom funcionamento, cabendo-lhe a alegação e prova de que, no acto do seu envio, a peça estava em condições legais de ser entregue.

3. Havendo sinais evidentes, e suficientes, de claras discrepâncias entre a telecópia e o original e, no caso, determinantes da inexistência da própria motivação, não só a junção do original não repara tal inexistência, como a consequência não pode deixar de ser a rejeição do recurso.
Decisão Texto Integral:
No processo n.º 122/00, do tribunal judicial de Esposende, tendo o Mmo Juiz rejeitado o recurso interposto de fls. 168 a 179, pela "A", da sentença proferida nos autos, pelo facto da recorrente não só não ter formulado quaisquer conclusões como ainda as próprias alegações serem fragmentadas e incompletas, do despacho veio a recorrente reclamar em síntese, com os seguintes fundamentos:
- Perante a recepção, por telecópia, não integralmente e em perfeitas condições, da motivação não poderia o tribunal proceder imediata e à total rejeição do recurso, mas, ao invés, dar conhecimento de tal anomalia ao recorrente, tendo em vista a regularização da situação.
- Deveria o tribunal aguardar pelo respectivo original, ficando - desta forma – suprida a irregularidade com a junção deste aos autos.
- A situação subjudice não cabe na previsão do art.º 414º n.º 2 do C.P.P.; além de que, assim se agindo, sem ser feito o convite à parte para regularizar a deficiência ou anomalia, implica violação do art.º 32º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa.

Acresce que:
- O recurso está motivado pelas 4 páginas recebidas na perfeição, onde se vê que é inteligível o primeiro fundamento do recurso...
- O Mmo Juiz deveria ter préviamente convidado a recorrente a apresentar as conclusões em falta...
- O princípio da proporcionalidade impunha que o não conhecimento do recurso se limitasse à parte desse objecto afectada pelos respectivos vícios.

E conclui: O Mmo Juiz não deveria ter rejeitado o recurso porquanto, com junção do respectivo original, a situação estava - e ficou - regularizada.

Conhecendo:
Dos elementos dos autos encontram-se provados os factos seguintes:

a) Tendo sido interposto recurso da decisão proferida no processo constante supra, pela Assistente "A", a mesma utilizou o meio “telecópia” para enviar o requerimento de interposição daquele e motivação, em 03-05-01, pelas 23,49 horas, para o Tribunal, sendo certo que esse era o último dia de prazo para interposição do recurso.
b) Os elementos (requerimento de interposição de recurso e motivação do mesmo – recurso penal) foram recebidos no tribunal conforme constam da certidão de fls. 17 a 29 destes autos, reconfirmadas por nova certidão junta - de fls. 64 a 76 - em cumprimento do nosso despacho de fls. 61.
c) Com data de 15/05/2001, consta no processo principal – de fls. 182 a 200 – os originais do requerimento de interposição de recurso e a motivação, sendo que cada folha apenas se encontra escrita na página/rosto da mesma – vide, fls. 30 a 48 destes autos.
d) O Mmo Juiz, com base nos elementos da telecópia, apesar de se lhe anteceder aqueles referidos originais, proferiu despacho de rejeição do recurso.
e) Deste despacho foi deduzida a presente reclamação, entrada no tribunal reclamado em 07/06/2001, subindo ao Tribunal da Relação de Guimarães em 12/05/03.
f) Em 23/05/2003, deu entrada no Tribunal Judicial de Esposende um requerimento, agora junto a estes autos, no qual se pede a remessa do processo ao Tribunal da Relação do Porto, por ser o “competente territorialmente à data da apresentação da reclamação”, não se citando qualquer norma legal, a respeito.

Quid juris ?

Quanto ao pedido de remessa para o Tribunal da Relação do Porto por ser entendido o competente, pelo invocado e atrás referido fundamento, admite-se que tal tenha ficado a dever-se apenas a ausência de simples leitura do disposto no art.º 3º do Dec.- Lei 339/2001, de 27/12, seu n.º 2, que dispõe:
“São distribuídos ao Tribunal da Relação de Guimarães os processos entrados nos tribunais da relação a partir da data da instalação, que respeitem à área de competência territorial daquele”.
Como se vê, o que é determinante é o dia e ano da entrada da reclamação no Tribunal Superior; e não o da apresentação da mesma, no Tribunal reclamado.
O Tribunal desta Relação foi instalado em 02/04/2003.
Por isso, improcede o requerido.

Quanto à reclamação:
Como se vê da certidão referente à telecópia junta, a mesma consta de 12 (doze) folhas, das quais:
- a 1ª e 2ª, em branco;
- a 3ª - requerimento totalmente escrito, de interposição de recurso;
- a 4ª - primeira folha da motivação, totalmente escrita;
- a 5ª - totalmente em branco;
- a 6ª - segunda folha da motivação, totalmente escrita;
- a 7ª - totalmente em branco;
- as 8ª, 9ª e 10ª - totalmente em branco;
- duas folhas com o n.º 11, parecendo terem sido emitidas juntas, em parte sobrepostas uma na outra, tendo a primeira destas, no fim, o nome Ramiro Santos; e o seguimento ... “000$00 – rigorosamente foi efectivamente 149.175$00 – pertencente à ”, que conjuntamente com o texto da segunda folha 011, correspondem à 3ª página/folha da motivação (original) – confrontar fls. 30 a 33 destes autos.
Da confrontação da telecópia com o original do requerimento de interposição do recurso e respectiva motivação conclui-se ainda que aquela constou de 12 folhas apenas, enquanto os originais somam 19 (dezanove) folhas, todas escritas nas páginas/rostos.
Resulta ainda, como atrás se refere, que na telecópia apenas reproduzido ficou o texto do requerimento de recurso e das três primeiras páginas da respectiva motivação.
Face à situação subjudice, que consequências?
Antes do Dec.- Lei 28/92 de 27/02 os actos processuais não podiam ser praticados com recurso às novas tecnologias, nomeadamente mediante utilização de telecópias.
Este Dec.- Lei, conforme seu art.º 5º , haveria de entrar em vigor 90 (noventa) dias após a sua publicação...(mediante anterior cumprimento de determinadas medidas ali referidas pela Ordem dos Advogados – art.º 2º, n.ºs 2, 3 e 4).
Os actos até então, além do mais, eram praticados pessoalmente, na secretaria judicial, com entrega das peças processuais respectivas ou remetendo-se estas pelo correio.
Com a introdução da possibilidade de remessa e, por isso, prática de actos por telecópia, o problema do fecho da secretaria e da impossibilidade de entrega, nomeadamente, no último dia dos prazos respectivos, ficou ultrapassado já que, por tal meio, o acto passou a poder praticar-se até às 24 horas desse dia.
Na verdade, o n.º 6 do art.º 4º de tal Dec.-Lei dispõe que “a data que figura na telecópia recebida no tribunal fixa, até prova em contrário, o dia e hora em que a mensagem foi efectivamente recebida na secretaria judicial”.


Mas sendo assim, como claramente é, que acto pode praticar a parte ou o interveniente no processo, por telecópia?
- Exactamente aquele que lhe cabia ter praticado pelo correio ou por entrega pessoal na Secretaria Judicial dos próprios originais, durante as horas de abertura ao público.
O mesmo é dizer: entrega, in casu, do requerimento de interposição de recurso e da motivação do mesmo, nos termos e nas condições que a lei determina - art.º 412º do C. P. Penal; ou seja, tudo feito e completo, do acto e para o acto, apenas faltando a respectiva entrega.
Ora, nos termos do art.º 411 n.º 3 do C. P. Penal, o requerimento de interposição do recurso é sempre motivado, especificando-se no art.º 412 seguinte em que consiste a motivação e quais os seus requisitos.
Dispõe ainda aquele artigo como sanção para a inexistência de motivação, a não admissão de recurso.
Como resulta, os elementos recebidos por telecópia não integram de todo a motivação do recurso, necessária e legal, e condição “sine qua” de admissibilidade do mesmo.
Na verdade, da motivação apenas constam as três primeiras páginas, sendo as restantes oito totalmente em branco – na parte referente a texto motivador.
Apesar de escritas quanto aos restantes elementos identificadores do aparelho emitente e do receptor, igualmente não foram emitidas pela própria ordem do original porquanto a primeira página da motivação (no original) é a quarta da telecópia, a segunda do original é a sexta da telecópia e a terceira do original corresponde às 11ªs (conforme atrás referido) da telecópia.
Acresce que enquanto o texto original se apresenta escrito (a motivação) em 18 (dezoito) folhas/rosto, na telecópia apenas foram emitidas e recebidas onze, oito das quais, como se disse, em branco
O requerimento de interposição do recurso que no original, e lógicamente, constituiu a primeira folha, na telecópia – e não houve falha de escrita – constituiu a folha n.º 3.

Acresce que, na reclamação, de forma clara e inequívocamente, a reclamante não assume que houve falha mecânica ou técnica na transmissão.
Limita-se a repudiar veementemente qualquer insinuação... “que só agora, após a notificação do despacho reclamado e a consulta dos autos, a recorrente teve conhecimento que terá havido anomalia mecânica ou técnica na transmissão por telecópia do recurso em causa” (o sublinhado é nosso).
O tempo do verbo “terá havido” parece elucidativo de algumas pairantes dúvidas... E relativamente à grande diferença de folhas entre a telecópia e o original, nada diz.

Alega sim que o Mmo Juiz deveria tê-la convidado a regularizar a situação, a não entender – como também defende – que com a junção aos autos do original completo e perfeito da motivação do recurso a situação ficava regularizada não havendo motivo para a sua rejeição.
Alega ainda que, ao assim não ter entendido, não fez correcta interpretação das normas 412º n.ºs 1 e 2 e 414º n.º 2 do C. P. Penal e 690º do C. P. C., pelo que tal interpretação assim feita viola o art.º 32.º n.º 1 da C. R. Portuguesa (inconstitucionalidade de interpretação).

Entende-se que o Mmo Juiz, perante tudo o que para trás ficou, decidiu bem.
Na verdade, a possibilidade de prática de acto, ou mais rigorosamente, de remessa, por telecópia, de peças processuais para o tribunal traduz-se apenas num benefício para a parte que desse meio use, a qual não estava dispensada de envio do original ou da sua exibição, consoante o acto, para o tribunal ou perante este, assim se permitindo que o acto fosse praticado para além do fecho do tribunal, embora nesse mesmo dia.


Note-se que, como atrás se disse, apenas se trata de possibilidade de entrega de peças processuais que, se fossem entregues pessoalmente ou enviadas pelo correio (os originais), deveriam ou teriam que estar feitas ou completas, nesse dia, dado o prazo de recurso ser de caducidade; decorrido sem que delas se faça entrega nos termos legais, o acto deixa de poder ser praticado (art.º 411º do C. P. P.).
O envio, dentro do prazo legal – art.º 150º n.º 3 do C. P. C. – dos respectivos originais não visam, por isso, ampliar o prazo de interposição e motivação (art.º 411º do C. P. Penal), mas antes o de dar tempo à parte para remeter ao tribunal os originais ou deles fazer entrega pelo meio que entender mais conveniente, se deles não pode fazer entrega no próprio dia durante as horas normais de funcionamento da Secretaria Judicial.
E a entrega destes originais ou até a sua exibição perante o tribunal não visa colmatar qualquer irregularidade e/ou nulidade de acto, mas antes comprovar a autenticidade da telecópia; ou seja, de que a mesma corresponde ao original.
Por isso, a situação dos autos não poderá considerar-se sanada pela simples junção dos originais.

No preâmbulo do Dec. – Lei 28/92 de 27/02, a dado passo escreve-se: “Alguma complexidade podem apresentar questões relacionadas com a possível desconformidade entre a telecópia e os originais, a impossibilidade de transmitir a totalidade do documento, a ilegibilidade da telecópia recebida e, em geral, todos os incidentes da fiabilidade do sistema. Crê-se, todavia, que a solução das questões daí decorrentes deverá, por agora, encontrar-se por recurso às normas civis e processuais urgentes, nomeadamente relativas ao erro, à culpa e ao justo impedimento”.
Ora, in casu, nada de relevante foi invocado em sede de qualquer uma destas vertentes; e a desconformidade entre a telecópia e os originais é de tal forma grande que sem explicação se mostra – e também não foi carreada para os autos, nem sequer em sede de reclamação - qualquer razão minimamente clarificadora do acontecido; nem sequer a explicitação sobre qual eventual causa da troca de paginação entre a telecópia e os originais, do facto de entre folhas em branco surgirem aqui e ali folhas escritas, mesmo que todas escritas nas partes referentes ao emitente e ao receptor; e nem referido veio que no fax emitente restaram folhas por emitir ou que, emitidas, não foram recebidas.
Igualmente se não alega que toda a motivação estava, no momento, elaborada, nem se explica porque é que as suas três primeiras páginas foram recebidas escritas e todas as restantes oito páginas o foram em branco.

Ora, “ubi commoda ibi incommoda”.
Quem usufrui das vantagens de poder usar o meio da telecópia como forma de, dentro do prazo, embora, para além das horas de funcionamento normal do tribunal, poder praticar o acto, deve assumir as desvantagens inerentes a tal uso.
Por isso, é que naquele próprio preâmbulo se refere que possíveis soluções podem ser encontradas através do recurso a normas nomeadamente “relativas ao erro, à culpa e ao justo impedimento”, nas quais quer a alegação quer a prova dos factos que os integram, compete precisamente a quem deles pretende beneficiar (art.º 342º do C. Civil). Quem envia peças processuais por tal meio assume o risco da sua eventual deficiente, incorrecta ou incompleta transmissão.
Aliás, in casu, nem sequer resulta provado que tenha ocorrido qualquer destas situações.
Também o princípio da cooperação (art.º 266º do C. P. C.) não impunha ao Juiz qualquer dever de convite, por simplesmente ter sido entendido que não se tratava de solicitar meros esclarecimentos, meros complementos de circunstância, mas antes de vícios (carências) substanciais graves e determinantes do inêxito da pretensão; assim como se não tratava de uma falta de conclusões das alegações (art.º 690º do C. P. C.), mas de falta das próprias motivações.
Se a situação subjudice pudesse ser sanada pelo recurso ao dever de cooperação, “ao dever de convite para...”, prejudicado ficaria, em definitivo, o efeito cominatório do art.º 411º n.º 3 do C. P. Penal.
Pelo que não houve qualquer violação do disposto nos art.ºs 266º e 690º do C. P. Civil.
Aliás in Ac. S. T. J. de 09/11/2000 in proc. 2840/2000-5ª e SASTJ – n.º 45, 70 – contém-se que: Mesmo só no caso de falta de conclusões : “II - trata-se de uma rejeição imediata, ou seja, sem qualquer convite prévio ao recorrente para dar cumprimento ao disposto na mencionada norma. III – Com efeito, a consequência legal do não cumprimento do mencionado dispositivo está expressamente consagrada no próprio normativo, não existindo qualquer lacuna que cumpra suprir, designadamente por recurso ao regime previsto no art.º 690º n.ºs 2 e 4 do C. P. C. . IV – A exigência de um convite para suprimento de tais faltas contraria desse modo frontalmente o disposto no citado art.º 412º n.º 2 do C. P. Penal ...”.
Não vemos, por tudo o que dito ficou, que o Mmo Juiz devesse ter decidido de outro modo.

E nem das normas legais aplicadas fez leitura ou interpretação inconstitucional, violando o art.º 32º da Constituição da República Portuguesa.
Na verdade o Mmo Juiz fez, como teria feito, se o recurso tivesse sido interposto nas mesmas condições, presencialmente ou pelo correio.
O tribunal não limitou à recorrente o direito de recurso.
A recorrente é que não cumpriu as normas legais referentes ao mesmo, não exerceu o direito no estrito cumprimento das normas próprias do C. P. Penal.
Por isso, “sibi imputat”.
Inconstitucional seria, porventura, a interpretação no sentido pretendido, in casu, pela recorrente; sobretudo se, perante a mesma situação real, a decisão pudesse ser diferente consoante o acto fosse praticado presencialmente ou pelo correio, ou usando telecópia; e assim se permitisse que, na verdade, o recorrente viesse a usufruir, neste caso, de maior prazo para interpor recurso.
Haveria, então, desigualdade de tratamento de cidadãos perante a lei, com decisões diferentes perante situações reais iguais (art.º 13º n.º 1 da C. R. P.).


Eis porque a decisão proferida o foi no estrito cumprimento das normas legais aplicáveis.
Pelo que é de manter.

Assim, julga-se improcedente a reclamação deduzida.
Custas pela reclamante.
Taxa de Justiça – 5 (cinco) UCs.



Guimarães, 17 de Junho de 2003