Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
741/12.0TTGMR.G1
Relator: MANUELA FIALHO
Descritores: ACUMULAÇÃO DE FUNÇÕES
FUNÇÃO PÚBLICA
PROFESSOR
CADUCIDADE DO CONTRATO DE TRABALHO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/28/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário: 1ª – O contrato de trabalho para o exercício de funções docentes em regime de acumulação com o vínculo jurídico de emprego público está sujeito a um especial regime de precariedade que permite ao empregador fazê-lo cessar anualmente, coincidindo a cessação com o termo da autorização que permitiu a manutenção de tal contrato.
2ª – Qualquer das partes pode, unilateralmente e sem necessidade de motivação, dar por cessado o contrato de trabalho de acumulação para o fim de cada ano letivo.
3ª - A relação jurídica privada que liga trabalhador e empregador não é autónoma do vínculo de natureza pública mantido pelo trabalhador, circunstância que obriga a que aquela seja regulada tendo em conta a subsistência do vínculo funcional público com o qual se terá que compatibilizar.
4ª – Assim sendo, não está em causa a garantia na segurança no emprego, pelo que a assinalada precariedade não viola a CRP.
Decisão Texto Integral: Acordam na secção social do Tribunal da Relação de Guimarães:

T…, não se conformando com a sentença final que julgou totalmente improcedente a ação, vem dela interpor recurso.
Pede que se declare a nulidade da sentença ou, se assim se não entender, se determine a suspensão da presente instância e se peça, de seguida, ao TJUE que decida, a título prejudicial, sobre a interpretação da mencionada Diretiva, mais se declarando a revogação da sentença recorrida e a respetiva substituição por outra que condene a Ré nos pedidos formulados em a), b), d) e g) da inicial.
Alega, vindo a concluir nos termos seguintes:
1 a) O contrato de trabalho celebrado entre a A. e a Ré não está sujeito a qualquer regime especial (especialidade essa mantida durante toda a vigência do contrato) de caducidade anual.
2a) O ato administrativo de autorização de acumulação de funções públicas com funções privadas é alheio a essa relação jurídica de direito privado, apenas relevando no domínio da relação jurídica de emprego público.
3a) Aceitar-se que o contrato de trabalho celebrado entre a A. e a Ré estava sujeito a um regime especial (especialidade essa mantida durante toda a vigência do contrato) de caducidade anual, que se manteve sempre como um contrato essencialmente precário e a termo, com um ciclo anual de duração, que permitia a qualquer das partes dá-lo como cessado no fim de cada ano letivo e, nessa medida, aceitar-se que a R., ao comunicar à A. a cessação do contrato fê-lo de um modo lícito e, por isso, a atuação da R. não traduziu um despedimento ilícito, seria violador do princípio constitucional da segurança no emprego e da proibição, também constitucional, de despedimentos sem justa causa (artigo 53° da CRP).
4a) Aceitar-se, ainda, que o contrato de trabalho celebrado entre a A. e a Ré estava sujeito a um regime especial de caducidade anual, sem necessidade de invocação de quaisquer razões objetivas que justificassem as renovações anuais e sucessivas do contrato, sem a definição da duração máxima total dessas renovações, sem um número máximo de renovações do mesmo contrato e sem a definição das condições em que os contratos deverão ser considerados como sucessivos ou como celebrados sem termo, ou seja, essa precariedade prolongada e ilimitada teria, necessariamente, de violar, também, a Diretiva nº' 1999/70/CE do Conselho de 28 de Junho de 1999, que teve como objetivo a aplicação do acordo-quadro relativo a contratos de trabalho a termo, celebrado a 18 de Março de 1999 entre as organizações interprofissionais de vocação geral (CES, UNICE e CEEP), Diretiva Comunitária essa transposta para a ordem jurídica interna pelo Código do Trabalho (artigo 2° alínea h) da Lei n'' 7/2009 de 12/02).
5a) A sentença recorrida não se pronunciou sobre esta matéria, pelo que se verifica a nulidade da mesma por omissão de pronúncia (artigo 615° nº 1 alínea d) do Código de Processo Civil).
6a) Nos termos do disposto nos artigos 267° do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia e 19° nº' 3 alínea b) do Tratado da União Europeia e seguindo o procedimento previsto na Nota Informativa publicada no Jornal Oficial da União Europeia C 297 de 05/12/2009, requer-se seja determinada a suspensão da presente instância, pedindo-se, de seguida, ao TJUE que decida, a título prejudicial, sobre a interpretação da mencionada Diretiva e se respeita as respetivas disposições a admissibilidade da celebração de um contrato de trabalho sujeito a um regime especial de caducidade anual, especialidade essa que se mantém durante toda a vigência do contrato, independentemente do respetivo prazo de duração, nunca se operando, por qualquer forma, a sua conversão em contrato por tempo indeterminado, mantendo-se sempre tal contrato como um contrato essencialmente precário e a termo.
7a) O acórdão do STJ para uniformização de jurisprudência citado na sentença recorrida reporta-se a factos ocorridos no ano letivo de 2001/2002, sendo que, como é sabido, após essa data, ocorreu uma verdadeira revolução no então funcionalismo público, com a respetiva "privatização" resultante da publicação de diversos diplomas, alguns acima citados, que visaram uma clara aproximação da relação jurídica de emprego público ao regime laboral comum, pelo que a interpretação constante daquele acórdão encontra-se claramente desatualizada.
S") A A. foi admitida ao serviço da Ré em 1974 (ponto 2 dos factos provados) e o contrato de trabalho ficou suspenso desde 18/10/1983 até Setembro de 2001 (pontos 3 a 7 dos factos provados), porque nesse período de tempo não ocorreu qualquer facto que tivesse determinado a cessação do contrato de trabalho, sendo que todo esse período, bem como o que se seguiu a Setembro de 2001, se conta para efeitos de antiguidade (artigos 16° n'' 5 do Decreto Lei n" 874/76 de 28/12, artigo 73° n" 2 do Decreto Lei n" 49408 de 24/11/1969 e 2° nº 2 do Decreto Lei n" 398/83 de 02111), ou seja, quer o período de licença sem retribuição, quer o subsequente período de suspensão do contrato de trabalho, por impedimento prolongado respeitante ao trabalhador, contam para efeitos de antiguidade.
9a) É, pois, de concluir que a A. foi vítima de um despedimento ilícito e, como tal, deverá a Ré ser condenada nos pedidos formulados em a), b), d) e g) da inicial.
10a) A decisão recorrida violou, entre outras, as normas dos artigos 615° nº 1 alínea d) do Código de Processo Civil, 338° do Código do Trabalho, 47° nº 1 e 53° da CRP e 5° nºs 1 e 2 do Anexo da Diretiva nº 1999/70/CE do Conselho de 28 de Junho de 1999.
D…, CRL contra-alegou pugnando pela improcedência do recurso.
O MINISTÉRIO PÚBLICO pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso, defendendo, por um lado, que tendo a questão sido analisada no saneador, não se verifica nulidade da sentença e, por outro, ancorando-se na jurisprudência decorrente do Ac. Uniformizador nº 8/2009, não há fundamento para que nos afastemos do decidido na sentença.

Para melhor compreensão, exaramos, abaixo, um breve resumo dos autos.
T… intentou a presente ação emergente de contrato individual de trabalho, contra D…, CRL, pedindo que a mesma seja julgada procedente e, em consequência, que a R. seja condenada a pagar-lhe a quantia de € 27 879,10, que discrimina da seguinte forma:
- Indemnização de antiguidade (ou substitutiva) pela qual poderá vir a optar em substituição da reintegração, a qual no momento da propositura da ação ascendia a € 16 963,02;
- € 10,000 de indemnização por danos não patrimoniais
- € 610,44 de remuneração de férias, subsídio de férias e de Natal proporcionais ao tempo de serviço prestado no ano de 2011, quantias acrescidas de salários intercalares que ascendiam ao valor de € 305,64 e de juros de mora vencidos desde a citação até integral pagamento.
Alega para o efeito que foi admitida ao serviço da R., sempre tendo trabalhado por conta da mesma em acumulação de funções com as que exerceu como professora do ensino público, tendo sido autorizada para esse efeito pela autoridade administrativa competente. Acontece, porém, que em 05/08/2011, a R. enviou uma carta registada com aviso de receção à A., informando-a de que pelo “ (…) facto de ter sido definida uma nova rede escolar que implicou redução de turmas nos mesmos estabelecimentos de ensino e a supressão dos cursos EFA em contrato de associação, não existem condições para acumulação de funções por parte de v. Exª no próximo ano letivo de 2011/2012, e, bem assim que “deste modo, a acumulação que vem exercendo cessará no termo do prazo para o qual se encontra atualmente autorizada ou seja 31/08/2011. Defende, por isso, que foi alvo de um despedimento ilícito.
A R. contestou alegando, no essencial, que o contrato de trabalho entre a A. e R. foi celebrado na modalidade de acumulação por docente do ensino oficial e sempre esteve sujeito a um regime especial de caducidade anual (por esse motivo é-lhe inaplicável o regime geral, que se encontra estabelecido no Código do Trabalho), cuja especificidade decorre precisamente da autorização oficial que pode ou não ser concedida para cada ano escolar, sendo que este entendimento correspondente ao que se encontra expressamente acolhido no Acórdão do STJ para Uniformização de Jurisprudência nº 8/2009, publicado no Diário da República, 1ª Série, nº 95, de 18/05/2009.
Respondeu a A. mantendo a posição assumida na p.i e requereu simultaneamente a suspensão da instância para efeito de reenvio prejudicial ao TJUE.
Elaborou-se despacho saneador, onde em sede de questão prévia se indeferiu o reenvio prejudicial.
Procedeu-se a julgamento, no decurso do qual a A. optou pelo recebimento da indemnização em detrimento da reintegração.
Foi, de seguida, proferida sentença que julgou a ação improcedente.

Sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso, as conclusões delimitam o objeto do recurso, o que decorre do que vem disposto nos Art.º 608º/2 e 635º/4 do CPC. Nestes termos, considerando a natureza jurídica da matéria visada, são as seguintes as questões a decidir, extraídas das conclusões:
1ª – O contrato de trabalho celebrado entre a A. e a R. não está sujeito a qualquer regime especial de caducidade anual?
2ª – A aceitar-se que o está, então violar-se-ia o princípio da segurança no emprego e da proibição de despedimentos sem justa causa?
3ª – Aceitando-se que o está, então essa precariedade prolongada e ilimitada viola a Diretiva nº 1999/70/CE do Conselho de 28/06/1999?
4ª – A sentença é nula?
5ª – Deve suspender-se a instância e pedir ao TJUE que decida a título prejudicial?
6ª – A A. foi vítima de um despedimento ilícito?

FACTOS PROVADOS:
1- A R. é uma cooperativa que se dedica a ministrar ensino coletivo a crianças (tem mais de 2500 alunos), o que faz por forma habitual, sistemática e com intuito lucrativo (al. A) da matéria de facto assente).
2- A A. foi admitida ao serviço e por conta da R. em 1974.
3- No período compreendido entre 18 Outubro de 1983 e Outubro 1984, a R. concedeu à A., a pedido desta, uma licença sem retribuição (al. C) da matéria de facto assente e retificação do despacho referência 1683520).
4- A A. requereu a prorrogação dessa licença de vencimento a partir da segunda data referida no número anterior.
5- A R indeferiu-lhe essa prorrogação e determinou-lhe, por escrito, a comparência da A. ao serviço da R..
6- A A. não prestou qualquer trabalho por conta da R. até Setembro de 2001.
7- Até 18 Outubro de 1983 e depois de Setembro de 2001, a A. prestou à R., sem determinação de prazo, os serviços e as tarefas próprias da categoria profissional de professora, sob as ordens, interesse, autoridade, direção e fiscalização desta e mediante remuneração que a mesma lhe pagou (al. D) da matéria de facto assente).
8- A A. em 2001 subscreveu uma “proposta de contrato”, datada 01/10/2001, junta a fls. 3, cujo teor se dá por integralmente reproduzida (al. L) da matéria de facto assente).
9- A. e R. acordaram, ultimamente, que a primeira prestaria serviço a esta num período normal de trabalho semanal de 4 horas, mediante a remuneração base mensal de € 305, 64 x 14 meses/ano (al. E) da matéria de facto assente).
10- A A. sempre trabalhou por conta da R. em acumulação de funções com as que exerceu como professora do ensino público, tendo sido autorizada para esse efeito pela autoridade administrativa competente (al. F) da matéria de facto assente).
11- Essa autorização era concedida em resposta a pedido da A. instruído com informação da carga horária prevista ao serviço da R. e por esta confirmada documentalmente.
12- Em 05/08/2011, a R. enviou uma carta registada com aviso de receção a, que a recebeu, informando-a de que pelo “ (…) facto de ter sido definida uma nova rede escolar que implicou redução de turmas nos mesmos estabelecimentos de ensino e a supressão dos cursos EFA em contrato de associação, não existem condições para acumulação de funções por parte de v. Exª no próximo ano letivo de 2011/2012 (cfr. documento de fls. 8, cujo teor se dá por integralmente reproduzido (al. G) da matéria de facto assente).
13- Informou ainda a A. de que “ deste modo, a acumulação que vem exercendo cessará no termo do prazo para o qual se encontra atualmente autorizada ou seja 31/08/2011 (al. H) da matéria de facto assente).
14- A partir do dia 31/08/2011, a A. não mais prestou qualquer trabalho por conta da R. (al. I) da matéria de facto assente).
15- A A. respondeu à referida carta, por carta registada com aviso de receção, datada de 16/08/2011, que a R. recebeu em 02/09/2011, dizendo que se considerava despedida com efeitos a partir de 31/08/2011 e que tal despedimento deveria ser considerado ilícito (cfr. documentos de fls. 9 a 11, cujo teor se dá por integralmente reproduzido al. J) da matéria de facto assente).
16- Os factos referidos nos nºs 12 a 14 causaram à A. tristeza e desgosto.
17- A A. teve a condição de cooperante da R. até 2006.
18- A R. processou e pagou à A. o valor de € 611,28 de proporcionais de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal relativos ao trabalho prestado no ano da cessação do contrato, conjuntamente com o vencimento da A. relativo ao mês de Junho de 2011 (no valor total ilíquido de € 916,92).
19- Nesse pagamento a R. deduziu o valor de € 800,00, correspondente a adiantamento de levantamentos por ela solicitados e concedidos pela R., no valor total de 1000,00 e que tinham sido anteriormente amortizados 200,00.

FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA:
A 1ª questão a que cumpre dar resposta prende-se com a sujeição, a um regime especial de caducidade anual do contrato de trabalho celebrado entre as partes.
A A., tendo sido admitida ao serviço e por conta da R. em 1974 – com um interregno decorrente de uma licença sem retribuição no período compreendido entre 18 Outubro de 1983 e Outubro 1984, e de não prestação de qualquer trabalho por conta da R. até Setembro de 2001 - prestou à R., sem determinação de prazo, os serviços e as tarefas próprias da categoria profissional de professora, sob as ordens, interesse, autoridade, direção e fiscalização desta e mediante remuneração que a mesma lhe pagou. A A. sempre trabalhou por conta da R. em acumulação de funções com as que exerceu como professora do ensino público, tendo sido autorizada para esse efeito pela autoridade administrativa competente.
E é desta prestação em regime de acumulação de funções que a sentença retirou a conclusão de que o contrato celebrado estava sujeito a um especial regime de precariedade. Fê-lo, aliás, em sintonia com uma decisão uniformizadora de jurisprudência, a saber, o Ac. 8/2009 publicado no DR 1ª Série, nº 95, de 18/05/2009.
E, assim, tendo a R. enviado à A. uma carta registada com aviso de receção informando-a de que pelo “ (…) facto de ter sido definida uma nova rede escolar que implicou redução de turmas nos mesmos estabelecimentos de ensino e a supressão dos cursos EFA em contrato de associação, não existem condições para acumulação de funções por parte de v. Exª no próximo ano letivo de 2011/2012”, pelo que, desse modo, “a acumulação que vem exercendo cessará no termo do prazo para o qual se encontra atualmente autorizada”, validou-se tal declaração, concluindo-se que a mesma não corporizava um despedimento ilícito.
Através do mencionado aresto firmou-se jurisprudência no sentido de que «O regime especial de caducidade anual a que estavam sujeitos os contratos de trabalho celebrados, em acumulação, entre os docentes do ensino público e os estabelecimentos de ensino particular, que decorria dos Decretos -Leis nºs 266/77, de 1 de Julho, 553/80, de 21de Novembro, e 300/81, de 5 de Novembro, e do despacho n.º 92/ME/88, do Ministro da Educação, de 17de Maio de 1988, publicado no Diário da República, 2.ªsérie, n.º 137, de 16 de Junho de 1988, não foi afetado pela entrada em vigor do Estatuto da Carreira dos Educadores de Infância e dos Professores do Ensino Básico e Secundário, aprovado pelo Decreto -Lei n.º 139 -A/90, de 28 de Abril, e da Portaria n.º 652/99, de 14 de Agosto, que o regulamentou.»
E é a partir dos fundamentos exarados em tal aresto, que a sentença vem a concluir que o contrato de trabalho para acumulação de funções de docência está sujeito a um regime especial de cessação por caducidade oposto à cessação por despedimento ilícito que decorreria, numa situação normal, para caso semelhante (não abrangido pela especificidade da acumulação).
Vejamos!
A CRP dispõe, no Artº 269º/1, que os trabalhadores da Administração Pública estão exclusivamente ao serviço do interesse público.
Porém, admite, nos casos expressamente previstos na lei, a acumulação de empregos ou cargos públicos (nº 4).
Por sua vez, o Artº 26º da Lei 12A/2008 de 27/02 veio dispor que as funções públicas são, em regra, exercidas em regime de exclusividade, admitindo-se no Artº 28º a acumulação de funções não conflituantes.
Por seu turno, o Estatuto da Carreira dos Educadores de Infância e dos Professores dos Ensinos Básico e Secundário (cuja última versão foi introduzida pelo DL 15/2007 de 19/01) dispõe, no Artº 111º/1 que aos docentes integrados na carreira pode ser autorizada a acumulação de funções docentes em estabelecimentos de educação ou de ensino com atividades de carater ocasional … ou com o exercício de funções docentes ou de formação em outros estabelecimentos de educação ou de ensino.
Os termos e condições em que é emitida a acumulação são definidos em Portaria (nº 4), Portaria essa que, na atualidade é a Portaria 814/2005 de 13/09.
A Portaria 814/2005 de 13/09 dispõe que o exercício em acumulação de funções públicas ou privadas carece de autorização prévia do Ministro da Educação, autorização que é válida até ao final do ano escolar a que respeita (Artº 2º e 6º).
De tudo decorre, tal como alega a Recrte. que estão subjacentes a estas normas, razões de interesse público. Mas decorre também, segundo a jurisprudência do STJ, o estabelecimento de um regime especial de precariedade para os contratos atinentes à acumulação de funções.
É assim que, enquanto a Recrte. defende que manteve com a Recrdª um contrato de trabalho sem termo e a tempo parcial, a Recrdª sustenta que ambas mantiveram um contrato de trabalho sujeito a um regime especial de caducidade anual.
Da conclusão consignada no Acórdão Uniformizador emerge, desde logo, como se depreende, a existência de um regime especial de caducidade anual aplicável aos contratos em questão.
O Estatuto sobre o qual se pronunciou o STJ foi, entretanto, alterado pelo DL 15/2007 de 19/01, que mantendo, embora, a possibilidade de acumulação, difere nos termos em que a admite.
Na verdade, o Artº 111º estipula agora que aos docentes integrados na carreira pode ser autorizada a acumulação de funções docentes em estabelecimentos de educação ou de ensino com o exercício de funções docentes ou de formação em outros estabelecimentos. E, por Portaria conjunta dos membros do Governo responsáveis pelas áreas da educação e da administração pública são fixados os termos e as condições em que é permitida a acumulação.
Esta portaria, ao que apurámos, não foi publicada, continuando-se a aplicar a Portaria que, para disposição equivalente do anterior estatuto havia sido emitida – a Portaria 814/2005 de 13/09.
O regime entretanto introduzido, mais exigente, não altera os pressupostos de decisão em que o STJ assentou.
Na jurisprudência do STJ foram delineadas, até à prolação do acórdão uniformizador, duas correntes: uma que sustentava a insubsistência, em presença do Estatuto emergente do DL 139A/90 de 28/04, da jurisprudência que afirmava a existência de um regime especial de caducidade anual da acumulação de funções no ensino particular por parte de professores do ensino oficial que afastaria a aplicação do regime geral relativo à celebração e caducidade do contrato de trabalho a termo; outra, que logrou vencer naquele aresto, segundo a qual a entrada em vigor do Artº 111º não contendia com a existência de um regime especial de caducidade.
A tese segundo a qual os contratos de trabalho dos docentes do ensino secundário oficial que acumulam funções no ensino particular estão sujeitos a um regime especial de caducidade assenta na circunstância de a sua celebração estar condicionada a autorização. É por causa dessa sujeição a autorização que se conclui por um vínculo laboral precário, impeditivo da aplicação do regime geral da contratação a termo, designadamente, da renovação automática e da conversão e, bem assim, da aplicabilidade do regime legal de cessação do contrato por tempo indeterminado.
Tese esta que o Ac. Uniformizador veio sufragar, baseando-se na circunstância de a acumulação de funções não ser livre, no sentido de que não depende apenas da vontade do trabalhador. Esta possibilidade manteve-se condicionada à autorização prévia da competente entidade administrativa. E, assim, o STJ concluiu que após a entrada em vigor do Estatuto da Carreira Docente “a acumulação de funções docentes em apreço continuou a ser, ex lege, precária, não livre ou arbitrária, antes dependente de autorização administrativa da entidade competente”, precariedade que se refletiu, logicamente, no vínculo laboral. Significa isto que qualquer das partes pode, unilateralmente “e sem necessidade de motivação, dar por cessado o contrato de trabalho de acumulação para o fim de cada ano letivo”.
A Portaria 814/2005 de 13/09, aplicável ao caso sub judice, vincou o carater excecional da cumulação de funções, esclarecendo no seu preâmbulo que “o exercício da atividade docente é, enquanto função pública por excelência, igualmente permeado pelo princípio da exclusividade, pelo que a sua cumulação com outras funções assume carater excecional e carece de autorização prévia para a generalidade dos casos em que é permitida”. Desta forma, e tal como salienta o STJ, a Portaria insere-se numa linha de orientação anterior, continuando a refletir o ciclo natural, essencial, do ano escolar, voltando a consagrar a necessidade de autorização de acumulação para cada ano letivo.
Aqui chegados, e muito embora nos impressione a existência de um contrato de trabalho sujeito a um tal regime de precariedade, dado o princípio constitucional da segurança no emprego, também é certo que este não é um contrato de trabalho comum. Afinal, o trabalhador a ele vinculado já tem uma relação de emprego público estável, funcionando este contrato como um acréscimo de rendimento e visando acautelar carências próprias do ensino privado. Serão inerentes a esta especificidade interesses públicos que é necessário acautelar, não sendo relevante o interesse de estabilidade do emprego inerente à contratação em geral.
Nas decisões que proferir, o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito (Artº 8º/3 do CC).
Conforme ensina Abrantes Geraldes, “a interpretação uniforme do direito constitui um dos vetores por que se tutela a certeza e a segurança jurídicas” (Recurso em Processo Civil, Novo Regime, Almedina, 423).
Daí que entendamos não nos afastar da jurisprudência uniformizadora e, nessa medida, conclui-se pela sujeição a um regime especial de caducidade anual do contrato de trabalho celebrado entre as partes que permite à R. pôr-lhe termo nas circunstâncias em que o fez. Ou seja, concluímos que o contrato de trabalho celebrado entre a A. e a R. tem natureza essencialmente precária, estando sujeito a um regime específico de cessação decorrente da circunstância de ser celebrado para efeitos de acumulação de funções docentes no ensino privado.

O que nos remete para a 2ª questão acima elencada – a aceitar-se que o contrato está sujeito a caducidade anual, violar-se-ia o princípio da segurança no emprego e da proibição de despedimentos sem justa causa?
O Tribunal Constitucional pronunciou-se sobre questão similar no Ac. 367/99, onde se discutia a ilicitude de uma cessação de uma situação de acumulação de funções de um docente do ensino superior público, tendo concluído que a questão de estabilidade de emprego (artigo 58º da Constituição da República Portuguesa) não se coloca, “na medida em que a permanência do docente do ensino superior público no seu posto de trabalho não é, por força da aplicação das normas sub judice, questionada”. Este entendimento veio a ser sufragado pelo STJ no aresto acima referido, fundamentação à qual aderimos.
Na verdade, tal como salienta o STJ, o que ocorre é que o duplo emprego evidenciado nos autos sofre uma limitação. Porém, o emprego que constitui a base do sustento da A. mantém-se.
Aliás, sobre a tese consagrada pelo STJ pronunciou-se também o Tribunal Constitucional, no Ac. 155/2009, vindo-se a concluir que a relação jurídica privada que liga trabalhador e empregador não é autónoma do vínculo de natureza pública mantido pelo trabalhador. Daí que “Face à Constituição, em caso de exercício simultâneo de funções, tal autonomia pura e simplesmente não existe. A relação jurídico-privada, a formar-se, terá que ter em conta (e terá que ser regulada tendo em conta) a coetânea subsistência do vínculo funcional público com o qual se terá que compatibilizar. Assim sendo, não estão agora em causa nem a garantia na segurança no emprego nem a liberdade de escolha de profissão. Ao darem cumprimento ao disposto no nº 5 do artigo 269º da CRP, as normas sob juízo colocam-se fora do âmbito de proteção das normas que consagram os dois direitos fundamentais”.
“…Ao darem cumprimento ao disposto no nº 5 do artigo 269º da Constituição, determinam as possibilidades, e os limites, do exercício simultâneo de funções públicas e privadas por parte da mesma pessoa, de modo tal que com esse exercício não seja prejudicada a necessária prossecução do interesse público, ao qual está vinculado – por imposição constitucional – todo e qualquer desempenho de função pública.”
Daí que a tese defendida não se tenha por inconstitucional.
E não contende com quanto se expôs a circunstância de, tal como alegado, a partir de 1/01/2009, e por força do disposto no Artº 88º/4 da Lei 12A/2008 de 27/02, a A. ter transitado da modalidade de relação jurídica de emprego público constituída por nomeação para a modalidade de contrato de trabalho por tempo indeterminado, relação que não está em causa nesta ação e a que a Recrdª é alheia e à qual não deixaram de subjazer os princípios acima referidos, designadamente as limitações impostas à acumulação de funções.

Problema distinto é o que decorre da 3ª questão acima enunciada - a precariedade prolongada e ilimitada viola a Diretiva nº 1999/70/CE do Conselho de 28/06/1999, transposta para o ordenamento jurídico nacional pelo Artº 2º/h da Lei 7/2009 de 12/02 (diploma que introduziu o Código do Trabalho na sua versão atual, aplicando-se às relações de emprego privado).
Ocorre, contudo, que esta questão não foi introduzida nos autos em qualquer dos articulados apresentados, não tendo sido apreciada pela sentença.
A questão foi aflorada num requerimento probatório no qual se requereu também a suspensão da instância tendo em vista um reenvio prejudicial ao TJUE, requerimento esse sobre o qual o Tribunal se pronunciou com trânsito em julgado.
É nos articulados da ação que se alegam os factos e se expõem as razões de direito que servem de fundamento á ação e à defesa, (Artº 552º e 572º do CPC).
Não tendo a questão agora suscitada sido alegada ou constituído causa de pedir, também não pode agora, em sede de recurso, vir a ser invocada.
Como é sabido, os recursos são meios de impugnação das decisões judiciais (Artº 627º/1 do CPC).
Dito de outra forma, os recursos “são meios para obter o reexame de questões já submetidas à apreciação dos tribunais inferiores, e não para criar decisões sobre matéria nova, não submetida ao exame do tribunal de que se recorre” (Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, Almedina, 147).
Assim, “a demanda do tribunal superior está circunscrita às questões que já tenham sido submetidas ao tribunal de categoria inferior” (António Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil Novo Regime, Almedina, 25).
Desta regra, excecionam-se apenas as questões de conhecimento oficioso, o que não é, manifestamente, o caso.
Ora, não tendo a A., ora Recrte., invocado como causa de pedir, na 1ª instância, a questão que ora vem suscitar, este Tribunal está impedido de dela conhecer.
Termos em que não se conhece da questão em apreciação.

A 4ª questão enunciada prende-se com a nulidade da sentença, assentando na circunstância de a mesma não se ter pronunciado sobre a matéria de que nos ocupámos acima.
De quanto expusemos já emerge que a sentença não tinha que se pronunciar sobre tal matéria, visto a mesma não ter constituído nem causa de pedir, nem de defesa.
Termos em que improcede a questão em apreciação.

Deve suspender-se a instância e pedir ao TJUE que decida a título prejudicial?
Conforme notámos acima, o requerimento tendo em vista a suspensão da instância para os efeitos agora, de novo, requeridos foi efetuado na 1ª instância, que decidiu não estarem verificados os pressupostos necessários para determinar o reenvio prejudicial.
Desta decisão não foi interposto recurso, pelo que a decisão transitou em julgado.
Não se alegando novos fundamentos, consideramos prejudicada pelo trânsito em jugado nova apreciação.

A última questão supra enunciada prende-se com a ilicitude do despedimento.
Tal questão ficou prejudicada pela resposta dada à 1ª. A cessação ocorrida não integra um despedimento ilícito, visto o contrato estar sujeito a um regime especial de caducidade anual.

Em conformidade com o exposto, acorda-se em julgar a apelação improcedente e, em consequência, confirmar a sentença recorrida.
Custas pela Recrte..
Notifique.
Guimarães, 28/05/2015
Manuela Fialho
Moisés Silva
Antero Veiga