Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2435/14.2T8BRG.G1
Relator: JORGE TEIXEIRA
Descritores: PROVIDÊNCIA CAUTELAR
RESTITUIÇÃO PROVISÓRIA DE POSSE
SIMULAÇÃO
PROVA TESTEMUNHAL
PROVA DOCUMENTAL
CONFISSÃO
SIMULADORES
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/12/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: I- A prova do pacto simulatório, se invocado entre os simuladores, não pode ser realizada por testemunhas quando o negócio simulado for celebrado por documento autêntico, ou por algum dos documentos particulares mencionados nos arts. 373.° e 379.° e aquele pacto seja invocado pelos simuladores - art. 394°, nº2, do Código Civil.

II- Nestas situações, de invocação do acordo simulatório entre os simuladores, será, no entanto, admissível prova testemunhal da simulação se os factos a provar surgirem, com alguma verosimilhança, em provas escritas, bem como para precisar o sentido e o contexto da declaração negocial – nº 3 do art. 393º do Código Civil.

III- Assim, na inexistência de prova documental, uma vez que o acordo simulatório, quando invocado entre os simuladores, apenas pode ser provado por documento ou por confissão, não será possível efectuar essa prova numa providência cautelar de restituição provisória de posse, bem como, dos restantes pressupostos deste procedimento, designadamente, da posse nesse acordo fundada, por este procedimento não prever a audição prévia do requerido.

Decisão Texto Integral: I – RELATÓRIO.

Recorrente: AA…

Recorrido: BB...

AA, residente na Rua de Santo André, n.º …, freguesia de Gondizalves, neste concelho e comarca de Braga, deduziu o presente procedimento cautelar contra BB, residente na Rua Cruz de Pedra, n.º …, rés-do-chão, igualmente em Braga, pedindo a restituição provisória da posse da firma “CC, Lda”, por ser o seu “real proprietário” e ter exercido a respectiva gerência, primeiro apenas de facto e posteriormente também de direito, e dela ter sido violentamente esbulhado pela requerida, que figura, embora apenas formalmente, como sua única sócia.

Por despacho proferido a fls. 102 e seguintes, e com os fundamentos aí expressos, foi o requerido decretamento de tal providência liminarmente indeferido.

Inconformado com tal decisão, dela interpôs recurso o Requerente, António Eirinha, de cujas alegações extraiu as seguintes conclusões:

i. LANÇANDO MÃO DE UMA PROVIDÊNCIA CAUTELAR DE RESTITUIÇÃO PROVISÓRIA DA POSSE, VEIO O AUTOR, REQUERER A TUTELA DO SEU DIREITO ENQUANTO POSSUIDOR DA EMPRESA CC, LDA.

ii. PARA TAL, INVOCOU A PRESENÇA DOS TRÊS REQUISITOS NECESSÁRIOS AO SEU DECRETAMENTO, A POSSE, O ESBULHO E A VIOLÊNCIA.

iii. A ESTE RESPEITO, ENTENDEU O TRIBUNAL A QUO, QUE TAL PROVIDÊNCIA DEVERIA SER LIMINARMENTE INDEFERIDA.

iv. POR FALÊNCIA DO PRIMEIRO REQUISITO, A POSSE!

v. A ESTE RESPEITO, ENTENDE O AUTOR QUE A POSSE DA REFERIDA SOCIEDADE SE ENCONTRA AMPLAMENTE PREENCHIDO, VISTO QUE RECUANDO NO TEMPO, E ENTENDENDO O DESENCADEAR DE TODA A REALIDADE DA PRÓPRIA SOCIEDADE, SE CHEGA À EMPRESA EM NOME INDIVIDUAL “DD”

vi. ALTURA EM QUE O AUTOR ERA EMPRESÁRIO EM NOME INDIVIDUAL, TENDO CRIADO DE RAIZ A REFERIDA EMPRESA.

vii. POR INTERCORRÊNCIAS DO MUNDO DOS NEGÓCIOS, O PASSIVO COMEÇOU A SER SUPERIOR AO ACTIVO, CORRENDO O SÉRIO RISCO DE ENTRAR EM FALÊNCIA/INSOLVÊNCIA,

viii. NO SENTIDO DE ACAUTELAR A EXISTÊNCIA DA SOCIEDADE, E DOS RESPECTIVOS POSTOS DE TRABALHO,

ix. ACORDOU O AQUI AUTOR FAZER UM ACORDO COM UMA DAS FUNCIONÁRIAS, COM A QUAL TERIA INICIADO UM RELACIONAMENTO AMOROSO,

x. PASSANDO A “DD” PARA O SEU NOME, PROSSEGUINDO A MESMA A LABORAR NOS EXACTOS TERMOS QUE ATÉ ENTÃO

xi. OU SEJA, A PROPRIEDADE DA EMPRESA PASSOU A ESTAR EM NOME DA AQUI RÉ, MAS APENAS E UNICAMENTE NO “PAPEL”

xii. MANTENDO-SE O AUTOR COMO POSSUIDOR, GERENTE E RESPONSÁVEL DA EMPRESA.

xiii. A MESMA, COM O PASSAR DOS TEMPOS, E O EVOLUIR DO PRÓPRIO NEGÓCIO FOI SENDO ALTERADA, EVOLUINDO ATÉ À ESTRUTURA ACTUAL, MAIS CONCRETAMENTE UMA SOCIEDADE UNIPESSOAL POR QUOTAS.

xiv. NO ENTANTO, ESTAS ALTERAÇÕES QUE ACONTECERAM DE 1992 ATÉ AO PRESENTE SEMPRE FORAM UNICAMENTE A NÍVEL FORMAL,

xv. O GERENTE DE FACTO SEMPRE FOI O AUTOR, TODAS AS RELAÇÕES QUER INTERNAS, QUER EXTERNAS SEMPRE ESTIVERAM A CARGO DO AUTOR,

xvi. TODOS OS QUE COM A EMPRESA SE RELACIONAVAM SABIAM QUE ERA O AUTOR O “DONO” DA SOCIEDADE,

xvii. MUITOS DELES, NÃO CONHECENDO INCLUSIVAMENTE A PROPRIETÁRIA QUE FIGURAVA NOS DOCUMENTOS,

xviii. PELO QUE, APENAS A PROPRIEDADE FORMAL FOI PASSADA PARA O NOME DA AQUI RÉ, E NÃO, EM MOMENTO ALGUM A RESPECTIVA POSSE.

xix. INCLUSIVAMENTE TODOS OS COMPORTAMENTOS DA AQUI RÉ, CORROBORAM ESTA TESE,

xx. VISTO QUE DEIXOU DE ESTAR PRESENTE DA EMPRESA DESDE 28 DE FEVEREIRO, NÃO SABENDO, NEM OPINANDO EM QUALQUER DECISÃO INTERNA,

xxi. APENAS COLMATAVA A FALHA, ASSINANDO OS DOCUMENTOS QUE EXIGIAM A SUA ASSINATURA, MAS SEMPRE ESTANDO À MARGEM DE TODO O PROCESSO,

xxii. E PARA ALÉM DISSO, PASSOU A EXIGIR A PASSAGEM DA PROPRIEDADE DA EMPRESA NOVAMENTE PARA O NOME DO AQUI AUTOR, EM CONTRAPARTIDA DE UMA RECOMPENSA FINANCEIRA,

xxiii. RECOMPENSA ESTA QUE FOI ALVO DE INÚMERAS NEGOCIAÇÕES, AVANÇOS E RECUOS,

xxiv. VISTO QUE, DEPOIS DE ACORDAR COM O AUTOR A CESSÃO DAS QUOTAS POR DETERMINADO VALOR, VOLTOU SEMPRE ATRÁS COM A SUA PALAVRA,

xxv. EXIGINDO A CADA PASSO UMA VALOR MAIS ELEVADO, EXERCENDO PRESSÃO PSICOLÓGICA, AMEAÇANDO QUE LHE TOMARIA TUDO CASO NÃO SATISFIZESSE TODAS AS SUAS EXIGÊNCIAS,

xxvi. FACTO QUE VEIO EFECTIVAMENTE A ACONTECER NO DIA 18 DE NOVEMBRO DE 2014, QUANDO, FAZENDO GORAR MAIS UMA TENTATIVA DE ACORDO,

xxvii. EXIGINDO UMA REUNIÃO COM O AUTOR E O SEU MANDATÁRIO, NO GABINETE DESTE ÚLTIMO, OS AFASTOU DAS INSTALAÇÕES DA EMPRESA,

xxviii. E COM A AJUDA DE UMA EQUIPA DE SEGURANÇAS, INVADIU A EMPRESA!

xxix. NÃO MAIS PERMITINDO O ACESSO DO AUTOR AO SEU INTERIOR, A TODOS OS BENS PERTENCENTES À EMPRESA E INCLUSIVAMENTE AOS SEUS BENS PESSOAIS,

xxx. USANDO PARA TAL DE VIOLÊNCIA FÍSICA, QUANDO ESTE TENTOU ENTRAR NAS INSTALAÇÕES, COMO SEMPRE FEZ DESDE A SUA CRIAÇÃO,

xxxi. ESTES ACTOS, DERAM ORIGEM À COMPETENTE QUEIXA-CRIME, QUE SE ENCONTRA A CORRER OS SEUS TERMOS NA 3ª SECÇÃO DO DIAP DE BRAGA, COM O Nº 899/14.3T9BRG

xxxii. PELO EXPOSTO, SE ENTENDE QUE, QUER A POSSE, O ESBULHO E A VIOLÊNCIA SE ENCONTRAM AMPLAMENTE PREENCHIDOS,

xxxiii. BEM COMO OS REQUISITOS GERAIS DOS PROCEDIMENTOS CAUTELARES, ISTO É, O FUMMUSBONIIURIS E O PERICULUM IN MORA, NECESSÁRIOS AO DECRETAMENTO DA PROVIDÊNCIA CAUTELAR DE RESTITUIÇÃO PROVISÓRIA DA POSSE.

xxxiv. NESTES TERMOS E NOS MELHORES DE DIREITO, DEVE O RECURSO INTERPOSTO PELO AUTOR SER CONSIDERADO PROCEDENTE POR PROVADO, E SER DECRETADA A RESTITUIÇÃO PROVISÓRIA DA POSSE, SÓ ASSIM FAZENDO V. EXAS. COSTUMADA JUSTIÇA!

*

A Apelado não apresentou contra alegações.

*

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

*

II- Do objecto do recurso.

Sabendo-se que o objecto do recurso é definido pelas conclusões no mesmo formuladas, sem prejuízo do que for de conhecimento oficioso, as questões decidendas são, no caso, as seguintes:

- Apreciar se se verificam ou não os pressupostos de que depende o decretamento da providência de restituição provisória de posse.

III – FUNDAMENTAÇÃO.

Fundamentação de facto.

Na fundamentação de direito da decisão recorrida, com relevância para a decisão da apelação, consta o seguinte:

(…)

A restituição provisória da posse pressupõe a verificação cumulativa de três requisitos, a saber: a posse, o esbulho e a violência.

Com efeito, prescreve o artigo 1279º do Código Civil que “sem prejuízo do disposto nos artigos anteriores, o possuidor que for esbulhado com violência tem o direito a ser restituído provisoriamente à sua posse, sem audiência do esbulhador”.

Esse preceito é adjectivado pelo artigo 377º do Novo Código de Processo Civil, segundo o qual “no caso de esbulho violento, pode o possuidor pedir que seja restituído provisoriamente à sua posse, alegando os factos que constituem a posse, o esbulho e a violência”, acrescentando o artigo 378º do mesmo diploma legal que “se o juiz reconhecer, pelo exame das provas, que o requerente tinha a posse e foi esbulhado violentamente, ordenará a restituição, sem citação nem audiência do esbulhador”.

No caso vertente, o requerente arroga-se “proprietário” de uma sociedade cujo capital é formalmente detido pela requerida e de cuja posse alega ter sido violentamente esbulhado.

Contudo, não explicita em termos minimamente consistentes a que título se propunha adquirir a quota única da requerida na dita sociedade, tendo celebrado a esse título dois contratos-promessa de cessão, o primeiro dos quais previa uma contrapartida pecuniária de € 30.000,00 e o segundo de € 43.000,00.

Acresce que, tendo legitimidade para arguir a simulação do acordo por virtude do qual a requerida teria aceitado funcionar como sua “testa de ferro”, o acordo simulatório só poderia ser provado por documento ou por confissão, atenta a limitação imposta pelo artigo 394º do Código Civil.

Ora, os documentos apresentados não revelam - nem, tão-pouco, indiciam - qualquer simulação, pelo que restaria ao requerente o recurso à prova por confissão, que, todavia, se mostra vedada no âmbito do presente procedimento, por este não prever a audição prévia do requerido (no caso, da requerida).

Finalmente, é de sublinhar que o requerente admite que os contratos-promessa celebrados foram “ultrapassados”, o primeiro por ter sido revogado por mútuo acordo e o segundo por impossibilidade de cumprimento de um dos requisitos nele previstos, e que, aquando do esbulho, estavam em curso novas negociações tendo em vista a aquisição da quota da requerida na CC, negociações essas que, obviamente, se goraram.

Neste contexto, afigura-se-me que falece o primeiro requisito ou pressuposto básico da providência solicitada ao tribunal, traduzido na posse do requerente sobre o bem cuja restituição reclama.

Pelo exposto, por ser manifestamente improcedente, indefiro liminarmente a presente providência, de harmonia com o disposto, conjugadamente, nos artigos 226º, n.º 4, alínea b), e 590º, n.º 1, ambos do Novo Código de Processo Civil.

Custas pelo requerente.

*

Notifique.

(…)

Fundamentação de direito.

Analisemos, então, se, de facto, resultam ou não verificados, ou se, pelo menos, se encontram invocados e se são passíveis de demonstração todos os pressupostos de que depende o decretamento da requerida providência de restituição provisória de posse.

Ora, preceitua o artº. 1279º, do CC, que o possuidor que for esbulhado com violência tem o direito de ser restituído provisoriamente à sua posse, sem audiência do esbulhador.

A procedência da providência cautelar de restituição provisória de posse depende da alegação e prova de três requisitos: a posse, o esbulho e a violência (cfr. art. 393 do C.P.C.).

“Posse é o poder que se manifesta quando alguém actua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real” (art. 1251 do C.C.).

Há esbulho sempre que alguém é privado, total ou parcialmente, contra sua vontade, do uso ou fruição do bem possuído ou da possibilidade de continuar esse exercício.

Quanto à violência, dividem-se, a doutrina e a jurisprudência, em duas posições distintas: a primeira delas defende que a violência relevante tem de ser a exercida contra a pessoa do possuidor; a segunda sustenta que basta a violência sobre a coisa, em especial quando esta esteja ligada à pessoa esbulhada.

De acordo com o art. 1277.º do CC, todo o possuidor que for esbulhado pode recorrer ao tribunal para que este lhe restitua a posse. A acção de restituição é, pois, aquela que se destina a obter a recuperação da posse, de que se foi privado por esbulho. Sendo assim, a acção de restituição tem dois pressupostos: a posse e o esbulho.

A posse é, assim, comum a todas as acções possessórias, já que, para a procedência de qualquer delas se exige sempre a sua prova, constituindo a mesma um elemento da “causa petendi”.

O art. 1251.º do CC, define posse como sendo o poder que se manifesta quando alguém actua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real.

No sistema do direito português a posse é a retenção ou fruição do direito de propriedade, dos direitos reais que implicam retenção ou fruição, e dos direitos pessoais que recaem sobre as coisas e se exercem no interesse do seu titular, sendo constituída por dois elementos:

- Um material (o corpus) – retenção, fruição ou possibilidade de fruição de um daqueles direitos;

- O outro intencional (o animus sibi habendi), isto é, a intenção de exercer um poder sobre as coisas (o direito de propriedade, de servidão, de arrendamento) no próprio interesse.

Este elemento intencional presume-se quando não há um título jurídico, mas quando este existe é ele que define de um modo decisivo a natureza da posse.

Ora, como se refere na decisão recorrida, o Recorrente/Requerente arroga-se “proprietário” de uma sociedade cujo capital é formalmente detido pela Requerida e de cuja posse alega ter sido violentamente esbulhado, alegando, sem razões muito consistentes, que melhor tentou explicitar no requerimento de recurso, pretender adquirir a quota única da Requerida na dita sociedade, tendo celebrado a esse título dois contratos-promessa de cessão, o primeiro dos quais previa uma contrapartida pecuniária de 30.000,00 € e o segundo de 43.000,00 €.

E, como resulta do exposto, o despacho recorrido indeferiu liminarmente o decretamento da providência requerida por entender não se encontrar verificada a existência de posse, necessária à sua procedência.

Ora, analisados os argumentos que serviram de substrato alicerçante da decisão recorrida, ao nível jurídico, suscitam-se dois tipos de questões, interligadas entre si, e que são as seguintes:

- Uma primeira relacionada com o próprio regime processual a que está submetida a prova do negócio simulado, ou mais, concretamente, com a limitação dos meios probatório admissíveis na situação de invocação de um acordo simulatório entre os próprios simuladores;

- E uma outra atinente à verificação da posse nestas situações em que pelo alegado possuidor é efectuado um negócio simulado de transmissão da propriedade do bem objecto da tutela pretendida.

Como é consabido, entre as formas possíveis que pode revestir a divergência de índole intencional encontra-se, para além das categorias da reserva mental e das declarações não sérias, a figura da simulação, que consiste num vício, atinente à declaração negocial, em que o dissídio entre a vontade real dos contraentes e o que por estes é efectivamente declarado, ou seja, entre o «querido» e o «declarado», é intencional, e se traduz na circunstância de o declarante emitir, consciente e livremente, uma declaração com um sentido objectivo diferente da sua vontade real.

Para além da distinção entre o carácter fraudulento ou inocente da simulação, que não reveste grande interesse para o caso concreto, temos ainda a dicotomia entre simulação relativa e absoluta, essa sim, com alguma importância no caso sub judice.

Assim, de acordo com a doutrina corrente, a distinção entre a simulação relativa e a simulação absoluta radica no facto de existir ou não, por detrás e para além do negócio simulado, qualquer outro negócio.

Logo, na simulação absoluta, constata-se haver tão-somente o negócio simulado e nada mais, querendo com isto dizer-se que, nesta hipótese, os contraentes fingem celebrar um negócio jurídico, quando na realidade não querem celebrar qualquer negócio.

Já no caso de verificar-se uma na simulação relativa, as partes fingem celebrar um certo negócio jurídico, pretendendo na realidade realizar um negócio jurídico de tipo ou conteúdo diverso, sendo certo que, decalcado sobre o negócio simulado ou aparente, existe um negócio dissimulado.

Como ensina Castro Mendes, “a simulação é inocente quando não há da parte dos simuladores «animus nocendi», intuito de prejudicar quem quer que seja; é fraudulenta quando os simuladores são animados por «animus decipiendi» e «animus nocendi», intuito ou, pelo menos, consciência de prejudicar alguém”. Cfr. Castro Mendes, Teoria Geral do Direito Civil, vol. II, AAFDL, edição de 1995, pg. 214.

Assim, fora das situações de representações cénicas ou de meras actividades lúdicas, onde pontifica o animus ludendi vel jocandi, a regra é que a simulação seja fraudulenta, como também ensinou Castro Mendes, ao afirmar que “em geral, a simulação é fraudulenta”.

Este mesmo mestre dava como exemplo as seguintes situações: “finge-se vender, e não doar, para pagar a sisa e não o mais pesado imposto sobre sucessões e doações, portanto em prejuízo do Estado; finge-se vender bens a certa pessoa com o fim de os subtrair à garantia geral dos credores do vendedor, portanto em prejuízo destes; etc. Cfr. Castro Mendes, ob. e loc. cit.

Estamos assim perante um negócio em que se verifica a divergência entre a vontade real e a declarada, um acordo entre declarante e declaratário, ou seja o conluio, porque as partes declararam, intencional e concertadamente, terem realizado um acto, que, afinal, não quiseram realizar, o que foi feito com a intenção de prejudicar, portanto, simulação fraudulenta».

Nos termos do n.º 1 do artigo 240.º do Código Civil, onde o conceito de negócio simulado se encontra explicitamente formulado, constituem elementos integradores deste vício da vontade o acordo (simulatório) entre declarante e declaratário, a intencionalidade da divergência entre a vontade e a declaração e o intuito de enganar terceiros, os quais são de verificação cumulativa, impendendo o ónus da prova destes requisitos, segundo as regras gerais, porque constitutivos do respectivo direito, a quem invoca a simulação (art.º 342.º, n.º 1, do Código Civil).

No concernente à prova admissível do negócio simulado, começaremos por referir que, pese embora seja proibida a produção de prova testemunhal quando a simulação é invocada pelos próprios simuladores, se admite, em interpretação restritiva do art. 394º do Código Civil, que possa ser produzida prova testemunhal desde que o acordo simulatório contenha um mínimo de prova, um começo de prova de natureza documental.

A prova do pacto simulatório não pode, assim, ser realizada por testemunhas quando o negócio simulado for celebrado por documento autêntico, ou por algum dos documentos particulares mencionados nos arts. 373.° e 379.° e aquele pacto seja invocado pelos simuladores - art. 394°, nº2, do Código Civil – nada impedindo, no entanto, que seja realizada prova testemunhal a partir de documento com a forma legal do negócio simulado. Cfr. neste sentido Mota Pinto e Pinto Monteiro, in “Arguição da Simulação pelos Simuladores – Prova Testemunhal”, CJ, X 1985, págs. 593 e segs; Carvalho Fernandes, in “A Prova da Simulação pelos Simuladores”, “O Direito”, 124, 1992, págs. 593 e segs., e ainda segundo Menezes Cordeiro, in “Tratado de Direito Civil Português”, págs. 850 e segs..

Pode ainda ler-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 17.6.2003, que, “Arguida simulação pelos simuladores, entende-se admissível prova testemunhal se os factos a provar surgem, com alguma verosimilhança, em provas escritas. Cfr. Acórdão do S.T.J., de 17/06/2003, in CJSTJ, 2003, II, 112.

Assim, e concluindo, nestas situações, será sempre admissível a prova testemunhal para efectuar a prova da existência do negócio simulado, quando o seja a partir de provas escritas existentes, desse mesmo negócio, e sempre, para precisar o sentido e o contexto da declaração negocial – nº 3 do art. 393º do Código Civil –, não sendo, consequentemente, nunca admissível a produção desse meio probatório, para realizar a prova da existência do negócio simulado, quando não existam provas escritas da sua realização.

E à luz do exposto, se poderá entender a pertinência das considerações proferidas na decisão recorrida quando refere, “tendo legitimidade para arguir a simulação do acordo por virtude do qual a requerida teria aceitado funcionar como sua “testa de ferro”, o acordo simulatório só poderia ser provado por documento ou por confissão, atenta a limitação imposta pelo artigo 394º do Código Civil”, e “os documentos apresentados não revelam - nem, tão-pouco, indiciam - qualquer simulação, pelo que restaria ao requerente o recurso à prova por confissão, que, todavia, se mostra vedada no âmbito do presente procedimento, por este não prever a audição prévia do requerido (no caso, da requerida)”.

Além de que, a existir um negócio simulado, e como igualmente se refere na aludida decisão, pelo Requerente não é explicado “em termos minimamente consistentes a que título se propunha adquirir a quota única da requerida na dita sociedade, tendo celebrado a esse título dois contratos-promessa de cessão, o primeiro dos quais previa uma contrapartida pecuniária de € 30.000,00 e o segundo de € 43.000,00”, havendo ainda de realçar-se que, como o próprio Requerente reconhece, “os contratos-promessa celebrados foram “ultrapassados”, o primeiro por ter sido revogado por mútuo acordo e o segundo por impossibilidade de cumprimento de um dos requisitos nele previstos, e que, aquando do esbulho, estavam em curso novas negociações tendo em vista a aquisição da quota da requerida na Signa, negociações essas que, obviamente, se goraram”.

Assim, e sendo certo qua a existência de uma simulação não obsta a que possa existir posse, e até uma posse titulada, o certo é que na presente situação, nunca o Requerente a poderia demonstrar.

De harmonia com o disposto no art. -1259º, nº1, do Código Civil, “Diz-se titulada a posse fundada em qualquer modo legítimo de adquirir, independentemente, quer do direito do transmitente, quer da validade substancial do negócio jurídico”, esclarecendo-se no n.º 2 que, O título não se presume, devendo a sua existência ser provada por aquele que o invoca”.

A posse pode assim ser titulada ou não titulada.

A propósito dos títulos legitimadores da posse, Pires de Lima e Antunes Varela, escrevem o seguinte: Cfr “Código Civil Anotado”, vol. III, pág. 18.:

“A primeira parte do nº1 (do art. 1259º) dá de posse titulada o conceito que se formulava no artigo 518° do Código velho. Para que a posse seja havida como tal, é necessário que se funde (tenha a sua causa) em qualquer modo legítimo de adquirir o direito sobre a coisa (justa causa traditionis), independentemente do direito do transmitente (aquisição a non domino), isto é, que se funde num negócio abstractamente idóneo para a transferência da propriedade ou de um direito real de fruição (…)

…A aquisição a non domino era a especialmente visada, no Código de 1867, como causa de uma posse titulada”.

…A aquisição a non domino era a especialmente visada, no Código de 1867, como causa de uma posse titulada.

Mas, além da aquisição a non domino, como causa de posse titulada, havia ainda todas aquelas situações em que o negócio translativo da posse podia vir a ser declarado nulo ou anulado por vício substancial ou de forma.

Neste contexto, larga foi a discussão que se gerou na jurisprudência em torno da questão se saber se uma vez declarado nulo ou anulado por vício substancial - sobretudo, com relação aos actos simulados -, ou de forma, o negócio translativo da posse podia, mesmo, assim, titular a posse.

A questão objecto de controvérsia consistia, assim, na de saber um negócio titulado por acto jurídico aquisitivo, abstractamente idóneo mas que, em concreto, possa estar afectado de uma invalidade, que não seja formal, pode titular a posse.

Assim, e a propósito, deste assunto, pode ler-se no acórdão do S.T.J., de 22/05/2012, o seguinte:

“Quanto a estes últimos, era dominante a corrente que lhes não atribuía o poder de titularem a posse; mas quanto aos actos simulados, as divergências eram profundas, não faltando mesmo quem negasse, neste caso, a própria posse, se a simulação fosse absoluta, a qual consideravam apenas capaz de atribuir uma posse precária (cfr. Manuel Rodrigues, ob. cit., nº47, e Dias Marques, ob. cit. nº71-3).

Ora, foram estes e outros problemas que o Código veio resolver, aditando à parte final do nº 1 deste artigo as seguintes palavras: “quer da validade substancial do negócio jurídico”.

Nenhum vício de fundo, portanto, afasta hoje categoricamente a titularidade da posse, incluindo entre eles a simulação, o erro, a coacção, a ofensa de lei de ordem pública, etc.

A própria simulação absoluta não constitui hoje obstáculo insuperável à existência da posse titulada.

Na maior parte, porém, dos negócios absolutamente simulados não haverá posse titulada, por não chegar a haver posse, mas mera detenção, por faltar ao simulado adquirente a intenção de agir como beneficiário do direito (cfr., a propósito, Henrique Mesquita, ob. citada, nº12, e Vaz Serra, na RLJ ano 107.°, págs. 173-174).

Quando assim não seja, porque o simulado adquirente aja intencionalmente como beneficiário do direito, então não será a natureza simulada do negócio que obsta à existência da posse titulada.

Desde que a posse é uma situação de facto, uma actuação correspondente ao exercício de um direito real, que pode ser titulada ou não titulada, não deve, em princípio, a qualificação dessa situação basear-se num título, que pode existir ou não existir.

O que há a fazer, em princípio, é procurar nela, o corpus e o animus, para, encontrando-os, considerar o detentor um possuidor em nome próprio.

O que, porém, excepcionalmente acontece é que o título, de per si, qualifica a detenção como posse precária, e, neste caso, torna-se necessária a inversão, como acontece se ela provém, por exemplo, dum contrato de locação, de depósito ou de comodato…” Cfr. A.Varela e P. de Lima C. Civil Anotado, III vol., 2ª ad. Pg 18.

Ora, de tudo se conclui que, enquanto o simulado adquirente é um possuidor em nome alheio, um detentor precário (art. 1253°), salvo achando-se invertido o título da posse (art. 1290°), o simulado transmitente, bem pelo contrário, embora não titulado, é o verdadeiro possuidor.

Todavia, e por decorrência de tudo o exposto, mesmo sendo evidente que a existência de um negócio simulado não constitui, por si mesmo, obstáculo a que o Requerente pudesse demonstrar a sua posse, o certo é que, estando na sua base um negócio desta natureza, cuja existência está o Requerente impossibilitado de demonstrar nesta providência, estará também consequentemente, impossibilitado de proceder à demonstração dessa sua alegada posse, havendo, por consequência, de improceder o presente recurso, e confirmada a decisão recorrida.

Sumário – artigo 663, nº 7, do C.P.C.

I- A prova do pacto simulatório, se invocado entre os simuladores, não pode ser realizada por testemunhas quando o negócio simulado for celebrado por documento autêntico, ou por algum dos documentos particulares mencionados nos arts. 373.° e 379.° e aquele pacto seja invocado pelos simuladores - art. 394°, nº2, do Código Civil.

II- Nestas situações, de invocação do acordo simulatório entre os simuladores, será, no entanto, admissível prova testemunhal da simulação se os factos a provar surgirem, com alguma verosimilhança, em provas escritas, bem como para precisar o sentido e o contexto da declaração negocial – nº 3 do art. 393º do Código Civil.

III- Assim, na inexistência de prova documental, uma vez que o acordo simulatório, quando invocado entre os simuladores, apenas pode ser provado por documento ou por confissão, não será possível efectuar essa prova numa providência cautelar de restituição provisória de posse, bem como, dos restantes pressupostos deste procedimento, designadamente, da posse nesse acordo fundada, por este procedimento não prever a audição prévia do requerido.

IV- DECISÃO.

Pelo exposto, acordam os Juízes desta secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente a apelação e, em consequência, confirmar a decisão recorrida.

Custas pelo Apelante.

Guimarães, 12/ 03/ 2015.

Jorge Teixeira

Manuel Bargado

Helena Melo