Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
294/16.0Y3BRG.G1
Relator: VERA SOTTOMAYOR
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
DECLARAÇÕES DE PARTE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/18/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
I - O Código de Processo Civil de 2013 introduziu, no seu artigo 466.º, um novo e autónomo meio de prova, a figura da prova por declarações de parte, que não pode contudo ser requerida pela parte contrária, mas nada obsta a que o depoimento de parte, na parte não confessória possa ser livremente apreciado pelo julgador, desde que observada a devida cautela, pois por natureza é um depoimento interessado.

II - Da declaração da parte importa que o seu relato esteja espontaneamente contextualizado e seja coerente, quer em termos temporais, espaciais e emocionais e que seja credenciado por outros meios de prova, designadamente que as declarações da parte sejam confirmadas, por outros dados, que ainda indirectamente, demonstrem a veracidade da declaração. Caso contrário a declaração revelará força probatória de tal forma débil que não deve ser tida em conta.

III - A prova dos factos favoráveis ao depoente e cuja prova lhe incumbe não se pode basear apenas na simples declaração dos mesmos, é necessária a corroboração de algum outro elemento de prova, com os demais dados e circunstâncias, sob pena de se desvirtuarem as regras elementares sobre o ónus probatório e das acções serem decididas apenas com as declarações das próprias partes.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães

APELANTE: X – COMPANHIA DE SEGUROS, SA
APELADO: AP

I – RELATÓRIO

No Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Juízo do Trabalho de Braga, AP, com o patrocínio do Ministério Público, instaurou ação especial emergente de acidente de trabalho contra X - Companhia de Seguros, S.A., pedindo a sua condenação no pagamento:

- da pensão anual e obrigatoriamente remível de € 620,33 (seiscentos e vinte euros e trinta e três cêntimos), devida pela incapacidade permanente parcial para o trabalho de que ficou a padecer;
- da quantia de €1.972,08 (mil novecentos e setenta e dois euros e oito cêntimos), a título de indemnização pelos períodos em que esteve com incapacidade temporária absoluta e parcial para o trabalho;
- da quantia de € 65,00 (sessenta e cinco euros) que despendeu em deslocações obrigatórias no âmbito dos presentes autos;
- dos juros de mora sobre estas quantias, a calcular à taxa legal supletiva.

A Ré contestou alegando desconhecer a ocorrência de qualquer sinistro sofrido pelo autor no dia 10/12/2016, acrescentando que na data indicada para o sinistro invocado não existem quaisquer registos clínicos da ocorrência do mesmo e concluindo assim pela improcedência da acção com a sua consequente absolvição do pedido.
Foi proferido despacho saneador, fixados os factos assentes e organizada a base instrutória.
Foi ainda ordenado o desdobramento dos autos, para fixação da incapacidade para o trabalho.
Realizou-se a audiência de discussão e julgamento e por fim, foi proferida sentença, que terminou com o seguinte dispositivo:

“Pelo exposto, decido julgar a presente acção parcialmente procedente e, em consequência:

1. Condeno a ré a pagar ao autor a pensão anual e vitalícia de € 960,18 (novecentos e sessenta euros e dezoito cêntimos), acrescida de juros de mora a calcular à taxa legal supletiva desde o dia seguinte ao da alta até integral pagamento;
2. Esta quantia é devida desde o dia seguinte ao da alta e obrigatoriamente remida no correspondente capital de remição;
3. Condeno a ré a pagar ao autor as quantias de € 1.185,75 (mil cento e oitenta e cinco euros e setenta e cinco cêntimos) e de € 65,00 (sessenta cinco euros), acrescidas de juros de mora a calcular à taxa legal supletiva desde a data da tentativa de conciliação até integral pagamento e podendo estas quantias serem pagas juntamente com a entrega do capital de remição.
Nos termos do art. 120º nº1 do Cód. de Processo do Trabalho, fixo à causa o valor de € 14.343,76 (catorze mil trezentos e quarenta e três euros e setenta e seis cêntimos).
Custas a cargo da ré.
Registe e notifique.”
*
A Ré Companhia de Seguros inconformada interpôs recurso da sentença, formulando as seguintes conclusões:

I. O facto 2 do relatório de factos provados da sentença recorrida (resposta ao quesito 1 da base instrutória) não resultou provado do depoimento das testemunhas AL e JD, nem do relatório médico legal da junta médica, nem de qualquer documento junto aos autos.
II. Aquele facto apenas foi confirmado nas declarações de parte do autor/sinistrado, tendo, porém, sido expressamente contrariado pelo depoimento da testemunha AL.
III. O tribunal recorrido ao basear-se apenas naquelas declarações de parte do autor, incorreu em manifesto erro na apreciação das provas e ao fundar-se naquelas ditas declarações de parte fez também um errado uso do previsto no artº 466º/3 do CPC, aplicável ex vi o artº 1º do CPT, o que tudo deverá levar à revogação da decisão que deu como provado o facto 2 da sentença recorrida, que deverá antes ser alterada, por falta de prova, para a decisão de não provado, com a subsequente absolvição da ré do pedido.”

Termina pedindo a revogação da decisão recorrida e a sua substituição por outra que a absolva do pedido.
Contra alegou o Autor defendendo a manutenção do julgado e formulando as seguintes conclusões:

- Os depoimentos do sinistrado e da testemunha por si indicada não revelam irrazoabilidades, inconsistências e inverosemelhanças que inelutavelmente afeta de modo fundamental a credibilidade das mesmas;
- Pelo que devem, como o foram valorizados positivamente pelo tribunal.
- Assim, resta-nos concluir, como o Mmº Juiz «a quo», que tais depoimentos merecem credibilidade, pelo que combinados com a prova pericial e documental inexistindo outros meios probatórios que de forma objectiva bastassem ou convencessem, não podia o tribunal senão concluir e decidir como decidiu, de facto e de direito;
- Infere-se da factualidade dada como provada, que o acidente se deu quando o A. exercia a sua actividade profissional por conta da entidade patronal.
– Por conseguinte, inexistindo qualquer erro na apreciação da prova e inexistindo violação de qualquer disposição ou princípio) legal , o Mmº. Juiz “a quo” fez uma correcta interpretação da Lei.
- A decisão recorrida não enferma de violação de qualquer disposição legal, designadamente das invocadas pela recorrente
. O recurso não merece provimento, devendo improceder na totalidade.”
*
Admitido o recurso na espécie própria e com o adequado regime de subida, foram os autos remetidos a esta 2ª instância.
Dado cumprimento ao disposto na primeira parte do nº 2 do artigo 657º do Código de Processo Civil foi o processo submetido à conferência para julgamento.

II OBJECTO DO RECURSO

Delimitado o objeto do recurso pelas conclusões da Recorrente (artigos 635º, nº 4, 637º n.º 2 e 639º, nºs 1 e 3, do Código de Processo Civil, aplicável por força do disposto no artigo 87º n.º 1 do CPT), a única questão trazida à apreciação deste Tribunal da Relação é a da modificação da decisão sobre a matéria de facto com as consequências dai decorrentes.

III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Em 1ª instância deram-se os seguintes factos como provados:

1. O autor exercia a actividade profissional de carpinteiro, como trabalhador da sociedade comercial CC - Construção Civil - Unipessoal, Ldª, auferindo a retribuição anual de € 8.654,20;
2. No dia 19 de Fevereiro de 2016, enquanto exercia a sua actividade profissional, o autor foi atingido no olho esquerdo por um pedaço de folha de fibra que cobria o telhado da carpintaria onde estava a arrumar madeiras;
3. Como consequência directa e necessária do acidente, o autor esteve com incapacidade temporária absoluta para o trabalho pelo período de noventa e seis dias;
4. Como consequência directa e necessária do acidente, o autor esteve com incapacidade temporária parcial para o trabalho de 30,00% pelo período de setenta e seis dias;
5. Como consequência directa e necessária do acidente, o autor ficou a padecer de uma incapacidade permanente parcial para o trabalho de 15,85%;
6. O autor teve alta clínica no dia 1 de Setembro de 2016;
7. Como consequência directa e necessária do acidente, o autor despendeu a quantia de € 65,00 em deslocações obrigatórias no âmbito dos presentes autos;
8. A responsabilidade por acidentes de trabalho com o autor estava transferida para a ré, por contrato de seguro que era válido e eficaz no dia 19 de Fevereiro de 2016;
9. Este contrato de seguro cobria a retribuição anual de € 8.654,20.
10. A ré entregou ao autor a quantia de € 786,33 pelos períodos em que esteve com incapacidade temporária absoluta e parcial para o trabalho;
11. O autor nasceu no dia 4 de Setembro de 1966.

IV - APRECIAÇÃO DO RECURSO

1. Da impugnação da matéria de facto

A Ré impugna a decisão da matéria de facto proferida pelo tribunal recorrido na parte em que considerou provada a factualidade constante do ponto 2 dos factos provados e que corresponde à resposta positiva ao artigo 1.º da base instrutória, com base na apreciação da prova gravada.

Nos termos do artigo 662º, n.º 1, do Código de Processo Civil, aplicável por força do disposto no artigo 87º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho, a decisão do tribunal de 1.ª instância sobre a matéria de facto deve ser alterada pela Relação se os factos tidos por assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.

Por seu turno, o art. 640.º, do C.P.C. que tem como epígrafe o “ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto”, dispõe no seu n.º 1 o seguinte:

“Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.”

E o seu n.º 2 estipula que «No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

«a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.»
Importa salientar que o segundo grau de jurisdição na apreciação da matéria de facto não implica a repetição do julgamento pelo tribunal de 2.ª instância, já que apenas se impõe verificar, mediante a análise da prova produzida, designadamente a que foi objecto de gravação, se a factualidade apurada pelo tribunal recorrido têm nas provas suporte razoável, ou se, pelo contrário, a convicção do tribunal de 1.ª instância assentou em erro tão flagrante que o mero exame das provas gravadas revela que a decisão não pode subsistir. Tal deverá ser feito com o cuidado e a ponderação necessárias, face aos princípios da oralidade, imediação e livre apreciação da prova.
Na verdade existem diversos factores relevantes na apreciação e credibilidade do teor de um depoimento que só são apreensíveis pelo julgador mediante o contacto direto com os depoentes em audiência e isto sem prejuízo, no que respeita ao Tribunal da Relação, estar igualmente subordinado ao princípio da livre apreciação da prova e sem limitação (à excepção da prova vinculada) no processo de formação da sua convicção. A apreciação a realizar em 2ª instância não pode deixar de ter em atenção os mencionados princípios, pois deles decorrem aspectos de determinante relevância na valoração dos depoimentos, tais como as reacções do próprio depoente ou de outros, hesitações, pausas, gestos, expressões que apenas são perceptíveis pela 1ª instância.
Em suma, à Relação caberá analisar o processo de formação da convicção do julgador, apreciando, com base na prova gravada e demais elementos de prova constantes dos autos, se as respostas dadas apresentam erro evidenciável e/ou se têm suporte razoável nas provas e nas regras da lógica, experiência e conhecimento comuns, para que ponderando, e sem esquecer as mencionadas limitações, formar a sua convicção.

Observado pelo Recorrente o ónus de impugnação, incumbe apreciar:
O Recorrente pretende seja dado como não provado o seguinte facto:

1.º No dia 10 de Fevereiro de 2016, enquanto exercia a sua actividade profissional, o autor foi atingido no olho esquerdo por um pedaço de folha e fibra que cobria o telhado da carpintaria onde estava a arrumar madeiras?”.

O Tribunal a quo respondeu a tal facto da seguinte forma:

“No dia 19 de Fevereiro de 2016, enquanto exercia a sua actividade profissional, o autor foi atingido no olho esquerdo por um pedaço de folha e fibra que cobria o telhado da carpintaria onde estava arrumar madeiras.”
Defende a Recorrente que não foi produzida qualquer prova, nem sequer o mesmo resulta das declarações de parte do autor relativamente à data do acidente, sendo ainda certo que sobre a sua ocorrência e as suas circunstâncias apenas foram produzidas as declarações de parte do autor, que foram contrariadas pela testemunha arrolada por ambas as partes AL.
Conclui a Recorrente que nada nos autos permite concluir que as lesões que o autor apresentava em 26/02/2016, foram causadas em sede laboral, pois podiam ter ocorrido em qualquer outro contexto, em casa do autor, na rua ou no campo, etc.
Por outro lado, defende ainda a Recorrente que as declarações de parte do autor não podem servir sem mais e sem outros meios de prova que fortemente as corroborem, para dar como provados factos favoráveis à parte.

Como é sabido compete ao sinistrado a prova da ocorrência do acidente de trabalho (artigo 342º, nº 1 do CC), resultando do estabelecido no artigo 10.º da Lei nº 98/2009, de 1/9, o seguinte:

“1 — A lesão constatada no local e no tempo de trabalho ou nas circunstâncias previstas no artigo anterior presume-se consequência de acidente de trabalho.
2 — Se a lesão não tiver manifestação imediatamente a seguir ao acidente, compete ao sinistrado ou aos beneficiários legais provar que foi consequência dele.”
No caso em apreço, as lesões não foram reconhecidas a seguir ao acidente, cuja existência se discute nos autos e que em 1ª instância, logrou provar-se, sendo certo que a prova relativa quer à ocorrência do acidente, quer a prova de que as lesões sofridas resultam do aludido acidente, ao autor incumbia.
O Tribunal a quo fundamentou a prova do referido facto nos seguintes termos: “O tribunal fundou a sua convicção no depoimento de parte do autor, no depoimento das testemunhas ouvidas, no exame médico que foi realizado, no exame por junta médica que foi realizado no apenso para fixação da incapacidade e nos documentos juntos aos autos.
(…).
O nexo de causalidade entre as lesões e o acidente foi afirmado pelos senhores peritos médicos no relatório que elaboraram no apenso para fixação da incapacidade. Os senhores peritos médicos, por unanimidade, confirmaram as lesões que o autor apresentava e recusaram que estas lesões fossem consequência de problemas oculares de que já padecia anteriormente. Por outro lado, igualmente por unanimidade, afirmaram que não devia ser afastado o nexo de causalidade entre as lesões e o acidente, sendo que nesta resposta admitiram implicitamente que as lesões eram consequência de um acidente com o autor.
No que respeita à existência do acidente, o autor era uma pessoa simples e com alguma dificuldade em indicar datas ou outros elementos com exactidão. Por seu lado, a testemunha AL, indicada pelo autor, era igualmente uma pessoa simples e que tinha dificuldade na descrição dos factos.
Pese embora estas limitações, o tribunal considerou provado que o acidente ocorreu, tal como o autor descreveu.
No depoimento de parte que prestou, o autor descreveu o acidente com clareza e demonstrando que estava a ser sincero, tendo esclarecido apenas que o acidente ocorreu no dia 19 de Fevereiro de 2016. Aceitamos que o autor era uma pessoa simples. Porém, entendemos que esta simplicidade não deve reverter contra o autor, sobrepondo-se à sinceridade que evidenciou nas suas declarações que é, afinal, o aspecto essencial. Acresce que o tribunal não deve permitir que por esta via seja prejudicado precisamente um daqueles trabalhadores que, por serem pessoas simples, mais necessitam de protecção.
A testemunha AL afirmou que tinha assistido ao acidente, mas apresentou uma versão totalmente diferente daquela que foi apresentada pelo autor. Além disso, afirmou que, quando ocorreu o acidente, o autor tinha sido assistido no posto médico da obra onde estavam a trabalhar. Na parte em que afirmou que assistiu ao acidente e na versão que apresentou, o depoimento desta testemunha não logrou convencer o tribunal. No essencial, esta testemunha demonstrou que pretendia favorecer o autor, afirmando que tinha assistido ao acidente, o que, tudo leva a crer, não era verdade. Todavia, esta testemunha demonstrou que sabia que tinha ocorrido o acidente, embora não tivesse assistido, tendo o seu depoimento sido verdadeiro nesta parte. A este propósito, importa não confundir. Uma coisa é a testemunha ter assistido ao acidente. Outra coisa é a testemunha não ter assistido ao acidente, mas saber que este ocorreu.

O tribunal pode atender ao depoimento de parte na totalidade das declarações que foram prestadas pela parte, mesmo para além dos limites da confissão. Neste sentido pode ver-se o Ac. da Relação de Guimarães de 19 de Maio de 2011, de acordo com o qual ‘nada obsta a que o tribunal (…), na busca da verdade material, tome em consideração, para fins probatórios, as declarações não confessórias da parte, as quais serão livremente apreciadas’.

A testemunha JD foi o perito que procedeu à averiguação do sinistro. Esta testemunha confirmou que o autor foi assistido no posto médico da obra onde estava a trabalhar quando ocorreu o acidente. Porém, pese embora este facto, afirmou que tinha dúvidas quanto à ocorrência do acidente atendendo à divergência na indicação das datas na participação que foi apresentada pela entidade patronal e nas declarações que foram prestadas pelo autor (cfr. fls. 27 e 28). No essencial, o que resultou do depoimento desta testemunha foi que sabia que tinha ocorrido o acidente com o autor, mas que, pela divergência na indicação das datas, preferia não o admitir expressamente.
Após análise de toda a prova produzida, designadamente os depoimentos gravados, não podemos deixar de discordar da recorrente quer quanto ao facto de não ter sido produzida qualquer prova quanto à data do acidente, quer quanto ao facto da sua ocorrência e as suas circunstâncias resultarem apenas das declarações de parte do autor que que foram expressamente contrariadas pelo depoimento da testemunha AL.
Importa desde já salientar que em conformidade com a análise da prova levada a cabo pelo tribunal a quo, a convicção deste fundou-se na análise critica da globalidade da prova produzida designadamente das declarações prestadas pelo autor em sede de depoimento de parte, as quais sem margem para qualquer dúvida se vieram relevar de determinantes no apuramento dos factos provados, mas que foram conjugadas e de alguma forma corroboradas pela demais prova produzida, como se irá demonstrar da análise detalhada da prova.
Ponto assente é o facto de o autor no decurso do seu depoimento não ter conseguido indicar qual o dia e mês exacto em que terá ocorrido o evento, existindo ao longo dos autos, várias discrepâncias quanto ao dia em que ocorreu o evento, desde logo, porque o sinistrado não deu conhecimento do mesmo ao empregador no dia da sua ocorrência. A discrepância nas datas é patente quer nas declarações prestadas pelo sinistrado aquando da participação do acidente no tribunal (data está rasurada), quer a data que se fez constar na participação retificada do sinistro à Seguradora, data esta que se veio a revelar inverosímil, pois a data que ai fez constar (27/02), para além de ser um sábado foi o dia em que o sinistrado foi operado na sequência de uma consulta médica ocorrida no dia anterior. No entanto da demais prova produzida é de concluir que o evento ocorreu no dia 19 de Fevereiro.
Com efeito, ainda que nem o sinistrado, nem a testemunha AL, arrolada por ambas as partes e que se terá apercebido do evento, tenham conseguido com precisão indicar o dia em que o mesmo terá ocorrido, o certo é que a testemunha JD, perito averiguador do sinistro foi perentório ao afirmar em audiência de julgamento que “no posto médico da obra também conseguimos apurar que efectivamente, o sinistrado deu entrada no dia 19/02/2016, por motivo, apuramos nós, por entrada de serrim no olho”. Esclarecendo ainda que tal informação lhe foi prestada pelo técnico de segurança JG.

Assim, o facto de quer a testemunha AL ter testemunhado que após o acidente, que cremos não ter presenciado, o autor se ter queixado de uma vista e lhe ter dito que ia ao posto médico da obra, quer o facto de o autor ter afirmado que foi ao posto médico da obra, tendo o olho sido observado por uma enfermeira, conjugado com a confirmação de que efectivamente o autor no dia 19 de fevereiro de 2016, se dirigiu ao posto médico da obra apresentando queixas no olho esquerdo, sendo portador de serrim no olho, são os factos que nos permitem concluir que o evento teve lugar nesse preciso dia 19 de Fevereiro de 2016.

No que respeita à dinâmica e às circunstâncias do acidente teremos de dizer que a mesma resultou apurada essencialmente das declarações prestadas pelo Autor, que foram consideradas pelo Tribunal a quo apesar do autor ser uma pessoa simples e revelar dificuldade em indicar datas ou outros elementos com exactidão. O Tribunal a quo considerou que a forma e a sinceridade com que o autor descreveu o acidente, não podia prejudicar em face da simplicidade e dificuldade que apresentava na descrição dos factos.

Cumpre dizer que assim efectivamente se passou, uma vez que da análise da prova teremos de concluir que não existiu qualquer testemunha que tivesse presenciado o acidente, sendo correcta e de manter a valorização efectuada pelo tribunal ao depoimento prestado por AL. Na verdade a referida testemunha não terá presenciado o acidente, mas apercebeu-se da sua ocorrência, pois logo de seguida o autor, queixou-se de uma vista e disse-lhe que ia ao posto médico, o que veio a suceder. A referida testemunha revelou assim ter conhecimento quer da ocorrência do evento, quer das queixas do autor, quer do facto deste se ter dirigido ao posto médico existente na obra, mas na sua simplicidade e na ânsia de ajudar o colega de trabalho, acabou por em audiência de julgamento afirmar ter presenciado o acidente, em contradição com o depoimento que já havia prestado ao perito averiguador (no âmbito do qual afirmou não ter presenciado o acidente), relatando a dinâmica do acidente de uma forma pouco crível e não coincidente com a forma como sempre foi descrita pelo sinistrado.

A questão que importa agora analisar é a da valorização das declarações de parte.

O Novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26/06, que entrou em vigor no dia 1/9/2013 [art. 8º], estabelece no seu artigo 466.º do CPC. o seguinte:

1 - As partes podem requerer, até ao início das alegações orais em 1.ª instância, a prestação de declarações sobre factos em que tenham intervindo pessoalmente ou de que tenham conhecimento direto.
2 - Às declarações das partes aplica-se o disposto no artigo 417.º e ainda, com as necessárias adaptações, o estabelecido na secção anterior.
3 - O tribunal aprecia livremente as declarações das partes, salvo se as mesmas constituírem confissão.”

Com efeito, o Código de Processo Civil de 2013 introduziu, com o aludido normativo, um novo e autónomo meio de prova, tendo carácter inovador a introdução, ao lado da prova por confissão, a figura da prova por declarações de parte, não pode contudo ser requerida pela parte contrária, mas nada obsta a que o depoimento de parte, na parte não confessória possa ser livremente apreciado pelo julgador, desde que observada a devida cautela, pois por natureza é um depoimento interessado.

Neste sentido se pronunciou este Tribunal no acórdão de 20/04/2017, proc.º n.º 2653/15.6T8BRG.G1, relatado pela ora 2.ª Adjunta e em que interveio como 2.ª Adjunta a ora Relatora, ao consignar o seguinte: “Assim e em face do novo CPC, o depoimento de parte, na parte não confessória pode ser livremente apreciado pelo julgador. Ponto, é claro está, que se tenham as devidas cautelas, já que se trata por natureza de um depoimento interessada.”

Quanto às razões que levaram à introdução das declarações de parte meio de prova, refere o Dr. Luís Filipe Pires de Sousa, in As Malquistas Declarações de Parte, em Colóquio organizado pelo STJ, sobre o Novo Código de Processo Civil, disponível na página do mesmo Tribunal, que “até à entrada em vigor do atual Código de Processo Civil, a parte estava impedida de depor como testemunha (art. 617 do CPC), podendo ser ouvida pelo juiz para a prestação de esclarecimentos sobre a matéria de facto (art. 265.2. do CPC) sendo que tais esclarecimentos não podiam ser valorados de per si como meios probatórios.”

Na verdade este inovador meio de prova, dirige-se, às situações de facto em que apenas tenham tido intervenção as próprias partes, ou relativamente às quais as partes tenham tido uma percepção directa privilegiada em que são reduzidas as possibilidade de produção de prova (documental, testemunhal ou pericial), em virtude de terem ocorrido na presença circunscrita das partes. E, sujeitá-las a arrolar testemunhas sem conhecimento directo, que apenas reproduzam o que teriam ouvido dizer ou que expressem a sua opinião, tem reduzido interesse e muito limitado valor processual.

Importa salientar que tais declarações serão sempre livremente apreciadas pelo tribunal, conforme resulta do nº 3 do artigo 466.º do CPC., na parte em que não representem confissão.
Como defende JOSÉ LEBRE DE FREITAS, in A acção Declarativa Comum, à luz do Código de Processo Civil de 2013, pág. 278, a apreciação que o juiz faça das declarações de parte importará sobretudo como elemento de clarificação do resultado das provas produzidas e, quando outros não haja, como prova subsidiária, maxime se ambas as partes tiverem sido efectivamente ouvidas.
Atualmente é comumente aceite que as declarações de qualquer uma das partes, proferidas em depoimento de parte, ainda que não sejam susceptíveis de levarem à confissão, não impedem o Tribunal de se socorrer das mesmas para melhor esclarecer e apurar a verdade dos factos, estando sujeitas à livre apreciação do julgador, ao abrigo do disposto no artigo 361º do C.C., conjugadas com os demais meios probatórios.
Por fim, se defendermos que a valorização das declarações de parte deve respeitar apenas o princípio da livre apreciação da prova, inexiste obstáculo legal a que aquelas declarações possam fundar a convicção do tribunal, desde que este possa, no confronto dos demais meios de prova, concluir pela sua credibilidade.
Contudo, consideramos que as declarações de parte devem ser atendidas e valoradas com especial cautela e cuidado, já que como meio probatório, não deixam de ser declarações interessadas, parciais e não isentas, em que quem as produz tem um manifesto interesse na acção, sendo por isso de considerar, em regra, de irrazoável e insensato, que sem o auxílio de quaisquer outros meios probatórios, o Tribunal dê como provados os factos pela própria parte alegados e por ela, tão só, admitidos.

Importa assim da declaração da parte que o seu relato esteja espontaneamente contextualizado e seja coerente, quer em termos temporais, espaciais e emocionais e que seja credenciado por outros meios de prova, designadamente que as declarações da parte sejam confirmadas, por outros dados, que ainda indirectamente, demonstrem a veracidade da declaração. Caso contrário a declaração revelará força probatória de tal forma débil que não deve ser tida em conta.

Na verdade, a prova dos factos favoráveis ao depoente e cuja prova lhe incumbe não se pode basear apenas na simples declaração dos mesmos, é necessária a corroboração de algum outro elemento de prova, com os demais dados e circunstâncias, sob pena de se desvirtuarem as regras elementares sobre o ónus probatório e das acções serem decididas apenas com as declarações das próprias partes.

Por todas estas razões, concordamos com o decidido, pois os outros meios de prova e os dados recolhidos ainda que de forma indirecta corroboram minimamente a versão do Autor, podendo e devendo assim ser valoradas as suas declarações da forma como o foram pelo tribunal a quo, atenta a espontaneidade, simplicidade, sinceridade e coerência com que foram prestadas. Ao contrário do alegado pela recorrente, o Tribunal relativamente à ocorrência do sinistro não se baseou unicamente nas declarações da parte, já que foi tido em consideração quer o depoimento das testemunhas inquiridas em audiência, que testemunharam o facto se ter lesionado num olho por ocasião do trabalho (cfr. depoimento de AL), bem como o facto de o autor ter recorrido seguidamente ao posto de saúde onde foram observadas as suas queixas referentes ao olho esquerdo (depoimentos de AL e de JD), a que acresce dizer que o facto do depoimento de AL quanto à dinâmica do acidente se nos ter afigurado de inverosímil, porque como acima já deixámos expresso (não terá presenciado o evento), o certo é que de tal depoimento resulta que a testemunha se apercebeu da sua ocorrência, por estar perto do sinistrado e com ele ter trocado breves palavras, o que conjugado com as regras da experiência e com a demais prova produzida, nos permite concluir que o acidente ocorreu da forma descrita pelo sinistrado.

Em suma, não foi assim cometido pelo tribunal a quo qualquer erro na apreciação das provas, sendo por isso de manter inalterada a factualidade respeitante à ocorrência do sinistro, razão pela qual o conhecimento do recurso relativamente à discordância acerca da caracterização do sinistro encontra-se prejudicada, uma vez que a Recorrente na motivação e nas conclusões de recurso não prescinde da alteração da factualidade em resultado da impugnação para concluir pela sua absolvição do pedido.

V – DECISÃO

Pelo exposto, e ao abrigo do disposto nos artigos 87º do C.P.T. e 663º do C.P.C., acorda-se, neste Tribunal da Relação de Guimarães em negar provimento ao recurso de apelação interposto por X - Companhia de Seguros, S.A., confirmando-se a decisão recorrida.
Custas a cargo da Recorrente.
Notifique.
Guimarães, 18 de Janeiro de 2018


Vera Maria Sottomayor (relatora)

Com o voto de concordância da Exmo. Srº Desembargador Antero Dinis Ramos Veiga, que não assina por não estar presente (cfr. art.º 153º n.º 1 do CPC.).

Alda Martins
Vera Sottomayor