Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
4732/07.4TBBCL.G1
Relator: ANTÓNIO SANTOS
Descritores: CAMINHO PÚBLICO
UTILIDADE PÚBLICA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/19/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: I - É entendimento uniforme do STJ aquele que considera que o Assento do S.T.J. de 19-4-89 , nos termos do qual “são públicos os caminhos que, desde tempos imemoriais, estão no uso directo e imediato do público”, carece de uma interpretação restritiva, devendo esta última ser efectuada no sentido de a publicidade dos caminhos exigir ainda a sua afectação à utilidade pública , e consistindo a utilidade pública no facto do uso do caminho visar a satisfação de interesses colectivos de certo grau ou relevância.
II - Não se concluindo pela satisfação de interesses colectivos de certo grau ou relevância, e não permitindo outrossim a factualidade provada considerar que o caminho foi legitimamente apropriado por pessoa colectiva de direito público, por esta último passando v.g. a ser administrado, inevitável é a improcedência do pedido de reconhecimento judicial de que concreto caminho é público , ou um bem dominial possuído por entidade pública.
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 2ª Secção CÍVEL Do Tribunal da Relação de Guimarães
*
1. Relatório.
M.. e I.., casados, residentes em Chavão, Barcelos, intentaram acção declarativa de condenação, sob a forma de processo Ordinário, contra A.. e mulher, M.., residentes em Grimancelos, Barcelos, e V.., M.., residentes em Grimancelos, pedindo que sejam os RR condenados a :
a) reconhecer que os AA. são os proprietários de prédio que identificam no artº 1º da petição, e com configuração e limites que assinalam em concreta planta;
b) rectificar a descrição dos prédios dos RR. no que tange a confrontações do lado norte, de forma a que fique a constar localizarem-se eles na freguesia de Chavão;
c) restituir aos AA. a posse de parcela de terreno que identificam e que integra o respectivo prédio, devendo os RR absterem-se de perturbar a mesma ou o direito de propriedade dos AA. sobre a mesma;
d) indemnizar os AA. em quantia não inferior a 2.200 Euros, bem como em montante mensal de 100 Euros até efectiva entrega da parcela referida em c);
e) indemnizar os AA em danos morais a quantificar em liquidação de sentença.
Para tanto , alegaram os AA. , em síntese, que :
- São os proprietários e possuidores de prédio que identificam na petição, o qual integra concreta faixa de terreno, sendo que este última sempre foi usufruída pelos AA e ante possuidores, dela se servindo para entrar e sair da sua propriedade;
- Sucede que, sendo os RR os proprietários de prédio que confronta com o dos AA, vêem utilizando pelo menos desde meados de 2005 e abusivamente a referida faixa de terreno, tendo inclusive nela iniciado a construção de um muro, o que fizeram com a intenção de se apoderarem da referida parcela de terreno;
- Ora, em razão do comportamento dos RR, outra alternativa não resta aos AA, senão recorrer aos tribunais, e com o desiderato de conseguirem a restituição da parcela de terreno referida, devendo os RR. ser condenados a absterem-se de qualquer acto de turbação da posse e/ou propriedade dos AA.
1.1.- Os RR, após citação, contestaram todos, essencialmente por impugnação motivada, e deduziram ainda pedido reconvencional, peticionando a condenação dos AA a reconhecer que a parcela de terreno em disputa constitui o leito de um caminho público, ou seja , não integra o prédio dos AA.
1.2.- Seguindo-se a Réplica, foi dispensada a realização da audiência preliminar e elaborado o despacho saneador, tabelar, tendo-se ainda fixado a matéria de facto ( assente e controvertida ) e não tendo qualquer das referidas peças sido objecto de reclamações.
1.3.- Finalmente, realizada que foi a audiência de discussão e julgamento [ que teve inicio a 13/11/2013 ], veio a 17/12/2013 a proferir-se a decisão sobre a matéria de facto , e , conclusos os autos para o efeito, proferiu o tribunal a quo a competente sentença, sendo o respectivo excerto decisório do seguinte teor :
“ (…)
DECISÃO
Pelo exposto, decide-se julgar :
a) a acção totalmente improcedente, por não provada, pelo que se absolvem os RR. do peticionado;
b) a reconvenção totalmente procedente, por provada, pelo que se declara que o caminho a que se alude em AA) a JJ) é do domínio público, condenando-se, ainda, os AA. / reconvindos no seu reconhecimento;
c) Condenam-se AA./reconvindos nas custas da acção e da reconvenção.
Registe e notifique.
Barcelos, 24/06/2014.”
1.4.- Porque inconformados com a sentença proferida, da mesma interpuseram então os AA a competente apelação, tendo nela aduzido as seguintes conclusões :
A) Os Apelantes/Autores não concordam ainda com a improcedência total da acção e da procedência do pedido reconvencional que declarou que a parcela de terreno, objecto de discussão, constitui o leito de um caminho público e que os condenou a reconhecer a natureza pública do referido caminho.
B) Os AA. não concordam com a decisão do tribunal "a quo" que entende que os mesmos não lograram fazer prova dos limites do seu prédio, assim como não provaram que o caminho em causa nos presentes autos fazia parte integrante do mesmo.
C) Existe omissão de pronúncia quanto à não especificação, extensão e características da dominialidade pública do caminho em discussão.
D) Não consta da sentença qual é o limite do caminho público, pelo que é nula tal sentença nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 668° do C.P.Civil.
E) Salvo o devido e merecido respeito, entendem os Autores que tal pedido de declaração de que o caminho em discussão é público não deveria proceder.
F) Salvo ainda, o devido respeito pela posição sufragada na douta sentença ora em crise, entende-se que a mesma padece ainda de outros vícios, porquanto, para além de proceder a um incorrecto julgamento da matéria de facto, e ao mesmo tempo não extrair de forma correcta as consequências jurídicas da matéria de facto apurada no decurso da audiência de julgamento, padece de falta de fundamentação e não conhece de questões essenciais que devia conhecer.
G) O Tribunal "a quo" não fez uma correcta apreciação da prova e dos factos provados, violando o dever de analisar de forma crítica toda a prova produzida a que está obrigado conforme o disposto no artº 607°, nº 4 do CPC.
H) O Tribunal não se debruçou sobre a maior parte da prova produzida, designadamente os documentos juntos, escrituras, descrições prediais, plantas de toponímia e fotografias do local.
I) Baseou a sua decisão num documento, uma declaração emitida pela Junta de Freguesia de Grimancelos, a qual atesta que o caminho sofreu uma intervenção de obras públicas numa extensão de aproximadamente seis metros.
J) A sentença não reconhece, nem se debruça sobre o possível erro na declaração do Presidente da Junta de Grimancelos e que a ser verdade dá um desfecho completamente diferente à questão.
K) Do mesmo modo que não se pronuncia sobre o possível erro existente na Planta de Toponímia da freguesia de Chavão
L) A inspecção judicial ao local foi feita de forma deficiente e não permitiu ao Tribunal percepcionar a configuração do local.
M) O meritíssimo juiz a quo e, com todo o devido respeito, deveria ter percorrido todo o caminho que se discute nos autos e, assim constatar que o mesmo não desemboca em nenhuma estrada municipal, conforme ficou provado.
N) Não podem os Apelantes concordar com a posição do Sr. Juiz recorrido em desconsiderar em absoluto os depoimentos das testemunhas arroladas pelos AA., tanto que as justificações aduzidas para o efeito (o decurso do tempo e a possível confusão por ele provocada) não são minimamente aceitáveis.
O) Os depoimentos dessas testemunhas arroladas pelos AA. revelaram-se isentos, coerentes e espontâneos e para além de se basearem nas mais válidas e sólidas razões de ciência, foram prestadas de forma clara, firme, serena e desinteressada, em termos de deverem merecer toda a credibilidade.
P) Bem diferentes foram os depoimentos de duas testemunhas arroladas pelos RR. e que foram valoradas pelo Mmº Juiz a quo, desde logo porque são familiares dos RR., depuseram de forma também muito menos isenta, segura e coerente.
Q) Além de que pelo repentismo e coincidência de muitas das suas respostas, justificam muitas e as mais sérias dúvidas quanto à sua verdade e isenção podendo até admitir-se terem resultado de uma preparação e concertação prévias.
R) De tal matéria de facto apurada, resulta de forma clara e inequívoca que os AA. são donos e legítimos proprietários de um prédio urbano sito na Rua da Aldeia Nova, da freguesia de Chavão, concelho de Barcelos, que confronta a norte com J.., a sul com caminho de servidão, a nascente com caminho vicinal e a poente com M.., inscrito na matriz predial rústica da freguesia de Chavão sob o artigo...
S) Tal prédio adveio à posse dos AA. por o terem comprado a J.., por escritura pública de compra e venda, realizada em 5 de Abril de 1984, no qual se localiza um leito de um caminho que sempre foi utilizado pelos AA. e pelos proprietários vizinhos dos dois prédios encravados.
T) Mais ficou provado que os AA. detêm e usufruem deste prédio há mais de 40 anos, por si e ante possuidores, sem interrupção temporal, nele fazendo obras de construção, conservação e melhoramentos, sem oposição de quem quer que seja, sem lesar interesses e direitos de outrem e com conhecimento dos Réus, com ânimo de quem exerce direitos próprios, no próprio nome e na convicção de fazer seu tal prédio, à vista de toda a gente, por forma a que tais actos possam ser conhecidos de todos.
U) Ficou ainda provado que os Réus nunca tiveram direito de passagem sobre o prédio dos AA. para acederem ao seu prédio e que a entrada para o prédio dos RR. faz-se e sempre se fez por um caminho público que, passa a nascente do prédio dos AA.
V) Consultada a escritura de aquisição do terreno dos RR, verifica-se que no que toca às confrontações do lado sul a propriedade confinava com A.. e nunca com caminho (público ou privado).
W) A testemunha A.. afirma peremptoriamente que existia um caminho de servidão a favor dos dois prédios rústicos, que esse caminho não confrontava com a propriedade dos Réus e que só desde a construção da habitação do A. é que foi estabelecido um novo traçado para o direito de passagem para os dois prédios encravados.
X) Se o A. não tivesse a convicção de que o caminho é de servidão por que razão e com que poder iria o A. alterar o traçado de um caminho público? Sem a Junta de Freguesia intervir?
Y) Esta testemunha, que não é familiar de nenhuma das partes, passou grande parte da sua juventude nesse local teve conhecimento directo e ocular das características do prédio, tendo prestado um depoimento baseado em intervenção e conhecimento directo das situações sobre que versou.
Z) Ficou amplamente provado também através deste testemunho que o muro que actualmente delimita o caminho em discussão foi construído pelo A. marido uma vez que o seu prédio, e só a determinado momento, tem uma inclinação.
AA) Num prédio localizado a oeste do prédio dos AA., propriedade do pai da A. mulher, existiu um paiol, explorado pela família dos AA. e, portanto, é natural que os mesmos consentiam a passagem das pessoas que lá deslocavam passem pelo prédio.
BB) Não era, como se tentou fazer crer na audiência de julgamento, pertencente a terceiros, nem uma empresa de grandes dimensões.
CC) A testemunha J.., pelo foi informado pelo 1° R. que só tinham entrada pela cancela e não pelo caminho em discussão. Pelo que ficou provado o quesito 5° da base instrutória.
DD) Com o depoimento da testemunha V.., ficou amplamente provada a existência do caminho de servidão, a utilização limitada desse caminho apenas pelos proprietários dos prédios e que o muro existente foi construído pelo A. marido.
EE) Ficando assim provados os quesitos 2°, 21°, corroborando a alínea DD) ,EE) , FF) , GG) , HH) , II) e JJ) dos factos assentes.
FF) Com o depoimento de A.. ficou plenamente provado que tanto o prédio dos A. como o prédio dos R. estão e sempre estiveram situados na área geográfica da freguesia de Chavão - quesitos 3°, 5°, 16°,17° e 20° da base instrutória.
GG) A testemunha M.., admitiu em audiência de discussão e julgamento que a declaração que emitiu sobre que o caminho sofreu intervenção de obras públicas padece de veracidade. O seu depoimento corroborou as alínea EE) e FF) dos factos provados e provou ainda os quesitos 3°, 5° e 43° da base instrutória.
HH) No caso sub judice e por tudo quanto fora exposto impõe-se assim a reapreciação de determinados factos. Tais factos são os que constam das alíneas BB), CC), DD), EE), FF), GG), HH), II), JJ), MM) da fundamentação de facto, acima transcrita, que os recorrentes querem ver dados como não provados e os factos dados como não provados correspondentes, aos quesitos 1°,3°, 5°, 16°, 17°, 20°, 21°, 24°, 25°, 37°, 43°, que entendem ter ficado provados.
II) Esta alteração da matéria de facto permite concluir que o caminho em discussão é e sempre foi um caminho de servidão, não preenchendo os requisitos legais necessários para ser considerado público.
JJ) O A. marido alterou o traçado do caminho para poder construir a sua habitação, o que revela uma vez mais que o mesmo praticou este ato com a consciência e convicção de que teria de manter a servidão para os prédios encravados e de que o mesmo fazia parte integrante do seu prédio.
KK) Aliás tal se pode ver na descrição predial que, contrariamente à do prédio dos RR., nunca sofreu qualquer averbamento por alteração de confrontações. Consta lá que o prédio confronta a norte com caminho de servidão.
LL) Igualmente, dúvidas não podem restar que o caminho não tinha o traçado nem se localizava no mesmo sítio. Foram várias as testemunhas que constataram essa realidade.
MM) Tal mudança de traçado ocorreu há cerca de 25 de anos, com a anuência dos donos dos prédios encravados.
NN) Conforme decorreu dos depoimentos das testemunhas o caminho em discussão apenas beneficia os donos de duas propriedades: a do senhor V.. e do pai da A. mulher.
OO) Provou-se igualmente na audiência de discussão e julgamento que as pessoas residentes próximo do local e os donos dos prédios confinantes utilizam o mencionado caminho pedindo licença ou autorização, convictos de que não lhes assiste o direito de ali circularem livremente.
PP) O caminho em discussão não é um caminho público porque nunca esteve no uso directo e imediato do público, visando a satisfação de interesses colectivos de certo grau ou relevância.
QQ) Não resulta da matéria de facto provada, qualquer factualidade que permita concluir pelo uso do caminho em apreço desde tempos imemoriais.
RR) Na verdade, o período temporal que se apurou - mais de 40 anos - não preenche o apontado requisito.
Em síntese, a decisão recorrida violou o disposto, entre outros, nos artigos 1543°, 1547°, 1548°, 1550°, 1567°, 1569°, 1568° e 1570°, todos do Código Civil.
TERMOS EM QUE E COM O DOUTO SUPRIMENTO DE V. EXA.S VENERANDOS DESEMBARGADORES, DEVE SER DADO INTEIRO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO E, REVOGADA A DOUTA DECISÃO RECORRIDA, POR SER DE INTEIRA E MERECIDA JUSTIÇA.
1.5- Os apelados/RR contra-alegaram, impetrando que a apelação dos AA seja julgada improcedente .
Para tanto, aduziram as seguintes conclusões:
1.º Não há, no âmbito da sentença recorrida, qualquer omissão, muito menos qualquer omissão, relativa ou absoluta, de conhecimento quanto às questões prejudicadas.
2.º Em nenhum pedido consta a questão de saber até onde o caminho é público, mas antes, se o actual caminho – a sul da propriedade dos AA. - é efectivamente público, aliás como resultou, e bem, provado.
3.º Na verdade, tanto na decisão sobre a matéria de facto controvertida como na sentença o Tribunal a quo sintetizou o depoimento das testemunhas, fez referencias a factos constantes de documentação para, a final, concluir que o falado caminho é público.
4.º É igualmente falso que o Tribunal a quo não tenha tido em consideração, na decisão que a final proferiu, a possibilidade de erro na declaração emitida pelo Presidente da Junta de Grimancelos, uma vez que da fundamentação da decisão sobre a matéria de facto controvertida já referida supra, resulta que aquele Presidente admite existirem muitas dúvidas relativamente à veracidade e respectivo teor da declaração, facto que não foi, obviamente, esquecido pelo Tribunal a quo quando proferiu a sentença.
5º - Pelo que, mesmo que existisse um erro na declaração do Presidente de Junta da Freguesia Grimancelos, esta seria tão (ir)relevante, quão (ir)relevante foi esta declaração para a formação da convicção do Meritíssimo Juiz. Do mesmo modo, as declarações do anterior Presidente de Junta da Freguesia de Chavão foram relevadas e ponderadas, contrariamente ao que foi alegado pelos recorrentes nesta Apelação.
6.º A sentença foi efectivamente bem fundamentada, nomeadamente, pela exposição de todos os meios de prova, assim como se pronunciou sobre todas as questões prejudicadas, não se verificando, desse modo, uma omissão de pronúncia, muito menos uma omissão absoluta de pronúncia, das questões levadas a cabo pelas partes ao processo.
7.º Os ora recorrentes parecem querer, propositadamente, confundir a não especificação dos fundamentos de facto e de direito e a omissão de pronúncia, constantes no art. 615º, n.º1, b) e d) do CPC, com o princípio da livre apreciação de provas pelo juiz, constante do art. 607º n.º 5 do CPC, já que fazem por não perceber aquilo que é claro, nomeadamente, a fundamentação e as respostas às questões levantadas, pelo facto das mesmas não satisfazerem as suas pretensões.
8.º Os recorrentes ao se debruçarem nesta Apelação sobre a isenção das testemunhas, logrando juízos de valor a esse respeito, estão a interferir naquilo que é a livre apreciação do Juiz, unicamente, pelo facto de a decisão não corresponder às suas expectativas.
9.º Foram várias as testemunhas que comprovaram que o caminho que se discute actualmente nos autos é exactamente o mesmo caminho que existia anteriormente, não tendo por isso existido qualquer alteração do mesmo, designadamente, M.., F.., J.. e M.., sendo que o depoimento das testemunhas F.. e M.. revelaram, segundo o Meritíssimo Juiz a quo, conhecimento directo dos factos e isenção, e o depoimento do Senhor J.., por sua vez, demonstrou segurança e sabedoria do mesmo quanto aos factos;
10º É falso que o Senhor F.. esteja desavindo com os recorrentes, tal como parecem sugerir estes últimos.
11.º- Como comprovou, sempre existiram, no local onde se encontra actualmente um muro, umas pedras colocadas umas em cima das outras que perfariam uma espécie de muro e que delimitam precisamente a propriedade do Senhor L.., determinando, igualmente, onde se inicia o caminho em causa, o que demonstra que o caminho em discussão sempre se manteve no sítio onde está hoje.
12.º - É perceptível que o muro que divide a propriedade dos recorrentes do caminho ora referenciado é antigo e tem mais de 25 anos, o que quer dizer que não pode ter sido construído pelos recorrentes, e demonstra, por esse motivo, ser uma inverdade o facto de terem os recorridos mudado de posição o mencionado caminho através da construção de um muro.
13.º -Os recorrentes não lograram provar que participaram, por qualquer meio, nos custos, por maioria de razão em que em proporção, com a pavimentação do caminho dos autos que afirmam ser privado.
14.º- Embora os recorrentes invoquem depoimentos de determinadas testemunhas que afirmam ter conhecimento que existiu comparticipação, a verdade é que estas não tem, nem podem ter, conhecimento directo desse facto, além de que outras tantas testemunhas, como J.., A.., F.. e o próprio V.., afirmam inexistir qualquer comparticipação.
15.º- Caso tivesse existido, o que não se admite, essa pretensa comparticipação nas despesas de pavimentação, as únicas pessoas que poderiam comprová-lo, realmente – uma vez que inexiste qualquer prova documental – seriam os Presidentes quer de Junta de Freguesia de Chavão quer de Grimancelos em funções à data da pavimentação do dito caminho, sendo que o único Presidente de Junta em funções nessa data que prestou depoimento foi a testemunha J.., Presidente da Junta de Grimancelos entre os anos de 1976 e 2005 – o qual garantiu que aquele caminho foi comparticipado, na totalidade e exclusivamente, das Juntas de Freguesia de Chavão e Grimancelos.
16º- As atas das Juntas de Freguesia, assim como outros documentos permitem, igualmente, perceber quem dirigiu e quem pagou a pavimentação do caminho, sendo que de tais documentos não consta que o Senhor L.. tenha contribuído com o que quer que fosse para a pavimentação em apreço, conforme depoimento da testemunha M...
17.º -As Juntas comparticiparam tal obra por estarem convictas, por meio dos seus representantes, que o caminho em toda a sua extensão, seria público, como de resto é, caso contrário jamais o teriam financiado, público.
18.º -O caminho foi considerado público devido a um conjunto de factos que ficaram provados e que o Meritíssimo Juiz destacou, designadamente, os depoimentos das testemunhas F.. e M.., como tendo sido fulcrais para que determinados factos resultassem provados, não se tendo apoiado unicamente na declaração emitida pelo Senhor M.., como parecem fazer crer os recorrentes.
19.º -Mais resultou provado que, a cerca de 27, 28 metros contados para Poente do vértice Sul/Nascente do prédio dos ora recorrentes, na margem esquerda do caminho em discussão, existiu um posto de iluminação pública, da E.D.P. que jamais poderia ser colocado sem que mencionado caminho fosse considerado público.
20.º- Várias foram as testemunhas que negaram a necessidade de consentimento para a passagem no caminho em discussão, designadamente, as testemunhas F.., M.., M.., insistindo estes que a circulação pelo caminho ora em discussão sempre se fez de forma livre.
21.º- Inclusivamente, o ante-proprietário do terreno, ora pertencente aos recorrente, não foi objectivo e peremptório ao referenciar a necessidade de consentimento em determinadas situações.
22.º- Nada impede as testemunhas de mencionarem expressões como “desde sempre”, “sempre” ou “desde tempos imemoriais” nos seus depoimentos se essa foi a informação que lhes foi transmitida, independentemente de ser uma informação que ultrapassa a vida dos mesmos desde que, conjuntamente com essa informação que lhes foi incutida, certificarem objectivamente e sem dúvidas, porque presenciaram ou assistiram, que tal sempre foi assim, desde que têm memória, tal reflecte essa imemorabilidade.
23.º- Por essa razão, é possível afirmar-se que desde tempos imemoriais as pessoas que assim o entendessem e independentemente dos fins passaram pelo mencionado caminho, sem necessidade de consentimento de quem quer que fosse. Já que este caminho sempre esteve, desde tempos imemoriais, sob o domínio directo e imediato de todas as pessoas que por ali passavam, quer em direcção aos diversos prédios que com elas marginavam e marginam e a outros, quer em direcção à referida E.M. 505.
24.º- Os veículos ligeiros são todos aqueles que suportam um peso igual ou inferior a 3500kg, independentemente de constituírem transporte de passageiros ou de mercadorias, sendo que, contrariamente, os veículos pesados são todos aqueles que possuem um peso superior ao mencionado.
25.º- Por essa razão, os depoimentos de F.. e de J.., que afirmam terem passado, desde sempre, carros com peso até 3.500 kg, é verdadeiro, uma vez que aquando do incêndio do paiol, passaram pelo mesmo camiões de bombeiros e ambulâncias.
26.º- Mesmo que tenha sido partido um esteio para que os camiões de bombeiros e ambulâncias passassem, tal não quer dizer que não pudessem passar carros até 3500 kg, aliás se assim não fosse mais do que um esteio teria de ser destruído para que os camiões de bombeiros e ambulâncias passassem efectivamente aquando do incêndio.
27.º- O depoimento da testemunha M.. não está em contradição com o de F.. e do J.., uma vez que aquela afirmou poderem passar no caminho carros, logo veículos ligeiros com carga até 3.500 kg.
28.º- Tanto a testemunha F.., como J.., bem como M.. depuseram de forma semelhante sem contradições, contrariamente ao que sucedeu com as testemunhas arroladas pelos recorrentes que afirmaram que caminho era estreito, e por isso as pessoas passavam de bicicleta mas depois não conseguiram explicar como passaram então por ali ambulâncias e/ou camiões de bombeiros à data do incêndio no paiol.
29.º- Tais contradições das testemunhas arroladas pelos recorrentes verificaram-se em relação a vários factos, o que demonstra o desconhecimento real do caminho em causa e o recurso a declarações que mais não serviram do que tentar fazer crer que o caminho em discussão é privado, o que não é verdade, demonstrando, igualmente, a ausência de credibilidade e isenção dessas testemunhas.
30.º -Por tudo quanto fora mencionado e provado, isto é, tendo em conta que o caminho desde tempos imemoriais nunca foi alterado, foi objecto de uma intervenção pública (pavimentação), na sua totalidade comparticipada por dinheiros públicos, tendo ali sido implantado um poste de electricidade pela E.D.P., estando desde tempos imemoriais sob o domínio directo e imediato de todas as pessoas que por ali passavam, isto é, sem necessidade de consentimento de quem quer que fosse, é de concluir, sem margem para qualquer dúvida, que o caminho em causa é público.
31.º - Deve, por isso, ser confirmada nesta Apelação toda a matéria provada nos autos.
32.º - Em sintetize, a decisão recorrida não violou qualquer disposição legal, designadamente , o art. 607º, nº 4 do CPC, 668º n.º 1 alíneas b), c) e d) do CPC e ainda os art. 1543º, 1547º, 1548º, 1550º 1567º 1569º 1568º e 1570º todos do Código Civil.
TERMOS EM QUE, deve ser negado provimento ao recurso e manter-se a douta decisão recorrida.
*
Thema decidendum
Colhidos os vistos, cumpre decidir, sendo que , estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões [ daí que as questões de mérito julgadas que não sejam levadas às conclusões da alegação da instância recursória, delas não constando, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal ad quem ] das alegações dos recorrentes ( cfr. artºs. 635º, nº 3 e 639º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho , e tendo presente o disposto no artº 5º, nº1 e 7º,nº1, ambos deste último diploma legal ), e sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, as questões a apreciar e a decidir resumem-se a saber :
I - Se a sentença apelada padece do vício de nulidade, à luz do nº1, alínea d), primeira parte do artº 615º, do CPC;
II - Se a decisão proferida pelo a quo e relativa à matéria de facto carece de ser alterada ;
III - Se deve a sentença apelada ser revogada, maxime em razão da alteração da decisão proferida pelo a quo e relativa à matéria de facto, decidindo-se pela procedência da acção e improcedência da reconvenção ;
***
2.Motivação de Facto.
Mostra-se fixada pelo tribunal a quo a seguinte factualidade :
I - PROVADA:
2.1. - Pela inscrição G2, Ap.08/940103, da Conservatória do Registo Predial de Barcelos, o A. marido tem registada a aquisição a seu favor do prédio urbano, sito na Rua da Aldeia Nova, da freguesia de Chavão, constituído por rés-do-chão e andar com anexo e logradouro e que se encontra inscrito na matriz sob o art.. e descrito na Conservatória do Registo Predial de Barcelos sob o nº...
2.2. - O prédio referido em 2.1. foi implantado e construído pelos AA. num prédio rústico adquirido por estes a J.., por escritura de compra e venda, outorgada em 5 de Abril de 1984 e exarada a fls 15 e 16 do Livro nº 81-C, do 1º Cartório da Secretaria Notarial de Barcelos.
2.3. - Os primeiros Réus foram proprietários desde o ano de 2000 até inícios de 2007, de um prédio rústico, inscrito na matriz sob o art.., descrito na Conservatória do Registo Predial de Barcelos sob o nº.., propriedade adquirida por doação de A.. e mulher E.., pais da primeira Ré, tendo os doadores reservado para si o usufruto.
2.4. - Por escritura pública de doação, de 02/02/2007, outorgada no 1º Cartório Notarial de Barcelos, a Ré M.., com consentimento do marido A.., declarou fazer doação, com dispensa de colação, aos segundos Réus, sua filha e genro, do seguinte prédio: Raiz ou nua propriedade do prédio rústico composto por pinhal e mato, situado no Lugar da Granja, freguesia de Grimancelos, concelho de Barcelos, a confrontar do norte com caminho público, do Sul com L.., do Nascente com A.. e do Poente com A.., descrito na Conservatória do Registo Predial de Barcelos sob o nº.. e nela inscrito a favor da doadora nos termos da respectiva inscrição G1 e inscrito na matriz rústica sob o art. .., mantendo-se o usufruto constituído em 2000 a favor de E...
2.5. - No dia 1 de Agosto de 2006, o Presidente da Junta de Freguesia de Grimancelos, declarou que o artigo predial nº.., inscrito na Conservatória do Registo Predial, confronta com caminho que sofreu a intervenção de obras públicas comparticipadas pela Câmara Municipal de Barcelos, mais informando que a referida confrontação se situa numa extensão de aproximadamente 6 metros, o que foi subscrito pelo Secretário da mesma Junta de Freguesia.
2.6.- Após o acesso a um anexo edificado pelos AA. no respectivo logradouro, para quem caminha no sentido Nascente/Poente, existe um muro em pedra com cerca de 30 metros de comprimento, que constitui um muro de suporte de terreno que integra o logradouro do prédio dos AA.
2.7. - O terreno do prédio dos AA. situa-se a um nível superior à cota do caminho existente no lado sul desse prédio.
2.8.- A cerca de 27, 28 metros contados para Poente do vértice Sul/Nascente do mesmo prédio dos AA. na margem esquerda do mesmo caminho ou parcela de terreno em discussão, foi implantado um posto de iluminação pública, pela EDP, que em 2005 veio a ser retirado, tendo permanecido no local por mais de dez anos sem oposição de quem quer que seja.
2.9.- Os Autores e pelo menos os proprietários vizinhos dos dois prédios encravados utilizaram esse caminho para passarem em direcção aos respectivos prédios ou em direcção a outras vias nas quais o mesmo caminho desemboca.
2.10.- O prédio rústico referido em 2.2. era denominado por Leira do Lobo, de pinhal, eucaliptal e mato.
2.11.- Os RR. declararam que o seu prédio confrontava a norte com caminho público.
2.12 - Existe o artigo urbano nº...
2.13 - Existe uma descrição na Conservatória do Registo Predial de Barcelos com o nº...
2.14,- Há mais de 40 anos os AA., por si e ante possuidores, sem interrupção temporal, detêm e fruem materialmente o prédio referido em 2.1., 2.2. e 2.10. , nele fazendo obras de construção, conservação e melhoramentos.
2.15.- Dele tirando todas as utilidades, frutos e rendimentos e pagando os inerentes encargos, despesas e contribuições.
2.16 - Sem oposição de quem quer que seja.
2.17 - Sem lesar interesses e direitos de outrem.
2.18 - Com conhecimento dos Réus.
2.19 - Com ânimo de quem exerce direitos próprios, no próprio nome e na convicção de fazer seu tal prédio.
2.20.- À vista de toda a gente, por forma a que tais actos possam ser conhecidos de todos.
2.21.- Os 1ºs e 2ºs RR., por si e ante possuidores, nunca tiveram direito de passagem sobre o prédio referido em 2.1., 2.2. e 2.10, para acederem ao seu prédio.
2.22.- A entrada para o prédio dos RR. faz-se e sempre se fez por um caminho público que, além do mais, passa a nascente do prédio dos AA.
2.23.- Os 1ºs e 2ºs RR., por si e seus antecessores, sempre tiveram a delimitar a sua propriedade diversos esteios (cabritas) alinhados e unidos com arame farpado, pelo que nem eles nem ninguém comunicavam de um para o outro prédio.
2.24.- A sul do prédio dos AA. existe uma faixa de terreno que desde tempos imemoriais constitui o leito de um caminho.
2.25.- Esta faixa de terreno foi pavimentada a expensas da Junta de Freguesia de Grimancelos e Junta de Freguesia de Chavão numa extensão de cerca de, pelo menos, de 200 metros em calçada portuguesa, granito, no ano de 1996.
2.26- Aquelas Juntas de Freguesia procederam à pavimentação desta faixa de terreno na convicção de que se tratava de um leito de um caminho público.
2.27- Esta faixa de terreno, para além dos limites definidos pelas extremas Nascente e Poente do citado prédio dos AA. desenvolve-se para Poente atravessando prédios de diversos proprietários.
2.28.- E indo desembocar na E.M. 505.
2.29.- Este caminho sempre esteve, desde tempos imemoriais, sob o domínio directo e imediato de todas as pessoas que por ali passavam, quer em direcção aos diversos prédios que com ela marginavam e marginam e a outros, quer em direcção à referida E.M. 505.
2.30.- Pessoas que sempre ali passaram na convicção de que estavam a utilizar coisa pública, sem que alguma vez tenham sido impedidas de o fazer por quem quer que seja.
2.31.- De forma ininterrupta.
2.32.- À vista de toda a gente.
2.33.- Há mais de 60 anos.
2.34.- O prédio dos AA. encontra-se delimitado pela mesma faixa de terreno, que constitui o leito do falado caminho, através de um muro em pedra ao qual depois se segue uma intercepção para permitir o acesso a um anexo.
2.35.- Muitos outros proprietários vizinhos para além dos indicados em 2.9., pessoas em geral e os próprios Réus utilizaram o referido caminho para sobre ele passarem em direcção aos respectivos prédios ou em direcção a outras vias nas quais o mesmo caminho desemboca.
2.36.- Esta faixa de terreno nunca teve o seu trânsito vedado e desde tempos imemoriais que se encontra definida em toda a sua largura e extensão com o seu piso calcado e demarcado pelas pessoas, animais e carros em ambos os sentidos.
2.37.- Tal parcela de terreno jamais foi objecto de outro acto material de usufruição que não seja a simples passagem pelo mesmo.
*
3. - Da Nulidade da sentença da primeira instância.
Consideram os apelantes, em sede de conclusões, que padece a sentença recorrida do vício de nulidade subsumível à primeira parte da alínea d), do nº1, do artº 615º, do CPC, e isto porque não se alude na sentença em apreço à extensão e características da dominialidade pública do caminho em discussão, não se dizendo v.g. qual é o limite do caminho público.
Já em sede de alegações, vão os apelantes mais longe, sustentando que a sentença é nula nos termos do artº 668,nº1, alíneas b), c) e d), do CPC.
Dissentindo dos apelantes, entendem porém os apelados que no âmbito da sentença recorrida não existe qualquer omissão, relativa ou absoluta, de conhecimento quanto a questões, e isto desde logo porque em nenhum pedido dos AA consta a questão de saber até onde o caminho é público, mas antes, se o actual caminho - a sul da propriedade dos AA. - é efectivamente público, aliás como resultou, e bem, provado.
Importando decidir tal questão, desde já se esclarece que apenas se pronuncia este Tribunal pela nulidade da alínea d), do nº1, do artº 615º, do CPC, pois que é a única que integra as conclusões recursórias, e , neste conspecto, recorda-se, são precisamente as conclusões , e não as alegações , o local onde deve o recorrente delimitar objectivamente o recurso, precisando quais as exactas questões a decidir e indicando, de forma clara e concludente, quais as questões de facto e/ou de direito que pretende suscitar na impugnação que deduz e as quais o tribunal superior obrigado está a solucionar.(1)
Ora bem.
Reza a alínea d), do nº1, do artº 615º, do CPC, que a sentença é nula quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento “.
O vício/nulidade referida, mostra-se em consonância com o dever que recai sobre o Juiz de, em sede de sentença , resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, servindo de cominação ao seu desrespeito (2).
Sobre o Juiz recai, portanto, no dizer de José Lebre de Freitas e outros (3) , a obrigação de apreciar/conhecer “ todas as questões que lhe são submetidas, isto é, de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e excepções invocadas e todas as excepções de que oficiosamente lhe cabe conhecer (…), sendo que, a ocorrer uma tal omissão de apreciação/conhecimento, e , não estando em causa a mera desconsideração tão só de eventuais “(…) linhas de fundamentação jurídica, diferentes da sentença e que as partes hajam invocado (…) “, então o “ não conhecimento do pedido , causa de pedir ou excepção cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outras questões, constitui nulidade”.
Porém, importa não olvidar que, como há muito “advertia” José Alberto dos Reis (4), não se devem confundir factos (fundamentos ou argumentos) com questões (a que se reportam os artigos 608.º, n.º 2, e 615º, n.º 1, alínea d), do CPC) a resolver, pois que uma coisa é não tomar conhecimento de determinado facto invocado pela parte, e , outra completamente distinta, é não tomar conhecimento de determinada questão submetida à apreciação do tribunal.
Em rigor, para nós e em termos conclusivos, dir-se-á que as questões a que alude a alínea d), do nº1, do artº 615º, do CPC, mais não são do que as que alude o nº2, do artº 607º, e artº 608º, ambos do mesmo diploma legal, e que ao Tribunal cumpre solucionar, delimitando-se e emergindo as mesmas da análise da causa de pedir apresentada pelo demandante e do seu confronto/articulação com o pedido que na acção é formulado.
Ou seja, e dito de um outro modo, não se confundindo é certo as questões a resolver pelo juiz em sede de sentença com quaisquer argumentos e razões que as partes invoquem em defesa das suas posições, o correcto/adequado será em rigor considerar-se que o vocábulo “questões” a que alude a alínea d), do nº1, do artº 615º, do CPC, mostra-se empregado na lei adjectiva com o sentido equivalente a “questões jurídicas” ainda carecidas de resolução, impondo-se que no âmbito das mesmas seja dada prioridade às questões de natureza processual que ainda estejam por resolver (nulidades, excepções dilatórias ainda por apreciar ou outras questões de natureza processual que interfiram no resultado ), e , sem embargo da apreciação das questões que sejam de conhecimento oficioso, deve o juiz limitar-se a apreciar as que foram invocadas, evitando, deste modo, a nulidade da sentença por excesso de pronúncia, nos termos do art. 615º, nº 1, al. d), in fine. (5)
Postas estas breves considerações, manifesto se nos afigura, desde logo, que não incorreu de todo o tribunal a quo na omissão de apreciação de qualquer questão, antes debruçou-se como “obrigado” estava sobre o mérito do pedido reconvencional deduzido, e tal como foi ele pelos apelados formulado, ou seja, que fossem os AA condenados a reconhecer que a parcela de terreno em disputa constitui o leito de um caminho público.
De resto, ao declarar-se que o caminho a que se alude em AA) a JJ) é do domínio público, tal equivale a dizer que o caminho público em causa é aquele que se mostra identificado nos itens 2.24 a 2.28 da motivação de facto do presente Acórdão, ou seja, corresponde ele a uma faixa de terreno que se situa a sul do prédio dos AA, que foi pavimentada numa extensão de cerca de, pelo menos, 200 metros em calçada portuguesa, granito, no ano de 1996 , e que, para além dos limites definidos pelas extremas Nascente e Poente do prédio dos AA. desenvolve-se para Poente atravessando prédios de diversos proprietários e indo desembocar na E.M. 505.
Em rigor, portanto, peca no mínimo por ser algo precipitada e até imprudente dizer-se que na sentença em apreço nada se diz quanto à extensão e características da dominialidade pública do caminho em discussão, não se dizendo v.g. qual é o limite do caminho público.
Em razão do acabado de expor, improcedem portanto as conclusões recursórias dos apelantes interligadas com a invocada nulidade da sentença e relacionadas com a alegada omissão de pronúncia sobre questão que estava obrigado a pronunciar/decidir, antes o fez nos termos supra indicados.
Em conclusão, improcedem portando as conclusões recursórias dos apelantes e supra identificadas sob as respectivas alíneas C) e D) .
*
3.1 - Da impugnação da decisão proferida pelo tribunal a quo e relativa à matéria de facto.
Analisadas as alegações e conclusões dos apelantes, e no que à decisão relativa à matéria de facto proferida pelo tribunal a quo diz respeito, inquestionável é que impugnam os recorrentes diversas respostas/julgamentos da primeira instância no tocante a vários/concretos pontos de facto da mesma, considerando para tanto terem sido todos eles incorrectamente julgados.
Por outra banda, tendo presente o conteúdo das apontadas peças recursórias, impõe-se reconhecer, observaram e cumpriram os apelantes, minimamente, as regras/ónus processuais a que alude o artº 640º, do CPC, quer indicando os concretos pontos de facto que consideram como tendo sido incorrectamente julgados, quer precisando quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo de gravação nele realizada, que impunham uma decisão diversa da recorrida, quer, finalmente , indicando quais as diferentes respostas que deveria o tribunal a quo ter proferido.
E, ademais, porque gravados os depoimentos das testemunhas pelos apelantes indicadas, procederam ambos - em sede das alegações - outrossim à indicação, com exactidão, das passagens da gravação efectuada e nas quais ancoram a ratio da impugnação deduzida.
Destarte, na sequência do exposto, nada obsta, portanto, a que proceda este Tribunal da Relação à análise do “mérito” da solicitada/impetrada alteração das respostas aos pontos de facto impugnados.
3.1.1. - Se deve ser alterada a decisão relativa à matéria de facto proferida pelo tribunal a quo.
Consideram os apelantes que, por uma banda, a prova produzida e que indicam, “obrigava” a que os factos vertidos nos itens 2.27 a 2.33 e 2.35, da motivação de facto do presente Ac., tivessem sido julgados Não Provados , e , por outro lado, que os quesitos 1°, 3°, 5°, 16°, 17°, 20°, 21°, 24°, 25°, 37°, 43°, ao invés do que sucedeu, tivessem sido pela primeira instância julgados in totum como PROVADOS.
Para melhor compreensão da questão ora em apreço, recorda-se que, em cada um dos referidos quesitos e subjacentes respostas impugnadas, perguntava-se se :
1º- O prédio rústico referido em B) era denominado por Leira do Lobo, de pinhal, eucaliptal e mato, situava-se na freguesia de Chavão e confrontava do Norte com J.., do Nascente com Caminho e do Sul e Poente com uma propriedade particular ao tempo de M.., conforme descrição predial nº 33.868?
3º - Apesar disso, os Réus decidiram, por destaque, criar uma parcela de terreno com a área de 435 m2 ?
5º - Parcela essa que nunca teve, nem tem acesso à via pública ?
16º- O prédio referido em A) e B) e 1º está e sempre esteve situado na área geográfica da freguesia de Chavão e tem a configuração e limites assinalados na planta topográfica junta a fls 32 e a descrição predial constante do documento junto a fls 20 ?
17º - Os prédios dos 1ºs e 2ºs RR. sempre pertenceram e pertencem à área geográfica da freguesia de Chavão, embora próximos do limite entre a freguesia de Chavão e de Grimancelos, conforme plantas juntas a fls. 35 e 36 ?
20º - E que tal só seria possível alterando a confrontação do lado norte do seu prédio de forma que ficasse a constar caminho público?
21º - Sobre o prédio referido em A), B) e 1º existe um caminho para passagem a pé e de carro, para exploração agrícola a favor de dois prédios rústicos encravados e situados a Poente assinalados na planta topográfica junta a fls 32 ?
22º - Os 1ºs e 2ºs RR., por si e antepossuidores, nunca tiveram direito de passagem sobre o prédio referido em A), B) e 1º , para acederem ao seu prédio?
24º - Enquanto o prédio referido em A), B) e 1º era rústico de pinhal e mato, a referida passagem para os dois prédios encravados era feita de forma livre e aberta pelo referido pinhal?
25º - Desde a construção da sua habitação, os AA. estabeleceram um novo traçado para o direito de passagem para os dois prédios encravados, de forma a ficar mais rectilíneo e arrumado a sul, junto ao limite da propriedade dos RR.?
37º - O Autor marido, que é pessoa muito doente, que padece de uma doença de foro neurológico (doença de Parkinson), viu a sua saúde a agravar-se dia a dia e foi aconselhado pelos médicos a não se deixar envolver em discussões com os vizinhos devido a este assunto?
43º - Colocando a referida parcela com a área de 435 m2 também a confrontar do lado Norte com um alegado caminho público? .
Já no que aos meios probatórios diz respeito, e nos quais - no entendimento dos apelantes - ancoram os impugnantes a ratio da almejada alteração da decisão de facto proferida pelo a quo, invocam ambos , no essencial, a prova testemunhal produzida em audiência.
Vejamos, pois, de seguida , se a pretensão dos apelantes é de atender.
Antes de mais, e para tanto, importa rememorar que, sendo certo que a prova tem por função a demonstração da realidade dos factos ( cfr. artº 341º, do CC), tal demonstração não exige de todo uma convicção assente num juízo de certeza lógica, absoluta, sob pena de o direito falhar clamorosamente na sua função essencial de instrumento de paz social e de realização da justiça entre os homens . (6)
É que, para o referido efeito, o que releva e é exigível é, tão só , que (7) em função de critérios de razoabilidade essenciais à aplicação do Direito, o julgador forme uma convicção assente na certeza relativa do facto , ou , dito de um outro modo, psicologicamente adquira a convicção traduzida numa certeza subjectiva da realidade de um facto, existindo assim um alto grau de probabilidade (mas suficiente em razão das necessidades práticas da vida ) da sua verificação.
Em todo o caso (8), devendo é certo o convencimento do julgador basear-se numa certeza relativa, histórico-empírica, dotada de um grau de probabilidade adequado às exigências práticas da vida, certo é que “Para a formação de tal convicção não basta um mero convencimento íntimo do foro subjectivo do Juiz, mas tem de ser suportada numa persuasão racional, segundo juízos de probabilidade séria, baseada no resultado da prova apreciado à luz das regras da experiência comum e atentas as particularidades do caso “.
Isto dito e começando por analisar o depoimento prestado pela testemunha A.., no essencial referiu reconhecer que no prédio dos AA existiu um caminho de servidão, mas que não é aquele que hoje lá existe, sendo sua convicção [ não a certeza, pois que , depois de começar a trabalhar - há pelo menos 30 anos - perdeu o contacto diário com o local ] que a mudança do caminho terá sucedido em razão da construção da casa do L...
Já no que diz respeito ao actual caminho, e precisamente por ter deixado de manter o contacto com o local, não soube a testemunha precisar quais as suas actuais características, quem o pavimentou e quem suportou os respectivos custos.
Em rigor, e em termos conclusivos, dir-se-á que o depoimento prestado por M.., não tendo contribuído minimamente para infirmar as respostas negativas ( porque nesta matéria revelou-se pouco fundamentado e ancorado em meras convicções, não tendo de resto incidido - de todo - sobre a matéria vertida nos quesitos 1º, 3º, 5º, 16º, 17º e 20º, e , no tocante à existência de pretensa servidão, revelou-se totalmente conclusivo e inócuo no tocante à identificação dos prédios dominantes e respectivos proprietários ) conferidas pelo a quo aos quesitos impugnados, quando muito e em sede de contraprova, serve tão só para abalar a prova que conduziu a primeira instância ( o que de resto resulta da decisão da primeira instância que analisa as provas e especifica os fundamentos que foram decisivos para a formação da convicção ) a considerar como provada a factualidade vertida nos itens 2.27 a 2.33 e 2.35.
Seguindo-se o depoimento prestado por J.. ,que no âmbito da razão de ciência invocada referiu ter sido a pessoa que vendeu aos autores o prédio identificado no item 2.1. da motivação de facto, mas que desde meados de 83/84 não mais manteve qualquer ligação com o local ( após a venda “aquilo acabou para mim “), do mesmo resultou outrossim a alusão à existência de um caminho estreito de servidão, que não é aquele que actualmente lá existe, mas também este depoimento revelou-se algo genérico e superficial no tocante à ratio da servidão e aos efectivos beneficiários da mesma ( seriam uns três proprietários ).
No essencial, e tal como o depoimento prestado por M.., também o afirmado por J.. não se revelou minimamente consistente, pormenorizado e muito menos esclarecedor - antes foi totalmente vazio - a ponto de fundamentar e permitir uma alteração das respostas negativas conferidas aos quesitos 1º, 3º, 5º, 16º, 17º e 20º, mas , já no que concerne à factualidade provada e vertida nos itens 2.27 a 2.33 e 2.35, todos eles da motivação de facto do presente Ac., não há como reconhecer que o afirmado ( com segurança, sem ambiguidades e em termos peremptórios ) por J.. , no mínimo, revela-se consistente tão só para - em sede de contraprova - desencadear a criação de um estado de dúvida ou incerteza no tocante à veracidade ( cfr. artº 346º, do CC ) dos factos provados e vertidos nos itens 2.27 a 2.33 e 2.35 da motivação de facto.
Já a testemunha J.., e ao contrário das anteriores referidas, limitou-se a invocar como razão de ciência para o afirmado um acto esporádico e no qual participou há cerca de 20 anos [ a aquisição - no local - de madeira e respectivo transporte ], dizendo que para se servir de concreto caminho existente no local teve necessidade de solicitar a autorização dos AA., o que à data lhe foi referido pelos proprietários do prédio que actualmente pertencente aos RR.
Tal depoimento, em rigor, porque demasiado limitado e assente em conhecimento passageiro e de todo não conhecedor da realidade envolvente do meio, além de não servir para justificar um qualquer erro da primeira instância em sede de apreciação de provas, e no tocante às respostas negativas conferidas aos quesitos impugnados pelos apelantes, não justifica outrossim que lhe seja conferido qualquer relevância para efeitos de infirmar a factualidade provada vertida nos itens 2.27 a 2.33 e 2.35 , todos eles da motivação de facto do presente Ac. .
A seguir, temos a testemunha V.., que referiu não viver no local do litigio, mas que confirmou que a propriedade que é dos Pais ( o J.. ) apenas tinha acesso através do prédio dos AA, através de um caminho estreitinho, mas que não é ele - o caminho - aquele que hoje lá existe, pois que foi ele deslocado para uma outra zona em razão da construção da casa dos AA.
Este depoimento, em consonância com os anteriores, não se revelando minimamente consistente e esclarecedor para contrariar o julgamento do a quo dirigido para a factualidade vertida nos quesitos 1º, 2º, 3º, 16º, 17º, 20º, 22º, 24º 37º e 43º, serve, porém, também, para contrariar o julgamento do a quo subjacente aos itens 2.27 a 2.33 e 2.35 da motivação de facto do presente Ac., maxime no tocante ao vertido no item 2.29. no sentido de que o actual caminho sempre esteve, desde tempos imemoriais, sob o domínio directo e imediato de todas as pessoas que por ali passavam, quer em direcção aos diversos prédios que com ela marginavam e marginam e a outros, quer em direcção à referida E.M. 505.
Seguindo-se a análise e aferição do conteúdo de depoimento prestado por A.., que foi Presidente da Junta de Freguesia de Chavão ( de 1997 a 2013 ) , no essencial limitou-se a esclarecer que se negou a emitir um documento a pedido de uma das partes e que atestasse que o caminho em discussão era público, quando, na sua convicção, era ele privado, mas , em rigor, não conseguiu aduzir uma única e qualquer razão concreta que fundamentasse e explicasse a ratio da sua convicção.
Este depoimento, convenhamos, porque não amparado em quaisquer razões válidas ou fundamentos concretos, antes alicerçado em meras convicções não justificadas e indemonstradas, não pode de todo servir para comprovar um qualquer erro de julgamento da primeira instância.
Tendo o tribunal ad quem analisado/reapreciado outrossim a demais prova testemunhal na qual assentaram os apelantes a impugnação da decisão de facto ( além de toda a que em sede de julgamento foi produzida) proferida pela primeira instância, designadamente os depoimentos prestados pelas testemunhas arroladas pelos RR, e começando pelo depoimento prestado pela testemunha M.. ( de 53 anos ), que foi presidente da Junta de Freguesia nos anos de 1995 e 1996, precisou a mesma que em sede de atestado elaborado pela junta, e com base numa análise e consulta à conta de gerência, atestou a Junta estar-se na presença de um caminho público.
A justificar a decisão da Junta, aduziu a testemunha que o caminho em causa teve uma intervenção pública, e , ademais, tendo consultado uma conta de gerência, da qual resultava uma pavimentação do caminho pela Junta, passou então o atestado em conformidade.
Mais referiu a mesma testemunha que, pelo menos há 40 anos que o caminho em causa - o qual vai desde a estrada municipal até ao paiol - existe como ele é actualmente ( no mesmo local ), mas , já em sede de contra-instância da parte contrária, revelou-se algo inseguro, demasiado hesitante, em rigor, não foi de todo convincente e categórico no tocante à exacta localização do caminho ( minutos 11,06 e segs. ), não conseguindo sequer precisar se se situava ele na zona ou local onde se mostra actualmente edificada a casa do Autor , ou não.
Ou seja, em termos de segurança, e no tocante ao grau de certeza demonstrado pela testemunha quanto ao que afirmou, dir-se-á que tem o depoimento em apreço o mesmo valor/credibilidade - reduzido - que merece/justifica o atestado que elaborou aquando em funções na Junta de Freguesia.
Seguindo-se o depoimento de F.., tio da esposa do R. V.., e outrossim com ligações familiares aos AA, mas em todo o caso não conseguindo disfarçar um maior “distanciamento” em relação aos AA e uma maior simpatia para com os RR, afirmou ser sua convicção, alicerçada em conhecimento adquirido - porque sempre ali viveu - ao longo de pelo menos 45/46 anos, que “ (…) o caminho é público”, pois toda a gente por lá passava, para baixo e para cima . ( 6.00 m e segs)
Mais precisou a testemunha F.. que, nunca tenho conhecido qualquer outro caminho, certo é que aquele que existe sempre encontrava-se em tempos delimitado por uma parede mal amanhada, em pedra solta
Já a testemunha J.., que foi presidente da Junta de Freguesia de Grimancelos entre 1976 e 2005, e invocando como razão de ciência para o então afirmado a referida qualidade e desempenho de funções, no essencial esclareceu que a pavimentação em 1996 - e em calçada entrançada - do caminho em causa na acção foi suportada/paga pelas juntas de freguesia de Grimancelos e de Chavão, o que sucedeu na convicção e pressuposto de se tratar ele de um caminho público.
Mais precisou que, em todo o caso, apenas passou a conhecer o local mais de perto a partir do momento do acidente - em 86/87 - verificado com o Paiol que existia nas suas proximidades, desconhecendo como era o caminho em momento anterior, pois que não é dali.
Por fim, a testemunha M.., de 71 anos, irmã da Ré M.., e dizendo que sempre viveu no local, onde de resto nasceu, e corroborando o depoimento prestado pela testemunha F.., veio dizer que o actual caminho sempre existiu no local em que está hoje, sendo ele delimitado em tempos por um lado por pedras soltas e apenas tendo sido pavimentado há cerca de 25 anos.
Aqui chegados, e escalpelizada o grosso da prova testemunhal produzida, uma primeira conclusão que importa retirar da respectiva análise e ponderação na globalidade, é a de que , e com segurança, nada permite e obriga a concluir que, em sede de apreciação da prova, e no âmbito do julgamento de todos os concretos pontos de facto impugnados, incorreu efectivamente o tribunal em erro de julgamento, e muito menos manifesto e/ou evidente, antes e ao invés, mostra-se a convicção do Exmº Juiz a quo ancorada - ainda que, é certo , essencialmente em dois únicos depoimentos - em depoimentos de testemunhas ( o F.. e a A..) que, no tocante ao objecto do dissídio, revelaram conhecimento directo dos factos.
Por outro lado, sendo manifesto ( o que o é reconhecido expressamente pelo Exmº Juiz a quo) que a convicção do tribunal a quo é ancorada fundamentalmente no valor acrescido atribuído a dois depoimentos quando em confronto com a generalidade dos restantes, importa recordar que a quantidade não equivale inevitavelmente a qualidade, ou seja, não é obrigatoriamente merecedora de uma maior credibilidade, e , ademais, em sede de formação da subjacente convicção, socorreu-se igualmente a primeira instância de elementos que não estão acessíveis ao ad quem, como o são os decorrentes da observação efectuada aquando da deslocação ao local.
Isto dito, e em face da prova testemunhal produzida e indicada pelos apelantes , temerário é, para nós , concluir-se que a primeira instância incorreu , na globalidade dos pontos de facto impugnados, em erro na apreciação da prova, tendo este último desencadeado um erro de julgamento - que importe justificadamente ultrapassar - no âmbito das respostas conferidas aos concretos pontos de facto controvertidos.
De resto, o grosso das testemunhas arroladas pelos AA e ora apelantes, em rigor, não afastaram in limine a existência do caminho que actualmente se encontra no local, admitindo-o e reconhecendo-o com uma antiguidade de pelo menos 30 anos, antes se limitaram a sustentar que foi ele deslocado para o local onde se encontra nos dias de hoje apenas em razão da necessidade de construção da casa dos AA.
Para além do referido, acresce ainda que, e não obstante o entendimento em contrário - implicitamente - dos apelantes, não servem outrossim e de todo os documentos juntos aos autos de elementos probatórios com relevo e idoneidade bastante para definirem as características, extensão , delimitação e confrontações dos prédios dos AA e dos RR, não sendo razoável com base neles concluir-se pela veracidade de concreta realidade fáctica e jurídica.
É que, como é consabido e é há muito entendimento jurisprudencial dominante, senão mesmo unânime (9), a presunção a que alude o artº 7º do Código do Registo Predial não abrange os elementos de identificação do prédio constante da descrição/inscrição predial, pois que, para todos os efeitos, o registo Predial não tem por fim garantir os elementos de identificação dos prédios descritos e, quando muito, assegura que relativamente a determinado prédio se verificou certo facto jurídico.
Dito de uma outra forma, funcionando a presunção referida apenas em relação ao facto inscrito ( a aquisição ) e aos sujeitos e objecto da relação jurídica dele emergente, e ainda quanto à inscrição com determinada substância ( objecto e conteúdo dos direitos ou ónus e encargos nela definidos - cfr. artºs 93º e segs. do CRPredial ), não se incluindo nela a descrição (cfr. artºs 79º e segs. do CRPredial ), não têm portanto as áreas, os limites e as confrontações dos prédios descritos, e nas certidões das Conservatórias do Registo Predial indicadas (10) , o relevo, o alcance e a importância probatória que prima facie consideram os apelantes, designadamente no âmbito da almejada alteração das respostas negativas conferidas ao perguntado nos quesitos 1º, 3º , 5º 16º, 17º, 20º, 21º, 25º e 43º.
Apesar do acabado de aduzir, importa porém reconhecer que, analisada, escalpelizada e sopesada a razão de ciência invocada pelas testemunhas inquiridas, e maxime por aquelas em cujos depoimentos se ancorou e formou a convicção do Exmº Juiz a quo, o certo é que nenhuma delas invocou e aludiu a qualquer conhecimento que lhe tivesse sido transmitido por terceiros com uma informação e experiência mais recuada/remota, v.g. oriunda dos pais e/ou dos avós, ou ainda resultante de elementos recolhidos numa qualquer carta tipográfica ancestral .
Ao invés, a justificação que aduziram para o conhecimento de cada uma das testemunhas limitou-se à experiência de cada um, ou à observação do local e das suas proximidades, durante o tempo da respectiva vivência, e com inicio reportado à idade da infância, ou seja, e na melhor das hipóteses, apenas aludiram as testemunhas a um conhecimento que não ia para além dos 46 (a testemunha F.. ) e/ou 50/60 anos ( a testemunha M..).
Ora, aceitando-se (11) que a expressão tempo imemorial, significa aquele - tempo - que não permite a memória dos vivos sobre o começo da realidade de facto a que se reporta, sendo uma expressão de utilização corrente pelas pessoas em geral, não sendo portanto conclusiva ou de direito, e , portanto, insusceptível de resposta, certo é que, em rigor, a prova produzida não permite de todo ancorar/suportar a resposta que consta do item 2.29 do presente Ac., no sentido de que o “caminho sempre esteve, desde tempos imemoriais, sob o domínio directo e imediato de todas as pessoas que por ali passavam, quer em direcção aos diversos prédios que com ela marginavam e marginam e a outros, quer em direcção à referida E.M. 505”.
Em conclusão, em razão de tudo o supra exposto, e porque ao invés do que sucede com todos os outros pontos de facto impugnados, a resposta ao perguntado no quesito 50º não retrata uma correcta e adequada apreciação dos meios de prova, maxime testemunhal, não estando a utilização in casu da expressão “desde tempos imemoriais” isenta de excessivo voluntarismo, e , ademais, não suportada outrossim por qualquer outro meio de prova , procedendo parcialmente a impugnação dos apelante, importa portanto determinar a alteração, apenas, do ponto de facto correspondente ao item 2.29. do presente Ac., passando a ter ele a seguinte redacção :
“ Este caminho sempre esteve sob o domínio directo e imediato de todas as pessoas que por ali passavam, quer em direcção aos diversos prédios que com ela marginavam e marginam e a outros, quer em direcção à referida E.M. 505”
*
4. - Do pedido deduzido pelos apelantes e respectiva improcedência.
Como decorre do relatório do presente Acórdão, maxime do pedido formulado na acção pelos AA e ora apelantes, o thema decidendum e probandum da acção que intentaram tem como desideratum essencial, não decidir se são eles os proprietários do prédio que identificam no artº 1º da respectiva petição inicial, e o qual se encontra registado na competente Conservatória do Registo Predial de Barcelos [ prédio identificado no item 2.1 da motivação de facto do presente Ac. ], mas antes aferir da exacta dimensão/composição/área/configuração e/ou realidade física do mesmo, ou seja, se nele se integra ( abrangendo-a ) , ou não, uma concreta parcela e /ou faixa de terreno, e cuja restituição à respectiva posse impetram, com a consequente condenação dos RR de se absterem de nela passarem.
Na verdade, se para os Autores determinada faixa de terreno [ que identificam e caracterizam nos artºs 11º, 12º , 17º e 65º, todos da petição ] faz parte integrante do prédio que identificam nos artºs 1º a 3º da sua petição, e do qual se arrogam os seus proprietários, já para os RR e ora apelados a referida faixa de terreno não integra o prédio dos autores, antes constitui a mesma o leito de um caminho público , e , daí , o pedido reconvencional que deduzem, no sentido de serem os Autores condenados a reconhecerem a natureza pública do referido caminho.
O referido pedido reconvencional deduzido pelos RR, recorda-se, foi julgado pela primeira instância como totalmente procedente, e , como que a comprovar que o objecto do litigio incidia tão só sobre concreta parcela e /ou faixa de terreno , que , alegadamente, integrava o prédio dos AA, foi a acção julgada in totum como improcedente.
Para tanto, relembra-se, considerou a primeira instância - no âmbito da sentença apelada - que, tendo os AA logrado provar a existência de uma posse, pacifica, pública, de boa-fé, mantida ininterruptamente por mais de 30 anos, sobre o prédio do qual se arrogam proprietários, manifesto é que lograram provar a aquisição por usucapião do respectivo direito de propriedade, mas, por outra banda, porque já não lograram a prova de que o seu prédio tinha os limites e confrontações que assinalaram na petição inicial , e , ao invés, provou-se, isso sim, que a parcela - cuja restituição à respectiva posse reclamam - ou caminho tem todas as características de público, inevitável era a improcedência da acção e a procedência da reconvenção.
Ora, tendo presentes os “ganhos” [ totalmente irrelevantes para efeitos de alteração do julgado no tocante à improcedência da acção ] conseguidos pelos apelantes no âmbito da impugnação da decisão de facto proferida pela primeira instância, inevitável é a improcedência da apelação na referida parte, ou seja, no tocante à decidida improcedência da acção.
De resto, sabendo-se que em acção de reivindicação a prova do direito de propriedade sobre o prédio/imóvel em disputa, ou parte dele ( parcela, faixa, leira, etc), tem por regra que ser efectuada através de factos concretos dos quais resulte comprovada a respectiva aquisição originária do domínio, tudo aponta para que, ab initio, estava de todo vedado aos apelados a prova da aquisição originária da propriedade da faixa de terreno cuja restituição impetram no respectivo pedido [ sob a alínea c) ] , e a ponto de a considerar como fazendo parte integrante de concreto prédio cuja propriedade não é sequer questionada pelos apelados ( vide artº 1º, da contestação.
É que, considerando o que apenas pelos AA foi alegado na petição inicial [ apenas o que consta dos artºs 11º, 12º , 17º e 65º, todos da petição, factualidade de resto que não reconduziu a primeira instância à base instrutória da causa, antes na mesma incluiu um vasto conjunto de factos de todo irrelevantes para a decisão do objecto principal da acção e segundo as várias soluções plausíveis da subjacente questão de direito ], é nossa convicção que, ainda que provada in totum tal factualidade, sempre a mesma não permitia concluir que os apelantes adquiriram a concreta parcela/faixa de terreno em litigio [ que é o que está em causa ] por usucapião, porque provados todos os necessários pressupostos atinentes a uma tal aquisição originária do domínio, a saber, a posse, o corpus e o animus, e o decurso de certo lapso de tempo – cfr. artigos 1287.º , 1251.º e 1253.º, alínea a), do CC .
É que, descobrindo-se na referida factualidade elementos capazes de preencher um dos elementos de posse, o corpus ( ainda que em rigor não direccionado inequivocamente para o exercício do direito de propriedade ) , falta-lhe a alegação do necessário animus , e , sobretudo, a alegação do decurso de certo lapso de tempo.
De resto, e bem a propósito [ quando v.g. o demandante se perde na alegação de factos direccionados para a prova da aquisição originária de um prédio, mas não direcciona a sua atenção, especificamente, para a alegação de factos susceptíveis de provar a aquisição originária de uma faixa de terreno do referido prédio , a ponto de a considerar parte integrante daquele ] , como conclui já o STJ (12), se apesar de alegado, não se provaram “(…) os actos de posse conducentes à usucapião referente a uma pequena faixa de terreno situada nos limites entre dois prédios, têm de improceder os pedidos de declaração de que essa faixa de terreno ocupada pelos réus pertence à propriedade dos autores e a condenação dos réus a devolvê-la “, por maioria de razão não podia a presente acção outrossim proceder, e isto quando como vimos foram os AA demasiado parcos em sede de alegação de factos que incidissem especifica e concretamente sobre a parcela/faixa de terreno controvertida..
Ou seja, e concluindo de uma outra forma, maxime como com a conhecida e habitual sapiência o faz ainda o STJ (13), “ Estando em causa uma porção de terreno que a autora alega fazer parte integrante de uma herdade de que é comproprietária, face à insuficiência da presunção registal, só por via da usucapião podia a autora provar ser dona da parcela em litígio, já que a aquisição derivada não é suficiente para provar a propriedade, uma vez que o título só transmite o direito se ele existir “.
Daí que, e terminando de seguida com o decidido em Acórdão do Tribunal da Relação do Porto (14), porque o registo de aquisição de concreto prédio apenas serve para presumir que os autores são os seus proprietários , mas não já que as respectivas confrontações e características indicadas na sua descrição sejam verdadeiras, então para se poder concluir que determinada parcela em litígio integra os limites e a área do referido prédio, cabe aos autores alegarem e provarem - cfr. art. 342º nº 1 do Código Civil - “ (…) os factos integradores de que são, igualmente, proprietários de tal parcela de terreno e de que esta faz parte integrante daquele imóvel: no primeiro caso, através de factos concretos integradores de algum dos apontados modos de aquisição do direito de propriedade; no segundo, demonstrando a ligação daquela a este e que ambos integram a mesma unidade produtiva/económica “.
Impondo-se concluir, e em razão do exposto, é manifesto que a apelação só pode improceder no tocante à pretendida revogação da sentença no segmento atinente à decidida improcedência da acção.
5.- Da procedência do pedido reconvencional reportado ao reconhecimento judicial de que concreto caminho é do domínio Público .
Como vimos supra, e de uma forma expedida/despachada, considerou a primeira instância que , porque se provou que o caminho dos autos tem todas as características de público , e como tal , deve ser considerado [ cfr. als. AA) a JJ), correspondentes aos factos vertidos nos itens 2.24 a 2.33 do presente Ac. ] , sendo em consequência o mesmo livremente acessível pela generalidade das pessoas, a reconvenção forçosamente obtinha em pleno ganho de causa.
Os apelantes, todavia, consideram que em rigor não permite a factualidade provada concluir que o caminho em discussão nos autos é um caminho público, e isto desde logo porque nunca esteve no uso directo e imediato do público, visando a satisfação de interesses colectivos de certo grau ou relevância.
Importa, pois, de seguida, conhecer do mérito da apelação, nesta parte.
É sabido que, com referência à temática dos caminhos públicos , existe abundante e exaustiva jurisprudência do nosso mais Alto Tribunal (o STJ), sendo que, de entre os inúmeros pronunciamentos do Supremo Tribunal de Justiça sobre tal questão, forçoso é chamar-se à colação o Assento de 19 de Abril de 1989 (15), hoje com o valor de mero acórdão de uniformização de jurisprudência, e no âmbito do qual decidiu-se [ com o desiderato de se pôr cobro às divergências jurisprudenciais que vinham sucedendo (16) ], que “ são públicos os caminhos que, desde tempos imemoriais, estão no uso directo e imediato do público.”
De igual modo, é conhecido que, o mesmo Supremo Tribunal de Justiça, por diversas vezes, veio já a enveredar e a defender a necessidade de uma interpretação restritiva dos termos decididos no referido Assento de 19 de Abril de 1989, exigindo que, para que um caminho de uso imemorial se possa considerar integrado no domínio público, resulte da factualidade assente a respectiva afectação a utilidade pública, ou seja, que a sua utilização tenha por objecto a satisfação de interesses colectivos de certo grau e relevância. (17)
Caracterizando a apontada interpretação restritiva seguida pelo STJ em diversos Acs., esclarece-se no Ac. do STJ de 30/1/2013 (18) que, no seu relacionamento com o Assento nº 7/89, assiste-se “ a uma interpretação deste último que se traduziu, na prática, na revisão do pronunciamento anteriormente fixado, segundo o qual seriam públicos todos os caminhos que, desde tempos imemoriais, estivessem no uso directo e imediato do público. Trata-se, pois, verdadeiramente, de uma interpretação abrogante, de uma verdadeira exautoração jurisprudencial, no sentido de constituir uma revisão do “precedente” formado com o Assento (…) através da fixação de uma doutrina-outra, relativamente ao pronunciamento insustentável constante do Assento. Este “salvou-se”, por assim dizer, como precedente persuasivo, só com a sobreposição interpretativa do segundo Acórdão, perdendo qualquer autonomia interpretativa e toda a vocação de propiciar a resolução de casos concreto”.
E, explicando a ratio da referida interpretação restritiva, esclarece-se no acórdão do STJ de 14 de Outubro de 2004 (19), que “ Nem outra coisa se compreenderia: é que o uso público relevante para o efeito é precisamente o que pressupõe uma finalidade comum desse uso. Isto é, se cada pessoa, isoladamente considerada, utiliza o caminho ou terreno apenas com vista a um fim exclusivamente pessoal ou egoístico, distinto dos demais utilizadores do mesmo caminho ou terreno, para satisfação apenas do seu próprio interesse sem atenção aos interesses dos demais, não é a soma de todas as utilizações e finalidades pessoais que faz surgir o interesse público necessário para integrar aquele uso público relevante. Por muitas que sejam as pessoas que utilizem um determinado caminho ou terreno, só se poderá sustentar a relevância desse uso por todos para conduzir à classificação de caminho ou terreno público se o fim visado pela utilização for comum à generalidade dos respectivos utilizadores, por o destino dessa utilização ser a satisfação da utilidade pública e não de uma soma de utilidades individuais”.
Já, para efeitos da verificação da efectiva da satisfação de interesses de utilidade pública, considera-se ainda neste último e douto aresto citado, aludindo a um outro de 13/01/2004, que “há que ter em conta, em primeira linha, por um lado, o número normal de utilizadores, que tem de ser uma generalidade de pessoas, como é a hipótese de uma percentagem elevada dos membros de uma povoação, e, por outro lado, a importância que o fim visado tem para estes à luz dos seus costumes colectivos e das suas tradições e não de opiniões externas”.
Em conclusão, dir-se-á ( como se conclui no citado Ac. do STJ de 21/1/2014 ) ”que o uso directo e imediato do público em geral, quando imemorial, bastará para caracterizar um caminho como público, mas é ainda necessário acrescentar que esse uso público deve reflectir a sua afectação à utilidade pública, ou seja, à satisfação de interesses colectivos de significativo grau ou relevância”, e isto sem prejuízo de , por outro lado, a qualificação de um caminho como público poder resultar do facto de ter sido ele construído ou legitimamente apropriado por pessoa colectiva de direito público, que o afectou ( através de acto administrativo ou prática de facto que consagra a coisa à produção efectiva de utilidade pública ] à satisfação do interesse colectivo.
Isto dito, e revertendo agora à matéria de facto provada , constata-se que ( item 2.24.) a sul do prédio dos AA. existe uma faixa de terreno que desde tempos imemoriais constitui o leito de um caminho, faixa que ( item 2.27 ) , para além dos limites definidos pelas extremas Nascente e Poente de prédio dos AA. desenvolve-se para Poente atravessando prédios de diversos proprietários, e indo desembocar na E.M. 505 ( item 2.28 ) .
O referido caminho ( item 2.29. ), provou-se igualmente, sempre esteve sob o domínio directo e imediato de todas as pessoas que por ali passavam, quer em direcção aos diversos prédios que com ela marginavam e marginam e a outros, quer em direcção à referida E.M. 505, sendo que tal passagem processa-se com a convicção de se estar a utilizar uma coisa pública, de forma ininterrupta, à vista de toda a gente e há mais de 60 anos ( cfr. itens 2.30 a 2.34 ) .
Por fim, decorre ainda da factualidade assente ( itens 2.35 a 2.37 ), que muitos outros proprietários vizinhos para além dos Autores e pelo menos dos proprietários vizinhos de dois prédios encravados , e dos próprios Réus , utilizam o referido caminho para sobre ele passarem em direcção aos respectivos prédios ou em direcção a outras vias nas quais o mesmo caminho desemboca, sendo que, tal faixa de terreno nunca teve o seu trânsito vedado e desde tempos imemoriais que se encontra definida em toda a sua largura e extensão com o seu piso calcado e demarcado pelas pessoas, animais e carros em ambos os sentidos.
Sopesando a globalidade de toda a factualidade acabada de descrever, tudo aponta para que ( é essa a nossa convicção ), no essencial, não decorre da mesma que a utilização do caminho em discussão nos presentes autos vise com segurança a satisfação de interesses colectivos de significativo grau ou relevância
Desde logo, não permite a factualidade assente concluir que o caminho em questão é utilizado pelo público em geral, antes tudo leva a presumir que a respectiva usufruição não se estende muito para além dos proprietários dos prédios que com o caminho confrontam, quer para aos mesmos terem acesso, quer para acederem a outras vias nas quais o mesmo caminho desemboca.
Dir-se-á que, prima facie, não tendo ele por desiderato a satisfação de necessidades colectivas, os interesses que visa salvaguardar ou vem atendendo não andam longe daqueles que são acautelados pelos simples atravessadouros, e nos quais apenas sobressai a resposta a uma soma de utilidades individuais de vizinhos. (20)
Em suma, não apontando a factualidade assente para que o caminho dos autos, além de servir as propriedades que o marginam, satisfaz outrossim e v.g. o interesse de deslocação e de comunicação, e as necessidades sociais e da vida económica da generalidade das pessoas de determinados lugares, ou das populações de concretas localidades, sendo o seu uso generalizado, licito não é concluir que tem ele por desiderato a satisfação de interesses colectivos de certo grau ou relevância. (21)
Por outra banda, não se olvidando que a faixa de terreno e/ou caminho foi pavimentado ( cfr. itens 2.25. e 2.26. ) a expensas da Junta de Freguesia de Grimancelos e da Junta de Freguesia de Chavão, numa extensão de pelo menos 200 metros, em calçada portuguesa e granito, no ano de 1996, o que ocorreu na convicção de que se tratava de um leito de um caminho público, certo é que tal factualidade, por si só, não permite concluir estar-se na presença de um caminho que foi produzido ou legitimamente apropriado por pessoa colectiva de direito público, por esta último passando a ser administrado, que é o mesmo que dizer, que é ele um caminho público , um bem dominial possuído por entidade pública.
É que, se é verdade que a atribuição do carácter dominial a concreto bem pode decorrer de um mero acto especial de afectação, podendo este último resultar de um acto administrativo, ou até de um mero facto ou prática consentida pela administração, apenas podendo dizer-se que “não há afectação, propriamente dita, mesmo tácita, senão onde se exerça a jurisdição administrativa e portanto se possa provar o destino ao uso público com consentimento do Poder” (22) , temos para nós que a factualidade vertida nos itens 2.25. e 2.26., ambos da motivação de facto do presente Ac., porque isolada/esporádica, não complementada v.g. com subsequentes e regulares actos de administração, manutenção, melhoramento e conservação, não permite concluir estar-se na presença de caminho que foi apropriado por pessoa colectiva de direito público, que o afectou à utilidade pública, logo, não justifica e merece o caminho objecto do dissídio de que trata a presente acção a qualificação de caminho público.
Impondo-se concluir, e em razão de tudo o acabado de expor, forçosa é a revogação da sentença apelada, no tocante à decidida procedência do pedido reconvencional.
*
6.- Em conclusão ( cfr. artº 663º, nº7, do CPC)
I - É entendimento uniforme do STJ aquele que considera que o Assento do S.T.J. de 19-4-89 , nos termos do qual “são públicos os caminhos que, desde tempos imemoriais, estão no uso directo e imediato do público”, carece de uma interpretação restritiva, devendo esta última ser efectuada no sentido de a publicidade dos caminhos exigir ainda a sua afectação à utilidade pública , e consistindo a utilidade pública no facto do uso do caminho visar a satisfação de interesses colectivos de certo grau ou relevância.
II - Não se concluindo pela satisfação de interesses colectivos de certo grau ou relevância, e não permitindo outrossim a factualidade provada considerar que o caminho foi legitimamente apropriado por pessoa colectiva de direito público, por esta último passando v.g. a ser administrado, inevitável é a improcedência do pedido de reconhecimento judicial de que concreto caminho é público , ou um bem dominial possuído por entidade pública.
***
7. Decisão.
Termos em que, acordam os Juízes na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, em , concedendo parcial provimento à apelação interposta por M.. e I.. :
7.1. - Modificar a decisão de facto proferida pelo tribunal a quo ;
7.2.- Revogar a sentença apelada no segmento atinente à decidida procedência do pedido reconvencional ;
7.3. - Confirmar no mais a sentença apelada, maxime no tocante à decidida improcedência da acção.
***
Custas na primeira instância e na apelação, pelos AA/apelantes e RR/apelados , e em partes iguais .
***
(1) Como bem se conclui no Ac. do STJ de 20/1/2010, Proc. nº 1676/06.0TJPRT.P1.S1 “São as conclusões que definem o objecto do recurso, ou seja, as questões a decidir; todas aquelas questões que não constarem dessas conclusões não podem ser apreciadas pelo tribunal ad quem, e isto independentemente de o recorrente, no corpo das alegações, as referir” .
(2) Cfr. v.g. o Ac. do STJ de 6/5/2004, disponível in www.dgsi.pt.
(3) In Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2º, pág. 670.
(4) In Código do Processo Civil Anotado, vol.V, Coimbra Editora, págs. 143-145.
(5) Cfr. ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES, Juiz-Conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça, in sentença Cível, texto-base da intervenção efectuada nas “Jornadas de Processo Civil” organizadas pelo CEJ, em 23 e 24 de Janeiro de 2014.
(6) Cfr. Prof. Antunes Varela e outros, in Manual de Processo Civil, 1984, págs. 420 e segs.
(7) Cfr. Prof. Antunes Varela e outros, ibidem.
(8) Cfr. Tomé Gomes, in Um olhar sobre a demanda da verdade no processo civil, in Revista do CEJ, 2005, nº 3, 158.
(9) De entre muitos outros vide v.g. os Acs. do STJ de 23/9/2004 , 16/11/2006, 13/5/2008 e de 14/11/2013, Proc. nº 74/07.3TCGMR.G1.S1, todos acessíveis in www.dgsi.pt.
(10) Vide Isabel Pereira Mendes, in Código de Registo Predial, anotado.
(11) Cfr. decisão do STJ de 23/12/2008, Proc. nº 08B4107, in www.dgsi.pt.
(12) No douto Ac. de 14/11/2006, in www.dgsi.pt.
(13) No douto Ac. de 12/1/2010, processo nº 336/04.1TBVVC.S1, in www.dgsi.pt
(14) Cfr Ac. de 20/10/2009, processo nº 1403/07.5TJVNF.P1, in www.dgsi.pt.
(15) In Diário da República 126, Iª série, de 2 de Junho de 1989, págs. 2162 a 2165 .
(16) Vide, neste conspecto, o Ac. do STJ de 21/1/2014, Proc. nº 6662/09.6TBVFR.P1.S2, in www.dgsi.pt.
(17) Vide, de entre muitos outros, os Acs. do STJ de 10/11/1993, Proc. nº 084192, e , bem assim, os diversos Acs. citados no âmbito da recente decisão proferida a 18/9/2014, Proc. nº 44/1999.E2.S1, e sendo Relator a Cons.ª Drª MARIA DOS PRAZERES BELEZA.
(18) In Proc. nº 113/09.3TBSBG.C2.S1, nota 17, sendo Relator o Cons. Lopes do Rego, in www.dgsi.pt..
(19) In Proc. nº 04B2576, sendo Relator o Cons. Araújo Barros e in www.dgsi.pt..
(20) Vide Ac. do STJ citado, de 21/1/2014.
(21) Cfr. Ac. do STJ de 14/2/2012, Proc. nº. 295/04.OTBOFR.C1.S1, in www.dgsi.pt
(22) Cfr. Prof. Marcello Caetano, in Manual de Direito Administrativo , 9ª Edição , 1980, Tomo II, págs. 923/924.
***
Guimarães, 19/2/2015
António Santos
Figueiredo de Almeida
Ana Cristina Duarte