Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
3527/09.5TBBRG-A.G1
Relator: ANTÓNIO SANTOS
Descritores: PRESTAÇÃO DE CONTAS
CABEÇA DE CASAL
HABILITAÇÃO DE HERDEIROS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/15/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: 1) O incidente da habilitação visa determinar as pessoas que têm legitimidade para ocupar no litigo a posição/lugar do defundo e a chamar essas pessoas ao processo, a fim de com elas continuar a instância, sendo que, após a habilitação, e operada a modificação subjectiva, no lugar em que estava o falecido passa a estar uma outra, o seu sucessor.
2) Porque a obrigação de prestar contas do cabeça-de-casal é eminentemente de natureza patrimonial, a sua morte na pendência de acção especial de prestação de contas contra si intentada não conduz obrigatoriamente à extinção da respectiva instância nos termos do nº 3, do artº 276º, do CPC.
3) No seguimento do referido em 2, suspensa a instância, fica o prosseguimento da acção dependente da habilitação do sucessor do requerido/cabeça-de-casal falecido .
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 2ª Secção CÍVEL do Tribunal da Relação de Guimarães
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1.Relatório.
Em razão da pendência de acção especial de prestação de contas que corre termos no 2.º JUÍZO CÍVEL de Braga , e em que é Requerida M…, veio F…, em 9/12/2010, requerer – em articulado dirigido a Exmº Juiz-Desembargador Relator do Tribunal da Ralação do Porto - contra M…, e contra OS DEMAIS INTERVENIENTES, nos termos dos artº.s 371.º segs. CPCivil, a habilitação de herdeiros de M… , porque entretanto falecida.
Para tanto, alegou o requerente , que :
- A interessada M…, faleceu na pendência dos autos, sendo solteira e não deixando herdeiros legitimários ;
- Tendo a falecida deixado testamento, e deixando legados, que só podem valer em relação a património que a defunta tivesse, é sua exclusiva herdeira, nessa qualidade sucessória, a M…, dado ter sido contemplada com o remanescente da respectiva herança (CCiv., art. 2030.º - 3) , e , como tal, deve ser habilitada ;
- Ora, tendo sido decretada a extinção da instância, em vez da sua suspensão, antes de requerida habilitação de herdeiros da falecida cabeça-de-casal, não se mostra possível requerer essa habilitação na 1.ª Instância, pelo que se requer a nível do Venerando Tribunal de recurso, sob pena de não poderem prosseguir os termos do recurso de apelação.
1.1. - Pronunciando-se sobre o requerimento identificado em 1, proferiu o Exmº Juiz titular dos autos despacho - a 13/12/2010 - a ordenar a notificação da requerida para contestar a habilitação, no prazo de dez dias, o que veio a fazer, concluindo e impetrando M…, que o pedido de habilitação da contestante, como Ré, na mencionada Acção de Prestação de Contas, em substituição da falecida cabeça de casal, sua irmã, deva ser julgado improcedente e, por via disso, a mesma contestante absolvida desse mesmo pedido, sem suspensão alguma do pleito e, bem pelo contrário, a manutenção da sua extinção e, deste modo, não aceite o recurso de apelação interposto pelo Autor, tudo com os decorrentes e legais efeitos constantes dos comandos legais.
1.2.- A 21/1/2011, invocando-se o cometimento de mero lapso, vem o Exmº Juiz a quo a ordenar a notificação dos demais intervenientes no processo principal para deduzirem oposição à habilitação requerida, no prazo de dez dias –arts. 302º, 303º, nº 2 e 372º, nº 1, do C.P.C - e, prosseguindo o incidente , após interrupção da instância, veio , finalmente , em 3/5/2013 , a ser proferida decisão que pôs termo ao incidente de habilitação, sendo a parte final da mesma do seguinte teor :
“ (…)
Deste modo, tendo sido pedido nos autos principais a prestação de contas à cabeça de casal entretanto falecida, por ter administrado a herança de J…, não pode essa obrigação de prestar contas transmitir-se a quem não foi cabeça de casal da referida herança, como sucede como M….
Acresce, aliás, que esta já ocupa a posição de associada do requerente, no processo principal, como decorre da decisão do incidente de intervenção principal provocada aí proferida.
Assim, a requerida M… não poderá, em caso algum, ocupar a posição processual da falecida.
Face ao exposto, julga-se improcedente, por não provada, a habilitação requerida.
Custas pelo requerente.
Registe e notifique. “
1.3.- Notificada da decisão indicada em 1.2., e da mesma dizendo discordar, veio F… interpor a competente apelação, terminando a instância recursória com as seguintes conclusões :
1.ª - A questão que se discute nestes autos é exactamente a mesma que obteve decisão inteiramente oposta neste mesmo Tribunal de Braga (VARA DE COMPETÊNCIA MISTA de Braga - proc. n.º 345/09.4TBBRG-A), pendente de recurso ao inverso neste Venerando Tribunal da Relação de Guimarães, e é extremamente simples.
2.ª - A questão teórica é só uma: saber o que ocorre se, no decurso de acção de prestação de contas de cabeçalato, falece o cabeça-de-casal.
3.ª - Seria conclusão precipitada e errónea – que inesperadamente seguiu a decisão a quo – a de que, dada a natureza pessoal e intransmissível do cargo, o seu decesso provocaria a inutilidade superveniente da lide ou, quiçá, a sua impossibilidade.
4.ª - Mas não é assim, pois que, admiti-lo, seria uma perversão que poria em causa o legítimo direito do ou dos herdeiros que forçaram à prestação de contas, ou seja, de verem estas serem dadas como boas ou como más, com as inerentes consequências patrimoniais.
5.ª - Por raciocínio oposto – que foi o que seguiu a decisão a quo – teria de concluir-se pelo absurdo de que, falecido o cabeça-de-casal antes de lhe ser exigida a prestação de contas, tais contas jamais poderiam ser obtidas por via forçada, ficando um limbo de irresponsabilidade que fenecia com o fenecimento vital.
6.ª - A obrigação que impendia sobre o cabeça-de-casal, se cessou quanto a ele no momento da sua morte, pois aquele cabeça-de-casal deixou de existir, tem um conteúdo patrimonial certo referente ao tempo em que ele exerceu o cargo.
7.ª - Trata-se, deste modo, de obrigação de carácter patrimonial, com conteúdo preciso e referente a época certa, que é transmissível, nas precisas condições em que uma dívida se transmite aos sucessores do devedor, ou seja, pelas forças da respectiva herança (CCiv., art.s 2068.º e 2097.º).
8.ª - Vale dizer, portanto, que podem ser habilitados no processo os seus sucessores, melhor dizendo aqueles que aí assumem a qualidade de seus herdeiros, que é o caso da recorrida.
9.ª - Não está em causa a sucessão da qualidade de cabeça-de-casal, mas a sucessão de quem, tendo exercido tais funções, se constituiu numa obrigação que, possuindo natureza patrimonial nas ditas medidas, se transmite a seus herdeiros.
10.ª - Isso, afinal, do mesmo modo que ninguém poderá pôr em causa que assim acontece com quem quer que seja que tenha administrado bens alheios (o mandatário, o procurador, o gestor de negócios, o gerente ou o administrador se sociedade, etc.).
11.ª - Decidindo o contrário, a sentença apelada violou, salvo o devido respeito, os art.s 2068.º e 2097.º do Código Civil.
TERMOS EM QUE deve a apelação ser julgada provida, assim sendo feita JUSTIÇA.
1.4.- Tendo sido apresentadas contra-alegações, nelas veio a requerida M… concluir da seguinte forma :
1- No dia 4 de Maio de 2010 M… outorgou testamento em que, além de instituir diversos legados, deixou a sua irmã M…, o remanescente da sua herança.
2- O incidente de habilitação em causa teve lugar na sequência do óbito daquela M…, que era cabeça de casal e requerida na acção de prestação de contas, falecimento ocorrido no dia 2 de Agosto de 2010.
3- A única questão a ser decidida é a admissibilidade da habilitação da requerida como herdeira da cabeça de casal falecida e assunção da sua posição na acção de prestação de contas ou a impossibilidade dessa transmissão de herdeira, por força da consagrada intransmissibilidade da posição de cabeçalato, em todos os respectivos direitos e obrigações, com a improcedência da habilitação e a extinção da acção de prestação de contas, por inutilidade superveniente da lide.
4- Encontramo-nos convictos que o desfecho admissível é o segundo, pelo que o Meritíssimo Julgador ao decidir neste sentido agiu com o acatamento dos factos e dos dispositivos legais aplicáveis.
5- Em função do estatuído no artigo 2093.º, nº1 do Código Civil, apenas e somente a cabeça de casal nomeado em partilha e, mercê de tal, encarregue de administrar os bens do espólio dessa herança, se encontra obrigado a prestar contas anualmente, dessa administração.
6- Esse cargo de cabeça de casal é totalmente intransmissível, em vida ou por morte, em todos os direitos ou obrigações em que se desdobra, nos termos do artigo 2095.º do mesmo Código Civil.
7- Vedado está, por consequência, quaisquer desdobramentos desses direitos e obrigações, pessoais e patrimoniais do cabeçalato, destinado a considerar uns transmissíveis e outros não, por manifesta e frontal ofensa àquela disposição legal que os não prevê e, assim, não os permite.
8- A não ser assim até se poderiam transmitir em vida quaisquer direitos e obrigações do cabeçalato, o que não pode ser admitido perante esse texto da lei.
9- Deste modo, igual impedimento se impõe à transmissão por morte, sob pena de solução anómala.
10- Sendo assim, como é, a falecida cabeça de casal não transmitiu para a requerida relação material alguma, pelo que não pode haver lugar à procedência da pedida habilitação de herdeira havendo, mas antes, lugar à sua improcedência e decorrente extinção da acção de prestação de contas, por inutilidade superveniente da lide.
11- De resto, a requerida M… já se encontra na posição de demandante, como associada do requerente, na acção de prestação de contas, mercê do pedido de intervenção principal provocada apresentado pelo mesmo requerente, o que é incompatível com a atribuição da posição de requerida nessa prestação de contas.
12- Por outro lado, releva outrossim, desconhecer a requerida todas essas contas às quais sempre foi alheia, não tendo obrigação alguma de as saber, sendo o requerente o único, para além da falecida cabeça de casal, aquele, como cabeça de casal designado, o sabedor das suas contas e as daquela.
13- Ocorre, por isso, que o remanescente da herança da cabeça de casal não operou a transmissão para a requerida de quaisquer direitos e obrigações, de natureza patrimonial ou pessoal, nomeadamente a obrigação de apresentação de contas, seu apuramento, com saldo credor ou devedor, derivada da situação de cabeçalato.
14- Para o sucesso da habilitação de herdeiros deduzida, sempre a herdeira tinha de receber a relação substantiva de que era titular a falecida cabeça de casal, o que não sucede por virtude da consagrada intransmissibilidade do cabeçalato e sua total extinção dos respectivos direitos e obrigações, sem excepção de qualquer espécie e natureza.
15- Decorrente dessa improcedência da habilitação de herdeiros em causa, ocorre a extinção da acção de prestação de contas, por inutilidade superveniente da lide.
16- Ao julgar como fez a improcedência da habilitação da requerida no lugar da falecida irmã e cabeça de casal que foi, decidiu o Meritíssimo Juiz “a quo” com observância total, além dos mais, dos artigos 2079.º, 2087.º, nº1, 2093.º, nº1, 2080.º, e 2085.º do código civil e artigos 371.º, 373.º, 276.º, nº3 e 287.º, al. e) do código de Processo Civil.
1.5.- Pedida por este tribunal informação ao tribunal a quo, esclareceu a primeira instância que - enviando a competente certidão - na acção principal de prestação de contas foi efectivamente proferida decisão a 9/11/2010 que determinou a extinção da instância por impossibilidade legal superveniente da lide, na sequência do falecimento da requerida dos autos M….
Mais informou o tribunal a quo que da referida decisão foi interposto o competente recurso, não tendo assim transitado em julgado, mas, ao invés de determinada/ordenada a subida dos referidos autos para julgamento da instância recursória respectiva , foi antes ordenado que os autos ficassem a aguardar a decisão final a proferir no apenso de habilitação de herdeiros.
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1.6. - Colhidos os vistos, cumpre decidir, sendo que , estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões ( daí que as questões de mérito julgadas que não sejam levadas às conclusões da alegação da instância recursória , delas não constando, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal ad quem) das alegações do recorrente (cfr. artºs. 684º nº 3 e 685º-A, nº 1, ambos do Código de Processo Civil anterior ao aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho - cfr. artº 7º, nº1, deste último diploma legal), as questões a apreciar e a decidir são as seguintes :
I - Da questão prévia da pertinência da prolação de decisão a ordenar a suspensão da instância recursória da apelação até o trânsito em julgado do despacho que pôs termo à acção principal ;
II - Aferir se a decisão apelada que julgou improcedente, por não provada, a habilitação requerida, deve ser mantida, ou, ao invés, merece ser revogada.
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2.- Motivação de facto
Com interesse para a decisão da apelação, importa atentar à factualidade já aduzida em sede de Relatório do presente Acórdão e para o qual se remete ( atinente ao iter processual desenvolvido, quer na acção principal, quer no apenso de habilitação do qual emerge a instância recursória a julgar ) e, bem assim aqueloutra que no âmbito da decisão apelada considerou o Exmº julgador como estando provada , sendo toda ela a seguinte :
2.1- M… faleceu ;
2.2.- A M… era solteira e não teve herdeiros legitimários , tendo deixado testamento ;
2.3. - A M… deixou legados;
2.4.- A M… é herdeira da falecida M… ;
2.5.- No processo de inventário que corre termos no 2º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Braga, por óbito de J…, desempenhou nele o cargo de cabeça-de-casal a falecida M…, sendo que, após a sua morte , e para desempenhar o mesmo cargo de cabeça-de-casal, foi nomeado F…;
2.6.- A habilitação de onde emerge a apelação ora em apreciação/julgamento foi deduzida por apenso a acção especial de prestação de contas acção especial de prestação de contas que corre termos no 2.º Juízo Cível de Braga , com o nº 3527/09.5TBBRG, na qual figura como requerente F… e, como requerida, a entretanto falecida M… ;
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3.Motivação de Direito.
3.1.- .Da questão prévia da pertinência da prolação de decisão a ordenar a suspensão da instância recursória da apelação até o trânsito em julgado do despacho que pôs termo à acção principal .
Sendo a habilitação judicial susceptível de se configurar como requisito de legitimidade, como objecto de um processo autónomo ou como incidente conexionado com determinada causa lato sensu (1), e verificando-se a última situação referida quando, nos termos dos artºs 371º a 377º, importa operar a modificação da instância quanto às pessoas ( a substituição de alguma das partes na relação substantiva em litígio por sucessão ou por acto entre vivos), manifesto é que o desencadear de uma habilitação incidental pressupõe e exige a pendência de uma acção principal , e cuja instância, além de já iniciada ( cfr. artº 265º, do CPC) , não foi ainda extinta ( com fundamento em causa descrita no artº 287º, do CPC).
É que, se é verdade que a habilitação legitimidade se aproxima da habilitação incidental, na medida em que visa colocar o sucessor na posição jurídica do falecido, o certo é que a primeira apresenta-se no início da acção, e , já a segunda, ocorrendo necessariamente na pendência e/ou decurso de uma causa, parte do pressuposto que a lei pretende que o processo não continue nem finde sem que se dê a habilitação, de resto condição da regularidade do mesmo processo. (2)
No seguimento do acabado de expor, inquestionável se nos afigura que, a existência de uma acção e/ou de um processo pendente, integra para todos os efeitos um elemento ou pressuposto de uma habilitação incidental, e , assim sendo, existindo uma decisão judicial que à respectiva instância põe termo, extinguindo-a, por força do disposto no artº 279º, nº1, do CPC ( aplicável, com as devidas adaptações ) impunha-se forçosamente aguardar o respectivo trânsito em julgado ( ordenando a subida dos autos ao ad quem logo após a interposição do competente recurso ) , qual causa prejudicial de incidente dependente.
É que, “ findo o processo por via do trânsito em julgado da decisão final, não faz sentido a implementação do incidente de habilitação “ (3) .
O tribunal a quo, tendo presente porém o referido no item 1.5. do presente Acórdão, ao invés de determinar a “suspensão” da instância do incidente de habilitação ( qual “causa dependente” ) , seguiu todavia o caminho contrário , ordenando ( ao arrepio da Ratio legis subjacente ao regime plasmado no artº 279º, do CPC ) a “suspensão” da “causa prejudicial”, ou seja, suspendeu a instância recursória que tem por objecto precisamente uma decisão judicial proferida que, uma vez transitada em julgado, retira em absoluto todo o fundamento ou razão de ser de um qualquer incidente de habilitação.
Não obstante o referido, considerando que :
- a “causa prejudicial” ( o incidente de habilitação ) já se encontra em fase adiantada ( com decisão final proferida, com recurso interposto e enviado já ao competente ad quem );
- a “questão” a resolver no âmbito da apelação interposta da decisão que pôs termo ao incidente de habilitação é a mesma que importará resolver no âmbito da apelação interposta da decisão que pôs termo ao processo principal ou processo da acção ;
- ainda que a questão” referida venha a ser resolvida de modo diverso em cada uma das instâncias recursórias pendentes, porque prima facie - em razão da respectiva fase adiantada - a decisão a proferir no âmbito do julgamento da apelação ora em apreciação acabará por transitar em julgado em primeiro lugar, impondo-se portanto o seu cumprimento em razão do disposto no artº 675º, nºs 1 e 2, do CPC ;
Considera-se adequado/conveniente não enveredar ( cfr. nº 2, in fine , do artº 279º, do CPC ) pela prolação de decisão que considere não ser de conhecer do objecto do recurso interposto.
E, conhecendo.
3.2.- Se a decisão apelada que julgou improcedente, por não provada, a habilitação requerida, deve ser mantida, ou, ao invés, merece ser revogada.
Decorre do relatório do presente Acórdão que a questão decidenda no recurso interposto pelo apelante F… consiste unicamente em saber se, falecendo a requerida de processo especial de prestação de contas que lhe foi movido porque em sede de processo de inventário desempenhou o cargo de cabeça-de-casal, deve a respectiva instância ser suspensa ( nos termos do artº 276º,nº1, alínea a), do CPC ), justificando-se e impondo-se que o respectivo prosseguimento possa e deva ocorrer logo que , e por via incidental, seja proferida decisão que considere habilitado o sucessor da requerida/falecida ( cfr. artº 284º,nº1, alínea a), do CPC ) , ou , ao invés, porque o cargo de cabeça de casal, nos termos do artº 2095º do Código Civil, não é transmissível por morte, não há lugar à modificação - com vista à substituição da requerida - subjectiva na relação substantiva em litígio, antes se impõe a prolação de decisão direccionada para a extinção da instância da acção de prestação de contas ( cfr. o disposto no artº 276º, nº3, do CPC).
A questão decidenda, como decorre de algumas decisões já proferidas por tribunais superiores (4) não tem merecido uma “resposta” unânime, antes configura em rigor e prima facie uma vexata quaestio.
Antes de a apreciar/abordar, importa recordar em “traços largos” qual a ratio essendi da habilitação incidental, incidente este que é desencadeado após o falecimento de alguma das partes principais ocorrido no decurso do processo , e que, implicando necessariamente a suspensão da respectiva instância, o seu prosseguimento apenas é possível após a substituição da parte falecida.
Ora, o incidente da habilitação, visando a substituição ( modificação subjectiva da instância ) de uma das partes no âmbito de uma relação jurídica processual (5), tem por desiderato essencial determinar as pessoas que têm legitimidade para ocupar no litigo a posição do defundo e, de imediato, chamar essas mesmas pessoas ao processo, a fim de com elas continuar a instância .(6)
Após a habilitação, operada a modificação subjectiva, no lugar em que estava o falecido passa a estar uma outra, o seu sucessor.
Dito de uma outra forma, designadamente como o faz Lopes Cardoso (7), “ O incidente de habilitação é um dos meios de modificar a instância quanto às pessoas” e tem por objecto determinar quem tem a qualidade de herdeiro ou aquela que legitimar o habilitando para substituir a parte falecida “.
Constitui, portanto, tal incidente, uma forma de modificação subjectiva da instância, que visa colocar um sucessor no lugar que o falecido ocupava no processo pendente, e a fim de causa poder prosseguir com ele, ou seja, o habilitado apenas vai ocupar a posição do falecido, exercendo os direitos e cumprindo as obrigações que a este último competiam, ficando sujeito à sua anterior actuação processual e devendo aceitar a tramitação no estado em que a encontrar e apenas impulsionando para o futuro e dentro destes limites, o processo.
Concluindo, tem assim a habilitação-incidental como desiderato (8) promover a substituição da parte primitiva pelo sucessor na situação jurídica litigiosa, ocorrendo uma modificação subjectiva da instância (artº 270º, al. a), do C.P.C.), mediante a legitimação sucessiva do sucessor, enquanto tal e para a causa , ficando o seu efeito limitado a esta última, pois que o sucessor é habilitado não erga omnes, mas perante o litigante com o qual pleiteava o falecido (9)
Porém, importante é não olvidar nunca que não basta que o habilitando seja herdeiro da parte falecida para que proceda o pedido da sua habilitação , pois que indispensável é outrossim a demonstração de que, segundo o direito substantivo, lhe sucedeu na relação jurídica em litígio. (10)
Daí que, diz Salvador da Costa (11) , cuida-se no incidente em equação , “ de apurar quem tem a qualidade legitimante da substituição da parte falecida na pendência da causa (…), sendo o direito substantivo que estabelece quem a substitui na relação jurídica substantiva que constitui o objecto do litigio “.
Destarte, ainda segundo Salvador da Costa (12) "através do incidente de habilitação determina-se quem assume a qualidade jurídica ou a legitimidade substantiva, e não, em rigor, a sua legitimidade ad causam para ingressar na lide na posição da parte falecida ou extinta".
Postas estas breves considerações, incidindo agora a nossa atenção sobre concretas disposição legais de direito substantivo inseridas no Livro V do CC, e isto porque emerge a instância recursória de incidente apenso a acção de prestação de contas relativa à administração exercida por requerida na qualidade de cabeça de casal em processo de inventário [ que corre termos no 2º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Braga, por óbito de J… ] , diz-nos desde logo o nº1, do artº 2025º, que “ Não constituem objecto de sucessão as relações jurídicas que devam extinguir-se por morte do respectivo titular, em razão da sua natureza ou por força da lei “.do
Por sua vez, mais adiante, precisa o CC, no seu artº 2095º, que o “ Cargo de cabeça-de-casal não é transmissível em vida nem por morte “.
Ora, a disposição legal referida em último lugar, se articulada com as dos artºs 2080º e segs. igualmente do CC, sendo facilmente compreensível em razão da natureza pessoal do cargo de cabeça de casal, de nada serve portanto para a resolução da questão que é objecto da apelação e quando é certo que, indiscutivelmente, a obrigação de prestar contas ( v.g. do cabeça-de-casal) consubstancia antes uma obrigação de natureza eminentemente patrimonial.
É assim que, como decorre do artº 2093º, do CC, a obrigação de prestar contas do Cabeça-de-casal [ nos termos dos artºs 1014º e 1019º, ambos do CPC ] , sendo cumprida em forma de conta corrente - com a especificação das receitas e a aplicação das despesas, bem como com a indicação do saldo (12) - , pode implicar, a final, existindo saldo positivo, a distribuição do mesmo pelos interessados, o que deverá processar-se segundo o direito de cada um, e depois de deduzida a quantia necessária para os encargos do novo ano ( cfr. artº 2093º,nº3, do CC).
E daí que, como se conclui no douto Ac. do STJ de 16/6/2011 (13) “ Traduzindo -se a obrigação de prestar contas essencialmente no apuramento de receitas obtidas e despesas realizadas por quem administra bens alheios, com vista a apurar-se um saldo final, dúvidas parecem não existir quanto ao carácter patrimonial dessa obrigação.”
No seguimento da respectiva natureza patrimonial, não sendo portanto uma obrigação insusceptível de sucessão, e não estando a sua transmissão afastada expressamente pela Lei ( ex lege ), não se descortina existir fundamento legal pertinente que obrigue a não aderir ao entendimento de João A. Lopes Cardoso (14), no sentido de que a obrigação de prestar contas que a lei comete ao cabeça-de-casal “ é transmissível via hereditária, incumbindo, pois , aos herdeiros do cabeça-de-casal que dela se não desobrigou “.
O entendimento acabado de explanar, em suma, porque para além de amparado em doutrina “insuspeita”, mostra-se igualmente perfilhado pela mais recente jurisprudência dos tribunais superiores ( como o já citado Ac. deste mesmo tribunal da Relação de Guimarães e o douto Ac. do STJ de 16/6/2011 ), é portanto aquele que merece a nossa adesão, e , ademais, é outrossim aquele que melhor atenta à distinção que importa efectuar entre a intransmissibilidade do cargo do cabeça de casal e a transmissibilidade da obrigação de prestar contas que a Lei substantiva àquele comete.
Destarte, a apelação só pode proceder, como procede.
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4-Sumário:
1) O incidente da habilitação visa determinar as pessoas que têm legitimidade para ocupar no litigo a posição/lugar do defundo e a chamar essas pessoas ao processo, a fim de com elas continuar a instância, sendo que, após a habilitação, e operada a modificação subjectiva, no lugar em que estava o falecido passa a estar uma outra, o seu sucessor.
2) Porque a obrigação de prestar contas do cabeça-de-casal é eminentemente de natureza patrimonial, a sua morte na pendência de acção especial de prestação de contas contra si intentada não conduz obrigatoriamente à extinção da respectiva instância nos termos do nº 3, do artº 276º, do CPC.
3) No seguimento do referido em 2, suspensa a instância, fica o prosseguimento da acção dependente da habilitação do sucessor do requerido/cabeça-de-casal falecido .
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5.-Decisão.
Pelo exposto acordam os Juízes na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães , em
5.1.- Conceder provimento ao recurso de apelação apresentado pelo requerente F…;
5.2.- Revogar a decisão recorrida e, em substituição da mesma, declarar como habilitada para os termos da acção principal e passando doravante a ocupar a posição da falecida M…, a sua herdeira M…, prosseguindo com ela os ulteriores termos da causa.
As custas do incidente da habilitação serão por conta da contestante , e , as da presente Apelação, pela parte vencida ( cfr. artºs 446º, nº1 e 2 ).
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(1) Cfr. Salvador da Costa, in “ Os incidentes da instância”, Almedina, 5ª Edição, pág.243 e segs..
(2) Cfr. João de Castro Mendes, in Direito Processual Civil, II vol, 1980, pág. 236.
(3) Cfr. Salvador da Costa, ibidem, pág. 250.
(4) Vide, vg., o Ac. do STJ de 7/4/2005 ( Proc nº 05B3342) , o Ac. do Tribunal da Relação de Guimarães, de 16/5/2013 ( Proc nº 345/09.4TBBRG-A.G1 ), todos eles acessíveis in www.dgsi.pt.
(5) Cfr. João de Castro Mendes , in ob. Citada, pág. 236.
(6) Cfr. José Alberto dos Reis, in Comentário ao Código de Processo Civil, vol. 3º, Coimbra editora, 1946, pág. 73 .
(7) In Manual dos Incidentes da Instância em Processo Civil, Reimpressão, pág. 296.
(8) Cfr. Lebre de Freitas , in Cód. de Proc. Civil Anotado, I, 635).
(9) Cfr. José Alberto dos Reis , in CPC anotado, vol. I, 1982, pág. 575.
(10) Cfr. Salvador da Costa, ibidem, pág. 245, e socorrendo-se do Ac. da Relação de Coimbra de 21/5/85, in CJ, Ano X, Tomo 3, pág. 79.
(11) Ibidem, pág. 245.
(12) Cfr. Carvalho de Sá, in Do Inventário, Almedina, 1993, pág. 43.
(13) Proferido no Proc. nº 3717/05.0TVLSB.L1, e in www.dgsi.ptm .
(14) In “Partilhas Judiciais”, Almedina, vol. III, pág.62.
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Guimarães, 15/10/2013
António Santos
Figueiredo de Almeida
Ana Cristina Duarte