Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
6718/07.0YYLSB-B.G1
Relator: ANTÓNIO SANTOS
Descritores: CONTRATO DE CRÉDITO AO CONSUMO
NULIDADE
ABUSO DE DIREITO
VENIRE CONTRA FACTUM PROPRIUM
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 04/09/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: 1 – É praticamente unânime o entendimento de que nada obsta a que o financiador/entidade bancária se socorra do instituto do abuso do direito para, através dele, paralisar os efeitos da invocação pelo consumidor da nulidade formal de um contrato de crédito ao consumo que tenha outorgado ;
2. – É paradigma de abuso do direito, por exceder manifestamente os limites impostos pela boa fé (art. 334.º do C.C.), a invocação, pelo “cliente” do contrato referido em 1., de vício relacionado com a não entrega de um seu exemplar, ou com a não explicação do respectivo clausulado, quando o cumpriu em mais de 50 % , e, de resto, as omissões referidas em nada contribuíram para a sua desprotecção ou prejuízo enquanto cliente/consumidor, antes visa este último com tal invocação – em sede de execução - livrar-se da sua obrigação do pagamento das prestações assumidas e ainda por cumprir.
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 2ª Secção CÍVEL do Tribunal da Relação de GUIMARÃES
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1.Relatório.
Na sequência da instauração de acção executiva movida por B.., S.A., contra N.. , com vista à cobrança coerciva da quantia de 6.967.76€, proveniente e titulada por Livrança, veio o executado deduzir oposição à execução, pugnando pela respectiva desobrigação de efectuar o pagamento da quantia referida e respectivos juros, sendo a execução extinta.
Para tanto, alegou, em síntese, que :
- Na génese do titulo executivo esteve a aquisição pelo executado e em 2003, de um veículo automóvel , tendo então ficado estipulado com o Stand que o mesmo teria o custo de 10.000,00, pagando à data €1.500,00, e , os restantes €8.500,00, seriam pagos em prestações mensais sem juros;
- Sucede que, confiando na veracidade do negócio, assinou então diversos documentos , não lhe tento porém sido facultada cópia dos mesmos, os quais ficaram na posse do vendedor, não tendo até hoje tido conhecimento efectivo do que consta do contrato de crédito que à data assinou, muito menos recebeu, até ao momento uma qualquer cópia/duplicado do mesmo;
- Destarte, o contrato de crédito subjacente à execução é nulo, quer pelo referido, quer porque não lhe foram sequer comunicadas as respectivas cláusulas, razão porque inevitável é a extinção da execução.
1.1. - Notificada a exequente da oposição, apresentou a mesma contestação , no essencial por impugnação motivada, explicando que celebrou com o executado um contrato de financiamento de aquisição de bem de consumo e a crédito , de cujo conteúdo teve efectivo conhecimento e que lhe foi devidamente explicado, sendo que, de resto, deslocou-se o Executado por diversas vezes aos balcões da Exequente, para efectuar pagamentos e solicitar informações, nunca tendo em momento algum reclamado o que quer que seja, quer relativamente à cópia do contrato de financiamento, quer no tocante ao desconhecimento do seu exacto conteúdo.
1.2. - Após resposta do executado, proferiu o Exmº Juiz titular despacho saneador, no âmbito do qual foi o tribunal considerado como o competente, inexistindo nulidades que o invalidassem na sua totalidade, e , dispensada a selecção da matéria de facto, provada e controvertida, designou-se dia para a realização da audiência de discussão e julgamento, à qual se procedeu com a inteira observância das pertinentes formalidades legais.
1.3. - Finalmente, conclusos os autos para o efeito, foi proferida sentença, sendo o respectivo excerto decisório do seguinte teor :
“ (…)
VI- DECISÃO
Pelo exposto, e nos termos das disposições legais citadas, julgo verificada a excepção de abuso de direito e, em consequência, julgo improcedente a oposição à execução prosseguindo a mesma os seus ulteriores trâmites até final.
Mais se julga improcedente o pedido de condenação do Executado como litigante de má-fé.
Decido, ainda, condenar o Oponente/Executado nas custas do processo (cfr. artigo 257.º, n.º 1 e n.º 2 do CPC).
Notifique.
Registe.”
1.4.- Inconformado com a decidida improcedência da oposição, veio então o executado da referida sentença interpor recurso de apelação, que admitido foi e com efeito devolutivo, formulando na respectiva peça recursória as seguintes conclusões:
A. O Recorrente foi notificado da Sentença vertente, em 7 de Outubro de 2014 (cfr. Registo dos CTT com o código RJ999154614PT). No dia 8 de Outubro de 2014 foi requerido pelo Recorrente a cópia da gravação da audiência de discussão e julgamento. Por impossibilidade do Citius, a secretaria do Tribunal a quo, só conseguiu notificar o Recorrente do CD com a gravação no dia 10 de Novembro de 2014 (cfr. Notificação Electrónica com a referência n.º 35815104 – 248.º do CPC).
B. Em primeiro lugar, importa referir que o facto 6, dado como provado pelo Tribunal a quo não o poderia ter sido de modo algum. A motivação do Tribunal a quo fundou-se, unicamente, no depoimento da testemunha R.., que, note-se, exerce funções para a Recorrida e que, por conseguinte, tinha como tem um interesse na decisão da causa. A testemunha em causa, a qual depôs através de videoconferência, com o devido respeito, teve um depoimento tudo menos claro, chegando ao ponto de dizer:
“pelas informações que eu tenho (…)” (cfr.22-05-2014 10:55:31, 01: 18 a 01:22); “eu tenho aqui, portanto, uma cópia do processo à frente onde a indicação que diz seriam (...)” (cfr. 01:30 a 01:40);
“eu vejo aqui cerca de 33 (…)” (cfr. 01:43 a 01:50);
“ele ligou uma ou duas vezes (…)” (cfr. 02.17 a 02:23)… ou, diríamos nós, até nenhuma!!!
C. Como é bom de ver, a mencionada testemunha, cujo depoimento demorou apenas uns parcos 5 minutos, não revelou qualquer conhecimento directo dos factos e muito menos objectividade e espontaneidade. Com o devido respeito, mal andou, assim, o Tribunal a quo ao dar como provado que: “O Oponente entrou em contacto com a Oponida para solicitar informações de modo a regularizar o montante a liquidar.” (facto 6.º) – sublinhado nosso.
D. Concluindo, tal facto (n.º 6) não tem qualquer suporte probatório, pelo que tem que ser dado como não provado.
E. Por outro lado, importa dizer que não se compreende como pode o facto n.º 2 ter sido dado como provado pelo Tribunal a quo, quando o mesmo Tribunal refere não ter sido provado o seguinte facto: “Todas as informações inerentes ao acordo referido em 2 foram indicadas e devidamente explicadas ao Executado”- sublinhado e negrito nosso.
F. Existe, com todo o respeito, uma clara e evidente contradição do tribunal a quo.
G. Como é sabido, não cabia ao aqui Recorrente provar que as informações não lhe foram indicadas, nem devidamente explicadas, competia sim esse ónus à Recorrida. Ora, não foi o que sucedeu, pois a Recorrida não logrou provar, de modo algum, que cumpriu todos os procedimentos necessários à boa prática contratual. Contudo, o Tribunal a quo não se coibiu de julgar improcedente a oposição à execução do aqui Recorrente.
H.. Concluindo, no facto n.º 2 só poderia ter sido dado como provado o seguinte: “Subjacente à emissão da livrança executada nos presentes autos, subscrita pelo Oponente, está o acordo denominado Contrato de Financiamento para Aquisição de Bens de Consumo Duradouro.”, pois o restante não podia, por total ausência de prova.
I. Nunca é por demais sublinhar que o ónus da prova recaía sobre a Recorrida. Por outro lado, importa salientar que como estamos “no âmbito de relações imediatas” pode a aqui Recorrida reportar-se à relação jurídica causal ou subjacente, in casu, o acordo mencionado no ponto h. supra.
J. Atendendo à posição mais frágil do consumidor, no caso o Recorrente, a lei visa a sua protecção, como parte contratualmente mais fraca, impondo, por isso, de modo efectivo um dever de informação e esclarecimento por parte do proponente, no caso a Recorrida. Mesmo que o aderente se não inteire, totalmente, do conteúdo contratual que aceita, a lei protege-o, igualmente, nessas situações, (cfr. ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE 28.04.2009).
K. Quanto à forma do contrato de crédito é dito, expressamente, que este deve ser reduzido a escrito, assinado por ambos os contraentes e entregue um exemplar ao consumidor, até para que se consiga provar a sua celebração. À luz dos artigos 6.º, n.º 1, e 7.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 359/91, de 21 de Setembro, a entrega da cópia do exemplar do contrato de crédito ao consumo é obrigatório, sendo que a omissão de entrega do exemplar ou a sua entrega em momento diverso do da assinatura do contrato importam a nulidade deste. Ora, o ónus da prova desse facto competia à Recorrida, a qual não logrou provar que a respectiva cópia tenha sido entregue ao aqui Recorrente.
I. Tal, aliás, é asseverado pelo próprio Tribunal a quo, o qual refere, na página 9 da Sentença, penúltimo parágrafo, que: “Não resultou provado que a Exequente tenha procedido à entrega à Exequente/Oponente de um exemplar do dito contrato aquando da sua assinatura e lhe tenha informado do respectivo clausulado”. Salvo melhor entendimento, tal facto deveria ter sido dado como provado, o que erroneamente, mais uma vez, também não aconteceu.
M. Face ao exposto, ficou provada a nulidade do contrato de crédito, como alegado na oposição à execução, quer por falta de entrega do exemplar do contrato, quer por falta de comunicação do teor das cláusulas contratuais.
Por conseguinte, as cláusulas que não tenham sido comunicadas (a cláusula de juros, artigo 60.º e 63.º da Oposição à Execução), consideram-se excluídas dos contratos singulares – alínea a), do artigo 8.º do Decreto-Lei 446/85, de 25 de Outubro ( no mesmo sentido o ACÓRDÃO DA RELAÇÃO DO PORTO DE 28 DE MARÇO DE 2012, disponível em www.dgsi.pt), pelo que competia ao Tribunal a quo proceder nesse sentido e operar, por via da verificação da nulidade, ao enquadramento jurídico subsequente respectivo.
N. Quanto ao Abuso de Direito, cumpre, em primeiro lugar, esclarecer que o mesmo nunca foi alegado em momento algum pela Recorrida. Causa assim, aparente estranheza, que a parte que nisso tinha interesse não o tenha invocado. Não obstante, o Tribunal a quo não se coibiu de a dar como verificada. Ora, o Abuso de Direito é certo que é uma excepção peremptória imprópria de conhecimento oficioso, no entanto, no caso dos autos não há a mínima penumbra de qualquer abuso e prova disso é que nem o Recorrido o invocou.
O. Com o devido respeito, que é muito, o Tribunal a quo não conhecia os autos.
P. Atente-se, a presente acção executiva foi instaurada a 5 de Março de 2007, tendo sido instaurada em Tribunal incompetente. De tal modo os autos andaram enredados, que somente em 30.03.2012, e muito a custo da pressão do Recorrente (cfr. artigos 6.º a 18.º da oposição à execução) foi possível deduzir oposição à execução e em 22.05.2014 efectuar o Julgamento. Por conseguinte, uma vez que o acordo foi efectuado no Verão de 2003 (facto 1 dos factos provados); que foram pagas 33 mensalidades ( facto 3 dos factos provados) e que, como sempre alegou o Recorrente, o contrato só tinha 36 prestações, a reacção do Recorrente ocorreu quando legalmente admissível.
Concretamente, em 2003 foi celebrado o acordo, até 2006 foi pago o acordo, em 2007 foi proposta a acção executiva e penhorado o vencimento ao Recorrente, que mais seria exigível ao Recorrente para além da oposição à execução? Faria algum sentido o mesmo propor uma acção declarativa, de forma a que mais tarde não fosse condenado em Abuso de Direito na modalidade de venire contra facto proprium?
Q. É um absurdo (cronológico) o mencionado pelo Tribunal na página 13, penúltimo parágrafo, quando menciona que “ (…) foi o Oponente que, pela sua inacção, impediu a declaração de nulidade do contrato num prazo razoável – não olvidemos que dispôs o Oponente de um prazo de pelo menos 9 anos para invocar a nulidade do contrato.” !!!
R. Por fim, resta apenas salientar que o pagamento mencionado no facto provado n.º 5 é o retrato da ingenuidade do consumidor iletrado que, sempre e a todo o custo, tenta resolver conforme o ludibriam os seus problemas.
S. Pelo exposto, é por demais evidente a ausência de qualquer Abuso de Direito por parte do Recorrente (cfr. Acórdão Relação do Porto de 25.10.2012 e Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 13.09.2012). O aqui Recorrente não excedeu os limites da boa fé, ao invocar a nulidade do contrato de crédito por falta de entrega de um exemplar e o não esclarecimento do mesmo.
T. Entende-se assim, que o aqui Recorrente não defraudou a confiança na contraparte, aliás, a haver tutela da confiança deveria ser do lado mais fraco, neste caso do lado do consumidor. Haverá venire contra factum proprium, quando alguém actue de forma contraditória, sendo que, no caso vertente não existe acto contraditório na conduta do Recorrente, uma vez que, este nunca garantiu ao proponente que jamais exerceria tal direito. Tendo em conta a tutela de protecção do consumidor, “ não age em abuso do direito o mutuário que invoca a nulidade do mútuo, por falta da entrega de exemplar do contrato no momento da sua assinatura, mesmo que tal aconteça já depois de ter cumprido parcialmente o contrato” (cfr. ACÓRDÃO DA RELAÇÃO DE COIMBRA DE 04.05.2010).
U. Veja-se o ACÓRDÃO DA RELAÇÃO DO PORTO DE 25.10.2012, disponível em www.dgsi.pt: “Não exprime abuso de direito, por não ser clamorosa e chocantemente violadora das regras da boa fé, a invocação, pelo consumidor, da nulidade do contrato de crédito ao consumo, por falta de entrega de um exemplar da proposta do contrato e pela inobservância dos deveres de informação e de comunicação a cargo do proponente, quando aquele o cumpriu durante substancial lapso de tempo, de modo consentâneo com a sua validade, e o tempo decorrido não foi de molde a criar neste último uma confiança, objectivamente justificada, de que a nulidade não seria invocada.”. E também, v. O ACÓRDÃO DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES DE 07.07.2011, disponível em www.dgsi.pt:
“1) Celebrado o contrato de crédito ao consumo, o mero decurso do tempo ou o pagamento parcial das prestações não é de molde a traduzir, por si só, um abuso de direito, quando o consumidor invoca a nulidade desse contrato, mesmo em sede de contestação da acção, com base na não entrega de um exemplar do contrato ao mutuário, nos termos previstos nos arts. 6.º, n.º 1, e 7.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 359/91, de 21/09; antes se exige, face às circunstâncias do caso concreto, que o seu comportamento seja manifestamente excessivo e colida frontalmente com os mais elementares ditames da boa fé.
2) De outro modo, na prática, esse exercício do direito à invocação da nulidade do contrato deixaria de funcionar, premiando-se a parte não cumpridora.
3) Ao prever-se o efeito da nulidade e não de anulabilidade para a referida omissão, quis possibilitar-se ao consumidor a sua invocação a todo o tempo, sem que possa incorrer em abuso de direito como tal.” E o ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE 28.04.2009, disponível em www.dgsi.com: “A pretensão do aderente não deve ser paralisada pela invocação do abuso do direito, por parte do proponente, por nas relações de consumo a regra ser a protecção do consumidor, só devendo ser desconsiderada, em casos de conduta, a todos os títulos censurável e injustificada, com grave prejuízo da contraparte, o que aqui não é evidente, sendo de acentuar que a actuação da Autora evidencia grosseira violação das regras da boa-fé o que conduz a considerar que a actuação do Réu não cai na alçada daquele moderador instituto.”.
NESTES TERMOS:
I- E mais de Direito que V/Exas. melhor e doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao recurso interposto, revogando-se a Sentença recorrida e substituindo-se por outra que julgue procedente a Oposição à Execução.
1.5.- Tendo o apelado BPN Crédito – Instituição Financeira de Crédito, S.A , apresentado contra-alegações, na respectiva peça recursória aduziu as seguintes conclusões :
1.- Não existe qualquer fundamento para sequer considerar a falta de fundamentação para consequentemente ser declarada a nulidade da Douta Sentença.
2. - Nenhuma censura merece a sentença recorrida que, ademais, fez incontroversa justiça!
3. Bem como não existe qualquer erro notório de apreciação da prova, até mesmo porque nem nas alegações é exemplificado, nem é identificado onde se encontra o suposto erro de apreciação.
4. No nosso entendimento, não existem quaisquer dúvidas de interpretação da Douta Sentença, tendo sido a mesma explicada, justificada e até exemplificada.
5. O instituto de Abuso de Direito é, com o devido respeito, evidente, pelo que não há lugar a apreciação de nulidades contratuais.
6. O Recorrente sempre teve conhecimento da divida, e só decorridos 09 anos se opôs ao processo judicial, o que espelha, inegavelmente, o abuso de direito.
7. Por tudo o exposto, requer que não seja admitido o recurso,
8. Mantendo-se a decisão de improcedência da oposição, Não podem, pois, proceder os presentes autos de apelação.
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Thema decidendum
1.6. - Colhidos os vistos, cumpre decidir, sendo que , estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões [ daí que as questões de mérito julgadas que não sejam levadas às conclusões da alegação da instância recursória, delas não constando, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal ad quem ] das alegações dos recorrentes ( cfr. artºs. 635º, nº 3 e 639º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, e tendo presente o disposto no artº 7º,nº1, deste último diploma legal ), e sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, as questões a apreciar e a decidir são as seguintes :
I - Se deve ser alterada a decisão proferida pelo tribunal a quo e relativa à matéria de facto, por força e ao abrigo do disposto no artº 712º, nº1, alínea b), do CPC ;
II - Se em face da factualidade assente e sobretudo em resultado das alterações introduzidas por este Tribunal da Relação na decisão proferida pelo a quo sobre a matéria de facto, se impõe revogar a sentença apelada, sendo a oposição à execução julgada como procedente, e considerando designadamente que :
a) a arguição da nulidade do contrato por falta de entrega de duplicado e da explicação do respectivo clausulado não constitui um ilegítimo e abusivo exercício do direito pelo Recorrente/apelante ;
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2.Motivação de Facto.
Mostra-se fixada pelo tribunal a quo a seguinte factualidade :
A) PROVADA.
2.1.- O Executado adquiriu no Verão de 2003, no mês de Junho, um veículo de marca Ford, matrícula ..-NQ;
2.2.- Subjacente à emissão da livrança executada nos presentes autos, subscrita pelo Oponente, está o acordo, subscrito também pelo Oponente, e pela Oponida, em 23.06.2003, denominado Contrato de Financiamento para Aquisição de Bens de Consumo Duradouro, ao qual foi atribuído o n.º 201785, donde consta como viatura a financiar: marca Ford, modelo Transit 190L, Ano 1999, matricula ..-NQ, pelo valor de €11.370,00, à taxa de juro de 16,76% TAEG, num total de €17.578,92, a liquidar em 72 prestações mensais e sucessivas de €243,11 cada, conforme documento de fls. 37 e 38 e original de fls. 143 e 144, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
2.3. - O Executado pagou 33 mensalidades.
2.4. - A Oponida enviou ao Oponente carta, datada de 07-02-2005, de fls. 40, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
2.5.- Posteriormente à data da resolução do contrato, o Oponente entregou à Oponida a quantia de €4.340,81.
2.6. - O Oponente entrou em contacto com a Oponida para solicitar informações de modo a regularizar o montante a liquidar.
B) NÃO PROVADA.
2.7. - Na ocasião referida em 1 dos factos provados, foi estipulado com o Stand que o veículo teria um custo de 10.000 euros.
2.8. - Foi acordado com o vendedor que o montante de 8.500,00 euros seria pago em prestações mensais sem juros.
2.9. - No total, foi o Executado informado que teria de pagar 36 prestações mensais no valor de 243,00 euros.
2.10. - Nesta quantia estavam incluídos 248,00 – além dos 8.500,00 – que seriam cobrados a título de despesas.
2.11. - Confiado na veracidade do negócio, foram assinados vários documentos pelo Executado, sendo que o vendedor, sobrepondo os papéis dobrados em cima da mesa e segurando-os com as suas mãos, ia indicando ao Executado o local onde deveria apor a sua assinatura nos vários papéis, enquanto ia fazendo perguntas ao Executado com o intuito de distraí-lo.
2.12.- Todas as informações inerentes ao acordo referido em 2 foram indicadas e devidamente explicadas ao Executado.
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3. - Da “impugnação” da decisão do a quo e relativa à matéria de facto.
Decorre das alegações e conclusões da apelação do recorrente que o mesmo se insurge contra a decisão proferida pelo a quo e relativa à matéria de facto, maxime não aceita o recorrente que tenha o tribunal a quo considerado provado o ponto de facto vertido no item 2.6. do presente Ac. , e , um outro – o vertido no item 2.2. igualmente do presente Ac. - , diz o apelante estar ele parcialmente em contradição com um outro ponto de facto julgado Não Provado.
Em rigor, portanto, almeja o apelante que o tribunal ad quem modifique a decisão proferida pelo a quo sobre a matéria de facto e no tocante aos concretos pontos de facto supra referidos.
Analisadas ambas as supra referidas peças recursórias - as alegações e conclusões do apelante - impõe-se reconhecer, observou e cumpriu o apelante, minimamente, as regras/ónus processuais a que alude o artº 640º, do CPC, quer indicando os concretos pontos de facto que considera como tendo sido incorrectamente julgados, quer precisando quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo de gravação nele realizada, que impunham uma decisão diversa da recorrida, quer, finalmente , indicando quais as diferentes respostas que deveria o tribunal a quo ter proferido.
E, ademais, porque gravado o depoimento da testemunha pelo apelante indicada, procedeu ainda este último à indicação, com exactidão, das passagens da gravação efectuada e nas quais ancora a ratio da impugnação deduzida.
Destarte, na sequência do exposto, nada obsta, portanto, a que proceda este Tribunal da Relação à análise do “mérito” da solicitada/impetrada alteração das respostas aos pontos de facto indicados.
3.1 - Se deve ser alterada a decisão relativa à matéria de facto proferida pelo tribunal a quo e no tocante aos pontos de facto dos itens 2.2. e 2.6. do presente Ac..
Iniciando a nossa análise pelo ponto de facto do item 2.2, diz o apelante não compreender como pode o mesmo ter sido dado como provado pelo Tribunal a quo, pois que contraria ele o facto “Não Provado” vertido em 2.12. [ “Todas as informações inerentes ao acordo referido em 2 foram indicadas e devidamente explicadas ao Executado” ], razão porque apenas podia a primeira instância em sede de facto n.º 2.2 ter dado como provado que “subjacente à emissão da livrança executada nos presentes autos, subscrita pelo Oponente, está o acordo denominado Contrato de Financiamento para Aquisição de Bens de Consumo Duradouro”, impondo-se já a exclusão do restante, por total ausência de prova.
Ora, com todo o respeito pelo entendimento do apelante, não vislumbramos qualquer contradição existente entre os pontos de facto dos itens 2.12. e 2.12., pois que, incidem ambos sobre “realidades” perfeitamente diversas, que o mesmo é dizer, que não se anulam, antes se harmonizam perfeitamente, aludindo o primeiro ao mero conteúdo objectivo de um determinado documento/acordo ( o qual consta dos autos ) , e , o segundo, a uma determinada conduta [ de informação e/ou explicação ] de uma das partes ainda que direccionada para o conteúdo do referido documento.
De resto, aludindo o item 2.2. a determinado documento junto aos autos, e dando-o por integralmente reproduzido, certo é que do respectivo conteúdo resulta inquestionavelmente que em causa está um documento assinado a 23.06.2003, que é ele denominado de Contrato de Financiamento para Aquisição de Bens de Consumo Duradouro e ao qual foi atribuído o n.º 201785, do mesmo resultando ainda que foi subscrito pelo executado com vista à aquisição de uma viatura da marca Ford, modelo Transit 190L, Ano 1999, matricula ..-NQ, pelo valor de €11.370,00, e ficando o financiamento sujeito à taxa de juro de 16,76% TAEG, num total de €17.578,92, a liquidar em 72 prestações mensais e sucessivas de €243,11.
Ou seja, independentemente e apesar de não ter sido provado que “ Todas as informações inerentes ao acordo referido em 2 foram indicadas e devidamente explicadas ao Executado “ , incontornável é que integra tal acordo ou documento escrito - e assinado pelo executado - o conteúdo, os dizeres e as cláusulas ( explicadas ou não ) que se mostram parcialmente descritas no item 2.2. da motivação de facto, nada justificando que do referido e concreto ponto de facto devam ser excluídas.
Destarte, não existindo qualquer contradição, improcede nesta parte a impugnação do apelante.
Restando agora o ponto de facto do item 2.6. [ “ O Oponente entrou em contacto com a Oponida para solicitar informações de modo a regularizar o montante a liquidar “ ] do presente Ac., importa antes de mais precisar que, efectivamente, o tribunal a quo socorreu-se para o integrar no rol dos factos provados, e no essencial, do depoimento da testemunha R.., a exercer funções para a Oponida, considerando o Exmº Juiz julgador que prestou ele um depoimento o “bastante objectivo e espontâneo”, confirmando que o Oponente estabeleceu contactos com a Oponida no sentido de regularizar a situação após o seu incumprimento, solicitando os valores ainda em dívida.
Ouvido que foi o depoimento da testemunha R.., não se descortina sequer a mínima razoabilidade para se questionar a idoneidade, a valia e a importância do mesmo para ancorar a resposta positiva conferida ao ponto de facto ora em análise, tão claro, preciso e consistente se revelou ele, confirmando o inquirido que falou directamente com o executado pelo menos duas vezes, sendo que em ambas as referidas ocasiões o assunto tratado relacionou-se directamente com o esclarecimento prestado ao ora apelante do modo como poderia ele resolver e regularizar o incumprimento que mantinha com o BPN.
Revelou assim a testemunha inquirida, e no tocante à matéria abordada no ponto de facto questionado, manifesto conhecimento directo dos factos , revelando-se no mínimo algo temerária e ousada a alusão do apelante no sentido de que o facto vertido no item 2.6. não tem qualquer suporte probatório, tão evidente, notório e inquestionável se revela a existência do mesmo [ é caso para dizer, com todo o respeito, que só não vê “quem não quer ver” ].
Ora, sendo certo que a prova tem por função a demonstração da realidade dos factos ( cfr. artº 341º, do CC), mas , tal demonstração não exige de todo uma convicção assente num juízo de certeza lógica, absoluta, sob pena de o direito falhar clamorosamente na sua função essencial de instrumento de paz social e de realização da justiça entre os homens (1), a verdade é que in casu é manifesto que o convencimento do julgador mostra-se suportada em prova bastante , não assente em mero convencimento íntimo do foro subjectivo , nada justificando que implicitamente seja considerado que a Exmª Juiz a quo incorreu em erro em sede de apreciação da prova no tocante ao concreto pinto de facto ora em sindicância.
Em conclusão, e sem necessidade de mais considerações, improcede assim, in totum, a impugnação – pelo apelante - da decisão de facto proferida pelo a quo.
4.- Se a arguição da nulidade do contrato por falta de entrega de duplicado constitui in casu um ilegítimo e abusivo exercício do direito pelo Recorrido/apelado.
Antes de mais, importa recordar que, no âmbito da sentença apelada, reconheceu a Exmª juiz a quo que, com referência à invocada nulidade do contrato de crédito que se encontra na base da livrança exequenda, e com fundamento na alegada não entrega de um exemplar do mesmo ao executado , e , bem assim, com base outrossim na não comunicação das respectivas cláusulas ao mesmo executado, assistia razão ao ora apelante ( executado) , pois que, incumbindo à apelada [ entidade bancária e prima facie o contratante que submete outrem e ora apelante a cláusulas contratuais gerais ] o ónus da prova do cumprimento da entrega de exemplar do contrato e da comunicação das cláusulas contratuais, a referida prova não foi efectuada.
E, recorda-se também , considerou expressamente como Não Provado que ( item 2.12. ) “ todas as informações inerentes ao acordo referido em 2 foram indicadas e devidamente explicadas ao Executado” , o que decidiu não obstante do Contrato de Financiamento para Aquisição de Bens de Consumo Duradouro , junto aos autos, e assinado pelo executado, constar expressis verbis a declaração reconhecimento do ora executado e/apelante de que “Declaro que tomei conhecimento de todas as cláusulas constantes neste contrato, nomeadamente, as que constam no verso do mesmo “.
Por fim, relembra-se ainda que, não obstante o reconhecimento – em sede de sentença apelada – de assistir ao Oponente e ora apelante o direito de arguir a nulidade do contrato de crédito subjacente à emissão da livrança exequenda, porque não efectuada a prova - a cargo da apelada - do cumprimento da entrega de exemplar do contrato e da comunicação das cláusulas contratuais, certo é que decidiu a primeira instância que, ao arguir o referido vício contratual, estava o executado a agir com abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium, razão porque vedado lhe estava arguir a nulidade.
Dissentindo do referido julgamento, no essencial assenta o apelante a referida discordância no entendimento de que no caso dos autos não há a mínima penumbra de qualquer abuso , e , ademais, não excedeu o recorrente os limites da boa fé, ao invocar a nulidade do contrato de crédito por falta de entrega de um exemplar e o não esclarecimento do seu conteúdo.
Ora Bem.
Em primeiro lugar, e com referência à matéria/questão ora em apreço, é hoje praticamente unânime o entendimento de que nada obsta a que o financiador/entidade bancária se socorra do instituto do abuso do direito para, através dele, paralisar os efeitos da invocação pelo consumidor da nulidade formal do contrato de crédito ao consumo, sendo v.g. e em rigor “ legitima a pretensão do financiador que sustenta que a arguição da nulidade formal ou procedimental pelo consumidor configura um venire contra factum proprium já que o direito está a ser exercido em contradição com a sua conduta anterior ( por exemplo o pagamento das prestações do mútuo durante um longo período )”. (2)
No essencial, socorre-se a doutrina e a jurisprudência da concretização do “venire contra factum proprium” em sede de inalegabilidade de vícios formais, caracterizando-se então o comportamento do consumidor pelo exercício de uma posição jurídica em contradição com uma conduta antes assumida ou proclamada pelo agente, ou seja, como ensina o Prof. Menezes Cordeiro (3), em causa estão então dois comportamentos da mesma pessoa, lícitos em si e diferidos no tempo, sendo que o primeiro - o factum proprium – é , porém, contrariado pelo segundo.
Para tanto e ainda segundo o mesmo Professor (4) o “venire contra factum proprium” pressupõe: “1º- Uma situação de confiança, traduzida na boa fé própria da pessoa que acredite numa conduta alheia (no “factum proprium”); 2º- Uma justificação para essa confiança, ou seja, que essa confiança na estabilidade do “factum proprium” seja plausível e, portanto, sem desacerto dos deveres de indagação razoáveis”; 3º- Um investimento de confiança, traduzido no facto de ter havido por parte do confiante o desenvolvimento de uma actividade na base do “factum proprium”, de tal modo que a destruição dessa actividade (pelo “venire”) e o regresso à situação anterior se traduzam numa injustiça clara; 4º- Uma imputação da confiança à pessoa atingida pela protecção dada ao confiante, ou seja, que essa confiança (no “factum proprium”) lhe seja de algum modo recondutível.”
Em termos gerais, porém, pois que o “venire contra factum proprium” integra uma das suas diversas modalidades , e como ensina Orlando de Carvalho (5) “O abuso de direito existe quando há um exercício do direito fora do âmbito do exercício do poder de autodeterminação que é próprio fundamento do reconhecimento de direitos subjectivos, propondo, como critério para o apurar a falta de interesse no exercício do direito a apreciar em abstracto ou concreto, e a transcendência do prejuízo em relação ao agente. Esta concepção implica, pois, uma distinção em relação à boa fé entendida enquanto norma de conduta: enquanto nesta está em causa uma regulamentação da conduta dos particulares, um problema de actuação contra legem, no abuso de direito o que é relevante não é a violação do direito objectivo, e sim a falta de interesse conjugada com a “transcendência do prejuízo”.
Verificando-se portanto um quadro fáctico que permita concluir estar-se na presença de uma conduta subsumível à supra referida figura do VCFP , ao julgador lícito é lançar mão do instituto do abuso de direito, como princípio geral moderador dominante na globalidade do sistema jurídico, apresentando-se o mesmo como “ verdadeira «válvula de segurança» vocacionada para impedir ou paralisar situações de grave injustiça que o próprio legislador preveniria se as tivesse previsto, de tal forma que se reveste, ele mesmo, de uma forma de antijuridicidade cujas consequências devem ser as mesmas de qualquer acto ilícito “, sendo que, quando “ o direito que se exerce não passa de uma aparência de direito, desligado da satisfação dos interesses de que é instrumento, haverá que afastar as normas que formalmente concedem ou legitimam o poder exercido”. (6)
Um cuidado/aviso , todavia , e neste conspecto, se exige ao julgador, qual seja o de não olvidar [ importa pois existir alguma cautela quando se envereda por decisão direccionada para a paralisação dos efeitos da invalidade ] em caso algum que “ A invocação do abuso de direito não pode redundar, com subversão do escopo das exigências de forma, em mero instrumento de convalidação de negócios que a lei declara inválidos”, razão porque , ainda que prima facie nada obste a que os efeitos da invalidade por vício de forma podem, sejam excluídos pelo abuso de direito, importa porém que tal apenas deva verificar-se “ em casos excepcionais ou de limite, a ponderar casuisticamente, em que as circunstâncias apontem para uma clamorosa ofensa do princípio da boa fé e do sentimento geralmente perfilhado pela comunidade, situação em que o abuso de direito servirá de válvula de escape, tornando válido o acto formalmente nulo, como sanção do acto abusivo”. (7)
Isto dito, e mais não se justifica acrescentar, e incidindo agora a nossa atenção directamente sobre o caso dos autos, verifica-se que o titulo executivo ( uma livrança ) entronca a respectiva justificação – ratio - em contrato de financiamento para aquisição a crédito de bem de consumo duradouro - aquele cuja nulidade é invocada pelo consumidor/apelante - datado de 23/6/2003 , e relativamente ao qual, antes da respectiva assinatura, declara o mutuário e ora executado “ que tomei conhecimento de todas as cláusulas constantes neste contrato, nomeadamente, as que constam no verso do mesmo “.
Obrigando-se o apelante ( no âmbito do referido contrato de 23/6/2003 ) ao pagamento à apelante de 72 prestações mensais de € 243,11 cada uma, pagou o primeiro as primeiras 33 mensalidades, e, inclusive, posteriormente à resolução do contrato pela Oponida, entregou-lhe ainda a quantia de €4.340,81.
Por fim, provado resultou ainda que, em data não apurada, o Oponente entrou em contacto com a Oponida para solicitar informações de modo a regularizar o montante a liquidar.
Aqui chegados, temos assim que vem o executado arguir a nulidade do contrato de financiamento outorgado com a apelada , em primeiro lugar, decorridos cerca de 9 anos após a data da sua outorga , e , inclusive, depois de ter sido ele – o contrato – cumprido pelo apelante e executado em mais de 50% do respectivo valor.
Depois, e quando mais não seja com base em presunção judicial ( cfr. artº 351º, do CC ), vem o executado , em sede de execução, a invocar a nulidade de contrato, sendo que, em momento anterior à instauração da execução nunca o fez, antes revelou sempre - inclusive quando interpelado pela exequente - [ senão de uma forma expressa, pelo menos de um modo tácito – cfr. artº 217º, do CC ] que a não entrega de exemplar do contrato e a não comunicação das respectivas cláusulas contratuais não servia de todo de alibi/justificação para o incumprimento do acordado.
De resto, e por fim, provado resultou ainda que, em data não apurada, o Oponente entrou em contacto com a Oponida para solicitar informações de modo a regularizar o montante a liquidar.
Finalmente, e mais incongruente ainda, vem o apelante em sede de execução a arguir a nulidade de contrato de crédito subjacente à execução quando, para todos os efeitos e em rigor, à data já tal contrato não existia juridicamente [ sabendo-se como se sabe que a resolução consiste na destruição de uma relação contratual (8) ] , porque entretanto já resolvido com base em direito potestativo vinculado ( cfr. art.º 432.º,n.º 1 do Código Civil ) exercido pela apelada , e cujos efeitos são inclusive equiparados à nulidade ou anulabilidade do negócio jurídico ( cfr. artº 433º, do CC ).
Ou seja, apenas já em sede de liquidação das respectivas responsabilidades (9) [ cfr. art.º 433º, do CC ], e inclusive após a “morte” da relação-mãe (10) ou relação subjacente à obrigação cambiária, é que vem o executado a invocar/acrescentar um novo fundamento para mais uma !!! morte ( já ultimada à data em razão da comunicação resolutiva da apelada ) da relação contratual originária e subjacente, o que, convenhamos, apenas o faz em sede de acção executiva/coerciva com o único propósito de se livrar da obrigação do pagamento da quantia exequenda que emerge da obrigação cambiária assumida.
Ora, se não olvidar-mos que integra paradigma de abuso do direito (11) , por exceder manifestamente os limites impostos pela boa fé (art. 334.º do C.C.), a invocação pelo devedor de vício formal de contrato quando tal invocação tem como único desiderato ( o que é manifestamente o caso ) livrar-se o outorgante da obrigação do pagamento das obrigações naquele assumidas , a que acresce que , em todo o caso, estando in casu em equação a outorga de contrato de financiamento para aquisição de veículo automóvel [ igual a muitos outros que no dia a dia são subscritos por centenas de consumidores ], certo é que em sede de legislação proteccionista não considerou/tratou o legislador o aderente como pessoa inábil e incapaz de adoptar os cuidados que são inerentes à celebração de um tal contrato, pois que, como bem se chama a atenção no Ac. do STJ de 20/3/2012 (12) e importa não descurar, o compreensível regime proteccionista e de favor que enforma o DL nº 446/85, de 25/10, “ não dispensa o consumidor de uma conduta diligente, zelosa e cuidada, que a boa fé aconselha e exige, como também não onera o promotor das cláusulas de adesão com incumbências de tutela sobre o mesmo consumidor que o resguardem de negligência ou descuido “,manifesto se nos afigura que a sentença apelada não é susceptível de qualquer censura, antes merece ser confirmada.
É que, e sem prejuízo de há muito ter sido ele já resolvido com base em direito potestativo vinculado exercido pela apelada , e cujos efeitos são inclusive equiparados à nulidade ou anulabilidade do negócio jurídico ( cfr. artº 433º, do CC ), inquestionável se nos afigura que, a conduta do apelante em sede de cumprimento da relação subjacente, é por si suficiente para concluir que a invocação em sede de acção executiva de vício de nulidade do acima indicado contrato de financiamento consubstancia em rigor o exercício ilegítimo de um direito, excedendo o apelante , e manifestamente, os limites impostos pela boa fé e pelo fim social e/ou económico do direito, o que tudo preenche a fattispecie do art. 334º do Código Civil.
Em razão do exposto, temos para nós que inevitável se mostra a improcedência da apelação, razão porque importa confirmar a decisão/sentença apelada, determinando-se em consequência o prosseguimento da instância executiva.
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4- Sumariando ( cfr. artº 663º, nº7, do CPC):
4.1 – É praticamente unânime o entendimento de que nada obsta a que o financiador/entidade bancária se socorra do instituto do abuso do direito para, através dele, paralisar os efeitos da invocação pelo consumidor da nulidade formal de um contrato de crédito ao consumo que tenha outorgado ;
4.2. – É paradigma de abuso do direito, por exceder manifestamente os limites impostos pela boa fé (art. 334.º do C.C.), a invocação, pelo “cliente” do contrato referido em 4.1., de vício relacionado com a não entrega de um seu exemplar, ou com a não explicação do respectivo clausulado, quando o cumpriu em mais de 50 % , e , de resto, as omissões referidas em nada contribuíram para a sua desprotecção ou prejuízo enquanto cliente/consumidor, antes visa este último com tal invocação – em sede de execução - livrar-se da sua obrigação do pagamento das prestações assumidas e ainda por cumprir.
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5.- Decisão.
Em face de tudo o supra exposto,
acordam os Juízes na 2ª Secção Cível, do Tribunal da Relação de Guimarães, em , não concedendo provimento à apelação :
5.1. - Não alterar a decisão de facto proferida pelo tribunal a quo;
5.2.- Confirmar a sentença da primeira instância .
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Custas pelo apelante ( sem prejuízo do apoio judiciário).
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(1) Cfr. Prof. Antunes Varela e outros, in Manual de Processo Civil, 1984, págs. 420 e segs. .
(2) Cfr. Fernando de Gravato Morais, in “Os Contratos de Crédito Ao Consumo”, Almedina, págs. 108 e segs..
(3) In Da Boa Fé no Direito Civil, Vol. II, 742 e segs..
(4) Cfr. citação - que se transcreve - inserta no Ac. do STJ de 7/7/2009, Proc. nº 369/09.01YFLSB , in www.dgsi.pt.
(5) In “Teoria Geral do Direito Civil”, 1981, págs. 45.
(6) Cfr. Ac. do STJ de 16/12/2010, Proc. nº 1584/06.5TBPRD.P1.S1, e acessível in www.dgsi.pt.
(7) Cfr. Ac. do STJ de 28/2/2012, Proc. nº 349/06.8TBOAZ.P1.S1, e acessível in www.dgsi.pt.
(8) Cfr. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, II, 3.ª edição, 1980, pág. 242).
(9) Cfr. José Carlos Brandão Proença, in A Resolução do Contrato No Direito Civil, 1982, Coimbra, pág. 173 e segs..
(10) Cfr. José Carlos Brandão Proença, ibidem, pág. 179.
(11) Cfr. Ac. do STJ de 11/2/2010, Proc. nº 2044/07.2TBFAR.E1.S1, e acessível in www.dgsi.pt.
(12) In Proc. nº 1557/05.5TBPTL.L1, e acessível in www.dgsi.pt .
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Lisboa, 9/04/ 2015
António Santos
Figueiredo de Almeida
Ana Cristina Duarte