Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2352/12.0TBGMR.G1
Relator: ISABEL ROCHA
Descritores: ARRENDAMENTO
RESIDÊNCIA PERMANENTE
DIREITO DE RESOLUÇÃO OU DE MODIFICAÇÃO DO CONTRATO
CADUCIDADE
RESOLUÇÃO DO CONTRATO
DEVERES DO INQUILINO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/14/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: I-A procedência da excepção ao direito de resolução do senhorio do contrato de arrendamento prevista no art.º 1093.º n.º 2 do CC não se basta a mera permanência de parentes ou familiares no arrendado antes se configurando como necessário a existência de elos de dependência económica entre eles, verificando-se assim uma única economia doméstica, contribuindo todos ou só alguns para os gastos comuns.
II-A violação dos deveres impostos aos inquilinos que fundamentem a resolução do contrato de arrendamento, podem ser instantâneos ou continuados ou duradouros; são instantâneos quando a conduta violadora for uma só, realizada ou executada em dado momento temporal, embora os seus efeitos permaneçam ou se protraiam no tempo; são continuados/ quando o processo de violação do contrato se mantenha em aberto, alimentado pela conduta persistente do locatário: no primeiro caso o senhorio já dispõe de todos os elementos para tomar uma decisão; só no segundo se justifica que a lei lhe dê a possibilidade de decidir, em face das circunstâncias e enquanto a conduta violadora persiste. Assim, o prazo de caducidade do direito de resolução do arrendamento é o previsto no art.º 1085.º n.º 3 do cc.
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes da 1.ªsecção cível do Tribunal da Relação de Guimarães.

RELATÓRIO
AA e esposa BB, intentaram a presente acção declarativa contra CC, pedindo que a ré seja condenada a ver resolvido o contrato de arrendamento que com ela celebraram, e a despejá-lo e entregá-lo imediatamente, totalmente livre de pessoas e bens.
Para fundamentar tal pedido alegam os autores, em síntese, que a ré desde há cerca de dez anos não mantém a sua residência habitual no imóvel objecto do arrendamento.
A Ré contestou, impugnando os factos que constituem o fundamento do pedido dos Autores, alegando ter sempre mantido residência no locado e, além disso, que, tendo uma filha sua permanecido no mesmo, ininterruptamente e durante mais de vinte anos, não teriam também os autores direito a resolver o contrato situação que é do conhecimento dos Autores há cerca de 10 anos.
Excepcionou ainda a caducidade do direito que os autores pretendem exercer.

Após audiência de julgamento, foi proferida sentença que conheceu de facto e direito, decidindo-se a final, julgar procedente a acção e, em consequência:
a) Declarou-se resolvido o contrato de arrendamento existente entre autores e ré;
b) Condenou-se a ré a despejar o arrendado e a entregá-lo aos autores totalmente livre de pessoas e bens.
Inconformada, a Ré recorreu da sentença, juntando alegações de onde se extraem as seguintes conclusões:
I – Na 1ª instância ocorreu a gravação de todos os depoimentos prestados na audiência de julgamento. Assim, atendendo aos depoimentos prestados pelas testemunhas arroladas pela autora e pela ré e, bem assim, à prova documental junta aos autos, considera-se ter havido pontos de factos que foram incorrectamente julgados pelo Tribunal a quo, concretamente, os pontos números 5 e 6 dos factos provados e as alíneas a) e b) dos factos não provados.
II – Visto que constam dos autos e das gravações todos os elementos necessários à sindicância desse julgamento (Art. 662º do CPC), há condições e motivos para alterar as respostas a esses factos, os quais deverão passar a ter a seguinte resposta: - Pontos 5 e 6 dos factos provados: Não provados; e - Alíneas a) e b) dos factos não provados: Provados.
III – Considera-se que o Tribunal a quo violou e fez errada interpretação dos Arts. 1072º, nº 2, al. c), 1085º e 1093º, nº 1, al. a) e nº 2, todos do Código Civil.
IV – Da prova produzida em sede de audiência de julgamento não se pode concluir que a R. não utiliza o imóvel arrendado para sua habitação.
V – A ré habita a casa arrendada, sendo lá que se centra a sua vida familiar, onde toma as suas refeições, onde vê televisão, onde recebe os seus filhos e outros familiares e onde, grande parte das vezes pernoita.
VI – Com a R. vive a sua filha, Alexandra, e o marido e filha desta, em economia comum.
VII – Há mais de 30 anos, a R. e a sua família começaram a habitar as duas casas: o imóvel arrendado e a casa dos pobres.
VIII – A R. nem sempre dorme no imóvel arrendado, havendo alturas em que dorme na chamada casa dos pobres.
IX – Do facto de a R. não dormir todos os dias no imóvel arrendado não se pode concluir que esta não vive no mesmo com a sua filha, pois, como resultou também evidente do depoimento das testemunhas arroladas pela R., tal deve-se ao facto do imóvel em causa ser muito pequeno, dispondo apenas de um quarto, pelo que, a R. sempre encontra mais conforto ao dormir na outra casa, denominada, casa dos pobres.
XI – Não se verifica o não uso do imóvel em causa da parte da R., pois é nesse imóvel que se centra a sua vida familiar, onde toma as suas refeições, onde vê televisão, onde recebe os seus filhos e outros familiares e onde, grande parte das vezes pernoita.
XII – Ainda que se considere que há, de facto, fundamento para a resolução do contrato de arrendamento pelo não uso do imóvel arrendado por mais de um ano, o que não se concebe em face da prova produzida em audiência de julgamento, sempre será de se atentar que, no caso em apreço, esse direito à resolução já há muito caducou.
XIII – Os AA. tinham conhecimento, há pelo menos dois ou três anos, anteriores à propositura da acção, que o R. não habitava o imóvel arrendado e que o mesmo era habitado pela filha desta.
Os Autores responderam ás alegações, pugnando pela improcedência do recurso.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

FUNDAMENTAÇÃO
Objecto do recurso
Considerando que o objecto do recurso está delimitado pelas conclusões das alegações, as questões a decidir são as seguintes:
Erro de julgamento da decisão de facto ínsita na sentença recorrida.
Prazo de caducidade do direito de resolução do contrato de arrendamento arrogado pelos autores.
Aplicação ao caso concreto, do art.º no nº 1 alínea 1 do art.º 1093.º do CC,
Os factos que fundamentaram a decisão recorrida são os seguintes:

1. Por escritura pública outorgada no dia 2 de Junho de 1981, DD e Outros declararam vender ao aqui autor AA, nesse acto representado por procurador, um prédio urbano de rés-do-chão e terreno de logradouro, a confrontar do norte com terreno de EE, do sul com caminho público e do nascente e poente com prédios dos vendedores, inscrito na matriz sob o artigo …, tendo o autor declarado aceitar a venda.
2. Esse prédio situa-se na Rua 25 de Abril, na freguesia de Costa, do concelho de Guimarães.
3. Aquando dessa compra pelo autor, a ré já habitava o imóvel contra o pagamento de uma renda mensal, que actualmente se cifra entre € 8,00 e € 8,70, destinando-se o imóvel à habitação da aqui ré.
4. No mês imediatamente a seguir à referida compra, a ré passou a pagar a respectiva renda aos aqui autores.
5. A ré já não habita naquele prédio há mais de dez anos, não dorme, não toma as suas refeições, não recebe os amigos ou qualquer correspondência nessa casa.
6. A ré passou desde então a dormir, a tomar as suas refeições, a receber amigos, familiares, respectiva correspondência, na Casa Paroquial da Costa, onde não paga qualquer quantia a título de renda.
7. No imóvel a que se alude em 1. vive uma filha da ré, FF, que aí habita com o seu agregado familiar.
8. A ré e o seu falecido marido vieram a ter oito filhos, tendo-se tornado o arrendado pequeno para uma família tão numerosa.
9. A ré pediu ao Sr. Padre da respectiva paróquia que lhe arranjasse uma outra casa no designado “Bairro dos Pobres”.
10. O pedido foi-lhe satisfeito por aquele Padre e, então, há mais de 30 anos, a ré e a sua família começaram a habitar as duas casas: a casa que agora é dos autores e uma casa dos pobres, a título gratuito.
11. Ambas as casas se situam na Rua 25 de Abril, da freguesia de Costa, desta comarca.
12. Os filhos da ré foram saindo, casando uns e saindo outros para outros lados, tendo falecido o marido daquela.
13. Na casa a que se alude em 1. ficou a viver a sua filha FF, o marido desta e um neto do casal, mantendo-se essa filha no arrendado, ininterruptamente, há mais de 20 anos.
14. Os autores tinham conhecimento há mais de um ano antes da propositura desta acção que a filha da ré, Alexandra Manuela, morava no arrendado.
Factos Não Provados.
Não se provaram outros quaisquer factos com relevo para a decisão a proferir além dos acima elencados e, designadamente, que:
a) A ré nunca deixou de ter habitação permanente no prédio dos autores, nomeadamente nele dormindo, tomando as refeições, recebendo amigos e familiares, e correspondência.

DECIDINDO
Pretende a Ré que este tribunal altere a decisão de facto.
A alteração da decisão na Relação sobre a matéria de facto está prevista no art.º 662 do CPC.
No caso dos autos nada impede que em sede de recurso se conheça da pretendida alteração, já que, a apelante, cumpriu os ónus determinados no art.º 640.º do CPC.
O objecto da reapreciação da decisão em crise reconduz-se aos factos provados sob os números 5, e 6 e ainda aos factos não provados sob a alínea a) e b).
Os factos impugnados têm a seguinte redacção:
5) 5. A ré já não habita naquele prédio há mais de dez anos, não dorme, não toma as suas refeições, não recebe os amigos ou qualquer correspondência nessa casa.
6). A ré passou desde então a dormir, a tomar as suas refeições, a receber amigos, familiares, respectiva correspondência, na Casa Paroquial da Costa, onde não paga qualquer quantia a título de renda.
Estes factos, foram dados como provados sendo que, no entendimento da Ré, deveram ser dados como não provados.
Para tanto, convocam os depoimentos da Ré e das testemunhas Alexandra, Jaime, Gabriela.

a. A ré nunca deixou de ter habitação permanente no prédio dos autores, nomeadamente nele dormindo, tomando as refeições, recebendo amigos e familiares, e correspondência.
Este facto foi dado como não provado, mas a Ré pugna pela sua prova, fundamentando que têm sustentação nos depoimentos da Autora, e das testemunhas Padre Carlos …, João …, Alexandra …, Jaime … e Gabriela …

O Meritíssimo Juiz da 1.ª instância fundamentou a sua convicção relativamente á decisão de facto, nos seguintes termos:
Que a ré vive há vários anos, com carácter de permanência, noutra habitação que não o arrendado, mais concretamente na dita “Casa dos Pobres”, e que o imóvel pertença dos autores é actualmente habitado pela filha da ré e pelo agregado familiar desta, ficou demonstrado desde logo com base no depoimento da testemunha Carlos ….
Esta testemunha, que disse ser o pároco da freguesia desde Outubro de 2001, depondo de forma absolutamente clara e isenta, afirmou com clareza esses factos, explicitando também que, segundo lhe foi transmitido, a referida “Casa dos Pobres” teria sido em tempos cedida gratuitamente à ré e ao marido desta em virtude de terem um agregado familiar numeroso.
Também a testemunha João … afirmou que, das vezes que acompanhou o autor ao encontro da ré, esta se encontrava naquela casa, e não no prédio pertencente aos demandantes.
De resto, mesmo dos depoimentos das testemunhas que a ré arrolou (dois filhos e uma neta), não deixou-se extrair-se, com total evidência, que, na realidade, o prédio dos autores é actualmente habitado pela testemunha Alexandra …, pelo seu marido e filho. Aliás, esta, ao longo do seu depoimento, sempre se referiu espontaneamente ao arrendado como “a minha casa”, embora, sem sucesso, tentasse convencer o tribunal de que a sua mãe ora está numa, ora está noutra das casas, que vive em ambas ao mesmo tempo.
Nessa parte, além de perfeitamente inverosímil (tendo chegado ao ponto de afirmar que a mãe, quando pernoita em “sua” casa, dorme no chão), o depoimento daquela Alexandra … – a verdadeira interessada no desfecho desta causa, diga-se – foi infirmado pelo depoimento do Sr. Padre Carlos …, o mesmo tendo sucedido com os testemunhos do seu irmão Jaime e da sua sobrinha Gabriela.
Aliás, tendo a ré esclarecido no artigo 1º da contestação que o nº de polícia do prédio dos autores é o 200-B e não o 61-B, esclarecedor não deixa de ser também que tenha sido este último nº de porta, e não aquele, que a ré terá indicado como sendo o da sua morada aos serviços do Centro Hospitalar do Alto Ave (cfr. o documento junto pela própria ré a fls. 102 e segs.)
Quanto aos factos não provados, esses assim se tiveram em virtude de não ter sido sobre eles produzida prova bastante, ou terem sido infirmados pelos meios de prova acima referenciados

Analisemos então os depoimentos gravados das testemunhas e da Ré.
A testemunha Carlos … pároco da paróquia de Santa Marinha da Costa, desde 2001 onde se situa a casa arrendada, testou que conhece a Ré, e a sua filha Alexandra. A Ré mora numa das casas chamada dos pobres que são propriedade da fábrica da Igreja da sua paróquia, situando-se na rua 25 de Abril.
Ao que lhe é dado, observar, a filha da Ré, Alexandra, vive ligeiramente abaixo das casas dos pobres. Procurou em documentos e foi-lhe dito que a concessão da casa deveu-se ao número do agregado familiar da Ré, sendo insuficiente a casa onde está a Alexandra. A cedência é anterior a sua vinda para a paróquia.
Há cerca de 2 a 3 anos o Autor abordou-o para que lhe passasse uma declaração no sentido de atestar que a Ré vivia na casa dos pobres, o que recusou pois que, as casas são apenas cedidas gratuita e temporariamente, enquanto for necessário, não podendo ser transmitidas para os familiares
Desde que testemunha está na paróquia, a Ré vive na casa dos pobres, pois que passa todos os dias de terça a sexta, junto á mesma e a maior parte das vezes vê a Ré pela porta que está entreaberta.
A casa da filha da Ré tem poucas condições, e só lá entrou há cerca de 4 anos numa visita pascal.
A testemunha Jorge … indicada pelo Autor, é amigo do Autor, atestou que, numa ocasião em que o Autor estava em Portugal foi com ele ver as suas propriedades. Não entrou na casa arrendada, mas foi com o Autor a outra casa próxima, onde estava a Ré.

A testemunha Alexandra …, disse ser filha da Ré.
Perguntada onde mora a Ré disse que esta estava na casa dos pobres, que tem uma sala um quarto e uma casa de banho. A testemunha mora na casa arrendada como marido e um filho. Vive nesta casa desde que nasceu. A inquilina da casa onde mora é a sua mãe. A casa arrendada tem uma sala, um quarto e uma cozinha nem sequer tendo casa de banho. Quando a mãe está doente e se sente sozinha (tem problemas de saúde) ela vai para a casa arrendada o que sucede várias vezes, dormindo num colchão na sala, almoçando na casa do Autor mas não sempre. É também nesta casa que vê TV e recebe a visita dos filhos por ter mais espaço no terraço. Ou seja, no dizer da testemunha, a Ré ora vive na casa dos pobres ora vive na casa arrendada. A mãe tem a reforma do pai e a sua reforma. A residência da casa dos pobres está mobilada, tem fogão e mesa cadeiras. Quem cozinha mais para a mãe é a testemunha, mas também está muitas vezes com ela.
Há13 anos o Autor propôs à Ré, a compra da casa. Negociou com a mãe, mas quem ia efectivamente comprá-la era a testemunha, o que não aconteceu por não ter sido aprovado no banco o empréstimo para tanto.

A testemunha Jaime … também filho da Ré atestou em sintonia com sua irmã que a mãe a maioria das vezes está sempre na casa de que é inquilina,( casa de baixo) na casa dos pobres só vai dormir e nem sempre porque a irmã tem na casa que ocupa, um colchão para a mãe que é pessoa doente. A irmã trabalha e a testemunha que, está desempregada, vai lá ajudá-la. Na casa arrendada vive a irmã o marido e o filho.
A mãe pediu ao padre para lhe ceder uma das casas dos pobres, porque a casa arrendada era pequena e a Ré tinha muitos filhos. Entretanto, os filhos foram saindo. A filha Alexandra que sempre viveu no arrendado entretanto casou há 15 anos, sendo quer o marido quer o filho que nasceu do casamente passaram a viver na casa do Autor. Porque a casa de baixo só tinha um quarto, a mãe mudou para a casa dos pobres que é próximo do arrendado, permitindo-lhe ter mais conforto.

A testemunha Gabriela, neta da Ré disse que visita a avó nas duas casas. A avó sempre usou as duas casas. A avó ás vezes fica na caixa de baixo, também usufrui a casa de cima, quando está doente dorme na casa de baixo.

O depoimento da Ré mostrou-se consonante com os depoimentos dos seus familiares. Disse que vivia nas duas casas. Tanto dorme na de cima, como na de baixo, (a arrendada). Precisa do apoio da filha por ser doente do coração, mas também disse que, se a filha deixar de ali morar não regressará á casa do Autor.
Relevou-se também o documento de fls.102 emitido pelos serviços do Centro Hospitalar do Alto Ave donde resulta que, dele consta a morada da casa dos pobres, que só pode ter sido indicada pela Ré.

Em face dos meios de prova supra referidos adiantamos desde já, que subscrevemos a convicção do Mm.º juiz da primeira instância, fundada nos depoimentos das testemunhas indicadas pelo Autor, em particular a testemunha Carlos …, cujo depoimento de afigurou isento e sério, sendo que, a testemunha Jorge … confirmou em parte o primeiro depoimento. Releva também a prova documental em especial o documento de fls. 102 e seguintes de onde resulta que é na cas dos pobres que recebe a sua correspondência.
Quanto aos depoimentos da Ré e dos seus familiares mais próximos, é evidente o interesse da causa por parte da testemunha Alexandra …, que é quem usufrui o arrendado ali tendo a sua residência permanente.
Ademais, os depoimentos, quer da Ré quer dos seus familiares, não são o bastante para se aferir que a Ré reside alternativamente nas duas residências. Como resulta dos mesmos depoimentos, a Ré, que tinha residência no arrendado decidiu morar na casa dos pobres numa altura em que na casa do autor só morava a filha Alexandra que entretanto casou e teve um filho.
Fê-lo por ser mais confortável tal opção. Se pontualmente vai dormir a casa da filha quando está doente e precisa de cuidados, estaremos em face de uma situação de força maior. Não obstante, o certo é que, como se refere na motivação da decisão de facto é inverosímil que a ré quando doente, tenha de ir para casa da filha dormindo num colchão no chão quando perto tem a sua cama na sua residência. O que faz sentido é que a filha acompanhe a mãe na casa onde esta optou viver.
Deve pois improceder a impugnação da decisão de facto.

Quanto ao direito.
A ré arguiu excepção da caducidade.
Preceitua o art.º 1085.º que:
“1. A resolução deve ser efectivada dentro do prazo de um ano a contar do conhecimento do facto que lhe serve de fundamento, sob pena de caducidade.
2. O prazo referido no número anterior é reduzido para três meses quando o fundamento da resolução seja o previsto nos n.ºs 3 ou 4 do artigo 1083.º
3. Quando se trate de facto continuado ou duradouro, o prazo não se completa antes de decorrido um ano da sua cessação.”
Cabia à Ré a alegação e prova da caducidade por ser matéria de excepção.
Ora esta apenas alegou que, os Autores sabiam há mais de um ano que a filha da Ré vivia habitando no arrendado, mas, também alegou factos de onde resulta que a Ré nunca deixou de residir permanentemente no arrendado.
Tendo em conta as referidas alegações, retira-se das mesmas que, não se pode interpretar que a Ré queria alegar que os Autores sabiam que aquela já não residia no arrendado há mais de um ano, que era o que relevava para aferir da eventual caducidade.
Assim não cumpriu o ónus de alegação que lhe incumbia.
Sem prejuízo, não concordamos com o entendimento da Ré no sentido de que o prazo da caducidade em causa é o que se refere no art.º1085.º n.º 1, e não o prazo referido no n.º 3 do mesmo artigo.
Para tanto á que saber se o facto fundamento da resolução em causa é instantâneo, ou não continuado ou duradouro.
Entendemos, ao contrário da apelante que estamos em face de factos continuados ou duradouros.
Como se refere na decisão recorrida, citando Pereira Coelho, Ensina,” Arrendamento”, 1988:
“A violação deve qualificar-se como instantânea quando a conduta violadora for uma só, realizada ou executada em dado momento temporal, embora os seus efeitos permaneçam ou se protraiam no tempo; … só deverá ter-se como continuada quando o processo de violação do contrato se mantenha em aberto, alimentado pela conduta persistente do locatário… No primeiro caso o senhorio já dispõe de todos os elementos para tomar uma decisão; só no segundo se justifica que a lei lhe dê a possibilidade de decidir, em face das circunstâncias e enquanto a conduta violadora se mantiver, sobre a resolução ou não do contrato.”
Ora estando provado que a ré já não habita naquele prédio há mais de dez anos, não dorme, não toma as suas refeições, não recebe os amigos ou qualquer correspondência nessa casa, que passou desde então a dormir, a tomar as suas refeições, a receber amigos, familiares, respectiva correspondência, na Casa Paroquial da Costa, onde não paga qualquer quantia a título de renda, é evidente que estamos perante uma violação duradoura e continuada.
Assim rege o n.º 3 do art.º 1085.ºdo CC donde resulta que o prazo em causa não se completa antes de decorrido um ano da sua cessação, o que ainda não se verificou.
Esta norma revogou o assento de 3 de Maio de 1984, onde se decidiu que, “ Seja duradouro ou continuado o facto violador do contrato de arrendamento, é a partir do conhecimento inicial pelo senhorio que se conta o prazo de caducidade estabelecido no art.º 1094 do Código Civil.”
A solução legislativa agora em vigor no que concerne á contagem do prazo de caducidade, era já preconizada por Pires de lima e Antunes Varela designadamente no que se refere á previsão do actual art.º 1084.º n.º 2 alínea d), por se entender que o facto fundamento da resolução, como facto duradouro ou continuado, se mantém, enquanto persistir a violação cometida pelo locatário em causa, como facto duradouro ou continuado (cf Código Civil anotado dos referidos Autores a volume II pag. 566 e 567).
Nestes termos conclui-se que não está caducado o direito de resolução, do contrato de arrendamento arrogado pelos autores.

Em face dos factos provados e não provados não alterados, conclui-se que a Ré violou o dever usar efectivamente a coisa para o fim contratado, não deixando de a utilizar por mais de um ano.
O incumprimento de tal dever é fundamento de resolução do concreto de arrendamento por parte do senhorio (cf art.º s 1072.º n.º 2 alínea c) e art.º 1083.º n.º 2 alínea d) do Código Civil.
A lei excepciona o referido direito á resolução na situação prevista no nº 1 alínea 1 do art.º 1093.º do CC, segundo o qual, “Nos arrendamentos para habitação podem residir no prédio, além do arrendatário, todos os que, vivam com ele em economia comum.”
Dispõe ainda o n.º 2 do mesmo artigo que, “Consideram-se sempre como vivendo com o arrendatário em economia comum a pessoa que com ele viva em união de facto, os seus parentes ou afins na linha recta ou até ao 3.º grau da linha colateral, ainda que paguem alguma retribuição, e bem assim as pessoas relativamente às quais, por força da lei ou de negócio jurídico que não respeite directamente à habitação, haja obrigação de convivência ou de alimentos.”
Era á Ré, que incumbia o ónus da prova dos factos por constituírem matéria de excepção.
Sucede que, a factualidade provada não permite concluir a existência da referida economia comum.
De facto, para aferir da situação de economia comum, não basta a mera permanência de parentes ou familiares no arrendado pois que, tal exige a existência de elos de dependência económica entre eles, verificando-se assim uma única economia doméstica, contribuindo todos ou só alguns para os gastos comuns. Acresce que, também não se provou que a ausência da Ré no locado seja temporária. E assim, concluímos como na sentença recorrida no sentido de que não poder proceder a alegada excepção.
Deve pois improceder a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.

Em conclusão

I-A procedência da excepção ao direito de resolução do senhorio do contrato de arrendamento prevista no art.º 1093.º n.º 2 do CC não se basta a mera permanência de parentes ou familiares no arrendado antes se configurando como necessário a existência de elos de dependência económica entre eles, verificando-se assim uma única economia doméstica, contribuindo todos ou só alguns para os gastos comuns.

II-A violação dos deveres impostos aos inquilinos que fundamentem a resolução do contrato de arrendamento, podem ser instantâneos ou continuados ou duradouros; são instantâneos quando a conduta violadora for uma só, realizada ou executada em dado momento temporal, embora os seus efeitos permaneçam ou se protraiam no tempo; são continuados/ quando o processo de violação do contrato se mantenha em aberto, alimentado pela conduta persistente do locatário: no primeiro caso o senhorio já dispõe de todos os elementos para tomar uma decisão; só no segundo se justifica que a lei lhe dê a possibilidade de decidir, em face das circunstâncias e enquanto a conduta violadora persiste. Assim, o prazo de caducidade do direito de resolução do arrendamento é o previsto no art.º 1085.º n.º 3 do cc.

DECISÃO

Pelo exposto acordam os juízes desta secção cível em julgar improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida.

Custas pela Ré sem prejuízo do apoio judiciário.

G.14.05.2015

Isabel Rocha

Jorge Teixeira

Manuel Bargado