Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
3809/12.9TBBCL.G1
Relator: MARIA DA PURIFICAÇÃO CARVALHO
Descritores: CIRE
PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO
PLANO DE PAGAMENTOS
HOMOLOGAÇÃO
PRINCÍPIO DA IGUALDADE
CRÉDITO FISCAL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/01/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: 1.O CIRE confere ao Juiz o dever de recusar a homologação do plano de recuperação conducente à revitalização de devedor aprovado, caso verifique designadamente ter-se verificado uma violação não negligenciável de regras procedimentais ou das normas aplicáveis ao seu conteúdo.
2. Em face do disposto no artº 194º,nº1, do CIRE, nada impede a que o plano possa estabelecer diferenciações entre os credores do devedor a revitalizar ,desde que “justificadas por razões objectivas”.
3. Após as alterações legislativas introduzidas pela Lei 55-A/2010, de 31/12, ao artº 30º da LGT, deixou de ser legalmente possível homologar um plano de revitalização que contemple a redução, extinção ou moratória de créditos fiscais, sem que o Estado (a Autoridade Tributária) o tenha votado favoravelmente.
4. O plano de revitalização aprovado que preveja redução de crédito tributário, sem que tenha merecido o voto favorável da Fazenda Nacional, obriga a concluir que o respectivo conteúdo integra a violação não negligenciável de normas respeitantes ao referido crédito, o que deve levar à prolação de sentença de recusa da sua homologação (cfr. artº 215º e artº 17-F nº 5 do CIRE).
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

Relatório
No âmbito do Processo Especial de Revitalização em que é requerente “J... Lda.” e credora, entre outros, o B.. foi apresentado o plano de Revitalização constante do documento junto a fls. , que aqui se dá por integralmente reproduzido.
Realizada a assembleia de credores e submetido à votação o referido plano de Revitalização, foi o mesmo aprovado com votos favoráveis de 73,2% dos credores, 26,8% de votos contra (incluindo o crédito da AT - Autoridade Tributária e Aduaneira) e 4,6% de abstenção.
Atento o resultado da votação, a proposta de plano foi aprovada.
Segue-se decisão judicial de não homologação do plano.
Desta decisão foi interposto recurso pela devedora apresentando para o efeito as seguintes conclusões
1. O presente processo visa a recuperação da recorrente, pelo que convém ter sempre presente que estamos em presença de um processo especial de revitalização e não perante um processo de insolvência.
2. Na verdade, diversamente da finalidade do processo insolvência, o processo especial de revitalização visa, a viabilização ou recuperação do devedor e não, como no processo de insolvência, a satisfação dos direitos dos credores.
3. Trata-se de um processo negocial extra-judicial do devedor com os credores, sendo a intervenção do juiz neste processo restrita, pois o interesse público radica na primazia da vontade dos credores.
4. Priveligia o processo de revitalização a manutenção do devedor no giro comercial. Relegando-se para segundo plano a liquidação do seu património sempre que se mostrar viável a sua recuperação.
5. Ora, com todo o devido respeito, a douta decisão em mérito ao não homologar o acordo obtido com os credores, viola os princípios orientadores e o próprio espírito que enforma o processo de revitalização.
6. Pois, a douta decisão sub judice fica-se unicamente pelo prisma do interesse dos credores, sem procurar promover a recuperação do devedor.
7. E esta visão inquinou a apreciação do plano aprovado, além de ter esquecido todo o esforço desenvolvido pela requerente em negociações com os seus credores e no desenvolvimento de um plano que merecesse a adesão do maior número possível de credores.
8. Na verdade, a douta decisão sub judice fixa-se quase exclusivamente na questão do credor B.., omitindo designadamente que credores representativos de cerca de 35% dos créditos, a esmagadora maioria de natureza comum, votaram favoravelmente o plano.
9. Estes credores privilegiaram a manutenção e continuação da Requerente em actividade, em vez da sua liquidação e o desmantelamento, e isto apesar de sacrificarem parte dos seus créditos e aceitarem o seu pagamento de forma prolongada.
10. Pelo que não pode aceitar a Recorrente que tenha havido qualquer tratamento especial ao credor B.. e que tudo foi feito unicamente para satisfazer a vontade deste credor, pois, de nada serviria o voto favorável desse credor sem o voto de outros credores, uma vez que tal crédito não era por si só suficiente para a aprovação do plano.
11. Por outro lado, parece decorrer da decisão que o credor B.. está em situação de igualdade com os demais credores “comuns”, o que também não corresponde à verdade.
12. Dispõe-se no Artº 194º/1 do CIRE que o plano de insolvência obedece ao princípio da igualdade dos credores da insolvência, sem prejuízo das diferenciações justificadas por razões objectivas.
13. É, assim, possível, derrogar o princípio que nos ocupa, desde que justificadamente.
14. É certo que uma razão objectiva que pode servir de mote à diferenciação é a classificação dos créditos segundo os critérios enunciados no Artº 47º/4, não sendo, contudo, o único critério que possibilite uma distinção e diferenciação entre credores.
15. E, como facilmente se constata dos autos existem razões objectivas que justificam o tratamento dado no plano ao crédito do B...
16. Na verdade:
- o B.. é o único dos credores da Recorrente que dispõe de uma livrança em branco subscrita em pela Requerente e avalizada por sócio e cônjuges;
- só o B.., e nenhum dos outros credores, dispõe de uma procuração, que já lhe havia sido outorgada em 3 de Fevereiro de 2011, e que lhe conferia poderes especiais para, e quando entendesse, constituir hipoteca sobre o semi-reboque com a matrícula R 0115 BBF, com o nº de bastidor (chassi) VST003150YM004643.
17. Como tal, só o B.., e mais nenhum outro credor, dispunha de tais garantias pessoais (avales de vários sócios e respectivos cônjuges), bem como só ele tinha a seu favor procuração com poderes para constituir hipoteca sobre o referido semi-reboque, procuração essa que é irrevogável.
18. Quando a lei (artº 194º, nº 1 do CIRE) fala em razões objectivas que justifiquem o tratamento diferenciado não impede que, créditos que sejam da mesma natureza (p.ex. comuns) tenham nos plano um tratamento diferenciado: a lei exige somente que tal tratamento diferenciado se fundamente em razões objectivas.
19. Pelo que, com todo o devido respeito – e que é muito ! – carece de fundamento a douta decisão em mérito quando considera que ocorreu violação do princípio da igualdade, pelo que não poderá a mesma manter-se.
20. Refira-se, por fim, que o plano de recuperação, integrado no processo de revitalização, constitui uma realidade jurídica diversa do plano de insolvência regulado no Título IX, designadamente no Capítulo I (arts. 192º a 208º), do CIRE.
21. No quadro normativo específico do processo de revitalização apenas se prevê a aplicação, com as necessárias adaptações, do preceituado nos arts. 211º, 212º, 215º e 216º, do CIRE (Capítulo II, do Título IX), relativas à aprovação e homologação do plano de insolvência (ver arts. 17º-F e 17º-I).
22. Como tal, não tem aplicação, no PER, o estatuído no artº 195º, do CIRE.
23. Em suma, não ocorre justificação para a recusa de homologação do plano de recuperação conducente à revitalização da ora recorrente, regularmente aprovado pela larga maioria dos credores, porquanto não se verifica nem violação do princípio da igualdade, nem qualquer violação não negligenciável de regras procedimentais ou das normas aplicáveis (arts. 17º-F, nº 5, e 215º, do CIRE).
24. A sentença recorrida violou, nomeadamente, o preceituado nos artºs 17º-A, 17º,-F, nº 5 e 194º, todos do CIRE.
Por todo o exposto e pelo que doutamente for suprido por V. Exªs, deverá ser revogada a douta decisão em mérito e substituída por outra que homologue o acordo plano de recuperação da sociedade J..., Ldª junto a fls… dos autos,
Assim se espera por ser de J U S T I Ç A !

Cumpre decidir, sendo certo que o objecto do recurso está delimitado pelas conclusões da Apelante, acima transcritas, no qual se apreciam apenas as questões invocadas e relacionadas com o conteúdo do acto recorrido e não sobre matéria nova, excepção feita para o que for do conhecimento oficioso.

Seguindo essa linha de orientação, a questão a apreciar, consiste em aferir se o tribunal a quo incorreu em error in judicando ao proferir decisão de não homologação do plano de recuperação da devedora.

Fundamentação
De facto
Para a resolução das questões supra enunciada importa ter presente a seguinte factualidade resultante dos elementos constantes dos autos:
1º- J... Lda apresentou em 28.05.2012, no Tribunal Judicial da Comarca de Guimarães, processo especial de revitalização ( PER), comunicando, ao abrigo do disposto nos arts. 1º, nº2 e 17º-C do CIRE ( com as alterações introduzidas pela Lei nº 16/2012, de 20 de Abril), a sua pretensão de iniciar negociações com os seus credores e requerendo a nomeação de administrador judicial provisório.
2º- Instruído o processo, foi proferido despacho que, para além do mais, nomeou administrador judicial provisório.
3º- Reclamados créditos e elaborada a lista provisória de créditos, foi a mesma apresentada na secretaria do tribunal e publicada no portal Citius.
4º- Findo o prazo para impugnações e decididas as apresentadas o sr. administrador judicial provisório pedir a prorrogação do prazo para concluir as negociações.
5ºEm 07 de Maio de 2013, foi junto aos autos o plano de recuperação com o seguinte resultado de votação : 74,73% votaram favoravelmente e 25,27 % votaram desfavoravelmente.
6. Do plano indicado em supra consta, além do mais, e no tocante às Condições dos Pagamentos dos Créditos do B.. e da Fazenda Nacional, o seguinte plano de pagamento:
“(…)
A) Financiamentos obtidos
B) I. Regularização da divida a credores com garantia a constituir ( B..)
Propõe-se assim:
Capital- Consolidação e regularização em 5 anos em 10 prestações semestrais, iguais e sucessivas
Consolidação da divida à data do Despacho de homologação do plano de recuperação sendo atendíveis os juros vencidos
Juros- Pagamento de juros vincendos à taxa de juro Euribor a 6 meses mais um spreed de 3%.
Manutenção das garantias já prestadas
-Livrança em branco subscrita por J... Lda e avalizada por L.., J.., J.. e M...
-Constituição da hipoteca em paridade e na proporção dos respectivos créditos sobre o atrelado (Palco Móvel) modelo ODL-720 E.

II- Regularização da divida a credores com garantia real – Hipoteca (F..)
Propõe-se assim:
Capital- Consolidação e regularização em 6 anos em 72 prestações mensais, iguais e sucessivas , vencendo-se a primeira prestação em Dezembro de 2013.
Consolidação da divida à data do Despacho de homologação do plano de recuperação sendo atendíveis os juros vencidos
- Perdão de despesas e juros vincendos
Venda veículo automóvel- Será vendido o veículo automóvel marca Fiat, modelo Punto, matricula ..-IL-.. objecto de garantia a favor do F.. pelo preço de 6000 mil euros, com abate imediato desse valor ao montante do capital em divida

B) Estado
III- Regularização da divida
Propõe-se assim:
Capital- Consolidação e regularização em 22 prestações mensais, iguais e sucessivas no montante de 1Uc – 102 euros. A primeira prestação vender-se-á um mês após o trânsito em julgado da data do Despacho homologatório do presente plano.
Não redução de eventuais coimas e custas
Juros – Perdão de juros vencidos, considerando juros vincendos á taxa de 2,3 % aa. A primeira prestação vencer-se-à um mês após o trânsito em julgado da data do despacho homologatório do presente plano.
a) Garantias a constituir – Hipoteca voluntária sobre o veículo automóvel marca Renault, de matricula R..

C) Credores comuns
IV- Regularização da divida aos Credores Comuns
Propõe-se assim:
Capital- perdão de 50% dos créditos comuns
Regularização do capital em 10 anos em vinte prestações semestrais, iguais, sucessivas e crescentes.
A primeira prestação vencer-se-á dois anos após o trânsito em julgado do Despacho de Homologação do presente plano.
Juros- Perdão de juros vencidos e vincendos
7- A autoridade Tributária e aduaneira (AT) comunicou ao MP que a posição da Administração Fiscal é … de votação desfavorável ao plano de Revitalização , nomeadamente por: prever o perdão da totalidade dos juros vencidos; prever um regime de pagamento prestacional ilegal e não prever a constituição de garantias idóneas e suficientes…

8.- A 23/5/2013, o Exmª Juiz titular dos autos proferiu decisão que, ao abrigo do disposto nos artigos 17º-F, n.º 5 e 214º, do CIRE, não homologou, por sentença, o plano de revitalização indicado em 6.
9.- Inconformada com o despacho que recusou a homologação do plano, dele apelou a requerente.

De Direito
Para melhor compreensão da solução haveremos de constatar que o Processo Especial de Revitalização (PER) foi criado pela L. 16/2002 de 20/4 (artigo 1º, n.2 do CIRE, com regulamentação nos artigos 17º-A a 17º-I). Pretendeu-se instituir um processo especial de revitalização, reorientando “ o Código da Insolvência e Recuperação de Empresas para a promoção da recuperação, privilegiando-se sempre que possível a manutenção do devedor no giro comercial, relegando-se para segundo plano a liquidação do seu património sempre que se mostre viável a sua recuperação”, como consta da proposta de Lei nº 39/XII.
Este processo especial tem algum pendor extrajudicial, embora limitado, sujeito aos princípios orientadores (11 no seu total) aprovados pela Resolução do Conselho de Ministros nº 43/2011, de 25/10, conforme nº 10 do artigo 17º-D.
Trata-se de um processo negocial em que o fim é a obtenção de um acordo entre o devedor e uma maioria de credores, que seja capaz de suportar a viabilização da empresa sendo certo que a eficácia do acordo para lá da esfera dos que nele intervieram, pressupõe sempre a respectiva aprovação por uma maioria qualificada de créditos (artº 17º F), que ocorrendo torna o acordo vinculativo para a generalidade dos credores. (sem prejuízo da imperatividade de outros requisitos que condicionam a homologação judicial).
Daí que seja lícito no âmbito do PER que as entidades em causa adoptem quaisquer medidas que a lei não exclua e se adequem aos fins de recuperação da devedora.
Tal como preceituado no art.º 17º-F, nº 3, do referido diploma legal, concluindo-se as negociações, o plano de recuperação considera-se aprovado quando venha ele a reunir a maioria dos votos prevista no nº 1, do art.º 212º, do CIRE, para a aprovação de um plano de recuperação no âmbito de um processo de insolvência (quórum constitutivo de 1/3 do total dos créditos com direito de voto e quórum deliberativo de 2/3 de totalidade dos votos emitidos e de mais de metade dos votos correspondentes a créditos não subordinados), sendo o quórum deliberativo calculado com base nos créditos relacionados contidos na lista definitiva ou provisória de créditos, no caso de aquela ter sido impugnada.
Após a votação e aprovação do plano de recuperação, incumbe então ao juiz decidir se deve homologar ou recusar o plano no prazo de dez dias a contar da recepção do mesmo (art.º 17º-F, nºs 5 e 6), aplicando-se, para o efeito, com as necessárias adaptações, as regras vigentes em matéria de aprovação e homologação do plano de insolvência previstas no título IX, em especial o disposto nos artigos 215.º e 216.º, sendo que, a decisão do juiz vincula os credores, mesmo que não hajam participado nas negociações.
Sobre o conteúdo dos artºs 215º e 216 º do CIRE, considera-se pertinente o ponderado no acórdão desta Relação de 04/03/2013 (acessível em www.dgsi.pt) sobre o PER segundo o qual certo é que de ambos decorre o dever de o Juiz recusar a homologação do plano de recuperação aprovado, caso seja confrontado com situações de violação não negligenciável de regras procedimentais ou das normas aplicáveis ao seu conteúdo, qualquer que seja a sua natureza, e ainda quando v.g. tal lhe tenha sido solicitado por algum credor que demonstre em termos plausíveis, em alternativa, que: a) a sua situação com o plano é previsivelmente menos favorável do que a que interviria sem qualquer plano; b) O plano proporciona a um credor um valor económico superior ao montante nominal dos seus créditos.
Sucede que, no âmbito do poder/dever que dispõe de recusar a homologação do plano de recuperação, como bem salienta Menezes Leitão in Direito da Insolvência 2ª edição pág 291, há-de o juiz ater-se às situações de “violação grave não negligenciável” das regras procedimentais ou de conteúdo do plano, pois que, já as “Violações consideradas menores, que não ponham em causa o interesse do devedor e dos credores afectados, não constituirão causa suficiente para que o juiz possa recusar a homologação do plano”.
Este preceito confere, assim, ao tribunal o papel de guardião da legalidade, cabendo-lhe, em consequência, sindicar o cumprimento das normas aplicáveis como requisito da homologação do plano, quer as que concernem a aspetos de procedimento, quer as que concernem ao conteúdo do plano.
“Normas relativas ao conteúdo serão todas as respeitantes à parte dispositiva do plano, mas além destas, ainda aquelas que fixam os princípios a que ele deve obedecer imperativamente e as que definem os temas que a proposta deve contemplar.”
Em suma, dir-se-á que o processo especial de revitalização (inspirado no conhecido “capítulo 11” norte-americano), nascido no âmbito do “programa revitalizar” criado pela Resolução do Conselho de Ministros nº 11/2012, de 3 de Fevereiro, teve como desiderato essencial afirmar-se como uma solução de reestruturação empresarial - ou seja, contribuir para a revitalização de empresas economicamente viáveis mas que se encontrem, pelas mais diversas razões, em situação difícil.
Tal processo especial não deve ser encarado como mais um expediente que veio fazer parte do “problema”; ao invés, deve antes ser encarado como um efectivo meio que vem acrescentar algo de novo para a “solução”, maxime para a viabilização e/ou recuperação do devedor- neste sentido ver Ac desta Relação de 04.03.2013supra citado.
É dentro deste quadro legislativo e de interesses que nos movemos.
Isto posto, e quanto às concretas questões do recurso.
Vemos que através da decisão recorrida não foi homologado o plano de revitalização da devedora por violação do princípio da igualdade.
Defende a recorrente que tal violação não se verifica.
Vejamos a questão.
Temos por certo que por força do disposto nos nºs 1 e 2, do art.º 194º do CIRE , ex vi do art.º 17-F, nº5, o plano de recuperação há-de forçosamente obedecer ao “ (…) princípio da igualdade dos credores da insolvência, sem prejuízo das diferenciações justificadas por razões objectivas”, sendo que, “ o tratamento mais desfavorável relativamente a outros credores em idêntica situação depende do consentimento do credor afectado, o qual se considera tacitamente prestado no caso de voto favorável.”
Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda in Código da Insolvência e de Recuperação de Empresas, Anotado, Reimpressão 2009 pp 713 referindo-se ao significado/conteúdo do apontado princípio, dizem-nos que acolhe o legislador (no art.º 194º) “as duas facetas em que se desdobra o princípio da igualdade, traduzidas na necessidade de tratar igualmente o que é semelhante e de distinguir o que é distinto, sem prejuízo do acordo dos credores atingidos, em contrário”.
Daí que, ainda segundo os mesmos autores, permite-se que o plano possa estabelecer diferenciações entre os credores da insolvência, desde que “justificadas por razões objectivas”, sendo que, de entre estas últimas - susceptíveis portanto de justificar um tratamento diferenciado - relevam v.g. a distinta classificação dos créditos, o grau hierárquico que ocupam na respectiva graduação ou mesmo as fontes do crédito, apenas estando vedada a possibilidade de, na falta de acordo dos lesados, sujeitar a regimes diferentes credores em idênticas circunstâncias.
Como se refere no citado acórdão desta Relação Em suma, e como resulta outrossim do artigo 192º, do CIRE, o que está vedado ao plano de recuperação conducente à revitalização do devedor, na falta de acordo dos lesados, é nele se sujeitar a regimes diferentes os credores que se encontrem em circunstâncias idênticas, e sem a verificação dum quadro objectivo que sustente uma tal diferenciação, sendo que, ainda que perante credores inseridos numa mesma classe, e dotados até de semelhantes garantias creditórias, nada obsta a que se estabeleçam/fixem diferenciações, exigindo-se tão só que assentem elas em circunstâncias objectivas que justifiquem o tratamento diferenciado.
Essencial é ainda que, no âmbito das diferenciações adoptadas, as razões objectivas que justificam o tratamento diferenciado de determinados credores e plasmadas no plano de recuperação, neste último se encontrem com clareza e rigor devidamente concretizadas, identificadas e explicadas ( cf. artº 195º, do CIRE o qual enquadrando no titulo IX se aplica por força do disposto no art.º 17º-F nº5 do CIRE) , maxime que do plano resulta a ratio que justifica , exige e aconselha ( em razão sobretudo do objectivo último pretendido de, no final, se conseguir uma efectiva revitalização do devedor) o tratamento diferenciado conferido a certos credores.
É que, a assim não suceder, legítimo é então concluir estar-se na presença de uma diferença de tratamento que, porque não explicada, é em última análise arbitrária discricionária ou discriminatória que é o mesmo que dizer não objectivamente justificada, impondo-se portanto ao Juiz o dever de recusar oficiosamente a homologação do plano de recuperação.
Chegados aqui, e incidindo agora a nossa atenção sobre o plano identificado no item 6 dos factos considerados provados no presente Acórdão, vemos que dele não consta bem identificada a ratio subjacente à diferenciação de tratamento que objectivamente existe entre os credores bancários e todos os outros/demais.
Por ex não se percebe porque é que existem prazos diferentes de pagamentos da divida em relação aos credores e porque o prazo acordado para o B.. é inferior aos demais. Depois, porque é que este credor “não sofre” qualquer perdão de juros ao contrário dos demais, inclusive da Autoridade Tributária situação esta ilegal e a seguir analisada.
É claro que objectivamente (cf. artº 194º, do CIRE), podemos concluir que face à difícil conjetura económica do país fácil é de entender a necessidade empresarial da ajuda bancária.
Mas será esta a razão no caso em apreço?
Não sabemos, sendo que a explicação deveria constar do plano objectivamente explicada/fundamentada, o que assim não sucede.
De anotar que F.. também entidade bancária (portanto crédito com igual fonte do B..) não obteve o mesmo tratamento, tendo inclusive este credor votado desfavoravelmente plano.
Depois porque este credor (B..) tem mais garantias dadas do que os demais? Serão estas garantias bastantes para lhe conferir tratamento diferenciado, nos termos pretendidos pela recorrente?
Cremos que não, pois não sabemos as razões concretas e justificativas das referidas garantias ao B.. para deste modo as considerar justificadas e justificantes.
E porque não obstante estarmos perante um PER não foi salvaguardada a possibilidade de não execução das mesmas garantias? (mais um favorecimento!)
Não sabemos, porque não explicadas
Constata-se pois que mesmo entre as entidades financiadoras a desigualdade é grande não obstante o credor F.. ser já detentor de um crédito privilegiado ao contrário do B.., que tem apenas um crédito comum com a possibilidade de constituir hipoteca
Mas a diferença de tratamento é maior se atentarmos no plano de recuperação para os demais credores comuns (como o B..) os quais padecem um perdão de 50% dos créditos comuns Regularização do capital em 10 anos em vinte prestações semestrais, iguais, sucessivas e crescentes. A primeira prestação vencer-se-á dois anos após o trânsito em julgado do Despacho de Homologação do presente plano. E por fim um perdão de juros vencidos e vincendos
Que razões para estes “ cortes e sacrifícios” a estes credores?
Continuamos sem saber, pois nada consta do plano a explicar esta apontada e acentuada diferença.
Acresce que se este fosse um processo de insolvência o credor B.. e os demais credores comuns no que se refere ao reconhecimento do crédito e respectivo pagamento estariam em pé de igualdade, o que com este plano não acontece, passando o B.. de credor comum para o credor mais privilegiado no montante, modo e tempo de pagamento.
Verifica-se um evidente tratamento diferenciado (de favorecimento) do credor B.., credor comum, sem explicação
Após o exposto, temos assim para nós que, nos termos apontados na decisão recorrida se verifica a violação do princípio da igualdade previsto no artº 194º nº1 do CIRE, o que inevitavelmente, conduz à improcedência da apelação.
Mas mesmo que assim se não entendesse, o plano em causa não poderia ser homologado por violação não negligenciável de regras procedimentais.
De efeito prescreve o n.º 1 do artigo 215.º que
“O juiz recusa oficiosamente a homologação do plano [de recuperação] aprovado [pelos credores] no caso de violação não negligenciável de regras procedimentais ou de normas aplicáveis ao seu conteúdo, qualquer que seja a sua natureza…”
Por conseguinte, importa analisar se à luz da legislação vigente à data da decisão homologatória o plano de recuperação aprovado violou a diretriz estabelecida neste preceito.
Ora sabemos que para a regularização da divida ao Estado foi proposta o seguinte
Capital- Consolidação e regularização em 22 prestações mensais, iguais e sucessivas no montante de 1Uc – 102 euros. A primeira prestação vender-se-á um mês após o trânsito em julgado da data do Despacho homologatório do presente plano.
Não redução de eventuais coimas e custas
Juros – Perdão de juros vencidos, considerando juros vincendos á taxa de 2,3 % aa. A primeira prestação vencer-se-à um mês após o trânsito em julgado da data do despacho homologatório do presente plano.
a) garantias a constituir – Hipoteca voluntária sobre o veículo automóvel marca Renault, de matricula R...
Mais sabemos que A autoridade Tributária e aduaneira (AT) comunicou ao MP que a posição da Administração Fiscal é atendendo ao regime legal aplicável à regularização dos créditos tributários , designadamente artigos 36º da LGT e 85º, 196º e 199º do CPPT … de votação desfavorável ao plano de Revitalização , nomeadamente por:
Prever a redução dos créditos fiscais – prevê o perdão da totalidade dos juros vencidos; prever um regime de pagamento prestacional ilegal e não perver a constituição de garantias idóneas e suficientes…
Verifica-se a violação de normas com esta proposta?
Para apreciação desta questão há que tomar em conta as seguintes disposições legais
O n.º 2 do artigo 30.º da LGT determina:
“O crédito tributário é indisponível, só podendo fixar-se condições para a sua redução ou extinção com respeito pelo princípio da igualdade e da legalidade tributária”.
Também o artigo 36.º, n.º 3, da LGT prescreve:
“A administração tributária não pode conceder moratórias no pagamento das obrigações tributárias, salvo nos casos expressamente previstos na lei.”
E o artigo 85.º, n.º 3, do CPTT estipula o seguinte:
“A concessão da moratória ou a suspensão da execução fiscal fora dos casos previstos na lei, quando dolosas, são fundamento de responsabilidade tributária subsidiária.”
E por fim a Lei n.º 55-A/2010, de 31/12 (que aprovou o Orçamento do Estado para 2011) e que através do artigo 123.º aditou um n.º 3 ao artigo 30.º da LGT (Lei Geral Tributária, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 398/98, de 17/12, e alterações subsequentes), preceito este que entrou em vigor em 01/01/2011 (cf. artigo 187.º da citada Lei n.º 55-A/2010), com a seguinte redação:
“O disposto no número anterior prevalece sobre qualquer legislação especial”.
Decorre do aditamento do n.º 3 ao artigo 30.º da LGT, que o legislador afastou de forma expressa, os créditos tributários (fiscais e parafiscais) da possibilidade prevista noutras leis, desde logo no CIRE, de acordo sobre a redução do seu montante.
Resulta assim desta alteração um princípio que traduz a indisponibilidade do crédito tributário, só podendo ser reduzido, extinto ou sujeito a moratória, desde que sejam respeitados os princípios da igualdade e legalidade tributária.
A limitação deste princípio, quando legalmente permitida, implica a competente autorização ministerial (cf., neste sentido artigo 5.º, n.º3, do Decreto-Lei n.º 73/99, de 16/03).
O referido princípio da indisponibilidade dos créditos tributários determina, por sua vez, o afastamento de soluções que colidam com outras normas que igualmente têm como pressuposto aquele princípio, como sejam, as previstas no artigo 196.º e 199.º do CPTT, respetivamente, quanto ao regime prestacional da dívida e respetivos juros de mora, e constituição de garantias de pagamento.
O disposto no n.º 3 do artigo 30.º da LGT tem caráter imperativo, não podendo os tribunais deixar de cumprir este comando legal, conforme menciona o Supremo Tribunal de Justiça no aresto de 10/05/2012, (referido em apreciação de Acórdão desta Relação in www.dgsi.pt) enfatizando que as alterações introduzidas pela Lei n.º 55-A/2010, de 31/12, aditando o n.º 3 ao artigo 30.º estabelecem “…a indisponibilidade do crédito tributário a que se refere o n.º 2 do aludido preceito prevalece sobre qualquer legislação especial.”
Sublinhe-se ainda que se trata, com efeito, de normas imperativas, por só ao Estado competir lançar impostos e proceder à sua cobrança, observando o princípio da legalidade, não sobrando espaço para a autonomia privada, não ficando afetado o princípio da igualdade plasmado no artigo 194.º do CIRE, em virtude da natureza dos créditos fiscais, que objetivamente os diferencia dos outros créditos.
O referido princípio da indisponibilidade dos créditos fiscais é aplicável ao processo de insolvência bem como ao processo especial de revitalização instituído pela alteração de 2012 ao CIRE, que introduziu uma forma especial de recuperação do devedor que se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência iminente, mas que ainda seja suscetível de recuperação (artigo 17.º-A, n.º 1, do CIRE).
No caso em apreço, o plano de recuperação aprovou medidas que reduzem o valor dos juros moratórios vencidos, estabelecem regimes prestacionais que violam os preceitos da LGT e CPPT acima referenciados e que determinam uma violação não negligenciável das mesmas, atento o caráter imperativo do preceituado no artigo 30.º, n.º 3, da LGT, produzindo, consequentemente, efeitos que a lei não autoriza.
Finalmente, importa sublinhar que o entendimento expresso no presente acórdão tem sido o seguido pela jurisprudência após as alterações introduzidas na LGT pelo Decreto-Lei n.º 55-A/2010, de forma que se apresenta bastante consensual. - Cfr., para além do acórdão do STJ referido na antecedente, e sem caráter exaustivo, os seguintes arestos: STJ, de 14.06.2012, proc. 506/10.3TBPNF-E.P1.S1; STJ, de 10.05.2012, proc. 368/10.0TBPVL-D.G1-S1; STJ, de 15.12.2011, proc. 467/09.1TYVNG-Q.P1.S1; RL, de 14.03.2013, proc. 823/12.8 TBALM-A.L1-6; RL, de 15.11.2012, proc. 86/11.1TYLSB-G.L1-6; RP, de 4.7.2011, proc. 467/09.1TYVNG-Q.P1; RP, de 07.07.2011, proc. 393/10.1TYVNG.P1; RP, de 13.07.2011, proc. 134/11.6TBSTS-A.P1; Dec. RP, de 14.11.2011, proc. 1911/09.2TBLSD-H.P1; RP, de 11.09.2012, proc. 4697/10.5TBSTS-E.P1; RP, de 01.10.2012, proc. 1384/10.8TBPFR-G.P1; RC, de 27.09.2011, proc. 588/08.8TBFND-D.C1; RC, de 11.12.2012, proc. 58/12.0TBMGL.C1; RE, de 28.06.2012, proc. 1146/10.2TBALR.E1; RG, de 17.01.2013, proc. 1511.8TBGMR-E.G1; RG, de 31.01.2013, proc. 5036/10.0TBBRG-M.G1; RG, de 02.05.2013, proc. 3722/12.7TBBRG-H.G1 e RG, de 23.04.2013, proc. 1473/11.1TBFLG.G1, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
Podemos assim concluir que o plano de revitalização apresentado nos autos contém uma violação não negligenciável das normas aplicáveis ao seu conteúdo, já que o mesmo desrespeitou as normas imperativas acima mencionadas, pelo que a sua homologação produziu um resultado que a lei não autoriza (Carvalho Fernandes e João Labareda, “Código de Recuperação de Empresas Anotado”, Vol. II, artºs 185° a 304°, Quid Iuris, 2005, pag. 119).
Em face de todo o exposto, improcede a apelação, por o plano de recuperação apresentado não poder ser homologado, o que determina a manutenção da decisão recorrida.

Sumariando ( cfr. artº713º nº7 do CPC/ 663º, nº7, do NCPC ):
.O CIRE confere ao Juiz o dever de recusar a homologação do plano de recuperação conducente à revitalização de devedor aprovado, caso verifique designadamente ter-se verificado uma violação não negligenciável de regras procedimentais ou das normas aplicáveis ao seu conteúdo.
.Em face do disposto no artº 194º,nº1, do CIRE, nada impede a que o plano possa estabelecer diferenciações entre os credores do devedor a revitalizar ,desde que “justificadas por razões objectivas”.
.Após as alterações legislativas introduzidas pela Lei 55-A/2010, de 31/12, ao artº 30º da LGT, deixou de ser legalmente possível homologar um plano de revitalização que contemple a redução, extinção ou moratória de créditos fiscais, sem que o Estado (a Autoridade Tributária) o tenha votado favoravelmente.
.O plano de revitalização aprovado que preveja redução de crédito tributário, sem que tenha merecido o voto favorável da Fazenda Nacional, obriga a concluir que o respectivo conteúdo integra a violação não negligenciável de normas respeitantes ao referido crédito, o que deve levar à prolação de sentença de recusa da sua homologação (cfr. artº 215º e artº 17-F nº 5 do CIRE).

Decisão.
Em face de tudo o supra exposto acordam os Juízes na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, em manter a decisão recorrida na sequência do não provimento da apelação interposta pela devedora.
Custas a cargo da recorrente que ficou vencida na sua pretensão.
Notifique

Guimarães, 01 de Outubro de 2013
Maria Purificação Carvalho
Maria Rosa Tching
Espinheira Baltar