Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
83/08.5IDPRT.G1
Relator: ANA TEIXEIRA E SILVA
Descritores: SUSPENSÃO
PROCESSO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/09/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMNENTO
Sumário: I) Decorre do artº 47º, nº1, do RGIT, que a suspensão do processo penal tributário não é automática e só pode ser decretada se no processo fiscal estiver em discussão situação tributária de cuja definição dependa a qualificação criminal dos factos imputados no processo criminal.
II) In casu, ao contrário do defendido pela Recorrente, o que se discute em sede de impugnação judicial tributária não é decisivo para este processo de natureza criminal: nem para a definição da existência de fraude fiscal e sua configuração nem para a escolha e medida da pena a aplicar.
III) Daí que deva subsistir o despacho que não decretou a suspensão dos autos até ao trânsito em julgado da sentença que viesse a ser proferida no processo nº 1886/09.9BEPRT do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel.
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães
I – RELATÓRIO

“F... – Contabilidade e Serviços, Lda.” veio interpor recurso do despacho do Mmº Juiz do 2º Juízo do Tribunal de Felgueiras que lhe indeferiu requerimento para que, ao abrigo do disposto no artº 47º, nº1, do RGIT, fosse decretada a suspensão dos autos até ao trânsito em julgado da sentença que viesse a ser proferida no processo nº 1886/09.9BEPRT do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel.
A arguida expressa as seguintes conclusões:

I. O processo penal que corre termos sob o n.° 83/O8.5IDPRT no 2° Juízo do Tribunal Judicial de Felgueiras será suspenso op legis face à pendência de processo de impugnação judicial, com os mesmos factos tributários, a correr termos no TAF de Penafiel.

II. Dadas as questões colocadas no processo 1886/O99BEPRT, que corre termos no TAF de Penafiel (tribunal administrativo competente), incumbe a este não só a eventual determinação do valor de qualquer prestação devida a título de um qualquer imposto mas, fundamentalmente, e em última análise, a aferição da existência, in casu, da prática de um qualquer ilícito penal por parte do ora recorrente.

III. Nos termos do art. 47°, n.° 1, do RGIT, a suspensão do processo criminal é obrigatória, resultando da própria lei, sendo que a sua letra não permite interpretação diferente.

IV. Destarte, em obediência ao Acórdão Uniformizador de Jurisprudência 3/2007, do Supremo Tribunal de Justiça, publicado no Diário da RepúbIica, 1° Série de 21/02/2007.

V. Bem como ao Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 19/11/2008, proferido no processo 0841639 e tirado por unanimidade.

VI. Sem prescindir, sempre se refere que a condenação por parte do tribunal “a quo” na tributação em duas unidades de conta da aqui ora Recorrente é manifestamente desproporcional e desadequada.

O Ministério Público respondeu no sentido da manutenção da decisão recorrida.
Nesta instância, a Srª. Procuradora-Geral Adjunta aderiu à posição do Ministério Público junto do Tribunal recorrido, emitindo parecer de que o recurso não merece provimento.
A arguida respondeu reiterando que o recurso deve ser provido.

II - FUNDAMENTOS

1. O OBJECTO DO RECURSO.
As questões suscitadas são 2:
1ª - a pendência da impugnação judicial que corre termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel sob o nº 1886/09.9BEPRT constitui causa de suspensão dos presentes autos, de harmonia com o estatuído no artº 47º, nº1, do RGIT;
2ª – a condenação em 3 UCs de taxa de justiça é “manifestamente desproporcional e desadequada”.
2. O DESPACHO RECORRIDO.
Apresenta o seguinte conteúdo:

Os arguidos P... - Formação e Consultadoria Profissional, Lda., Paulo S..., António M..., F... - Contabilidade e Serviços, Lda. e Joaquim S... encontram-se acusados: a arguida P... - Formação e Consultadoria Profissional, Lda. pela prática de um crime de fraude fiscal qualificada, na forma continuada, previsto e punível pelo disposto nos artigos 7º, nº1, e 104º, ambos do R.G.I.T. e artigo 30º, nº2, do Código Penal; o arguido Paulo S... de um crime, em co-autoria, de fraude fiscal qualificada, na forma continuada, previsto e punível pelo disposto nos artigos 6º, nº1 e 104º, nº2, ambos do R.G.I.T. e artigos 26º e 30º, ambos do Código Penal; o arguido António M... da prática, em co-autoria, de um crime de fraude fiscal qualificada, na forma continuada, previsto e punível pelo disposto nos artigos 6º, nº1 e 104º, nº2, ambos do R.G.I.T. e artigos 26º e 30º, ambos do Código Penal; a arguida F...-Contabilidade e Serviços, Lda. da prática de um crime de fraude fiscal qualificada, na forma continuada, previsto e punível pelo disposto nos artigos 7º, nº1, e 104º, nº2, do R.G.I.T. e artigo 30º, nº2, do Código Penal e o arguido Joaquim S... da prática, em co-autoria, de um crime de fraude fiscal qualificada, na forma continuada, previsto e punível pelos disposto nos artigos 6º, nº1, e 104º, nº2, ambos do R.G.I.T. e artigo 26º e 30º, ambos do Código Penal.

Em síntese os factos que lhes são imputados para suportar tal acusação criminal, radicam na emissão de facturas consideradas falsas cujos montantes apostos permitem fundamentar custos suportados em transações inexistentes a fim de diminuir o lucro tributável para efeito de liquidação do imposto de l.R.C. a pagar ao Estado, e assim sendo o Estado terá saído lesado no montante que corresponderá à diminuição do lucro tributável apurado em sede de I.R.C. por força das despesas suportadas e fundamentadas nas referidas facturas falsas.

Por requerimento de fls. 551 a fls. 554 vieram os arguidos F... - Contabilidade e Serviços, Lda. e Joaquim S... requerer a suspensão destes autos com o fundamento que tinham sido impugnadas judicialmente no Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel as facturas constantes da acusação destes autos que originaram as liquidações de I.V.A. e I.R.C.

Cumpre decidir:

Dispõe o artigo 47º, nº1 do R.G.I.T. que “Se estiver a correr processo de impugnação judicial ou tiver lugar oposição à execução, nos termos do Código de Procedimento e de Processo Tributário, em que se discuta situação tributária de cuja definição dependa a qualificação criminal dos factos imputados, o processo penal tributário suspende-se até que transitem em julgado as respectivas sentenças”.

Assim, o Tribunal por despacho de fls. 559/560 solicitou ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel a remessa de certidão do articulado de impugnação judicial.

Tal certidão encontra-se junta aos autos de fls. 579 a fls. 596, da qual se pode constatar que os identificados arguidos impugnam tão somente a liquidação adicional de I.V.A. com base nas facturas descritas na acusação pública, por justamente as considerarem fictícias, mais alegam no artigo 34º de tal articulado que “Ora, as facturas falsas integram em rigor, como no presente caso, um negócio absolutamente simulado, por inexistência de qualquer negócio jurídico subjacente” (sublinhado nosso).

Assim, os identificados arguidos pugnam em sede de Tribunal Administrativo e Fiscal pela injustiça da liquidação de I.V.A. emergente de facturas que eles próprios qualificam como falsas.

Assim sendo como é, não se vislumbra como é que a qualificação criminal dos factos imputados aos arguidos nestes autos possa ser alterada por qualquer que seja a decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, pois nesse Tribunal, como se disse, os arguidos insurgem-se contra a obrigação de pagamento de imposto de I.V.A. liquidado com fundamento em facturas falsas, as destes autos.

Face ao exposto, é evidente que não existe qualquer razão para suspender os presentes autos, aliás, os identificados arguidos fizeram o favor, de quanto a si, reforçar o que consta da douta acusação pública.

Face ao exposto, indefiro o requerido pelos identificados arguidos, devendo os presentes autos prosseguir os seus ulteriores trâmites legais, que passam pela designação de data para a realização de audiência de discussão e julgamento.

Custas do incidente pelos identificados arguidos, cuja taxa de justiça se fixa em 3 (três) U.C., ao abrigo do disposto no artigo 84º, do Código das Custas Judiciais (legislação aplicável aos presentes autos).

Notifique e, após trânsito em julgado deste despacho, abra conclusão a fim de serem designadas datas para a realização de audiência de discussão e julgamento.


3. APRECIAÇÃO DO MÉRITO.
3.1. A causa de suspensão prevista no artº 47º, nº1, do RGIT
Resulta dos autos:
- “P... - Formação e Consultadoria Profissional, Lda.”, Paulo S..., António M..., “F... - Contabilidade e Serviços, Lda.” e Joaquim S... encontram-se acusados da prática de um crime continuado de fraude fiscal qualificada, p. e p. pelo artº 104º, nº2, do RGIT;
- os factos subjacentes reconduzem-se à utilização na contabilidade da “P..., Lda.” de 5 facturas emitidas pela “F..., Lda.” (datadas de 30/09/2003, 24/11/2003, 30/06/2004, 31/08/2004 e 31/12/2004), titulando serviços fictícios, com o único objectivo de empolar os custos e diminuir o lucro tributável da primeira sociedade, assim logrando a mesma não pagar ao Fisco o montante global de €74.649,05 €37.785,30 e €36.863,75 são as parcelas discriminadas na acusação. relativo ao IRC de 2003 e 2004;
- “F... - Contabilidade e Serviços, Lda.” impugnou judicialmente as liquidações adicionais do IVA relativas aos 3º e 4º trimestre de 2003, ao ano de 2004 e ao 4º trimestre de 2005, processo que corre termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel sob o nº 1886/09.9BEPRT;
- a dita impugnação inclui também Aparentemente, já que não consta do articulado respectivo a descrição individualizada das facturas; e na mesma peça, faz-se referência a operações realizadas com outras entidades, CESEC e CESEC II. facturas emitidas a favor da “P...” e nela se afirma “não corresponderem a serviços efectivamente prestados”, “serem desprovidas de substrato económico” e tratar-se de “facturas representativas de operações inexistentes” V. por exemplo, os respectivos nºs 10, 11 e 12..
Estatui o artº 47º, nº1, do RGIT, sob a epígrafe “Suspensão do processo penal tributário”: “Se estiver a correr processo de impugnação judicial ou tiver lugar oposição à execução, nos termos do Código de Procedimento e de Processo Tributário, em que se discuta situação tributária de cuja definição dependa a qualificação criminal dos factos imputados, o processo penal tributário suspende-se até que transitem em julgado as respectivas sentenças”.
Da mera leitura do preceito transcrito, resulta que a suspensão não é automática e só pode ser decretada se no processo fiscal estiver em discussão situação tributária de cuja definição dependa a qualificação criminal dos factos imputados no processo criminal.
Ora, é precisamente este requisito que se não vê Nem a Recorrente explicita convenientemente, limitando-se praticamente a referenciar doutrina e jurisprudência. possa ter-se por verificado; ainda que a Recorrente venha a obter ganho de causa no Tribunal Administrativo e Fiscal, não se vislumbra que repercussão possa ter na qualificação criminal dos factos imputados a qualquer dos arguidos nestes autos.
Neste momento – em que se não realizou a audiência de discussão e julgamento destes autos nem foi proferida sentença do processo fiscal ou se foi, não transitou em julgado Como afirma a Recorrente na resposta ao parecer do MP mas sem relevância no caso, uma vez que este tribunal é chamado a pronunciar-se sobre a decisão recorrida nas circunstâncias em que foi proferida, não podendo ter em conta factos posteriores que não eram do conhecimento do Tribunal a quo. -, o preenchimento daquele pressuposto só pode (e deve aferir-se) através do cotejo da acusação destes autos com a petição inicial da impugnação judicial no processo tributário.
Ora, reconhecendo a Recorrente – na petição inicial do processo 1886/09.9BEPRT -que estamos perante facturas forjadas e não se discutindo no mesmo processo qualquer imposto referente à arguida “P..., Lda.”, o respectivo resultado final não pode ter qualquer reflexo nestes autos nem contende com os valores indicados na acusação (todos respeitantes à “P..., Lda.”).
Ou seja e ao contrário do defendido pela Recorrente, o que se discute em sede de impugnação judicial tributária não é decisivo para este processo de natureza criminal: nem para a definição da existência de fraude fiscal e sua configuração nem para a escolha e medida da pena a aplicar.
Cita a Recorrente em abono da sua tese os acórdãos do STJ nº 3/2007, DR I Série de 21/02/2007 e da RP de 19/11/2008, proc. 0841639 Disponível em www.dgsi.pt.; mas sem razão, como veremos.
O primeiro, porque se não aplica ao caso vertente, uma vez que não foi proferido no domínio da mesma legislação: antes se debruçou e interpretou norma diferente, de outro diploma que não o RGIT e com redacção diversa da que ora se discute: o artº 50º, nº1, do RJIFNA (aprovado pelo DL 20-A/90, de 15.01), na redacção dada pelo DL 394/93, de 24.11 O qual estatuía “Se estiver a correr processo de impugnação judicial ou tiver lugar oposição de executado, nos termos do Código de Processo Tributário, o processo penal fiscal suspende-se até que transitem em julgado as respectivas sentenças”..
O segundo aresto (da Relação do Porto), porque não só nenhuma prevalência tem sobre outras decisões das Relações como também se reporta a hipótese factual bem diversa desta.
3.2. A condenação em taxa de justiça
Alega a Recorrente que a condenação em 3 UCs A menção a “duas unidades de conta” na conclusão VI constitui patente lapso material. é “manifestamente desproporcional e desadequada”.
Porém, não se percebe, nem a Recorrente explicita minimamente, porquê.
Em suma, semelhante alegação – meramente conclusiva e sem mais -, desacompanhada de um único fundamento (de facto e ou de direito Cf. o nº2 do artº 412º do CPP.), está liminarmente votada ao fracasso.

Em conclusão: impõe-se a manutenção da decisão sub judice.

III - DECISÃO
1. Nega-se provimento ao recurso interposto pela arguida “F... – Contabilidade e Serviços, Lda.” e confirma-se a douta decisão recorrida.
2. Custas pela Recorrente, fixando-se em 3 (três) UCs a taxa de justiça devida.

9 de Janeiro de 2012