Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | ISABEL ROCHA | ||
Descritores: | ARRENDAMENTO RESIDÊNCIA PERMANENTE DIREITO DE RESOLUÇÃO OU DE MODIFICAÇÃO DO CONTRATO CADUCIDADE RESOLUÇÃO DO CONTRATO DEVERES DO INQUILINO | ||
Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 05/14/2015 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | 1ª SECÇÃO CÍVEL | ||
Sumário: | I-A procedência da excepção ao direito de resolução do senhorio do contrato de arrendamento prevista no art.º 1093.º n.º 2 do CC não se basta a mera permanência de parentes ou familiares no arrendado antes se configurando como necessário a existência de elos de dependência económica entre eles, verificando-se assim uma única economia doméstica, contribuindo todos ou só alguns para os gastos comuns. II-A violação dos deveres impostos aos inquilinos que fundamentem a resolução do contrato de arrendamento, podem ser instantâneos ou continuados ou duradouros; são instantâneos quando a conduta violadora for uma só, realizada ou executada em dado momento temporal, embora os seus efeitos permaneçam ou se protraiam no tempo; são continuados/ quando o processo de violação do contrato se mantenha em aberto, alimentado pela conduta persistente do locatário: no primeiro caso o senhorio já dispõe de todos os elementos para tomar uma decisão; só no segundo se justifica que a lei lhe dê a possibilidade de decidir, em face das circunstâncias e enquanto a conduta violadora persiste. Assim, o prazo de caducidade do direito de resolução do arrendamento é o previsto no art.º 1085.º n.º 3 do cc. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes da 1.ªsecção cível do Tribunal da Relação de Guimarães. RELATÓRIO AA e esposa BB, intentaram a presente acção declarativa contra CC, pedindo que a ré seja condenada a ver resolvido o contrato de arrendamento que com ela celebraram, e a despejá-lo e entregá-lo imediatamente, totalmente livre de pessoas e bens. Para fundamentar tal pedido alegam os autores, em síntese, que a ré desde há cerca de dez anos não mantém a sua residência habitual no imóvel objecto do arrendamento. A Ré contestou, impugnando os factos que constituem o fundamento do pedido dos Autores, alegando ter sempre mantido residência no locado e, além disso, que, tendo uma filha sua permanecido no mesmo, ininterruptamente e durante mais de vinte anos, não teriam também os autores direito a resolver o contrato situação que é do conhecimento dos Autores há cerca de 10 anos. Excepcionou ainda a caducidade do direito que os autores pretendem exercer. Após audiência de julgamento, foi proferida sentença que conheceu de facto e direito, decidindo-se a final, julgar procedente a acção e, em consequência: a) Declarou-se resolvido o contrato de arrendamento existente entre autores e ré; b) Condenou-se a ré a despejar o arrendado e a entregá-lo aos autores totalmente livre de pessoas e bens. Inconformada, a Ré recorreu da sentença, juntando alegações de onde se extraem as seguintes conclusões: I – Na 1ª instância ocorreu a gravação de todos os depoimentos prestados na audiência de julgamento. Assim, atendendo aos depoimentos prestados pelas testemunhas arroladas pela autora e pela ré e, bem assim, à prova documental junta aos autos, considera-se ter havido pontos de factos que foram incorrectamente julgados pelo Tribunal a quo, concretamente, os pontos números 5 e 6 dos factos provados e as alíneas a) e b) dos factos não provados. II – Visto que constam dos autos e das gravações todos os elementos necessários à sindicância desse julgamento (Art. 662º do CPC), há condições e motivos para alterar as respostas a esses factos, os quais deverão passar a ter a seguinte resposta: - Pontos 5 e 6 dos factos provados: Não provados; e - Alíneas a) e b) dos factos não provados: Provados. III – Considera-se que o Tribunal a quo violou e fez errada interpretação dos Arts. 1072º, nº 2, al. c), 1085º e 1093º, nº 1, al. a) e nº 2, todos do Código Civil. IV – Da prova produzida em sede de audiência de julgamento não se pode concluir que a R. não utiliza o imóvel arrendado para sua habitação. V – A ré habita a casa arrendada, sendo lá que se centra a sua vida familiar, onde toma as suas refeições, onde vê televisão, onde recebe os seus filhos e outros familiares e onde, grande parte das vezes pernoita. VI – Com a R. vive a sua filha, Alexandra, e o marido e filha desta, em economia comum. VII – Há mais de 30 anos, a R. e a sua família começaram a habitar as duas casas: o imóvel arrendado e a casa dos pobres. VIII – A R. nem sempre dorme no imóvel arrendado, havendo alturas em que dorme na chamada casa dos pobres. IX – Do facto de a R. não dormir todos os dias no imóvel arrendado não se pode concluir que esta não vive no mesmo com a sua filha, pois, como resultou também evidente do depoimento das testemunhas arroladas pela R., tal deve-se ao facto do imóvel em causa ser muito pequeno, dispondo apenas de um quarto, pelo que, a R. sempre encontra mais conforto ao dormir na outra casa, denominada, casa dos pobres. XI – Não se verifica o não uso do imóvel em causa da parte da R., pois é nesse imóvel que se centra a sua vida familiar, onde toma as suas refeições, onde vê televisão, onde recebe os seus filhos e outros familiares e onde, grande parte das vezes pernoita. XII – Ainda que se considere que há, de facto, fundamento para a resolução do contrato de arrendamento pelo não uso do imóvel arrendado por mais de um ano, o que não se concebe em face da prova produzida em audiência de julgamento, sempre será de se atentar que, no caso em apreço, esse direito à resolução já há muito caducou. XIII – Os AA. tinham conhecimento, há pelo menos dois ou três anos, anteriores à propositura da acção, que o R. não habitava o imóvel arrendado e que o mesmo era habitado pela filha desta. Os Autores responderam ás alegações, pugnando pela improcedência do recurso. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. FUNDAMENTAÇÃO Objecto do recurso Considerando que o objecto do recurso está delimitado pelas conclusões das alegações, as questões a decidir são as seguintes: Erro de julgamento da decisão de facto ínsita na sentença recorrida. Prazo de caducidade do direito de resolução do contrato de arrendamento arrogado pelos autores. Aplicação ao caso concreto, do art.º no nº 1 alínea 1 do art.º 1093.º do CC, Os factos que fundamentaram a decisão recorrida são os seguintes: 1. Por escritura pública outorgada no dia 2 de Junho de 1981, DD e Outros declararam vender ao aqui autor AA, nesse acto representado por procurador, um prédio urbano de rés-do-chão e terreno de logradouro, a confrontar do norte com terreno de EE, do sul com caminho público e do nascente e poente com prédios dos vendedores, inscrito na matriz sob o artigo …, tendo o autor declarado aceitar a venda. 2. Esse prédio situa-se na Rua 25 de Abril, na freguesia de Costa, do concelho de Guimarães. 3. Aquando dessa compra pelo autor, a ré já habitava o imóvel contra o pagamento de uma renda mensal, que actualmente se cifra entre € 8,00 e € 8,70, destinando-se o imóvel à habitação da aqui ré. 4. No mês imediatamente a seguir à referida compra, a ré passou a pagar a respectiva renda aos aqui autores. 5. A ré já não habita naquele prédio há mais de dez anos, não dorme, não toma as suas refeições, não recebe os amigos ou qualquer correspondência nessa casa. 6. A ré passou desde então a dormir, a tomar as suas refeições, a receber amigos, familiares, respectiva correspondência, na Casa Paroquial da Costa, onde não paga qualquer quantia a título de renda. 7. No imóvel a que se alude em 1. vive uma filha da ré, FF, que aí habita com o seu agregado familiar. 8. A ré e o seu falecido marido vieram a ter oito filhos, tendo-se tornado o arrendado pequeno para uma família tão numerosa. 9. A ré pediu ao Sr. Padre da respectiva paróquia que lhe arranjasse uma outra casa no designado “Bairro dos Pobres”. 10. O pedido foi-lhe satisfeito por aquele Padre e, então, há mais de 30 anos, a ré e a sua família começaram a habitar as duas casas: a casa que agora é dos autores e uma casa dos pobres, a título gratuito. 11. Ambas as casas se situam na Rua 25 de Abril, da freguesia de Costa, desta comarca. 12. Os filhos da ré foram saindo, casando uns e saindo outros para outros lados, tendo falecido o marido daquela. 13. Na casa a que se alude em 1. ficou a viver a sua filha FF, o marido desta e um neto do casal, mantendo-se essa filha no arrendado, ininterruptamente, há mais de 20 anos. 14. Os autores tinham conhecimento há mais de um ano antes da propositura desta acção que a filha da ré, Alexandra Manuela, morava no arrendado. Factos Não Provados. Não se provaram outros quaisquer factos com relevo para a decisão a proferir além dos acima elencados e, designadamente, que: a) A ré nunca deixou de ter habitação permanente no prédio dos autores, nomeadamente nele dormindo, tomando as refeições, recebendo amigos e familiares, e correspondência. DECIDINDO Pretende a Ré que este tribunal altere a decisão de facto. A alteração da decisão na Relação sobre a matéria de facto está prevista no art.º 662 do CPC. No caso dos autos nada impede que em sede de recurso se conheça da pretendida alteração, já que, a apelante, cumpriu os ónus determinados no art.º 640.º do CPC. O objecto da reapreciação da decisão em crise reconduz-se aos factos provados sob os números 5, e 6 e ainda aos factos não provados sob a alínea a) e b). Os factos impugnados têm a seguinte redacção: 5) 5. A ré já não habita naquele prédio há mais de dez anos, não dorme, não toma as suas refeições, não recebe os amigos ou qualquer correspondência nessa casa. 6). A ré passou desde então a dormir, a tomar as suas refeições, a receber amigos, familiares, respectiva correspondência, na Casa Paroquial da Costa, onde não paga qualquer quantia a título de renda. Estes factos, foram dados como provados sendo que, no entendimento da Ré, deveram ser dados como não provados. Para tanto, convocam os depoimentos da Ré e das testemunhas Alexandra, Jaime, Gabriela. a. A ré nunca deixou de ter habitação permanente no prédio dos autores, nomeadamente nele dormindo, tomando as refeições, recebendo amigos e familiares, e correspondência. Este facto foi dado como não provado, mas a Ré pugna pela sua prova, fundamentando que têm sustentação nos depoimentos da Autora, e das testemunhas Padre Carlos …, João …, Alexandra …, Jaime … e Gabriela … O Meritíssimo Juiz da 1.ª instância fundamentou a sua convicção relativamente á decisão de facto, nos seguintes termos: O depoimento da Ré mostrou-se consonante com os depoimentos dos seus familiares. Disse que vivia nas duas casas. Tanto dorme na de cima, como na de baixo, (a arrendada). Precisa do apoio da filha por ser doente do coração, mas também disse que, se a filha deixar de ali morar não regressará á casa do Autor. Em conclusão I-A procedência da excepção ao direito de resolução do senhorio do contrato de arrendamento prevista no art.º 1093.º n.º 2 do CC não se basta a mera permanência de parentes ou familiares no arrendado antes se configurando como necessário a existência de elos de dependência económica entre eles, verificando-se assim uma única economia doméstica, contribuindo todos ou só alguns para os gastos comuns. II-A violação dos deveres impostos aos inquilinos que fundamentem a resolução do contrato de arrendamento, podem ser instantâneos ou continuados ou duradouros; são instantâneos quando a conduta violadora for uma só, realizada ou executada em dado momento temporal, embora os seus efeitos permaneçam ou se protraiam no tempo; são continuados/ quando o processo de violação do contrato se mantenha em aberto, alimentado pela conduta persistente do locatário: no primeiro caso o senhorio já dispõe de todos os elementos para tomar uma decisão; só no segundo se justifica que a lei lhe dê a possibilidade de decidir, em face das circunstâncias e enquanto a conduta violadora persiste. Assim, o prazo de caducidade do direito de resolução do arrendamento é o previsto no art.º 1085.º n.º 3 do cc. Pelo exposto acordam os juízes desta secção cível em julgar improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida. Custas pela Ré sem prejuízo do apoio judiciário.
G.14.05.2015 Isabel Rocha Jorge Teixeira Manuel Bargado |