Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
902/14.7TBVCT.G1
Relator: ANABELA TENREIRO
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL
DANO PATRIMONIAL FUTURO
DANOS REFLEXOS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/25/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- No cálculo do dano patrimonial futuro, deverá ser ponderada o grau de incapacidade do lesado para exercer a profissão habitual bem como a impossibilidade de, na prática, obter um novo emprego.
II- Essa impossibilidade, no caso concreto, advém da idade, das graves limitações físicas que o lesado apresenta, resultantes do acidente, e das exigências e dificuldades do mercado de trabalho, que inviabilizam a sua empregabilidade.

III- No caso em que o lesado, em consequência do acidente, sofreu total degradação do padrão de vida e da autonomia pessoal (1), por necessitar, para toda a vida, de utilizar canadianas na locomoção e da ajuda de uma terceira pessoa para executar os actos básicos diários, com uma repercussão temporária na actividade profissional de 764 dias, um défice permanente funcional de 72 pontos, um dano estético de 4/7, afectação da actividade sexual, dores permanentes, prolongados internamentos, cirurgias, tratamentos médicos e de fisioterapia, justifica-se a atribuição de uma compensação de €150.000,00, em conformidade com os critérios utilizados em casos, de certa forma, similares, por uma jurisprudência actualista e evolutiva.

IV- Deve ser reconhecido à filha do lesado o direito a uma indemnização por danos não patrimoniais, na linha de orientação propugnada pelo acórdão uniformizador n.º 6/2014, de 16/01/2014, por admitir, na interpretação dos artigos 483.º, n.º 1 e 496.º, n.º 1 do C.Civil, a inclusão das pessoas elencadas no n.º 2 deste último preceito legal.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I- RELATÓRIO

José intentou contra “Seguradora X. – Sucursal em Portugal” a presente acção declarativa de condenação, peticionando que a Ré seja condenada a pagar-lhe a quantia global líquida de € 796.310,34, acrescida de juros de mora, contados à taxa legal de 4% ao ano, desde a data da citação, até efectivo pagamento, e na indemnização ilíquida que, por força dos factos alegados nos artigos 283º a 347º da petição inicial, vier a ser fixada em decisão ulterior, nos termos do artigo 564º, nº 2, do Código Civil, ou vier a ser liquidada em execução se sentença, nos termos do artigo 378º, nº 2, do Código de Processo Civil, na sequência de um acidente de viação de que o Autor foi vítima quando era transportado como passageiro num veículo segurado na Ré.

Regularmente citada, contestou a Ré, defendendo-se por excepção dilatória, invocando a incompetência internacional deste Tribunal para conhecer da acção e a ineptidão da petição inicial, impugnando os factos alegados pelos Autores e divergindo da qualificação jurídica emprestada por este aos factos.

Em sede de audiência prévia foi proferido despacho saneador, no qual se decidiu pela improcedência das excepções dilatórias invocadas pela Ré, onde se afirmou a regularidade e a validade da instância, se identificou o objecto do processo e se seleccionaram os Temas de Prova.
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Maria veio propor (2) contra “Seguradora X.-Sucursal em Portugal” a acção declarativa de condenação que inicialmente foi tramitada sob o número 1563/14.9T8VCT, peticionando que a Ré seja condenada a pagar-lhe a quantia global de € 309.830,54, acrescida de juros de mora, contados à taxa legal de 4% ao ano, desde a data da citação, até efectivo pagamento.
Regularmente citada, contestou a Ré, defendendo-se por excepção dilatória, invocando a incompetência internacional deste Tribunal para conhecer da acção e a ineptidão da petição inicial, impugnando os factos alegados pela Autora e divergindo da qualificação jurídica emprestada por esta aos factos alegados.
Em sede de audiência prévia foi proferido despacho saneador, no qual se decidiu pela improcedência das excepções dilatórias invocadas pela Ré, onde se afirmou a regularidade e a validade da instância, se identificou o objecto do processo e se seleccionaram os Temas de Prova.
Posteriormente, esta acção foi apensada à acção proposta por José.
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Proferiu-se sentença que decidiu julgar a acção proposta por José contra “Seguradora X–Sucursal em Portugal”, parcialmente procedente, e consequentemente condenou a Ré a pagar ao Autor a quantia global líquida de € 488.872,00, acrescida de juros contados desde data da citação sobre a quantia de € 338.872,00, e desde a data da prolação da presente decisão sobre a quantia de € 150.000,00, à taxa legal de 4%, até integral e efectivo pagamento, e, ainda, a quantia cuja fixação se remete para decisão ulterior, nos termos do disposto no artigo 564º, nº 2, do Código Civil, e que corresponder às despesas que o Autor comprovar que teve com os medicamentos, os tratamentos médicos, as cirurgias e as despesas com os bens e serviços supra elencados, até ao fim da vida, incluindo-se aqui a ajuda de uma terceira pessoa para fazer a higiene dos pés, para cortar as unhas dos dedos dos pés, vestir as meias e para calçar os sapatos, durante, para estes fins, uma hora diária, tudo conforme discriminado nas alíneas sssss) a yyyyy), do ponto II.1., desta decisão; julgou ainda a acção proposta por Maria contra “Seguradora X –Sucursal em Portugal” improcedente, por não provada e, consequentemente, absolveu a Ré do peticionado pela Autora.
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Inconformado com a sentença, o Autor interpôs recurso, terminando com as seguintes
Conclusões

. -o acidente de trânsito que deu origem à presente acção ficou a dever-se a culpa exclusiva do condutor do veículo automóvel segurado na Recorrida “Seguradora X – Sucursal em Portugal”;
. -por força do contrato de seguro referido na presente acção, deve, pois, a Ré/Recorrida Seguradora X–Sucursal em Portugal ser condenada a pagar, ao Autor/Recorrente, a indemnização global líquida e ilíquida que, a final, for fixada, na presente acção;
. -a quantia de 300.000,00 €, fixada a título de indemnização pela IPP – Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica - de 72 pontos – 86,1015%, no âmbito de acidente de trabalho, mas de 100,00%, para a profissão de serralheiro - é insuficiente;
. -justa e equitativa é a quantia de 418.600,00 €;
. -e que se reclama, nas presentes alegações de recurso;
.-o Autor reclamou a quantia de 250.000,00 €, a título de indemnização/compensação pelos danos de natureza não patrimonial, por si sofridos;
.-a sentença recorrida fixou, a este título, a quantia de apenas 150.000,00 €;
. -tal quantia, porém, é insuficiente;
.-pelo que, a este título, deve ser fixada a quantia peticionada, de 250.000,00 €;
10ª. -os juros de mora são devidos desde a data da citação sobre todas as quantias indemnizatórias e compensatórias, quer relativas a danos de natureza patrimonial, quer relativas a danos de natureza não patrimonial;
11ª.-devem, pois, ser fixados os juros incidentes sobre a quantia compensatória fixada e a fixar a título de danos de natureza não patrimonial, a partir da data da citação, até efectivo pagamento.
12ª. -decidindo de forma diversa, fez o tribunal de primeira instância má aplicação do direito aos factos alegados e provados e violou, além outras, as normas dos artigos 496º., nº. 1, 562º., 564º. e 805º., do Código Civil.
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Discordando da sentença, a Autora interpôs recurso, terminando com as seguintes
Conclusões
.-o acidente de trânsito que deu origem à presente acção ficou a dever-se a culpa exclusiva do condutor do veículo automóvel segurado na Recorrida “Seguradora X–Sucursal em Portugal”;
.-por força do contrato de seguro referido na presente acção, deve, pois, a Ré/Recorrida Seguradora X–Sucursal em Portugal ser condenada a pagar, à Autora/Recorrente, a indemnização global líquida e ilíquida que, a final, for fixada, na presente acção;
.-a Autora/Recorrente Maria reclamou, na presente acção compensação por danos de natureza não patrimonial e indemnização por danos de natureza patrimonial;
.-relativamente aos danos de natureza não patrimonial, tem aplicação, no presente caso, o estatuído nos artigos 483º., nº. 1 e 496º., nº. 1, do Código Civil;
. - com base no estatuído – letranos artigos 483º., nº. 1 e 496º., nº. 1, do Código Civil, o Meritíssimo Juiz do Tribunal “A QUO”, decidiu julgar improcedente a presente acção em relação à Autora/Recorrente – filha do Autor José – Maria;
. - o Meritíssimo Juiz do Tribunal “A QUO” recorreu à interpretação sistemática das normas dos artigos 483º., e 496º., nº. 1, do Código Civil;
. -mas, no entender da Autora/Recorrente, o Meritíssimo Juiz devia ter em conta que as referidas normas legais foram redigidas há mais de cinquenta (50,00) anos, altura em que a realidade social do nosso país era diametralmente diversa da que na presente data caracteriza a sociedade portuguesa actual;
. - com o devido e inexcedível subido respeito, o Tribunal “A QUO” fez uma interpretação não actualista, nem extensiva das supra-referidas normas legais;
.-porque estamos já no decurso do século XXI, deveriam, como devam, tais normas legais ser objecto de uma interpretação extensiva e actualista;
10ª. -neste caso, a ora Autora/Recorrente Maria passa a ter – como efectivamente tem - direito à compensação, pelos danos de natureza não patrimonial por si sofridos – cfr, acórdãos da Relação do Porto, de 7 de Fevereiro de 2017, processo nº. 1896/13.1TBPVZ.P1, JTRP000, da Relação de Coimbra, de 1 de Abril de 2014, processo nº. 498/12.4TBTNV.C1 e Acórdão de Uniformização de Jurisprudência, proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça - Acórdão do S.T.J., de 9 de Janeiro de 2014;
11ª. -remete-se para os factos provados e supra-transcritos, que se dão por reproduzidos, para todos os efeitos legais;
12ª. - as lesões sofridas, pelo pai da Autora/Recorrente (cfr. factos a este propósito, provados e supra-descritos), ora Recorrente, e as sequelas delas resultantes reputam-se da máxima gravidade;
13ª.-e os factos relativos aos padecimentos sofridos pela própria Autora/Recorrente, que culminaram com a necessidade do recurso a consultas da especialidade e de apoio psicológico, reputam-se, também eles, da máxima gravidade, a merecerem a tutela do direito – artigo 496º., nº. 1, do Código Civil;
14ª.-peticionou, a este propósito, a Autora/Recorrente a quantia de 50.000,00 €;
15ª. -é esse montante de 50.000,00 €, que se acha justo e equitativo, para ressarcir/compensar os gravíssimos prejuízos que, a este título, sofreu a ora Autora/Recorrente Maria;
16ª. -deve, pois, em via de recurso, ser fixado o montante de 50.000,00 €, a título de compensação pelos danos de natureza não patrimonial sofridos pela Autora, ora Recorrente.
17ª.-sobre esse montante, devem incidir os juros moratórios, contados à taxa legal de 4% ao ano, desde a data da citação, até efectivo pagamento;
18ª. - a este propósito, estatui o artigo 495º., nº. 2, do Código Civil;
“Neste caso, como em todos os outros de lesão corporal, têm direito a indemnização aqueles que socorreram o lesado, bem como os estabelecimentos hospitalares, médicos ou outras pessoas ou entidades que tenham contribuído para o tratamento ou assistência da vítima”.
19ª. -a este propósito ficou provado que a Autora/Recorrente Maria é filha do Autor José;
20ª.-à data da ocorrência do acidente de trânsito que deu origem à presente acção, encontrava-se a exercer a sua referida profissão de enfermeira, na cidade de Kissidougou, na Guiné Canakri e auferia, além de outros acréscimos, o ordenado de 4.280,00 USD;
21ª. -por via do acidente de trânsito que deu origem à presente acção, a Autora regressou a Portugal e prestou o acompanhamento e toda a assistência de que o seu pai carecer, incluindo cuidados e serviços de enfermagem;
22ª. -o que fez até ao dia 30 de Setembro de 2013, após a extinção da sua relação profissional com a sua entidade patronal, em 28 de Agosto de 2012;
23ª. -ou seja, durante um período de tempo de treze (13,00) meses (por defeito);
24ª. - peticionou a Autora o pagamento da quantia mensal de 4.280,00 USDDollares Americanos -,a título de indemnização pelo tempo despendido em serviços de acompanhamento e de tratamento do seu Pai José, por ser esse o rendimento do seu trabalho, como enfermeira, na Guiné Conakri e sem contar os demais acréscimos, viagens, alojamento, alimentação, seguros, etc.);
25ª. -de acordo com o estatuído no artigo 495º., nº. 2, do Código Civil, deve, pois, ser atribuída, à Autora Maria, a este título, a indemnização de (13 meses x 4.280,00 USD) 55.640,20 USD, com a sua conversão em Euros;
26ª.-na verdade, a Autora não alegou “quebra da sua relação contratual”, mas sim que terminou a sua relação laboral, por via do sinistro dos presentes autos;
27ª. -alegou prejuízos salariais, correspondentes ao seu ordenado, como enfermeira, na Guiné Conakri;
28ª. -de qualquer modo, se for perfilhado douto entendimento no sentido de não ser devido aquele valor mensal de 4.280,00 USD, sempre deverá ser fixado um montante mensal, de acordo com critérios de equidade, tendo em conta a natureza dos serviços prestados pela Autora Maria, como enfermeira, em valor nunca inferior a 2.000,00 € mensais;
29ª. -neste caso, fixando-se, a este título, uma indemnização de (13,00 meses x 2.000,00 €) 26.000,00 €;
30ª. -tal decisão – no sentido da primeira ou da segunda – impõe-se por obediência ao estatuído no artigo 495º., nº. 2, do Código Civil, mas, também, por critérios de Justiça, que o Ordenamento Jurídico Português (e Comunitário) quer, sempre e em qualquer, caso salvaguardar;
31ª.-sobre o montante a fixar, a este título, devem, também, ser atribuídos juros moratórios, contados à taxa legal de 4% ao ano, desde a data da citação, até efectivo pagamento.
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A Ré apresentou recurso subordinado, concluindo que:

1.Andou mal, em nosso modesto entender, a douta sentença, no que ao enquadramento jurídico aos factos diz respeito, designadamente no que concerne aos cálculos efetuados a título de indemnização por perda da capacidade de ganho e consequentes danos futuros e, ainda, quanto aos danos não patrimoniais (dano moral).
2.Embora não se concorde, ainda se compreende como foi calculado o valor de € 268.053,00 a título de perda da capacidade de ganho.
3.Não se compreende, nem tem justificação o Tribunal a quo atribuir a título de danos futuros, ao autor, pela perda da capacidade de ganho, uma indemnização na quantia de € 300.000,00.
4.Esta condenação da Seguradora X na quantia de € 300.000,00 é totalmente surreal e injustificada, e, essencialmente abusiva.
5.Estamos aqui perante um flagrante abuso de direito (art.º 334 do C.C) contra a Ré e até mesmo de um caso de enriquecimento sem causa no que respeita ao autor (art.º 473º do C.C.), sem esquecer que é a mesma violadora do princípio da igualdade das partes, previsto no art.º 4º do CPC, bem como, no art.º 13º da Constituição da República Portuguesa (aplicado por analogia por se tratar a Ré de uma pessoa coletiva), uma vez que está a prejudicar deliberadamente a Seguradora privilegiando e beneficiando o autor com um “bónus” injustificado.
6.O ressarcimento dos danos futuros depende da sua previsibilidade e determinabilidade (art.º 564º, nº2 do C.C.). “São danos futuros previsíveis, a que a lei se reporta, essencialmente, os certos ou suficientemente previsíveis, como é o caso, por exemplo, da perda ou diminuição da capacidade produtiva de quem trabalha.”
7.Andou mal o Tribunal a quo ao considerar como premissa nos cálculos efetuados os anos equivalentes à esperança média de vida, isto é até o autor perfazer os 77 anos de idade.
8.Ao contar 23 anos (até aos 77 anos de idade) o Tribunal está a violar o art.º 564º do CC, pois, a partir da idade da reforma, no presente se cifra nos 66 anos de idade, deixa de ter qualquer relevância a perda de diminuição da capacidade produtiva por já não ser mais exercida qualquer atividade profissional.
9.O cálculo deve ser feito, relativamente ao dano futuro pela perda da capacidade de ganho, tendo em conta os anos expectáveis de vida ativa e não da esperança média de vida, ou seja, a indemnização, devidamente calculada atendendo à vida ativa (mais 12 anos, até aos 66 anos de idade), resultaria num valor indemnizatório nunca superior a € 127.065,00.
10.A indemnização a atribuir ao autor Carlos a título de perda da capacidade de ganho e consequentes danos futuros, deverá ser alterada para o valor de € 127.065,00, calculado em obediência estrita ao normativo previsto no art.º564º do CC e segundo as regras da equidade e da justiça material.
11.Em relação ao valor indemnizatório atribuído a título de danos não patrimoniais, estes devem calcular-se do seguinte modo: “No cálculo do valor indemnizatório por danos resultantes de acidente de viação intervêm, sobretudo, critérios de equidade - mas fundados nas circunstâncias do caso concreto -, de proporcionalidade - em função da gravidade do dano -, de prudência, de senso prático, de ponderação das realidades da vida.
12.“Na apreciação, em sede de recurso, de indemnizações por danos não patrimoniais, estando em causa critério de equidade, as indemnizações arbitradas apenas devem ser reduzidas quando afrontem manifestamente as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das regras da vida”. “Os princípios da igualdade e da unidade do direito e o valor da previsibilidade da decisão judicial vinculam à padronização e à normalização do valor da indemnização. Ou seja, o recurso à equidade não obsta à ponderação, como termo de comparação, dos valores pecuniários encontrados para o mesmo efeito noutras decisões judicias relativas a casos semelhantes, transitadas em julgado, sem prejuízo das especificidades e particularidades do caso que, concretamente, é submetido à apreciação do tribunal.
13.Comparando as lesões resultantes no caso dos autos e a indemnização a atribuída, com outras situações/decisões, nomeadamente, as seguintes decisões: Relação de Lisboa, Processo nº2286/08.3TBTVD.L1-6, Relator Ana de Azeredo Coelho, de 22/11/2012 e Relação de Coimbra, Processo nº3480/03, Relator Jorge Arcanjo, de 05-05-2004, considera-se que a indemnização aqui atribuída foi manifestamente excessiva e como tal violadora dos princípios da equidade, da proporcionalidade não foi ponderada, como devia, a realidade da vida.
14.Assim sendo, entendemos que, neste caso, comparativamente com outras situações e decisões jurisprudenciais, e com recurso a critérios de equidade, entendemos que uma indemnização por danos não patrimoniais com valor máximo de € 100.000,00 será suficiente e justa!
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Colhidos os vistos, cumpre decidir.
II- Delimitação do Objecto do Recurso

As questões decidendas, delimitadas pelas conclusões do recurso, consistem em determinar o quantum indemnizatório do dano patrimonial futuro resultante do défice funcional permanente que afecta o Autor, o valor compensatório pelos danos não patrimoniais sofridos em consequência do acidente, o momento a partir do qual se devem contar os juros de mora relativos àquela compensação e apreciar a admissibilidade dos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos pela sua filha, que não esteve envolvida no acidente.
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III- FUNDAMENTAÇÃO
FACTOS

a)No dia 20 de Julho de 2012, pelas 07,13 horas, ocorreu um acidente de trânsito, na Auto-Estrada A 10, ao quilómetro “PK” 358+129, na área do concelho de Romans, França;
b)Nesse acidente, foram intervenientes os seguintes veículos automóveis: 1º. – o veículo automóvel ligeiro de mercadorias, de marca “Mitsubishi”, de matrícula (portuguesa) XX; 2º. – o veículo automóvel pesado de mercadorias (tractor), de marca “Volvo”, de matrícula (francesa) BB, com reboque, de marca “Chereau”, de matrícula (francesa) HH;
c)O veículo automóvel ligeiro de mercadorias de matrícula XX era, como é, propriedade da sociedade “MM., Lda.”, com sede na Rua …, Viana do Castelo;
d)E, na altura da ocorrência do acidente de trânsito que deu origem à presente acção, era conduzido por Manuel, residente na Rua …, Viana do Castelo;
e)O Manuel era empregado da sociedade “MM., Lda.”, com sede na Rua da …, Viana do Castelo;
f)Desempenhava para essa sociedade comercial - “MM., Lda.” – a profissão de motorista;
g)Conduzia o veículo automóvel ligeiro de mercadorias de matrícula XX, em cumprimento de ordens e instruções que a referida sociedade comercial - “MM., Lda.” – lhe havia, previamente, transmitido;
h)E seguia, também, por um itinerário que a referida sociedade comercial - “MM., Lda.” – lhe havia, previamente, determinado;
i)Na altura da deflagração do acidente de trânsito que deu origem à presente acção, o Manuel conduzia, assim, o veículo automóvel ligeiro de mercadorias de matrícula XX, à ordem, com conhecimento, com autorização, por conta, no interesse e sob a direcção efectiva da sociedade comercial “MM., Lda.”, com sede na Rua …, Viana do Castelo;
j)A Auto-Estrada A 10, no local do sinistro que deu origem à presente acção, configura um traçado rectilíneo, com um comprimento superior a 1.000,00 metros;
k)A visibilidade, no local da deflagração do acidente de trânsito que deu origem à presente acção, era, como é, muito boa;
l)Pois, para quem circula pela Auto-Estrada A 10 no sentido nascente-poente, ou seja, Paris-Bordéus, consegue avistar-se a sua faixa de rodagem, em direcção ao preciso local da deflagração do acidente de trânsito que deu origem à presente acção, numa altura em que se encontra, ainda, a uma distância superior a 1.000,00 metros, antes de lá chegar;
m)A faixa de rodagem da Auto-Estrada A 10, no local da deflagração do sinistro que deu origem aos presentes autos – como, de resto, sucede ao longo de todo o seu traçado -, encontra-se dividida em duas pistas de tráfego;
n)Através de um separador central, em terra batida arborizada, com cerca de quatro (04,00) metros de largura;
o)Uma das referidas pistas de tráfego destina-se ao trânsito de veículos automóveis que desenvolvem a sua marcha no sentido nascente-poente, ou seja, Paris-Bordéus;
p)A outra dessas pistas de tráfego destina-se ao trânsito de veículos automóveis que desenvolvem a sua marcha no sentido poente-nascente, ou seja, Bordéus-Paris;
q)A faixa de rodagem da sua pista de tráfego, destinada ao trânsito de veículos automóveis que desenvolvem a sua marcha no sentido nascente-poente, ou seja, Paris-Bordéus, tem uma largura útil de 07,00 metros;
r)E encontrava-se, como se encontra, dividida ao meio, em dois corredores de trânsito;
s)Através de uma linha, pintada a cor branca, com soluções de continuidade;
t)Cada um desses dois (02,00) corredores de trânsito – resultante da supra-referida subdivisão - tem uma largura de 03,50 metros;
u)O piso da referida faixa de rodagem da Auto-Estrada A 10 e, portanto, também, o piso de toda a faixa de rodagem da sua pista de tráfego destinada ao trânsito de veículos automóveis que desenvolvem a sua marcha no sentido nascente-poente, ou seja, Paris-Bordéus, era, como é, pavimentado a asfalto;
v)O tempo estava nebuloso e chuvoso, pois precipitavam-se águas pluviais;
w)O pavimento asfáltico da faixa de rodagem da pista de tráfego da Auto-Estrada A 10, encontrava-se limpo e em bom estado de conservação, mas molhado e escorregadio em consequência das águas pluviais que, na altura, se precipitavam;
x)Na altura da ocorrência do acidente de trânsito que deu origem à presente acção era já dia alto: 07,13 horas, da manhã, do dia 20 do mês de Julho de 2012;
y)O sol, que era inexistente, não perturbava, de qualquer modo a condução do veículo automóvel ligeiro de mercadorias de matrícula XX;
z)De resto, à hora do acidente, o sol, embora totalmente encoberto pelas nuvens, encontrava-se na fase nascente e apresentava-se, além disso, pela parte traseira (retaguarda) do veículo automóvel ligeiro de mercadorias de matrícula XX;
aa)Pela sua margem direita, tendo em conta o sentido de marcha nascente-poente - ou seja, Paris-Bordéus -, a faixa de rodagem asfáltica da pista de tráfego da Auto-Estrada A 10 apresentava e apresenta uma berma, também pavimentada a asfalto, com uma largura de 02,50 metros;
bb)A dividir essa faixa de rodagem da Auto-Estrada A 10 da berma asfáltica situada do seu lado direito – tendo em conta o sentido nascente-poente, ou seja, Paris-Bordéus -, existia e existe uma Linha, pintada a cor branca, sem soluções de continuidade;
cc)A marginar essa berma do lado direito, existiam, como existem, rails de protecção metálicos laterais;
dd)Junto ao separador central – em terra batida -, a faixa de rodagem da referida pista de tráfego, apresentava e apresenta uma outra berma, também pavimentada a asfalto, com uma largura de 01,20 metros;
ee)Também, delimitada, em relação à faixa de rodagem da referida pista de tráfego, através de uma linha, pintada a cor branca, sem soluções de continuidade;
ff)A marginar essa berma do lado esquerdo, existiam, como existem, rails de protecção metálicos;
gg)O plano configurado pelo pavimento asfáltico das duas (02,00) referidas bermas asfálticas situa-se ao mesmo nível do plano configurado pelo pavimento asfáltico da faixa de rodagem da pista de tráfego da referida via – Auto-Estrada A 10;
hh)No local do sinistro, a faixa de rodagem da Auto-Estrada A 10 apresenta-se e apresenta-se em plano horizontal – patamar -, para quem circula no sentido de marcha supra-indicado – nascente-poente, ou seja, Paris-Bordéus -, como, de resto, sucede para quem circula em sentido inverso;
ii) No dia 20 de Julho de 2012, pelas 07,13 horas, o veículo automóvel ligeiro de mercadorias de matrícula XX transitava pela Auto-Estrada A 10;
jj)Havia partido de Susy en Brie, França, às 02,00 horas do dia 20 de Julho de 2012 e dirigia-se para a região de Viana do Castelo, Portugal, ao longo de um percurso de 1.600,00 quilómetros;
kk)O veículo automóvel ligeiro de mercadorias de matrícula XX desenvolvia a sua marca, no sentido nascente-poente, ou seja, Paris-Bordéus;
ll)O veículo automóvel ligeiro de mercadorias de matrícula XX transitava sobre o corredor ou pista de tráfego situada mais à direita da Auto-Estrada A10, tendo em conta o seu indicado sentido de marcha: nascente-poente, ou seja, Paris-Bordéus;
mm)O condutor do veículo automóvel ligeiro de mercadorias de matrícula XX - Manuel – conduzia de forma completamente distraída, pois, não prestava qualquer atenção à actividade – condução – que executava, nem aos restantes veículos automóveis que, na altura, transitavam pela Auto-Estrada A10;
nn)Além disso, o condutor do veículo automóvel ligeiro de mercadorias de matrícula XX – Manuel – imprimia ao referido veículo automóvel - XX, que tripulava, uma velocidade superior a cento e sessenta quilómetros por hora;
oo)Por outro lado, o Manuel conduzia em estado de intenso cansaço, pois, não havia dormido na noite anterior ao acidente, de 19 para 20 de Julho de 2012;
pp)Deixou-se, por essa razão, tomar pelo sono, adormeceu completamente e ficou em estado de inconsciência, em consequência do sono pelo qual se deixou dominar;
qq)Desse modo, o Manuel, sem travar, o ligeiro de mercadorias de matrícula XX e sem reduzir a velocidade que imprimia ao veículo automóvel que tripulava ligeiro de mercadorias de matrícula XX, foi embater com o veículo automóvel ligeiro de mercadorias de matrícula XX, contra o semi-reboque de matrícula HH, acoplado e puxado pelo tractor de matrícula BB;
rr)O qual – BB/HH – era propriedade da empresa “Transportes SM”, com sede em … França;
ss)E, na altura da deflagração do acidente de trânsito que deu origem à presente acção, era conduzido por Cristóvão, empregado da referida empresa “ – Transportes SM”, com sede em …, França;
tt)Na verdade, o referido veículo automóvel pesado de mercadorias de matrícula BB/HH, na altura da deflagração do acidente de trânsito que deu origem à presente acção, transitava, também, pela Auto-Estrada A10, no sentido Nascente-Poente, ou seja, Paris-Bordéus, Numa posição situada à frente do veículo automóvel ligeiro de mercadorias de matricula XX, tripulado pelo Manuel e animado de uma velocidade moderada, não superior a noventa (90,00) quilómetros por hora;
uu)O embate ocorreu, assim, totalmente sobre o corredor ou pista de tráfego situada mais à direita da Auto-Estrada A10, tendo em conta o seu indicado sentido de marcha: nascente-poente, ou seja, Paris-Bordéus;
vv)E essa colisão verificou-se entre a parte frontal do veículo automóvel ligeiro de mercadorias de matrícula XX e a parte traseira do semi-reboque de matrícula HH, acoplado e tirado pelo tractor de matrícula BB;
ww)Após esta colisão, o veículo automóvel ligeiro de mercadorias de matrícula XX – tripulado pelo Manuel – continuou a sua marcha, de forma desgovernada, inflectiu, para o seu lado direito, E sem que o seu condutor – Manuel – tenha travado ou reduzido a velocidade da marcha foi embater contra os rails metálicos, situados na margem direita do corredor ou pista de tráfego situada mais à direita da Auto-Estrada A10, tendo em conta o seu indicado sentido de marcha: nascente-poente, ou seja, Paris-Bordéus;
xx)E, em consequência desse embate, o veículo automóvel ligeiro de mercadorias de matrícula XX ficou com a parte frontal da sua cabine encaixada e encastrada nos rails de protecção lateral da pista de tráfego situada mais à direita da Auto-Estrada A10, tendo em conta o sentido de marcha - nascente-poente, ou seja, Paris-Bordéus;
yy)Onde – o XX – ficou imobilizado, sobre a berma da referida via;
zz)O veículo automóvel pesado de mercadorias, com semi-reboque, de matrícula BB/HH, por sua vez, imobilizou a sua marcha, à frente do local da colisão Sobre a berma – faixa de emergência – situada do lado direito da pista de tráfego situada mais à direita da Auto-Estrada A10, tendo em conta o sentido de marcha nascente-poente, ou seja, Paris-Bordéus, onde o seu motorista – Cristóvão - pediu ajuda às entidades policiais;
aaa)O limite máximo de velocidade permitida na Auto-Estrada A10 é de cento e vinte (120) quilómetros por hora;
bbb)Já que, para quem entra na área de circulação da referida Auto-Estrada A10, o condutor do veículo automóvel ligeiro de mercadorias de matrícula XX – Manuel - deparava, à data da deflagração do acidente de trânsito que deu origem à presente acção, como depara, na presente data, com um sinal, fixo em suporte vertical, de forma circular, com a sua orla pintada a cor vermelha e com o seu fundo branco, sobre o qual se encontrava, como se encontra, pintada, a cor preta, a inscrição “120”;
ccc)O Autor – José -, na altura da ocorrência do acidente de trânsito que deu origem à presente acção, seguia, como passageiro, no veículo automóvel ligeiro de mercadorias de matrícula XX;
ddd)Seguia, sentado, no assento da frente, ao lado direito do respectivo condutor;
eee)E levava, apertado e justo ao seu corpo, o cinto de segurança;
fff)Como consequência directa e necessária do embate resultaram para o Autor lesões corporais, nomeadamente, fractura múltipla da bacia, à direita e à esquerda, em seis locais distintos, com luxação da anca direita associada a um hematoma retroperitoneal (realizou tracção cutânea), fractura da diáfise do fémur do membro inferior esquerdo (tratado com osteossíntese, com placa e parafusos), fractura dos ossos tibiais direitos, fractura do terço superior da fíbula esquerda (tratado com fixador externo, traumatismo grave dos membros inferiores, desencadeado por mecanismo pesado com elevada cinética, solução de fracturas da bacia, fractura exposta dos ossos do joelho direito, fractura do fémur esquerdo, com tracção, com fixadores externos sobre o joelho direito e osteossíntese, com placa de fémur esquerdo, instabilidade hemodinâmica corrigida, fractura do joelho esquerdo, luxação coxo-femural do fémur do membro inferior direito, deslocação para fora do lugar da articulação coxo-femural direita, luxação do joelho direito, luxação do joelho direito, lesão severa do nervo ciático, fractura Schatzker tipo II da eminência intercondiliana da tíbia direita, fractura do côndilo tibial direito, rotura do ligamento colateral medial do joelho direito, erosão da cartilagem na face poero-inferior do côndilo femoral do membro inferior direito, numa área com 10-15 mm de diâmetro, fractura dos ramos isqui-púbicos, artroplastia total da anca direita, com protrusão acetabular desta artroplastia, apreciável fractura com exuberante calo periósseo no terço inferior da diáfise do fémur esquerdo, lesão axonal grave incompleta e proximal do nervo ciático comum direito, com atingimento preferencial do feixe lateral e com alterações neurogéneas (sem reinervação) do território muscular dependente, lesão também axonal severa mais proximal (plexo lombo-sagrado–acima dos nadegueiros), com alterações de condução e neurogéneas mais moderadas e já com reinervação dos músculos dependentes, rotura dos ligamentos do joelho direito, rotura dos tendões do joelho direito, lesão severa do nervo ciático, lesão severa do plexo superior à esquerda, junto à anca, pé esquerdo equino (pendente), derivado da lesão do nervo ciático, fractura de múltiplos ossos do pé direito, traumatismo da coluna lombar, traumatismo da coluna dorsal, traumatismo da coluna cervical, traumatismo do rim direito, com compromisso de funcionalidade, feridas múltiplas no joelho direito, resultante de fractura exposta, escoriações e hematomas espalhados pelo corpo todo;
ggg)O Autor ficou encarcerado, no interior da cabine do veículo automóvel ligeiro de mercadorias de matrícula XX, ao longo de um período de tempo de duas horas;
hhh)De onde foi desencarcerado pela equipa dos bombeiros da área do acidente de trânsito que deu origem à presente acção: “SAMU” – Serviço de Atendimento Móvel de Urgência;
iii)Após o que transportado, de ambulância, para o Hospital N, França;
jjj)Foi, aí recebido no Serviço de Urgência;
kkk)Mas, dada a gravidade das lesões sofridas, o Autor foi, de imediato, transferido, de helicóptero, para Hospital Universitário P., França;
lll)Foi recebido no serviço de urgência desta unidade hospitalar, onde lhe foram efectuados exames radiológicos, TACs e Ressonâncias Magnéticas às regiões do seu corpo atingidas;
mmm)O Autor manteve-se, internado, no Hospital Universitário P., desde o dia da ocorrência do acidente de trânsito que deu origem à presente acção – 20 de Julho de 2012 -, até ao dia 11 de Setembro de 2012;
nnn)Durante os primeiros quatro dias de internamento nesta Unidade Hospitalar, o Autor manteve-se na Unidade de Cuidados Intensivos;
ooo)Durante o restante período de internamento, o Autor manteve-se no Serviço de Ortopedia;
ppp)No dia 21 de Julho de 2012, o Autor foi sujeito a uma intervenção cirúrgica, no Hospital Universitário P., França, consubstanciada na redução da anca direita, com a aplicação de dois fixadores metálicos externos, que não logrou obter o resultado pretendido;
qqq)Essa intervenção cirúrgica consubstanciou-se, ainda, na redução dos ossos do joelho direito, com a aplicação de fixadores metálicos externos, tracção, com a aplicação de um peso de dez quilogramas e aplicação de uma tala lateral, com dois pesos de cinco quilogramas cada um;
rrr)No Hospital Universitário P., o Autor foi, ainda, sujeito a uma intervenção cirúrgica ao fémur esquerdo, com a aplicação de uma placa de platina e cinco parafusos;
sss)Como preparativo dessas intervenções cirúrgicas, o Autor fez análises clínicas e foi-lhe ministrada uma anestesia geral;
ttt)Ao longo do período de internamento, no Hospital Universitário P., o Autor manteve-se permanentemente no leito, medicado com analgésicos, anti-inflamatórios, antibióticos e soro, sempre deitado, na mesma posição, de costas, sem se poder – como não podia e não pôde – virar, na cama;
uuu)Ao longo do referido período de tempo de internamento no Hospital Universitário P., o Autor tomou todas as suas refeições no leito que lhe foram servidas por uma terceira pessoa de que não pôde prescindir;
vvv)Ao longo do referido período de tempo de internamento no Hospital Universitário P., o Autor fez todas as suas necessidades na cama com o auxílio de uma arrastadeira que lhe foi proporcionada por uma terceira pessoa de que o Autor, também, não pôde prescindir;
www)No Hospital Universitário P., o Autor foi, ainda, operado, mais uma vez, para retirar uma das tracções;
xxx)E outra, para retirar os restantes fixadores metálicos – nessa altura, foram efectuadas limpezas, desinfecções e remoção dos fixadores metálicos;
yyy)Como preparativos destas duas intervenções cirúrgicas, o Autor fez análises clínicas;
zzz)No Hospital Universitário P., foram efectuadas múltiplas limpezas cirúrgicas às feridas do joelho direito, desinfecções às feridas do joelho direito e curativos às feridas do joelho direito;
aaaa)No dia 11 de Setembro de 2012, o Autor obteve alta do Hospital Universitário P. e foi transportado, de ambulância, para o Hospital A, em Vila Nova de Gaia, por conta e a expensas da Companhia de Seguros “T., S.A.”, ao abrigo do contrato de seguro de acidentes de trabalho;
bbbb)O Autor chegou ao Hospital A, em Vila Nova de Gaia, no dia 12 de Setembro de 2012, pelas 03,00 horas da manhã;
cccc)E ficou internado nesta Unidade Hospitalar, até ao dia 2 de Novembro de 2012, sempre deitado na cama na mesma posição, de costas, sem se poder virar, na cama;
dddd)Tomou as suas refeições no leito que lhe foram servidas por uma terceira pessoa, de que não pôde prescindir e fez as suas necessidades no leito, com o auxílio de uma arrastadeira, que lhe era servida por uma terceira pessoa, de que, também, não pôde prescindir, até conseguir deslocar-se à casa de banho com o auxílio de uma terceira pessoa;
eeee)No dia 16 de Outubro de 2012, o Autor foi sujeito a uma intervenção cirúrgica, no Hospital A, consubstanciada na aplicação de uma prótese metálica total da anca direita;
ffff)Como preparativo desta intervenção cirúrgica, o Autor fez análises clínicas e foi-lhe ministrada uma anestesia parcial – epidural;
gggg)No dia 2 de Novembro de 2012, o Autor obteve alta do Hospital A, de Vila de Gaia e foi transportado para a sua casa de habitação, sita na Rua do …, freguesia de …, comarca de Viana do Castelo, onde se manteve, doente, combalido e retido no leito, ao longo de um período de tempo de um mês e de onde apenas se levantava para a obtenção de consultas médicas e tratamentos;
hhhh)Ao fim deste período de tempo de acamamento, na sua casa de habitação, o Autor passou a locomover-se de cadeira de rodas, com o auxílio permanente de uma terceira pessoa, de que não pôde prescindir;
iiii)A qual se viu na necessidade de usar ao longo de um período de tempo de dois meses, até Fevereiro de 2013;
jjjj)O Autor, após a sua alta do Hospital A, de Vila Nova de Gaia, passou a frequentar tratamento de fisioterapia no Hospital Particular V., em sessões diárias, com excepção de alguns sábados e todos os domingos;
kkkk)O Autor manteve-se em tratamento de fisioterapia, no Hospital Particular V., até ao dia 9 de Setembro de 2013;
llll)A partir do mês de Fevereiro de 2013, o Autor passou a locomover-se a pé;
mmmm)Não dispensava, nem dispensa, porém, um par de canadianas, como auxiliar de locomoção, as quais passou a ver-se na necessidade de usar, a partir do mês de Fevereiro de 2013;
nnnn)Vê-se na necessidade de as usar, na presente data;
oooo)E vai ver-se na necessidade de as usar ao longo de toda a sua vida;
pppp)Após 16 de Setembro de 2013, o Autor, apesar de lhe ter sido dado ‘alta’ na especialidade de ortopedia pela Companhia de Seguros T., S.A., continuou a frequentar os serviços clínicos desta seguradora, na especialidade de urologia, ficando com consulta marcada para o dia 4 de Dezembro de 2013;
qqqq)No momento do acidente e nos instantes que o precederam, o Autor sofreu um enorme susto, perante a iminência do sinistro e a sua incapacidade de lhe escapar;
rrrr)E, dada a violência do embate e a circunstância de ter ficado encarcerado no interior do veículo automóvel ligeiro de mercadorias de matrícula XX, o Autor receou pela própria vida, sendo que, durante o desencarceramento, esteve sempre consciente;
ssss)O Autor sofreu dores nas regiões do corpo atingidas, dores que o afectaram, posteriormente, durante cerca de um ano e meio, sendo que, actualmente, é afectado por dores frequentes nos membros inferiores;
tttt)Sempre que faz força, com essas regiões do seu corpo, sempre que se mantém na posição de pé, sempre que caminha e nas mudanças de tempo;
uuuu)Tendo o quantum doloris atingido o grau 5 numa escala de 1 a 7;
vvvv)Em consequência das lesões sofridas, o Autor (i) ficou com ausência total de erecção peniana, com impossibilidade de atingir o orgasmo, (ii) no membro inferior direito ficou com paralisia do grande nervo ciático, gonalgia com sequelas de lesões ligamentares do joelho e limitação da flexão, cicatriz de 18 centímetros e outra de 36 centímetros na face lateral da coxa, onde mantém material de osteossíntese, cicatriz de 12x12 centímetros na face interna do joelho, cicatriz transversal de 12 centímetros no cavado poplíteo, sendo obrigado a usar palmilha por dismetria ligeira dos membros e tala por lesão neurológica (pé pendente – equino), e, (iii) no membro inferior esquerdo, ficou com gonalgia esquerda, cicatriz lateral da coxa com 26 centímetros, atrofia gemealar de 2 centímetros, seis cicatrizes na face anterior da coxa e perna próprias da aplicação de fixadores metálicos e edema vespertino;
wwww)Consequentemente, o Autor está impossibilitado de se deslocar por longas caminhadas, tem dificuldade em subir e descer escadas, não pode correr, não pode andar de bicicleta (a paralisia do grande nervo ciático impede-o de fazer, com o pé, o movimento rotativo completo necessário ao movimento da roda pedaleira) e deixou de conduzir motociclos em que a mudança de velocidade é feita com o pé direito;
xxxx)Apenas conduz veículos automóveis com mudanças automáticas;
yyyy)Necessita da ajuda de uma terceira pessoa para determinados gestos que impliquem inclinar-se para a frente, como, por exemplo, cortar as unhas dos pés ou calçar as meias;
zzzz)À data do acidente de trânsito que deu origem à presente acção, o Autor praticava actividades e desportos vários, nomeadamente, ciclismo em estrada e em montanha, caminhadas ao ar livre, motociclismo porque era coleccionador de motociclos antigos e automobilismo porque era coleccionador de veículos automóveis antigos;
aaaaa)A partir do acidente, o Autor deixou de poder praticar estes desportos e actividades;
bbbbb)Toda esta situação levou-o a desenvolver um quadro depressivo que o levou a tomar medicamentos antidepressivos apesar de, neste momento, já não tomar;
ccccc)Mas, ainda assim, tornou-se uma pessoa triste, facilmente irritável e que chora quando fala do acidente de que foi vítima;
ddddd)A impossibilidade de manter relações sexuais completas deteriorou o relacionamento conjugal do Autor e é causa de sofrimento psicológico;
eeeee)A data da consolidação médico-legal das lesões é fixável em 22.08.2014;
fffff)As lesões e sequelas sofridas pelo Autor determinaram-lhe:

· Um Período de Défice Funcional Temporário Total de 180 dias;
· Um Período de Défice Funcional Temporário Parcial de 584 dias;
· Um Período de Repercussão Temporária na Actividade Profissional Total de 764 dias;
· Um Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de 72 pontos;
· Um dano estético permanente de grau 4, numa escala de 1 a 7;
· Uma repercussão permanente na actividade sexual com base na ausência de erecção;
· As sequelas descritas são, em termos de repercussão permanente na actividade profissional, incompatíveis com a sua actividade profissional, mas compatíveis, do ponto de vista médico-legal, com outras áreas, desde que dentro da sua área técnico-profissional e desde que compatíveis com as suas sequelas;
ggggg)No processo nº 658/13.0TTVCT, do Tribunal do Trabalho de Viana do Castelo, foi atribuída ao Autor uma incapacidade permanente parcial de 86,1015% com IPATH (incapacidade permanente e absoluta para a actividade profissional habitual);
hhhhh)O Autor nasceu no dia 18 de Maio de 1958;
iiiii)À data do embate, o Autor era sócio-gerente da sociedade “Empresa W – Reparações Metalomecânicas, Lda.”, com sede no lugar …, freguesia de …, comarca de Viana do Castelo;
jjjjj)E exercia a profissão de serralheiro naval, serralheiro mecânico e serralheiro civil auferindo, em média, a quantia de líquida de € 1.250,00;
kkkkk)Desde a data do embate que o Autor deixou de receber o seu ordenado;
lllll)O Autor exercia a sua profissão, maioritariamente, de pé;
mmmmm)Subia e descia as escadas das embarcações e dos edifícios de outras obras a construir e reparar;
nnnnn)Sopesava, carregava e transportava todas as ferramentas e equipamentos necessários ao desempenho da sua referida profissão de serralheiro;
ooooo)O Autor, por causa das lesões e sequelas de que ficou a padecer, já não pode permanecer de pé para trabalhar, nem executar as tarefas supra descritas;
ppppp)Em consequência do acidente dos autos, o Autor despendeu em consultas médicas, medicamentos, uma certidão de nascimento e uma certidão da Conservatória do Registo Automóvel, a quantia € 537,00;
qqqqq)Viu danificados e completamente inutilizadas as peças de vestuário que vestia e usava na altura do embate - 1 par de calças, 1 camisa, 1 par de ténis e toda roupa interior - no valor de € 240,00 (€ 100,00 + € 40,00 + € 100,00 + € 30,00);
rrrrr)O Autor é, actualmente, portador do material de osteossíntese que lhe foi aplicado no fémur do membro inferior esquerdo;
sssss)Vai necessitar de realizar, até ao fim da sua vida, um número ainda indeterminado de cirurgias, sendo que pelo menos duas será obrigado a realizar: uma para a extracção do material de osteossíntese existente no membro inferior esquerdo, outra, para execução da artroplastia do fémur, uma vez que a prótese aplicada tem uma duração entre 10 e 15 anos;
ttttt)Vai necessitar de ser internado clinicamente para os fins mencionados na alínea anterior;
uuuuu)Vai necessitar, até ao fim da sua vida, de ser consultado medicamente nas áreas da urologia, da cirurgia vascular e da ortopedia e de realizar tratamentos de fisioterapia;
vvvvv)Vai necessitar, até ao fim da sua vida, de realizar exames complementares de diagnóstico;
wwwww)Vai necessitar, até ao fim da sua vida, de ingerir medicamentos analgésicos, antiespasmódicos e antiepilépticos de forma a atenuar ou debelar as dores que sente nas zonas do corpo atingidas pelas lesões e pelas sequelas;
xxxxx)Vai necessitar, até ao fim da sua vida, de adquirir um par de muletas, de 18 em 18 meses, e de adquirir uma tala de protecção tibial, também, de 18 em 18 meses;
yyyyy)Vai necessitar, até ao fim da vida, da ajuda de uma terceira pessoa para a higiene dos pés, para cortar as unhas dos dedos dos pés, vestir as meias e para calçar os sapatos;
zzzzz)A Autora Maria é filha do Autor José;
aaaaaa)A Autora Maria, à data da deflagração do acidente de trânsito que deu origem à presente acção era, como é na presente data, licenciada em Enfermagem, pelo Instituto Politécnico, desde 11 de Julho de 2008 e encontrava-se, como se encontra, na presente data, inscrita na Ordem dos Enfermeiros, portadora da cédula profissional nº …;
bbbbbb) À data da ocorrência do acidente de trânsito que deu origem à presente acção – de que foi vitima o seu pai José – encontrava-se a exercer a sua referida profissão de enfermeira, na cidade de Kissidougou, na Guiné-Conakri, por conta da sociedade OII, com sede em Conakri e com serviços administrativos nas Bahamas;
cccccc)E auferia o ordenado de 4.280,00 USD;
dddddd) Além disso, a entidade patronal da Autora concedia-lhe doze dias de descanso, de oitenta em oitenta dias, com viagem de avião de ida e volta a Portugal, um mês de férias por ano, também, com viagem de avião de ida e volta a Portugal, alojamento individual, em apartamento, na cidade de …, na Guiné Conakri, um seguro de saúde e de acidentes pessoais, e alimentação diária completa, nomeadamente, pequeno-almoço, almoço, lanche e jantar, na cantina da empresa;
eeeeee)Após a ocorrência do acidente de trânsito que deu origem à presente acção, a Autora regressou a Portugal, com a intenção de fazer companhia ao seu pai, cuidar dele e prestar-lhe os cuidados de saúde de que o seu pai carecia;
fffff)Chegada a Portugal, deslocou-se para …, França, onde o seu pai se encontrava hospitalizado, onde se manteve durante 5 dias;
gggggg)Depois de o pai da Autora Maria, José, ser transferido para o Hospital A, em Vila Nova de Gaia, a Autora, em 28 de Agosto de 2012, terminou a sua relação laboral com a supra referida sociedade OII, com a intenção mencionada na alínea dddddd);
hhhhhh) O pai da Autora manteve-se internado no Hospital A, em Vila Nova de Gaia, até ao dia 1 de Novembro de 2012 e a Autora visitou-o com frequência;
iiiiii)A partir do dia 1 de Novembro de 2012 – data da alta hospitalar do seu pai e do regresso à sua casa de habitação, na freguesia de …, comarca de Viana do Castelo -, a Autora (i) passou a fazer a companhia ao pai, (ii) ministrou-lhe a medicação – analgésicos e anti-inflamatórios (Paracetamol, Ibuprofenos, etc.), três vezes ao dia (às 8h, 16 h e 00 h), (iii) confeccionou-lhe e serviu-lhe as refeições, (iv) deu-lhe banho e prestou todos os restantes cuidados de higiene, (v) fez-lhe as limpezas, desinfecções e curativos periódicos às feridas sofridas, (vi) aplicou-lhe e substituiu-lhe os pensos na feridas, nomeadamente na anca direita e no joelho direito), (vii) colocou-a na cadeira de rodas, (viii) auxiliou-o na locomoção de cadeira de rodas, (ix) levantou-o da cama e colocou-o num cadeirão, na sua casa de habitação, (x) fez-lhe massagens nos dois membros inferiores, diária e constantemente, (xi) fez-lhe e mudou-lhe a roupa da cama, (xii) deu-lhe banho, (xiii) transportou-o e acompanhou-o, para as consultas médicas, para tratamentos médicos e cirúrgicos e para sujeição a tratamentos de fisioterapia, (xiv) auxiliou-o, na locomoção, na sua casa de habitação e na via pública;
jjjjjj)O que fez até ao dia 30 de Setembro de 2013;
kkkkkk)A Autora, ao receber a notícia do acidente de trânsito que deu origem à presente acção, de que foi vítima o seu pai, sofreu um intenso golpe psicológico e emocional e receou pela própria vida daquele;
llllll)E acompanhou, dia a dia, o sofrimento inerente à convalescença de seu pai;
mmmmmm)E a saturação psicológica sofrida levou-a a ter necessidade de ser consultada psicologicamente e acompanhada posteriormente em 4 sessões de psicologia médica no Hospital Particular V.;
nnnnnn)Para a Ré, Seguradora X. – Sucursal em Portugal, estava transferida, à data do embate, a responsabilidade civil por danos causados a terceiros pelo IO, através de contrato de seguro titulado pela apólice nº ….
*
IV- DIREITO

No âmbito da temática referente à fixação do quantum indemnizatório do dano patrimonial futuro, os Recorrentes José e Ré Seguradora discordam do valor que foi atribuído àquele, a este título.
Cabe ao lesante, responsável pelo embate, indemnizar o lesado dos danos decorrentes do mesmo, por forma a reconstituir a situação que existiria se o evento não se tivesse verificado--cfr. artigos 483.º e 562.º do C.Civil.

E, nos termos do n.º 2 do art. 564.º do C.Civil, na fixação da indemnização, pode o tribunal atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis.
Na definição clássica de Antunes Varela (3) o dano é a perda in natura que o lesado sofreu em consequência de certo facto, nos interesses (materiais, espirituais ou morais) que o direito violado ou a norma infringida visam tutelar.
O conceito de dano corporal adoptado pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (4) abrange qualquer dano, na medida em que a sua indemnização esteja prevista a título de responsabilidade civil do segurado pelo direito nacional aplicável ao litígio, resultante da ofensa à integridade da pessoa, que abrange tanto os sofrimentos físicos como psicológicos.
Nesta mesma linha, e em termos médicos (5), o dano corporal consiste num prejuízo primariamente biológico, que se pode traduzir por perturbações a nível das capacidades e das situações da vida ou a nível psicológico, com repercussões funcionais.
A reparação do dano, numa perspectiva médico-legal (6), consiste em ajudar a vítima, de uma forma adaptada às particularidades do seu estado, de modo a repor a sua situação de vida tal como era antes do evento.
O Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 04/06/2015 (7) é esclarecedor e sintetiza, no respectivo sumário, a seguinte orientação jurisprudencial: Os danos patrimoniais futuros decorrentes de uma lesão física não se reconduzem à redução da capacidade de trabalho já que, antes de mais, se traduzem numa lesão do direito fundamental do lesado à saúde e integridade física, pelo que não pode ser arbitrada uma indemnização que apenas tenha em conta aquela redução e a perda do rendimento que dela resulte, ou a necessidade de um acréscimo de esforço para a evitar. (negrito nosso)

Relativamente à problemática do cálculo da indemnização do dano patrimonial futuro, o Acórdão do STJ de 15.07.2007, expôs as ideias generalizadas da jurisprudência daquele Tribunal Superior:

- “A indemnização deve corresponder a um capital produtor do rendimento que a vítima não auferirá e que se extingue no final do período provável de vida”;
- “No cálculo desse capital interfere necessariamente, e de forma decisiva, a equi­dade, o que implica que deve conferir-se relevo às regras da experiência e àquilo que, segundo o curso nor­mal das coisas, é razoável”;
- “As tabelas financeiras por vezes utilizadas para apurar a indemnização têm um mero carácter auxiliar, indicativo, não substituindo de modo algum a ponderação judicial com base na equidade”;
- “No caso de morte do lesado, deve ser proporcionalmente deduzida no cômputo da indemnização a importância que o próprio gastaria consigo ao longo da vida (em média, para despesas de sobrevivência, um terço dos proventos auferidos)”;
- “Deve ponderar-se o facto de a indemnização ser paga de uma só vez, o que per­mitirá ao seu beneficiário rentabilizá-la em termos financeiros; logo, haverá que considerar esses proveitos, introduzindo um des­conto no valor achado, sob pena de se verificar um enriquecimento sem causa do lesado à custa alheia”; (8)
- “E deve ter-se preferencialmente em conta, mais do que a esperança média de vida activa da vítima, a esperança média de vida, uma vez que, como é óbvio, as necessidades básicas do lesado não cessam no dia em que deixa de traba­lhar por vir­tude da reforma (em Portugal, no momento presente, a esperança média de vida dos homens já é de sensivelmente 76 anos, e tem tendência para aumentar; e a das mulheres chegou aos oitenta)”

Por forma a assegurar a atribuição de uma indemnização que não seja arbitrária ou aleatória, o que pressupõe uma base objectiva, o julgador pode e deve socorrer-se de fórmulas matemáticas ou de tabelas; em relação à que consta da Portaria n.º 377/08 de 26.05 actualizada pela n.º 679/09 de 25.06 a jurisprudência tem vindo a reconhecer que não garante uma indemnização minimamente adequada, sendo o seu campo de aplicação específico nas soluções extrajudiciais.
A sentença, tendo por base o rendimento anual auferido pelo Autor, de € 18.200.00 (€1.250,00x14), o tempo de vida expectável de 23 anos e o Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de 72 pontos, calculou a indemnização do dano patrimonial futuro, utilizando fórmulas matemáticas, no montante de 268.053,00 euros.
Acrescentou-se, na sentença, que face ao quadro factual apurado, importa saber se este montante é justo e adequado a indemnizar os reais danos do Autor, atendendo à sua idade (54 anos), à impossibilidade prática de reconversão profissional, à profissão que exercia, com uma componente essencialmente física, sendo impossível ao Autor largar as muletas para trabalhar de pé, ajoelhar-se e baixar-se, e tendo presente que o valor global e integral do rendimento do Autor ascenderia, em 23 anos, à quantia de € 418.600,00.
Nesta sequência, reconhecendo-se a penosidade para o Autor em continuar a sua actividade profissional e a redução ou mesmo eliminação do número de entidades empregadoras que o queiram contratar, entendeu-se que o montante de € 268.053,00, resultante da aplicação das tabelas matemáticas, não indemniza adequadamente o Autor, e recorrendo à equidade, considerou-se justo o montante de € 300.000,00.
Autor e Ré discordam da atribuição àquele desta quantia monetária.
O primeiro salienta que, após a realização do exame médico-pericial, foi confirmado um Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de 72 pontos, e uma IPP de 86,1015%, no âmbito do Direito do Trabalho, mas que, na prática, correspondem a 100,00% para a profissão habitual.
Por seu turno, a Ré defendeu que o cálculo deve ser feito, relativamente ao dano futuro pela perda da capacidade de ganho, tendo em conta os anos expectáveis de vida activa e não da esperança média de vida, o que resultaria num valor indemnizatório nunca superior a € 127.065,00.
Começando por esta última questão, a jurisprudência constante e uniforme nesta matéria, expressa no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça acima citado, de 15.07.2007, tem vindo a considerar que, no cálculo da perda da capacidade de ganho, com recurso à equidade, sem prejuízo da aplicação de tabelas matemáticas, como meras auxiliares objectivas, deve ser atendida a esperança provável de vida, abandonando o limite da idade da reforma, pois as necessidades básicas do lesado não cessam no dia em que deixar de trabalhar por virtude da reforma. (9)
Interessa, essencialmente, obter um valor que satisfaça o esforço suplementar que o lesado terá de suportar, tendo em conta as especificidades do caso concreto.
Para esse efeito, cumpre relembrar as sequelas que advieram para o Autor, da ocorrência do acidente de que foi vítima.
O Autor exercia a profissão de serralheiro naval, serralheiro mecânico e serralheiro civil, maioritariamente, de pé; subia e descia as escadas das embarcações e dos edifícios a construir e reparar; sopesava, carregava e transportava todas as ferramentas e equipamentos necessários ao desempenho da sua referida profissão de serralheiro.
Por causa das lesões e sequelas de que ficou a padecer, já não pode permanecer de pé para trabalhar, nem executar as tarefas supra descritas.
Acresce que, até ao fim da vida, tem de utilizar canadianas, para se deslocar diariamente, e necessita da ajuda de uma terceira pessoa para determinados gestos que impliquem inclinar-se para a frente, como, por exemplo, cortar as unhas dos pés ou calçar as meias ou sapatos.
Ficou ainda demonstrado que até ao fim da vida, necessita de medicamentos analgésicos, anti-inflamatórios, antiespasmódicos, antiepilépticos, para atenuar as dores e sem os quais não conseguirá ultrapassar as suas dificuldades em termos funcionais e nas situações da vida diária; de tratamentos médicos regulares, incluindo-se aqui consultas médicas de ortopedia, urologia e cirurgia vascular, consulta da dor, cirurgia vascular, cirurgias e inerentes internamentos e realização de exames complementares de diagnóstico, e, ainda, fisioterapia, para evitar um retrocesso ou agravamento das sequelas.
O Autor, de 54 anos de idade, em virtude das gravíssimas sequelas acima descritas, entre as quais destacamos a locomoção diária com a ajuda de canadianas, a impossibilidade de permanecer de pé, as dores, e face às cirurgias, aos tratamentos médicos e de fisioterapia que terá de ser sujeito, ao longo da sua vida, encontra-se, na prática, impossibilitado de continuar a exercer a sua profissão e de conseguir encontrar uma actividade profissional compatível com as graves limitações físicas que apresenta.
Por conseguinte, a impossibilidade de, fisicamente, continuar a exercer a sua profissão de serralheiro e de qualquer outra atendendo ao seu estado de saúde, aliada às reais dificuldades do mercado de trabalho principalmente no seu caso específico, que inviabilizam quase seguramente a respectiva empregabilidade, conduz à evidência de que a incapacidade do Autor, para este efeito, de perda de rendimento futuro, é total.
Assiste, pois, razão ao Autor, na reclamação de uma indemnização no montante de 418.600,00 € pois é aquela que satisfaz integralmente o dano futuro.

Do dano não patrimonial

O Recorrente José também não se conformou com a compensação, no valor de € 150.000,00, atribuída a título de danos não patrimoniais, reclamando, novamente, a quantia de € 250.000,00.
O art. 496.º, n.º 1 do C.Civil estabelece que, na fixação da indemnização, deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.
E o montante da indemnização é fixado equitativamente pelo tribunal tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494.º--v. n.º 4 do citado preceito legal.
Essas circunstâncias são nomeadamente o grau de culpabilidade do agente, e a sua situação económica.
O Supremo Tribunal de Justiça (10) propôs uma definição dos componentes mais importantes do dano não patrimonial: o “dano estético” que simboliza o prejuízo anátomo-funcional associado às deformidades e aleijões que resisitiram ao processo de tratamento e recuperação da vítima; o “prejuízo de afirmação pessoal”--dano indiferenciado que respeita à inserção social do lesado, nas suas variadas vertentes (familiar, profissional, sexual, afectiva, recreativa, cultural, cívica); o prejuízo da “saúde geral e da longevidade”—em que avultam o dano da dor e o défice de bem estar, e que valoriza os danos irreversíveis na saúde e bem estar da vítima e o corte na expectativa de vida; e o “pretium juventutis”—que realça a especificidade da frustração do viver em pleno a chamada primavera da vida; e o “pretium doloris”--que sintetiza as dores físicas e morais sofridas no período de doença e de incapacidade temporária.
O ressarcimento destes danos sempre foi enquadrado pela doutrina e jurisprudência numa vertente compensativa (11), compreendendo todos os danos que não estejam abrangidos no grupo dos danos patrimoniais, não devendo ser meramente simbólica, miserabilista, nem a sua atribuição arbitrária. (12)
Como quer que seja, a sua fixação depende de um juízo de equidade, sendo que esta, segundo o Dr. Dario de Almeida (13) não equivale ao arbítrio; é mesmo a sua negação. A equidade é uma justiça de proporção, de adequação às circunstâncias, de equilíbrio... , que encontra a sua finalidade especifica na (...) razoabilidade, isto é, dentro daqueles comandos ditados pelo bom senso, como expressão natural da razão.
A equidade, sustentada nos factos provados, deve ser norteada pelo princípio de igualdade, o que implica uma uniformização de critérios, desde que sejam respeitadas as circunstâncias do caso concreto. (14)
Para resolver esta questão, é importante recordar a factualidade pertinente que ficou demonstrada.
Relativamente à dinâmica do acidente apurou-se que, na auto-estrada A10, no sentido Paris-Bordéus, em França, o condutor do veículo ligeiro de mercadorias de matrícula XX, para além de imprimir ao referido veículo uma velocidade superior a 160 quilómetros por hora, adormeceu completamente, por não ter dormido na noite anterior; e, sem travar, foi embater na traseira do semi-reboque de matrícula HH, acoplado e puxado pelo tractor de matrícula BB, no qual seguia o Autor, como passageiro, tendo este ficado encarcerado no interior do veículo, consciente, durante duas horas.
No momento do acidente e nos instantes que o precederam, o Autor sofreu um enorme susto, perante a iminência do sinistro e a sua incapacidade de lhe escapar.
É muito relevante, na avaliação dos danos não patrimoniais, ponderar as múltiplas lesões corporais sofridas pelo Autor: fractura múltipla da bacia, à direita e à esquerda, em seis locais distintos, com luxação da anca direita associada a um hematoma retroperitoneal, fractura da diáfise do fémur do membro inferior esquerdo, fractura dos ossos tibiais direitos, fractura do terço superior da fíbula esquerda, fractura exposta dos ossos do joelho direito, fractura do fémur esquerdo, fractura do joelho esquerdo, luxação coxo-femural do fémur do membro inferior direito, deslocação para fora do lugar da articulação coxo-femural direita, luxação do joelho direito, lesão severa do nervo ciático, fractura Schatzker tipo II da eminência intercondiliana da tíbia direita, fractura do côndilo tibial direito, rotura do ligamento colateral medial do joelho direito, erosão da cartilagem na face poero-inferior do côndilo femoral do membro inferior direito, numa área com 10-15 mm de diâmetro, fractura dos ramos isqui-púbicos, apreciável fractura com exuberante calo periósseo no terço inferior da diáfise do fémur esquerdo, lesão axonal grave incompleta e proximal do nervo ciático comum direito, com atingimento preferencial do feixe lateral e com alterações neurogéneas do território muscular dependente, lesão também axonal severa mais proximal, com alterações de condução e neurogéneas mais moderadas e já com reinervação dos músculos dependentes, rotura dos ligamentos do joelho direito, rotura dos tendões do joelho direito, lesão severa do nervo ciático, lesão severa do plexo superior à esquerda, junto à anca, pé esquerdo equino (pendente), derivado da lesão do nervo ciático, fractura de múltiplos ossos do pé direito, traumatismo da coluna lombar, traumatismo da coluna dorsal, traumatismo da coluna cervical, traumatismo do rim direito, com compromisso de funcionalidade, feridas múltiplas no joelho direito, resultante de fractura exposta, escoriações e hematomas espalhados pelo corpo todo.
Foi transportado, de ambulância, para o Hospital N, França e aí recebido no Serviço de Urgência mas, dada a gravidade das lesões sofridas, foi, de imediato, transferido, de helicóptero, para Hospital Universitário P., França e recebido no serviço de urgência desta unidade hospitalar, onde lhe foram efectuados exames radiológicos, TACs e Ressonâncias Magnéticas às regiões do seu corpo atingidas.
Manteve-se, internado, no Hospital Universitário P., desde o dia 20 de Julho de 2012 até ao dia 11 de Setembro de 2012.
No dia 21 de Julho de 2012, o Autor foi sujeito a uma intervenção cirúrgica, no Hospital Universitário P., França, consubstanciada na redução da anca direita, com a aplicação de dois fixadores metálicos externos, que não logrou obter o resultado pretendido.
Foi sujeito a cinco intervenções cirúrgicas.
Ao longo do período de internamento, no Hospital Universitário P., o Autor manteve-se permanentemente no leito, medicado com analgésicos, anti-inflamatórios, antibióticos e soro, sempre deitado, na mesma posição, de costas, sem se poder virar, na cama.
Ao longo do referido período de tempo de internamento no Hospital Universitário P., o Autor tomou todas as suas refeições no leito que lhe foram servidas por uma terceira pessoa de que não pôde prescindir e fez todas as suas necessidades na cama com o auxílio de uma arrastadeira que lhe foi proporcionada por uma terceira pessoa.
No Hospital Universitário P., foram efectuadas múltiplas limpezas cirúrgicas às feridas do joelho direito, desinfecções às feridas do joelho direito e curativos às feridas do joelho direito.
No dia 11 de Setembro de 2012, o Autor obteve alta do Hospital Universitário P. e foi transportado, de ambulância, para o Hospital A, em Vila Nova de Gaia, onde chegou no dia 12 de Setembro de 2012, pelas 03,00 horas da manhã.
Ficou internado nesta Unidade Hospitalar, até ao dia 2 de Novembro de 2012, sempre deitado na cama na mesma posição, de costas, sem se poder virar, na cama. Tomou as suas refeições no leito que lhe foram servidas por uma terceira pessoa, de que não pôde prescindir e fez as suas necessidades no leito, com o auxílio de uma arrastadeira, que lhe era servida por uma terceira pessoa, até conseguir deslocar-se à casa de banho com o auxílio de uma terceira pessoa.
No dia 2 de Novembro de 2012, o Autor obteve alta do Hospital A, de Vila de Gaia e foi transportado para a sua casa de habitação, sita na Rua do …, freguesia de …, Viana do Castelo, onde se manteve, doente, combalido e retido no leito, ao longo de um período de tempo de um mês e de onde apenas se levantava para a obtenção de consultas médicas e tratamentos.
Ao fim deste período de tempo, na sua casa de habitação, o Autor passou a locomover-se de cadeira de rodas, com o auxílio permanente de uma terceira pessoa.
Passou a frequentar tratamento de fisioterapia no Hospital Particular V., em sessões diárias, com excepção de alguns sábados e todos os domingos até ao dia 9 de Setembro de 2013.
Portanto, o Autor esteve acamado durante cerca de cinco meses e só a partir de Fevereiro de 2013 é que começou a poder caminhar, com o auxílio de canadianas, que terá de usar para toda a vida.
Sofreu dores nas regiões do corpo atingidas, que o afectaram, posteriormente, durante cerca de um ano e meio, sendo que, actualmente, é afectado por dores frequentes nos membros inferiores, sempre que faz força, com essas regiões do seu corpo, na posição de pé, quando caminha e nas mudanças de tempo, tendo o quantum doloris atingido o grau 5 numa escala de 1 a 7.
Em consequência das lesões sofridas, o Autor (i) ficou com ausência total de erecção peniana, com impossibilidade de atingir o orgasmo, (ii) no membro inferior direito ficou com paralisia do grande nervo ciático, gonalgia com sequelas de lesões ligamentares do joelho e limitação da flexão, cicatriz de 18 centímetros e outra de 36 centímetros na face lateral da coxa, onde mantém material de osteossíntese, cicatriz de 12x12 centímetros na face interna do joelho, cicatriz transversal de 12 centímetros no cavado poplíteo, sendo obrigado a usar palmilha por dismetria ligeira dos membros e tala por lesão neurológica (pé pendente – equino), e, (iii) no membro inferior esquerdo, ficou com gonalgia esquerda, cicatriz lateral da coxa com 26 centímetros, atrofia gemealar de 2 centímetros, seis cicatrizes na face anterior da coxa e perna próprias da aplicação de fixadores metálicos e edema vespertino.
Consequentemente, o Autor está impossibilitado de se deslocar em longas caminhadas, tem dificuldade em subir e descer escadas, não pode correr, não pode andar de bicicleta (a paralisia do grande nervo ciático impede-o de fazer, com o pé, o movimento rotativo completo necessário ao movimento da roda pedaleira) e deixou de conduzir motociclos em que a mudança de velocidade é feita com o pé direito. Apenas conduz veículos automóveis com mudanças automáticas.
Necessita da ajuda de uma terceira pessoa para determinados gestos que impliquem inclinar-se para a frente, como, por exemplo, cortar as unhas dos pés ou calçar as meias.
À data do acidente de trânsito que deu origem à presente acção, o Autor praticava actividades e desportos vários, nomeadamente, ciclismo em estrada e em montanha, caminhadas ao ar livre, motociclismo porque era coleccionador de motociclos antigos e automobilismo porque era coleccionador de veículos automóveis antigos.
A partir do acidente, o Autor deixou de poder praticar estes desportos e actividades.
Toda esta situação levou-o a desenvolver um quadro depressivo que o levou a tomar medicamentos antidepressivos apesar de, neste momento, já não tomar.
Mas, ainda assim, tornou-se uma pessoa triste, facilmente irritável e que chora quando fala do acidente de que foi vítima.
A impossibilidade de manter relações sexuais completas deteriorou o relacionamento conjugal do Autor e é causa de sofrimento psicológico.
As lesões e sequelas sofridas pelo Autor determinaram-lhe:

· Um Período de Défice Funcional Temporário Total de 180 dias;
· Um Período de Défice Funcional Temporário Parcial de 584 dias;
· Um Período de Repercussão Temporária na Actividade Profissional Total de 764 dias;
· Um Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de 72 pontos;
· Um dano estético permanente de grau 4, numa escala de 1 a 7;
· Uma repercussão permanente na actividade sexual com base na ausência de erecção.
A sentença, fazendo apelo aos factos provados nomeadamente ao facto de o Autor ter ficado com a marcha claudicante e com a autonomia de movimentos limitada até ao fim da vida, impedindo-o de usufruir, com plenitude, as actividades que faziam parte do seu dia-a-dia, tendo presente, ainda o número de cirurgias (4), a penosa recuperação e a ausência de erecção, que o impede de usufruir de uma parte fundamental da sua existência enquanto ser humano, fixou, como compensação, o valor de € 150.000,00, o qual se considera equitativo e adequado ao caso concreto.
Na verdade, e apesar de reconhecermos a extrema gravidade dos danos não patrimoniais sofridos pelo Autor, que se extraiem da factualidade que, apesar de extensa, tivemos o cuidado de descrever acima, para melhor nos habilitarmos a encontrar um valor justo, afigura-se-nos excessiva a reclamada compensação no valor de €250.000,00 e insuficiente a quantia de €100.000,00, proposta pela Ré Seguradora.

Como se refere no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 16/12/2015 (15) “O Tribunal de recurso deve adoptar um critério que apenas considere susceptível de revogação, por inadequada, uma solução que, de forma manifesta, exceda certa margem de liberdade decisória do tribunal a quo, havemdo, para tanto, de sindicar o critério de equidade aplicado no caso concreto.”
Neste sentido, o Supremo Tribunal de Justiça (16) tem reforçado a ideia que o juízo de equidade das instâncias deve ser mantido sempre que, situando-se o julgador dentro da margem de discricionariedade que lhe é consentida, se não revelar colidente com os critérios jurisprudenciais que, numa perspectiva actualista, generalizadamente vêm sendo adoptados, em termos de poder pôr em causa segurança na aplicação do direito e o princípio da igualdade.

Portanto, não nos podemos esquecer de cumprir o princípio de igualdade, o que impõe uma análise comparativa com casos similares.

Ora, não há dúvida que este caso se enquadra nas situações em que se verifica invalidez com total degradação do padrão de vida e da autonomia pessoal do lesado (17).

Com efeito, o Autor, sem ter a mínima culpa, foi vítima de um evento violento traduzido no embate, numa auto-estada, por um veículo que circulava à retaguarda do veículo onde seguia como passageiro, a uma velocidade de 160 quilómetros/hora, que lhe causou intenso e prolongado sofrimento e sequelas gravíssimas das quais se destaca a limitação da mobilidade, o défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 72 pontos, as dores, a necessidade de ajuda de terceira pessoa para realizar actos simples diários, a afectação sexual, e a impossibilidade de continuar a praticar desporto.
O Autor, para toda a vida, terá de utilizar canadianas, na locomoção, e da ajuda de uma terceira pessoa para actos básicos diários, apresenta um dano estético de 4/7, afectação da actividade sexual, dores permanentes, prolongados internamentos, cirurgias, tratamentos médicos e de fisioterapia, o que justifica a atribuição de uma compensação de € 150.000,00, em conformidade com os critérios utilizados em casos, de certa forma, similares, por uma jurisprudência actualista e evolutiva.
Em resumo, estamos perante mais um caso muito grave de sinistralidade rodoviária que reclama uma compensação elevada dos danos não patrimoniais sofridos pelo lesado.

Recurso da Autora Maria

A Autora insurge-se contra a improcedência das suas pretensões porque entende que lhe assiste o direito de ser compensada pelos danos não patrimoniais sofridos, em consequência do acidente que envolveu o seu pai, alicerçada no Acórdão Uniformizador de Jurisprudência do STJ n.º 6/2014, de 16/01/2014 (18) e dos prejuízos resultantes de ter deixado de trabalhar para passar a cuidar do pai.
Segundo o mencionado aresto uniformizador, os artigos 483.º, n.º 1 e 496.º, n.º 1 do C.Civil devem ser interpretados no sentido de abrangerem os danos não patrimoniais, particularmente graves, sofridos por cônjuge da vítima sobreviva, atingida de modo particularmente grave.
Esclarece-se, nesse aresto, que a compensabilidade dos danos não patrimoniais sofridos por outrem, designados por danos reflexos, pressupõe “danos particularmente graves determinando no outrem sofrimento muito relevante”, não se cingindo ao cônjuge do lesado. (19)
A Autora Maria, enfermeira, é filha do lesado, e regressou a Portugal, com a intenção de fazer companhia ao seu pai, cuidar dele e prestar-lhe os cuidados de saúde de que ele carecia.
Ao receber a notícia do acidente de trânsito de que foi vítima o seu pai, sofreu um intenso golpe psicológico e emocional e receou pela própria vida daquele.

Acompanhou, dia a dia, o sofrimento inerente à convalescença de seu pai e a saturação psicológica sofrida, levou-a a ter necessidade de ser consultada psicologicamente e acompanhada posteriormente em 4 sessões de psicologia médica no Hospital Particular V..
Os danos não patrimoniais sofridos pelo seu pai são, como já tivemos oportunidade de concluir, extremamente graves e o choque emocional que o acidente causou à sua filha, aqui Autora, bem como todo o sofrimento inerente ao acompanhamento daquele na recuperação física e psicológica constituem danos não patrimoniais efectivamente relevantes, pelo que merecem ser compensados com uma quantia de € 4.000,00, actualizada, atendendo à desvalorização monetária, à data da sentença de 1.ª instância, e não de €50.000,00, como foi peticionado.
À data da ocorrência do acidente de trânsito, a Autora encontrava-se a exercer a sua profissão de enfermeira, na cidade de …, na Guiné-Conakri, por conta da sociedade OII, com sede em Conakri e com serviços administrativos nas Bahamas, auferindo o ordenado de 4.280,00 USD.
Chegada a Portugal, deslocou-se para …, França, onde o seu pai se encontrava hospitalizado, onde se manteve durante 5 dias.
Depois de o pai ser transferido para o Hospital A, em Vila Nova de Gaia, a Autora, em 28 de Agosto de 2012, terminou a sua relação laboral com a sociedade OII, para a qual trabalhava, com a intenção de cuidar do mesmo.
O pai da Autora manteve-se internado no Hospital A, em Vila Nova de Gaia, até ao dia 1 de Novembro de 2012 e a Autora visitou-o com frequência.
A partir do dia 1 de Novembro de 2012, data da alta hospitalar do seu pai e do regresso à sua casa de habitação, a Autora passou a fazer a companhia ao pai, ministrou-lhe a medicação–analgésicos e anti-inflamatórios, três vezes ao dia (às 8h, 16 h e 00 h), confeccionou-lhe e serviu-lhe as refeições, deu-lhe banho e prestou todos os restantes cuidados de higiene, fez-lhe as limpezas, desinfecções e curativos periódicos às feridas sofridas, aplicou-lhe e substituiu-lhe os pensos na feridas, nomeadamente na anca direita e no joelho direito), colocou-o na cadeira de rodas, auxiliou-o na locomoção de cadeira de rodas, levantou-o da cama e colocou-o num cadeirão, na sua casa de habitação, fez-lhe massagens nos dois membros inferiores, diária e constantemente, fez-lhe e mudou-lhe a roupa da cama, transportou-o e acompanhou-o, para as consultas médicas, para tratamentos médicos e cirúrgicos e para sujeição a tratamentos de fisioterapia, auxiliou-o, na locomoção, na sua casa de habitação e na via pública, o que fez até ao dia 30 de Setembro de 2013.
Nos termos do artigo 495º., nº. 2, do Código Civil têm direito a indemnização aqueles que socorreram o lesado, bem como os estabelecimentos hospitalares, médicos ou outras pessoas ou entidades que tenham contribuído para o tratamento ou assistência da vítima.
A Autora prestou assistência à vítima, seu pai, durante cerca de treze meses, tendo deixado de receber o seu vencimento, por ter terminado a relação laboral para poder regressar a Portugal e cuidar do Autor.
Os cuidados que a Autora prestou ao pai, deixando de trabalhar, por esse motivo, constituem prejuízos enquadráveis no mencionado artigo 495.º, n.º 2 do C.Civil, calculados com recurso a critérios de equidade, tendo em conta, como refere a Recorrente, a natureza dos serviços prestados, continuados, como enfermeira, e que se estimam em € 2.000,00 mensais (13 meses x €2.000,00 = €26.000,00).
Finalmente, a última questão que importa resolver é a que se refere à contagem dos juros dos danos não patrimoniais.
O Acórdão Uniformizador de Jurisprudência do S.T.J. nº 4/2002, de 9/5/2002 (in DR, I-A de 27/6/2002), fixou uma interpretação da lei no sentido de que sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objecto de cálculo actualizado, nos termos do artº 566º nº 2 do Código Civil, vence juros de mora por efeito do disposto nos artºs. 805º nº 3 (interpretado restritivamente) e 806º nº1 do Código Civil, a partir da decisão actualizadora e não a partir da citação.
Como se refere no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (20) sobre a matéria, o acórdão uniformizador assentou na ideia de uma decisão actualizadora da indemnização, por danos patrimoniais ou não patrimoniais, em razão da inflação no período compreendido entre ela e o momento do evento danoso.

Assim, perfilhando e citando as considerações plasmadas no douto aresto citado, importa apurar, através da interpretação da sentença, (21) se, no cálculo da indemnização por danos patrimoniais futuros ou na fixação da compensação por danos não patrimoniais, incidiu algum índice de actualização, situação que não se reconduz necessariamente ao cálculo da indemnização com base no princípio da diferença da esfera patrimonial a que se reporta o n.º 2 do artigo 566.º do C.Civil.
Tendo a sentença actualizado, na data em que foi proferida, o montante compensatório atribuído a título de danos não patrimoniais, os juros devidos contam-se daquela data e não a partir da citação.
*

V- DECISÃO

Pelo exposto, acordam os Juízes que constituem este Tribunal da Relação em julgar parcialmente procedente os recursos do Autor e da Autora, e em consequência, alteram a sentença, condenando a Ré a pagar ao Autor a quantia de € 418.600,00 a título de dano patrimonial futuro; e à Autora as quantias de € 26.000,00 e de € 4.000,00 acrescidas dos juros calculados à taxa de 4% ao ano respectivamente desde a citação e da data da sentença até efectivo e integral pagamento, mantendo-se o mais decidido.
Custas pelos Autores e Ré, em ambas as instâncias, na proporção do respectivo decaímento, sem prejuízo do apoio judiciário.
**
Guimarães, 25 de Janeiro de 2018

(Anabela Andrade Miranda Tenreiro)
(Fernando Fernandes Freitas)
(Alexandra Rolim Mendes)


1. Cfr. Ac. STJ de 25/05/2017 disponível em www.dgsi.pt.
2. Cfr. apenso A.
3. Cfr. Das Obrigações em Geral, vol. I, 5.ª edição, Almedina, pág. 558.
4. Cfr. Processo n.º C-371/12 de 23.01.2014 in http://eur-lex.europa.eu.
5. Magalhães, Teresa, Da Avaliação à Reparação do Dano Corporal, Instituto Nacional de Medicina Legal I.P.-Delegação do Norte, disponível em www.trp.pt/ficheiros/estudos/teresamagalhaes_danocorporal.pdf.
6. v. Magalhães, Teresa, artigo acima citado.
7. Disponível no site www.dgsi.pt.
8. Contra esta redução v. Acórdão do STJ de 06.10.2011 e Acórdão da Rel. Porto de 15.09.2014, ambos disponíveis no site www.dgsi.pt.
9. v. Ac.STJ de 05/07/2007 in www.dgsi.pt.
10. Cfr. Acórdão de 05/07/2007 (07A1734) disponível no site www.dgsi.pt.
11. Como a dor é insusceptível de ser avaliada em dinheiro, é incorrecta a meu ver a fixação da indemnização a título de pretium doloris; além disso, como a reconstitituição in natura é impossível neste caso, a indemnização em dinheiro funciona como verdadeira compensação (Compensatio doloris), ou seja, a tendencial reparação da angústia, da dor física, da doença ou do abalo psíquico-emocional resultante de uma situação de luto, etc.., através da atribuição de uma quantia pecuniária que permita a aquisição de bens materiais e ou o fruir de prazeres espirituais que funcionam como lenitivo dos danos sofridos. Neste sentido, Pessoa Jorge, Ensaio sobre os Pressupostos da Responsabilidade Civil, pag. 375; v. ainda Varela, João de Matos Antunes, Das Obrigações em Geral, vol. I, 5.ª edição, pág. 562 e segs., Telles, Inocêncio Galvão, Direito das Obrigações, 6.ª edição, pág. 375; Cordeiro, António Menezes, Direito das Obrigações, 2.º volume, 1990, pág. 285.
12. É esta a orientação seguida pelo STJ, indicando como exemplo, entre muitos, o Acórdão de 24.04.2013 disponível no site www.dgsi.pt.
13. v. Manual de Acidentes de Viação; sobre o conceito de equidade, v., entre outros, o Acórdão do STJ de 20.03.2014 disponível em www.dgsi.pt.
14. v. recentemente, os Acórdãos do STJ de 04.06.2015, 19.02.2015 e 17.01.2012; nesta Relação de Guimarães v. o Acórdão de 19.02.2015.
15. Disponível em www.dgsi.pt.
16. Cfr. Acs. de 22/02/2017 e de 29/06/2017 disponíveis em www.dgsi.pt.
17. Cfr. Ac. STJ de 25/05/2017 disponível em www.dgsi.pt.
18. Publicado no Diário da República, I série, de 22.05.2014.
19. Neste sentido v. Ac.Tribunal da Rel.Porto de 07/02/2017 e Ac.Rel.Coimbra de 01/04/2014 disponíveis em www.dgsi.pt.
20. Cfr. Acórdão de 13/07/2004 disponível in www.dgsi.pt.
21. Cfr. Acórdão do STJ de 06/06/2013 disponível in www.dgsi.pt.