Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1337/11.9TBPTL.G1
Relator: MARIA DE FÁTIMA ANDRADE
Descritores: NULIDADE DA DECISÃO
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
SEGURO DE GRUPO
MORTE
INVALIDEZ
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/09/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: TOTALMENTE IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- As causas de nulidade da sentença estão taxativamente previstas no artigo 615º do CPC.

II- O erro de julgamento da matéria de facto não se inclui nestas causas de nulidade, o qual deve ser reapreciado nos termos do artigo 662º do CPC.

III- Na medida em que os recursos visam, por via da modificação de decisão antes proferida, reapreciar a pretensão dos recorrentes por forma a validar o juízo de existência ou inexistência do direito reclamado, está a pretendida anulação de decisão da matéria de facto por omissão, ou a reapreciação da matéria de facto - para suprimento de tal omissão ou alteração do decidido - limitada ao efeito útil que da mesma possa provir para os autos, em função do objeto processual delineado pelas partes e assim já antes submetido a apreciação pelo tribunal a quo.

IV- Seguro de grupo é que aquele que “cobre riscos de um conjunto de pessoas ligadas ao tomador do seguro por um vínculo que não seja o de segurar”.

V- Aderindo o segurado a seguro de grupo cuja garantia pelo mesmo visada é o cumprimento de contrato de mútuo em caso de morte ou invalidez absoluta e definitiva que impeça o segurado total e definitivamente do exercício de uma atividade remunerada, continuando o segurado a exercer a sua atividade profissional, não se verifica o risco de que depende a obrigação da seguradora.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I- Relatório

J. M., melhor id. a fls. 4, instaurou ação declarativa então sob a forma de processo sumário contra “Banco A, S.A.” e “O. – Companhia de Seguros de Vida, S.A.” igualmente melhor id. a fls. 4, peticionando pela procedência da ação:

a) a condenação da 1ª R. a declarar como existente e válido o contrato de seguro titulado pela apólice n.º …, reconhecendo a obrigação que sobre si impendia de acionar a ré O. Companhia de Seguros de Vida, S.A., para quem havia sido transferida a responsabilidade como garantia do capital mutuado;

b) a condenação da 2a ré O. Companhia de Seguros de Vida, S.A., ao pagamento da quantia em dívida referente ao contrato de mútuo dos autos no valor de € 14.295,53, acrescido dos juros legais vencidos e vincendos desde a data da citação e até integral pagamento;

c) a condenação das 1ª e 2ª RR. ao pagamento solidário da quantia de € 5.000,00 a título de danos não patrimoniais decorrentes da sua conduta.

Para tanto e em suma alegou:

- ter celebrado com a 1ª R. um contrato de mútuo para aquisição de um veículo automóvel;

- com vista à garantia do crédito e de acordo com a cláusula 15ª das condições gerais do contrato, tendo subscrito ainda com a 2a ré um contrato de seguro, tendo como cobertura principal os riscos de morte, sobrevivência ou ambos da pessoa segura e como cobertura complementar o risco de invalidez definido nas condições especiais;

- na verificação do risco seguro se tendo a 2ª R. comprometido a pagar o capital em dívida à 1ª R.;

- tendo em 2007 sido diagnosticada doença ao A. causadora de incapacidade permanente global de 70%, contactou o autor o 1º réu com vista ao acionamento do seguro, por forma a ser pago o capital mutuado para o que lhe entregou toda a documentação necessária;

- tendo ficado convicto de que tudo estaria resolvido e o seguro ativado, deixou de pagar o contratualmente estabelecido ao 1º R. relativamente ao contrato de mútuo;

- acionando pelo 1º R. com vista ao pagamento do contrato de mútuo face ao não pagamento do valor em dívida pela 2ª R. veio o A. a ser condenado no pagamento do valor em dívida ;

- estando o A. porém em condições de acionar o seguro em causa por a sua situação de incapacidade ser superior a 66,6%, tem agora direito a receber da R. o capital seguro garantido por via do referido contrato de seguro.

- tendo a atuação das RR. causado ao A. constrangimentos e desgosto, sofreu ainda danos não patrimoniais em valor por si quantificado em valor não inferior a€ 5.000,00, cuja indemnização reclama de ambas as RR.

Citadas as RR., contestaram ambas.

A 1ª R. invocou:

- o decidido na ação que contra o A. e sua mulher instaurou e onde este alegou como causa do não pagamento a mesma factualidade (em suma) nestes autos invocada e que ali foi apreciada. Mais alegou nada ter ainda o A. pago, dos valores a que foi condenado;

- no mais e impugnando parcialmente a factualidade alegada pelo A., pugnou pela improcedência da ação e pela condenação do A. como litigante de má-fé em multa e indemnização a seu favor de valor não inferior a € 1.000,00.

Contestou a 2ª R. em suma tendo alegado:

- ser pressuposto do acionamento da cobertura prevista no contrato, padecer o autor de incapacidade total e permanente para o exercício de uma atividade lucrativa. Pressuposto que se não verifica;

- alegou ainda só responder pelo valor em dívida do mútuo à data do acionamento das garantias, que no caso era à data de € 10.503,00 pelo que a responder e sempre apenas perante o beneficiário o 1º R., seria limitado o seguro a tal valor;

- no mais e tendo impugnado parcialmente a factualidade alegada, concluiu esta R. pela improcedência da ação.

Realizada audiência preliminar, foi no seu âmbito proferido despacho saneador, elencados os factos assentes e a base instrutória.

Ordenada a realização de perícia médico-legal pelo INML, foi junto o relatório pericial parcial a fls. 244 a 247, seguido de relatório final a fls. 259 a 262.

Dele notificadas as partes, nada reclamaram ou requereram.


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Procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento, após o que foi proferida sentença (fls. 288 e segs.) julgando a ação totalmente improcedente, consequentemente absolvendo as RR. dos pedidos.


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Do assim decidido apelou o A., oferecendo alegações e formulando as seguintes

CONCLUSÕES :

1 - O A. não se conforma com a sentença proferida que julgou a ação totalmente improcedente e, em consequência, absolveu as rés dos pedidos.

2 - Porquanto, salvo melhor opinião o Autor, ora Recorrente tem direito a receber da 2ª Ré a quantia de € 14.295,53 (catorze mil, duzentos e noventa e cinco euros e cinquenta e três cêntimos), acrescida dos juros de mora legais, em consequência da incapacidade permanente por si sofrida, em virtude do contrato de seguro celebrado entre as partes.

3 - Se face à prova produzida, e nomeadamente os pontos 1, 2, 6 e 7 dos factos provados, concordamos com a Meritíssima Juíza a quo quando na douta sentença ora recorrida expressamente refere: “É licita a conclusão de que tal contrato de seguro se assumiu como condição da obtenção de crédito por banda do autor segurado, a conceder pelo Réu banco tomador do seguro, tendo por finalidade a prevenção de um risco de ocorrência, na pessoa daquele, de um acontecimento – morte ou invalidez permanente, que não lhe permita ou dificulta-se o pagamento das prestações em divida.”

4 - Assim, era obrigação do Autor, por um lado, provar a ocorrência da sua invalidez absoluta e definitiva e, por outro, a consequente incapacidade ou dificuldade em pagar as prestações em divida ao Réu Banco.

5 - Quanto à prova da ocorrência da sua invalidez absoluta e definitiva, a resposta é dada pelos pontos dados como provados n.ºs 13, 14 e 18.

6 - Donde resulta, que em Setembro de 2007, foi diagnosticada ao Autor uma insuficiência renal avançada que o obrigou a um transplante renal em 20/11/2009 e, na sequência, este, contactou o Réu Banco afim deste acionar o respetivo contrato de seguro, tendo para o efeito, apresentado no banco, em 6 de Novembro de 2008, o relatório médico emitido pelo serviço de nefrologia do Hospital no Porto (fls. 31/33) e o atestado médico de incapacidade – multiuso (fls. 34/35), do qual consta a atribuição de uma incapacidade permanente global de 70% suscetível de variações futuras, de acordo com a tabela nacional de incapacidade.

7 - Desta forma, o Recorrente provou a sua invalidez absoluta e definitiva, e, além disso requereu, junto do Réu Banco que fosse acionado o contrato de seguro aludido no ponto 6 dos factos provados.

8 - Aliás, diversamente do concluído na douta sentença ora em crise, à data ficou provado que o Autor, não podia trabalhar na sequência da sua incapacidade e, muito menos tinha possibilidades de obter rendimentos que lhe permitissem pagar ao Réu Banco as prestações a que se obrigou por contrato de mútuo.

9 - E, não pode ser o facto de o Autor, em condições sobre-humanas tentar desenvolver a sua ou outra, a retirar-lhe a incapacidade que lhe foi atribuída (70%) e, muito menos que poderia obter rendimentos suficientes para assegurar as prestações do empréstimo.

10 - Isto mesmo resulta dos depoimentos prestados pelas testemunhas R. N., prestado no dia 23.10.2015 de 00.00.00 a 00.03.55 a 00.14.33 e, C. S., prestado no dia 23/10/2015 de 00:00:00 a 00:11:55.

11 - Aliás, o Réu Banco, através da funcionária C. S., não só tinha conhecimento da incapacidade do Autor, como ficou em poder dos documentos, e acionou o respetivo seguro, para obter por parte da Ré – Companhia de Seguros o pagamento das prestações em falta.

12 - Pelo que, entendemos que estariam reunidos os pressupostos contratuais da obrigação de pagamento assumida pela Ré Seguradora, uma vez que, ficou provado nos autos que àquela data a incapacidade global do Autor era de 70% e, que tal incapacidade não tivesse a natureza irreversível, pelo contrário, do relatório pericial de fls. 261, verso, sob epígrafe, “Dependências permanentes agudas“ extrai-se expressamente que “os tratamentos médicos regulares – correspondem à necessidade de recurso regular a tratamentos médicos para evitar um retrocesso ou agravamento das sequelas, (o sublinhado é nosso).

13 - Pelo que, se existe um retrocesso ou agravamento, significa que não pode haver uma melhoria das sequelas, logo a incapacidade do Autor, tem obrigatoriamente natureza irreversível.

14 - Assim, o Tribunal ao não dar este facto como provado fez uma avaliação e interpretação errada da prova, decidindo pior ainda, violando o disposto no art. 615º, n.º 1, al. c) do CPC, o que implica a nulidade da sentença.

15 - Acresce que, o facto de o atestado médico de incapacidade multiuso (fls. 35) referir que a avaliação de 70% é suscetível de variações futuras, não atribui natureza reversível à incapacidade. Antes pelo contrário, pode e deve significar a sua irreversibilidade.

16 - Face ao exposto, deve, o Tribunal da Relação de Guimarães dar como provado o facto a) dos factos não provados e, em consequência, julgar como procedente por provado o pedido formulado pelo Autor no ponto b) e, consequentemente o pedido formulado pelo mesmo no ponto c) do seu articulado.

Termos em que, e no que mais Vossas Excelências doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao presente recurso:

a) Declarando-se a nulidade da sentença pelos motivos de direito invocados.
Caso assim, não se entenda:
b) Alterar-se a matéria de facto nos termos expostos revogando-se a sentença proferida, substituindo-se por outra, tudo de molde seja julgado procedente por provado o pedido formulado pelo Autor no ponto b) e, consequentemente o pedido formulado pelo mesmo no ponto c) do seu articulado, como que se fará INTEIRA JUSTIÇA!”


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Apresentaram ambas as RR. contra-alegações, concluindo em suma pelo bem decidido pelo tribunal a quo e como tal pela improcedência do recurso.

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O recurso foi admitido como de apelação, com subida nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.

Foram colhidos os vistos legais.


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II- Âmbito do recurso.

Delimitado como está o recurso pelas conclusões das alegações, sem prejuízo de e em relação às mesmas não estar o tribunal sujeito à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito nem limitado ao conhecimento das questões de que cumpra oficiosamente conhecer – vide artigos 5º n.º 3, 608º n.º 2, 635º n.ºs 3 e 4 e 639º n.ºs 1 e 3 do CPC – resulta das formuladas pelos apelantes serem as seguintes as questões a apreciar:

1) Nulidade da sentença nos termos do artigo 615º nº 1 al. c) do CPC (vide conclusão 14);

2) erro na apreciação da prova e assim na decisão da matéria de facto;

3) erro na aplicação do direito.


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III- Fundamentação

Foram dados como provados os seguintes factos:

1. O réu Banco A, S.A., no exercício da sua atividade comercial e com destino à aquisição de um veículo automóvel de marca PEUGEOT, modelo 306, com a matrícula OV, por contrato constante de título particular datado de 6 de fevereiro de 2006 emprestou ao autor a importância de € 12.800,00;

2. Nos termos do contrato celebrado entre o réu Banco A, S.A., e o autor, a importância de € 12.800,00, com juros a taxa nominal de 14,42% ao ano, bem como a comissão de gestão e as despesas de transferência de propriedade, imposto de selo de abertura de crédito e o prémio do seguro de vida, deveriam ser pagos em 72 prestações, mensais e sucessivas, com vencimento, a primeira, em 20 de abril de 2006 e as seguintes nos dias 20 dos meses subsequentes, mediante transferências bancárias a efetuar aquando do vencimento de cada uma das prestações, para a conta bancária do dito réu;

3. Previu-se no aludido contrato que a falta de pagamento de qualquer das referidas prestações na data do respetivo vencimento implicava o vencimento imediato de todas as demais prestações, tendo estas o valor de € 275,34, cada uma;

4. Mais foi acordado entre o dito réu e o autor que, em caso de mora sobre o montante em débito, a título de cláusula penal, acrescia uma indemnização correspondente à taxa de juro contratual ajustada - 14,42% - acrescida de 4 pontos percentuais, ou seja, um juro à taxa anual de 18,42%;

5. Consta da cláusula 15.° al. a) das Condições Gerais do contrato referido em 1. que «por efeito deste contrato e durante a sua vigência o mutuário e desde que à data da sua celebração não exceda os 70 anos, goze de boa saúde, não esteja sob controlo médico regular devido a doença ou acidente e enquanto tiver uma idade compreendida entre os 18 e os 75 anos, beneficia de uma apólice de Seguro de Vida, subscrita pelo Banco A, pela qual, em caso de morte, até aos 75 anos, ou invalidez absoluta e definitiva, até aos 65 anos, os débitos emergentes deste contrato, vincendos à data dessa ocorrência, ficarão integralmente saldados»;

6. À data da celebração do contrato mencionado em 1., foi celebrado um contrato de seguro denominado "Proteção Vida Banco A", figurando como seguradora a ré "O. - Companhia de Seguros, S.A", tomador de seguro e beneficiário exclusivo, o "Banco A, S.A.", e pessoa segura o ora autor, titulado pela apólice n° … (ao tempo com o n." …) e a que foi atribuído o certificado individual de seguro n." …;

7. No contrato referido em 6., a ré "O. Vida" declarou perante o autor e perante o réu Banco A, S.A., garantir o pagamento do capital seguro a este quando ocorrer uma das seguintes situações:

- Em caso de morte da pessoa segura;

- Em caso de invalidez total e permanente da pessoa segura;

8. A definição de «invalidez total e permanente» que consta do artigo 3.° das condições especiais do referido contrato de seguro é a seguinte: «por invalidez total e permanente entende-se a incapacidade que afeta a Pessoa Segura impedindo-a total e definitivamente do exercício de uma atividade remunerada, nomeadamente quando desta invalidez resulte paralisia de metade do corpo, perda do uso dos membros superiores ou inferiores em consequência de paralisia, ataxia pronunciada, retração ou anquilose, cegueira completa ou incurável, hemiplegia e afeções cronicas como caquexia, resultantes de tabes e outras mielites sem período avançado, alienação mental e toda e qualquer lesão por desastre ou agressões em que haja perda irremediável das faculdades e capacidades de trabalho. // O reconhecimento da Invalidez Total e Permanente é feito com base na Tabela Nacional de Incapacidades, e garantem-se as desvalorizações superiores a 66,6%, que nesse caso serão consideradas como sendo iguais a 100%»;

9. Consta do artigo 4.° das condições especiais da referida apólice (junta a fls. 28) que: «1 - Por esta Cobertura Complementar a Seguradora obriga-se ao pagamento do capital igualou menor ao valor atual das rendas vincendas garantido em caso de morte para a Cobertura Principal, caso a Pessoa Segura venha a ser atingida por uma Invalidez Total e Permanente nos termos da definição e condições previstas na anterior Condição. A) este pagamento será efetuado no fim do prazo de seis meses a contar da data efeito do reconhecimento da Invalidez Total e Permanente pela Seguradora, isto é, a partir da data em que a Seguradora recebe todos os documentos necessários, salvo o disposto na alínea c) ... »;

10. Consta do artigo 7.° das condições particulares da apólice n." … que: «O valor do capital à data do sinistro é igual à atualização financeira à taxa implícita no contrato das prestações/rendas vincendas, apurada à data do falecimento da Pessoa Segura ou do reconhecimento de situação de Invalidez

Total e Permanente pela O. Vida». (fls. 83);

11. O capital máximo garantido pela ré Companhia de Seguros no contrato referido em 6. é de € 12.700,00;

12. Todas as questões relativas aos dois contratos referidos em 1. e 6. sempre foram tratadas por parte do autor diretamente com o réu Banco A S.A.;

13. Em setembro de 2007, foi diagnosticada ao autor uma insuficiência renal avançada, em resultado da qual este veio a ser submetido a transplante renal em 20/11/2009;

14. No início de maio de 2008, o autor contactou o réu Banco A, S.A., a fim de acionar o contrato de seguro aludido em 6.;

15. O autor não pagou a 31a prestação e seguintes, num total de 42, vencida a primeira em 20/1 0/2008;

16. Em 20/1 0/2008 foi reconhecido, pela Junta Médica da Sub-região de Saúde de Viana do Castelo que o autor era portador de uma incapacidade permanente global de 70% suscetível de variações futuras, de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidades, situação reportada a 2007 e a ser reavaliada em 2009;

17. Depois dessa data, o autor continuou a exercer a sua atividade profissional na Casa dos Rapazes, sita na rua … em Viana do Castelo;

18. A 6 de novembro de 2008, o autor entregou nas instalações do réu Banco A, S.A., em Viana do Castelo, o relatório médico emitido pelo Serviço de Nefrologia do Hospital no Porto (cuja cópia se mostra junta a fls. 31/33) e o atestado médico de incapacidade - multiuso (cuja cópia se mostra junta a fls. 34/35), do qual consta a atribuição de uma incapacidade permanente global de 70% suscetível de variações futuras, de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidades, situação reportada a 2007 e a ser reavaliada em 2009;

19. Posteriormente, o autor foi informado pelo réu Banco A, S.A., delegação de Viana do Castelo, de que era necessário o documento comprovativo da sua reforma, tendo o autor respondido não lhe ser possível entregar tal documento por não se encontrar reformado;

20. Por carta datada de 06/01/2009, a 2.a ré Companhia de Seguros notificou o autor para que este entregasse documento comprovativo da incapacidade para exercer atividade profissional remunerada;

21. A 2.a ré Companhia de Seguros, atenta a falta de apresentação de documentação que comprove a incapacidade para exercer qualquer atividade profissional remunerada e consequente atribuição de pensão de invalidez recusou assumir qualquer responsabilidade pelo sinistro;

22. Em março de 2015, foi atribuído ao autor um défice funcional permanente de integridade físico-psíquica (anteriormente designado por incapacidade permanente geral) de 66,204%, impeditivo do exercício da sua atividade profissional habitual, podendo a atividade ser adaptada à sua incapacidade;

23. O réu Banco A, S.A., instaurou neste Juízo uma ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias contra o aqui autor J. A. e mulher M. M., a que foi atribuído o n.º 42/l0.8TBPTL, no qual aquele pediu a condenação destes «a pagar-lhe a quantia de € 11.564,28, a que acrescem € 2.626,20 de juros vencidos até ao 13/01/2010, € 105,05 de imposto de selo sobre os juros e mais os juros que se vencerem à taxa anual de 18,42% até integral pagamento e o imposto de selo, à taxa de 4% que sobre esses juros recair»;

24. No processo referido em 23. o autor foi condenado a pagar ao réu Banco A, S.A., «a 31a prestação, vencida em 20.10.2008, no valor de € 275,34, e nas demais prestações de capital não pagas, acrescido de juros moratórios que incidem sobre a parte do capital de todas as prestações, num total de 42 prestações, desde 21.10.2008, à taxa de 18,42%, até integral pagamento e do respectivo imposto de selo, a liquidar»;

25. Em virtude do supra descrito, o autor sentiu-se constrangido, desgostoso e humilhado com a situação, que lhe causou e ainda causa aborrecimentos e transtornos.


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O tribunal a quo deu ainda como não provada a seguinte factualidade

a) A incapacidade permanente global de 70% atribuída ao autor conforme referido em 16. dos factos provados é de natureza irreversível;

b) Após receber a carta referida em 20. dos factos provados, o autor tenha contactado telefonicamente o réu Banco A, S.A., com vista a obter maiores esclarecimentos;

c) Desde então, o autor nunca mais foi contactado ou interpelado pelas rés (para além da citação referente ao processo referido em 23. dos factos provados).”


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Conhecendo.

1) Invocou o recorrente em primeiro lugar a nulidade da sentença proferida – nos termos do artigo 615º nº 1 al. c) do CPC – justificando-a com o facto de o tribunal a quo não ter dado como provado o facto constante da al. a) dos factos não provados, cuja alteração por erro na apreciação da matéria de facto pugnou (vide conclusão 14ª).

As causas de nulidade da sentença estão previstas de forma taxativa no artigo 615º do CPC.

Dispõe o nº 1 do artigo 615º do CPC

“1- É nula a sentença quando:

a) Não contenha a assinatura do juiz;

b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;

c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;

d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;

e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido”.

Embora o recorrente tenha reportado a nulidade invocada à al. c) deste nº 1 do artigo 615º do CPC, facto é que a fundou no erro de julgamento.

Ora nas nulidades previstas nesta alínea, nem aliás neste artigo, não se inclui o erro de julgamento da matéria de facto, o qual deve ser reapreciado nos termos do artigo 662º do CPC, quando procedente e pertinente.

Só nessa sede incumbindo ao tribunal alterar tal decisão ou mesmo anular o julgamento quando nomeadamente reputar a decisão de deficiente ou obscura.

Improcede portanto a arguida nulidade da sentença nos termos invocados pelo recorrente.


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2- Em segundo lugar, pugnou o recorrente pela reapreciação da decisão de facto, por esta via tendo peticionado pela eliminação da al. a) dos factos não provados e a sua transposição para os factos provados.

Para a apreciação desta pretensão importa ter presente os seguintes pressupostos:

i- Estando em causa a impugnação da matéria de facto, obrigatoriamente e sob pena de rejeição deve o recorrente especificar (vide artigo 640º n.º 1 do CPC):

“a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas”.

No caso de prova gravada, incumbindo ainda ao recorrente [vide n.º 2 al. a) deste artigo 640º] “sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes”.

Sendo ainda ónus do recorrente apresentar a sua alegação e concluir de forma sintética pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão – artigo 639º n.º 1 do CPC - na certeza de que estas têm a função de delimitar o objeto do recurso conforme se extrai do n.º 3 do artigo 635º do CPC. Pelo que das conclusões é exigível que no mínimo das mesmas conste de forma clara quais os pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados, sob pena de rejeição do mesmo.

ii- Na reapreciação da matéria de facto – vide nº 1 do artigo 662º do CPC - a modificação da decisão de facto é um dever para a Relação, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou a junção de documento superveniente impuser diversa decisão. Cabendo ao tribunal da Relação formar a sua própria convicção mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou que se mostrem acessíveis.

Sem prejuízo de e quanto aos factos não objeto de impugnação, dever o tribunal de recurso sanar mesmo oficiosamente e quando para tal tenha todos os elementos, vícios de deficiência, obscuridade ou contradição da factualidade enunciada, tal como decorre do disposto no artigo 662º n.º 2 al. c) do CPC.

iii- Os recursos visam o reexame das decisões proferidas em 1ª instância, motivo porque o objeto de recurso está limitado pelas questões que foram sujeitas a apreciação ao tribunal recorrido (salvo em situações limitadas e expressamente consagradas como por exemplo no caso de ocorrer alteração ou ampliação do pedido em 2ª instância (artigo 264º do CPC) ou de se impor o conhecimento oficioso de exceção ainda não decidida com trânsito em julgado [cfr. Ac. STJ, Relatora Ana Geraldes de 17/11/2016 in www.dgsi.pt/jstj ] .

iv- Mais e na medida em que os recursos visam, por via da modificação de decisão antes proferida reapreciar a pretensão dos recorrentes por forma a validar o juízo de existência ou inexistência do direito reclamado, temos igualmente de concluir que a reapreciação da matéria de facto está limitada ao efeito útil que da mesma possa provir para os autos, em função do objeto processual delineado pelas partes e assim já antes submetido a apreciação pelo tribunal a quo [vide neste sentido Acs. deste TRG de 12/07/2016, Relator Jorge Seabra e de 15/12/2016, Relatora Maria João Matos, ambos in www.dgsi.pt/jtrg ].

Tendo presentes estes pressupostos assim elencados e no que respeita à al. a) dos factos não provados [único ponto em causa nesta sede de reapreciação da decisão de facto] sem prejuízo de se reconhecer que o recorrente cumpriu os ónus de alegação e especificação que lhe são impostos pelo artigo 640º n.º 1 – als. a), b) e c) - e nº 2 al. a) do CPC, facto é que e pelos motivos que infra melhor exporemos, a apreciação deste ponto da matéria de facto não tem para a decisão da causa que é objeto do recurso relevo.

Independentemente da alteração que sobre este ponto decisório viesse a recair, facto é que a decisão absolutória pelos demais fundamentos da mesma constantes será de manter, conforme em seguida se aprecia.

Por tal e com base neste fundamento se rejeita a reapreciação da matéria de facto quanto à factualidade em questão – al. a) dos factos não provados.


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3. Do direito.

Por via do recurso interposto pretende o recorrente que lhe seja reconhecido o direito a receber a quantia correspondente ao valor em dívida do contrato de mútuo celebrado com a 1ª R. e para garantia do qual celebrou com a 2ª R. contrato de seguro.

Fundamenta a sua pretensão na verificação do sinistro que é pressuposto do acionamento do seguro.

Mais pretende que lhe seja reconhecida uma indemnização por danos não patrimoniais que funda na atuação de ambas RR. que reputou de violadora das suas obrigações contratuais.


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Uma vez que o legislador optou por não apresentar uma definição legal de contrato de seguro, antes definindo os deveres típicos do contrato de seguro, “assumindo que os casos de qualificação duvidosa devem ser decididos pelos tribunais em vista da maior ou menor proximidade com esses deveres típicos e da adequação material das soluções legais ao tipo contratual adotado pelas partes” (vide preâmbulo do DL 72/2008 de 16/04 que aprovou o Regime Jurídico do Contrato de Seguro - RJCS), na senda do caminho já anteriormente trilhado, tem este conceito vindo a ser delineado pela doutrina.

Assim, L. P. Moitinho de Almeida, in: "O Contrato de Seguro no Direito Português e Comparado" 1ª edição, Lx. 1971, pág.23, portanto anteriormente ao atual regime, apresentou como definição de contrato de seguro "(...) aquele em que uma das partes, o segurador, compensando segundo as leis da estatística assume um conjunto de riscos e se obriga mediante o pagamento de uma soma determinada, a no caso de realização de um risco, indemnizar o segurado pelos prejuízos sofridos ou, tratando-se de evento relativo à vida humana, entregar um capital ou renda, ao segurado ou a terceiro, dentro dos limites convencionalmente estabelecidos. (...)."

Mais recentemente, Margarida Lima Rego, já no âmbito do atual RJCS in “Contrato de Seguro e Terceiros”, ed. Coimbra Editora, 2010, a p. 66 propôs como definição “seguro é o contrato pelo qual uma parte, mediante retribuição, suporta um risco económico da outra parte ou de terceiro, obrigando-se a dotar a contraparte ou o terceiro dos meios adequados à supressão ou atenuação de consequências negativas reais ou potenciais da verificação de um determinado facto”.

De qualquer destas definições, (entre outras tantas) extrai-se serem elementos essenciais do contrato de seguro:

a) o risco, ou seja, a possibilidade de um evento futuro e incerto suscetível de determinar a atribuição patrimonial do segurador;

b) a empresa; e

c) a prestação do segurado (prémio ou quotização nos seguros mútuos).

O seguro é também uma forma ou meio de proteção do interesse particular e do interesse geral, sendo um negócio jurídico bilateral, consensual, oneroso, aleatório e sinalagmático.

O contrato de seguro baseia-se nas declarações constantes da respetiva proposta, no qual devem mencionar-se com inteira veracidade, todos os factos ou circunstâncias que permitam a exata apreciação do risco ou possam influir na aceitação da proposta nas condições particulares do contrato ou na justa aplicação do prémio.

Tal como decorre do disposto no artigo 1º da LCS (aprovada pelo DL 72/2008) partes (outorgantes necessários) no contrato de seguro são o segurador – ou seja aquele que assume o risco que o tomador de seguro visa proteger e o tomador do seguro, ou seja aquele que invoca um interesse digno de proteção legal relativamente ao risco coberto (próprio ou de terceiro) e que por via da celebração do contrato transfere para a seguradora (vide ainda artigo 43º da LCS).

Porque o interesse a proteger pode ser do próprio tomador de seguro (vide artigo 47º da LCS) ou de terceiro (vide artigo 48º da LCS) nem sempre a pessoa do tomador de seguro e do segurado, então terceiro titular do interesse protegido, coincidem.

In casu estamos perante um seguro de grupo ou seja aquele “que cobre riscos de um conjunto de pessoas ligadas ao tomador do seguro por um vínculo que não seja o de segurar”, conforme definição do artigo 76º do RJCS, caso em que o contrato tem como único tomador – o subscritor, não sendo os participantes, segurados “tomadores de um seguro de grupo” (cfr. Margarida L. Rego in ob. cit. p. 789). Avançando esta autora assim com a seguinte definição de seguro de grupo, em sentido estrito como “(i) um contrato; (ii) um contrato de seguro; (iii) cujo tomador é o subscritor; (iv) celebrado por conta dos participantes: estes são terceiros segurados; (v) ligados ao subscritor por um vínculo distinto do de segurar; (vi) cobrindo cumulativamente (vii) riscos homogéneos de todos os terceiros-segurados; (viii) com perfeita separabilidade e (ix) sem uma correlação positiva forte entre os riscos dos terceiros-segurados” (vide ob. cit. p. 809).

Sendo a adesão feita por proposta que se considera aceite se nos 30 dias subsequentes nada for dito em contrário (vide artigo 88º do mesmo RJCS).

Ao contrato de seguro identificado nos autos aderiu o A. conjuntamente com a celebração do contrato de mútuo identificado em 1) dos factos provados, visando aquele precisamente garantir o cumprimento deste último – ou seja o pagamento dos débitos emergentes de tal contrato em caso de morte ou invalidez absoluta e definitiva [vide nº 5 dos factos provados e que corresponde à cláusula 15ª das condições gerais do contrato de mútuo].

O vínculo distinto do de segurar que liga os diversos participantes/segurados ao subscritor é precisamente a existência de um relação contratual prévia entre estes, como seja o contrato de mútuo.

E a garantia que este contrato visou, foi descrita como “morte da pessoa segura” ou “invalidez total e permanente da pessoa segura” [vide nº 7 dos factos provados].

A definição de “invalidez total e permanente” foi por sua vez descrita no artigo 3º das condições especiais do referido contrato de seguro nos seguintes termos:

«por invalidez total e permanente entende-se a incapacidade que afeta a Pessoa Segura impedindo-a total e definitivamente do exercício de uma atividade remunerada, nomeadamente quando desta invalidez resulte paralisia de metade do corpo, perda do uso dos membros superiores ou inferiores em consequência de paralisia, ataxia pronunciada, retração ou anquilose, cegueira completa ou incurável, hemiplegia e afeções crónicas como caquexia, resultantes de tabes e outras mielites sem período avançado, alienação mental e toda e qualquer lesão por desastre ou agressões em que haja perda irremediável das faculdades e capacidades de trabalho. // 0 reconhecimento da Invalidez Total e Permanente é feito com base na Tabela Nacional de Incapacidades, e garantem-se as desvalorizações superiores a 66,6%, que nesse caso serão consideradas como sendo iguais a 100%». [vide 8) dos factos provados].

Da celebração conjunta destes dois contratos e do escopo indicado para a celebração deste último, resulta que o seu fim foi o de garantir o pagamento dos débitos emergentes do contrato de mútuo, em caso de o segurado aqui A. ficar impossibilitado de o fazer por, no que ora releva, situação de “invalidez total e permanente” (na letra do contrato de seguro que define as obrigações contratuais entre as partes assumidas por via do mesmo) o afetar definitivamente do exercício de uma atividade remunerada.

Extrai-se assim da análise conjunta deste clausulado, cujo desconhecimento o A. não invocou, bem ao contrário tendo o A. na p.i. alegado (vide artigo 3º da p.i.) “ambos os contratos são válidos, foram celebrados pelo autor e pela 1ª e 2ª Rés respetivamente de livre vontade e de boa-fé, aceitando expressamente o seu conteúdo” que o acionamento do seguro depende não só da situação de invalidez absoluta e definitiva, como da incapacidade de por via dela o segurado ficar impossibilitado do exercício de uma atividade remunerada [da necessidade de relação entre estas duas situações e verificação da segunda se pronunciaram entre outros Ac. RL de 13/09/2012, Relator Pedro Martins; Ac. TRP de 06/06/2013, Relator Leonel Serôdio; Ac. TRL de 02/06/2016 António Valente in www.dgsi.pt ainda que todos analisando adicionais circunstancialismos não aplicáveis aos autos].

Não obstante a grave doença de que o autor foi tristemente acometido e das consequências nefastas que esta aportou para a sua vida, afetando-o na sua capacidade de trabalho e de forma relevante conforme os factos provados o traduzem [vide em concreto factos provados 13), 16), 18) e 22)] facto é que o mesmo continuou a exercer a sua atividade profissional – vide 17) dos factos provados.

Do ponto 22) dos factos provados extrai-se que no exame pericial realizado no âmbito dos autos (de março de 2015, sendo o mais recente trazido aos autos,) foi atribuído ao autor um défice funcional permanente de integridade físico-psíquica de 66,204% impeditivo da sua atividade profissional habitual, podendo a atividade ser adaptada à sua incapacidade.

É certamente neste contexto que o autor continua a exercer a sua atividade profissional a que se reporta o ponto 17) dos factos provados. Necessariamente com elevado esforço acrescido e com as adaptações que a sua incapacidade impõe, conforme os factos provados o traduzem, mas capaz de continuar a exercer a dita atividade profissional com a necessária remuneração correspondente.

Do que resulta a não demonstração de que a incapacidade de que o A. ficou a padecer lhe causou o impedimento total e definitivo de exercer atividade remunerada, pressuposto do acionamento do seguro e que ao A. incumbia provar (artigo 342º do CC).

Mais diga-se que nos termos contratuais ficou garantido o reconhecimento de incapacidade total e permanente às situações em que de acordo com a TNI fosse atribuída uma desvalorização superior a 66,6% que contratualmente seria considerada como igual a 100% [vide 8) dos factos provados].

Também neste ponto claudica a pretensão do recorrente, já que a incapacidade que lhe foi atribuída pelo exame mais recente realizado e junto aos autos foi de 66, 204% [vide 22) dos factos provados].

Note-se que o atestado mencionado em 16) dos factos provados e que referia uma incapacidade de 70% reportava-se à situação em 2007 e fazia menção à necessidade de reavaliação [vide 16) e 18) dos factos provados que ao mesmo atestado se reportam].

A necessidade de demonstração destes pressupostos foi analisada na sentença recorrida conforme se extrai dos seguintes trechos que aqui se reproduzem:

“Analisado o clausulado do contrato de seguro em apreço, conforme decorre da factualidade provada, é lícita a conclusão de que tal contrato de seguro se assumiu como condição da obtenção de crédito por banda do autor segurado, a conceder pelo réu banco tomador do seguro, tendo por finalidade a prevenção de um risco de ocorrência, na pessoa daquele, de um acontecimento - morte ou invalidez permanente - que não lhe permitisse ou dificultasse o pagamento das prestações em dívida.

Assim sendo, cabia ao autor o ónus de provar a ocorrência da sua invalidez absoluta e definitiva e a consequente impossibilidade ou dificuldade de pagamento das prestações em dívida ao réu banco, conforme contratualmente previsto (artigo 342°, n° 1, do c.c.).

(…)

Ou seja, cabia ao autor demonstrar que se verificavam no seu caso as condições contratuais previstas na cláusula 15.° al. a) das Condições Gerais do contrato de mútuo - a invalidez absoluta e definitiva -, entendendo-se esta como a incapacidade total e definitiva de exercer uma atividade remunerada com um grau de desvalorização, feito com base na Tabela Nacional de Incapacidades, ser superior a 66,6% - cfr. condição especial 3ª do contrato de seguro.

No caso dos autos, resultou provado que o autor padece de insuficiência renal que lhe causa uma incapacidade permanente suscetível de variações, tendo a última avaliação da sua incapacidade sido fixada em 66,204%, no ano de 2015; incapacidade essa impeditiva do exercício da sua atividade profissional habitual, podendo a atividade ser adaptada à sua incapacidade. Mais se provou que o autor continuou a exercer a sua atividade profissional, nunca se tendo reformado.

Ora, do exposto resulta que naufragou o autor na sua tarefa probatória, pois que não logrou provar que se verificam, no seu caso, os pressupostos contratuais da obrigação de pagamento assumida pela ré seguradora. Com efeito, pese embora provada uma incapacidade, o seu grau de desvalorização não é superior a 66,6%, ao que acresce não ter carácter de definitividade, porquanto, além de ser suscetível de variações, não retira ao autor, definitivamente, a capacidade de exercer uma atividade remunerada. E a corroborar isso mesmo está o facto de o autor ter continuado a trabalhar. E se é certo que não se duvida que o autor o tenha feito com esforço adicional e com a intenção de continuar a obter o rendimento necessário à sua subsistência (o que é de louvar e respeitar), não menos certo é que o fim do contrato de seguro em causa nos autos é um só: evitar que a invalidez permanente do segurado, refletida na sua incapacidade de ganho por via do seu trabalho, impossibilite ou dificulte o pagamento das prestações em dívida ao tomador do seguro. E a verdade é que não resultou provado que o autor não pudesse trabalhar e, em consequência, não conseguisse obter rendimento em virtude da incapacidade de que sofre.”

Embora na sentença recorrida se tenha também feito menção à al. a) dos factos não provados cuja reapreciação o autor pretendia [por referência à não demonstrada definitividade], facto é que mesmo sem a análise deste facto e independentemente de o mesmo ser provado ou não provado, sempre a pretensão do autor claudicaria, conforme já analisámos por não demonstrada a sua impossibilidade total e definitiva de exercer uma atividade remunerada. Adicionalmente por a incapacidade que lhe foi reconhecida e única a poder ser considerada ser inferior a 66,6% - já que o atestado que mencionou os 70% se reportou à situação avaliada em 2007 e declaradamente sujeita a reavaliação, nos termos acima já referidos.

Implica o exposto a improcedência do pedido formulado pelo A. sob a al. b).

E se este pedido improcede, igualmente improcede o pedido formulado sob a al. c), porquanto dependente da prova do incumprimento contratual das RR. que assim se não demonstrou.

De tudo o exposto impõe-se concluir pela improcedência do recurso apresentado na sua totalidade.



***

IV. Decisão.

Pelo exposto, acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar totalmente improcedente a apelação, consequentemente e pelos fundamentos acima expostos mantendo o decidido pelo tribunal a quo.

Custas pelo recorrente (sem prejuízo do benefício do apoio judiciário que lhe foi concedido).


Guimarães, 09 de novembro de 2017.

(Maria de Fátima Almeida Andrade)

(Alexandra Maria Rolim Mendes)

(Maria Purificação Carvalho)