Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
522/23.5T8BRG.G1
Relator: PAULO REIS
Descritores: COMPETÊNCIA
OPOSIÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 04/11/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I - Declarada a incompetência absoluta do tribunal, em razão da matéria, e peticionada pela autora a remessa dos autos ao tribunal competente, com aproveitamento dos articulados, nos termos do artigo 99.º, n.º 2 do CPC, as circunstâncias a que o tribunal tem que atender na decisão impugnada são as que relevam para a aferição da existência de oposição justificada dos réus, para o efeito de obstar ao envio do processo para aquele tribunal, o que terá de ser aferido perante as razões ou fundamentos aduzidos no âmbito da mesma oposição.
II - Considera-se fundada a oposição dos réus à remessa do processo para o tribunal competente se estes alegam que a defesa já deduzida pode ser ampliada no novo tribunal, invocando questões processuais e novos meios de defesa que poderão assumir pertinência em sede de jurisdição laboral, considerada competente, não lhes sendo exigível a sua explicitação em detalhe, nem cabendo ao tribunal que se declarou incompetente a apreciação do mérito das exceções enunciadas pelos réus e que estes pretendem concretizar no tribunal competente.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I. Relatório

No Juízo Central Cível de Braga - Juiz ... -, EMP01..., Lda., intentou, em 19-01-2023, ação declarativa com processo comum contra 1. AA e contra 2. BB, pedindo a condenação dos réus a pagar solidariamente à autora a quantia de 188.585,38€, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, decorrente dos prejuízos causados pela perda de clientela e perda de faturação, nos termos alegados, acrescida dos respetivos juros de mora à taxa legal, contados desde a citação da presente ação e até integral pagamento.
Para o efeito alegou: dedica-se à mediação de seguros, com carácter habitual e intuito lucrativo; o 1.º réu exerceu funções de Especialista Operacional, ao serviço da autora durante 26 anos, ao longo dos quais conheceu toda a clientela da autora, tendo acesso aos dados confidenciais e pessoais dos mesmos, bem como as suas técnicas e formas de trabalhar, preços, comissões e caraterísticas do negócio; o 2.º réu exerceu funções de Auxiliar Geral, no período compreendido entre 04 de junho de 2018 a 27 de maio de 2022; ao longo do tempo em que vigorou o contrato de trabalho também conheceu a clientela da autora, tendo acesso aos dados confidenciais e pessoais dos mesmos, bem como as suas técnicas e formas de trabalhar, preços, caraterísticas do negócio e metodologias de organização, de trabalho e técnicas comerciais; sucede que, o 1.º réu denunciou o contrato de trabalho com a autora, tendo começado a trabalhar noutra sociedade que detém igual objeto social, como comercial externo, utilizando claramente meios desleais, designadamente enganando os clientes, pois que afirma que está a trabalhar sozinho e, os clientes por uma questão de solidariedade acabam por aceitar a transferência dos contratos e, bem assim utilizando informação reservada da autora a qual teve acesso exclusivo durante o contrato de trabalho, deixando a autora de auferir qualquer comissão pela mediação dos referidos contratos e, passando a nova entidade patronal do 1.º réu a auferir tal remuneração; por sua vez, o 2.º réu, após a saída do 1.º réu como trabalhador da autora, acedeu a dados pessoais de diversos clientes da autora, com o objetivo de transmitir tais dados para o 1.º réu; a autora constatou que, após o acesso às fichas de vários clientes, estes acabavam por alterar a mediação do seguro; a autora decidiu confrontar o 2.º réu com a alegada transmissão de dados sobre os clientes da autora para o 1.º réu, sendo que o 2.º réu de imediato confessou manter um conluio com o 1.º réu, passando a informação que este lhe solicitava; tendo logo de seguida apresentado a correspondente denúncia do contrato de trabalho; conclui que, face à quebra significativa de faturação evidenciada e, tratando-se de um serviço que os clientes da autora não poderiam prescindir, tal se deve à atuação desleal dos réus que angariam a clientela afeta à autora há imensos anos, sofrendo assim a autora uma forte perturbação na atividade, com quebras significativas na faturação, não restando outra alternativa à autora senão o recurso à via judicial para ser ressarcida do seu prejuízo, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos.
Os réus contestaram, impugnando a matéria alegada; o 2.º réu alega que a denúncia do contrato de trabalho, feita de forma intempestiva, nada teve a ver com algum conluio ou algum plano ou esquema pré combinado nem com as transferências dos seguros, sendo falso o alegado pela autora e carecendo de qualquer fundamento a indemnização peticionada pela autora; por seu turno, o 1.º réu alega que foi apenas porque a autora se recusou a pagar-lhe as comissões de rappel, que há muito lhe eram devidas, que se viu forçado a terminar o vínculo contratual com a autora, sendo que o contacto que este  réu veio posteriormente a ter com os clientes que havia angariado para a autora decorreu da iniciativa dos próprios, que, à semelhança do que era habitual ao longo da relação contratual que com aquela manteve, contactaram-no diretamente para o seu número de telemóvel pessoal, pelo que eventuais situações de perda de contratos de mediação de seguro que a autora possa ter experienciado, em nada se ficaram a dever a uma conduta desleal por parte do réu, mas sim, e apenas, a uma livre escolha por parte dos seus então clientes, pelo que o pedido deverá improceder por falta de fundamento.
Depois de várias incidências processuais foi proferida decisão julgando verificada a exceção dilatória de incompetência absoluta, em razão da matéria, do Juízo Central Cível de Braga - Juiz ... -, por ser a jurisdição laboral a competente para o julgamento da presente questão, absolvendo os réus da instância.
Após veio a autora requerer a remessa dos autos para o Tribunal Judicial da Comarca de Braga - Juízo de Trabalho de ... -, ao abrigo do disposto no artigo 99.º, n.º 2 do Código de Processo Civil (CPC).
Notificados para se pronunciarem sobre a remessa do processo para o Tribunal Judicial da Comarca de Braga - Juízo de Trabalho de ... - ambos os réus vieram deduzir oposição à requerida remessa do processo para o Juízo de Trabalho de ..., alegando o 1.º réu, o seguinte:
«(…)
1. Veio a Autora, notificada da decisão de incompetência material do douto Tribunal e subsequente absolvição dos Réus da instância, ao abrigo do disposto no nº 2 do art. 99º do Código de Processo Civil, requerer a remessa dos presentes autos para o Juízo de Trabalho de ..., com aproveitamento de todos os atos praticados, por entender que seria esse o Tribunal competente.
2. Sucede que, com o devido respeito por opinião distinta, não poderá proceder o pedido da Autora, desde logo e em primeiro lugar, na medida em que o Tribunal para o qual foi requerida a remessa não é o Tribunal competente para tramitar a ação em mãos. Vejamos:
3. Como decorre da petição inicial submetida pela Autora e assim veio resumidamente evidenciado na douta sentença proferida nos presentes autos em 13.12.2023, é base da alegação da Autora que a violação de deveres laborais durante a relação laboral foi efetivada, unicamente, pelo aqui 2º Réu, BB, mais não se fundando os motivos para a demanda do aqui 1º Réu do que numa complementaridade e/ou dependência, motivadora da conexão.  
4. Significa isto, na verdade, que a competência dos Juízos de Trabalho para o conhecimento desta questão decorre, essencialmente, da relação laboral mantida entre a Autora e o 2º Réu.  
5. Sobre este conspecto, é normal geral consagrada no art. 13º do Código de Processo de Trabalho que as ações devem ser propostas no juízo do trabalho do domicílio do Réu.
6. Sem embargo, dispõe o nº 2 do art. 82º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi al a) do nº 2 do art. 1º do CPT, que “se o autor cumular pedidos para cuja apreciação sejam territorialmente competentes diversos tribunais, pode escolher qualquer deles para a propositura da ação, salvo se a competência para apreciar algum dos pedidos depender de algum dos elementos de conexão que permitem o conhecimento oficioso da incompetência relativa; neste caso, a ação é proposta nesse tribunal. “      
7. Significa isto que a competência territorial, nos moldes em que a ação foi elaborada pela Autora, deveria aferir-se em relação ao 2º Réu. 
8. Sucede que, conforme decorre das informações prestadas pela Autora, o 2º Réu exercia a sua atividade profissional em ... e reside na cidade ....  
9. De facto, como decorre do DL nº 49/2014, de 27 de março, o Juízo de Trabalho de ... mantém como área de competência territorial os municípios de ... e ..., enquanto o município ... é abrangido pelo Juízo do Trabalho de Braga.
10. Acresce que, nos termos do nº 2 do art. 99º do Código de Processo Civil ,o pedido de remessa apenas deve ser atendido quando peticionado o envio para o tribunal em que a ação deveria ter sido proposta.    
11. Será isto o mesmo que dizer que, apesar de a Autora ter requerido a remessa dos presentes autos para o Tribunal de Trabalho de ..., constando taxativamente do normativo em vigor que apenas deve verificar-se a remessa caso seja a mesma requerida para o tribunal competente e uma vez que sobre tal juízo não recai a qualidade de tribunal competente, deverá ser indeferido o pedido elaborado pela Autora.  
Subsidiariamente e sem prescindir,
12. Sem embargo de tudo quanto supra ficou expendido - de que, naturalmente, não se prescinde - sempre caberá evidenciar que, em todo o caso, dispõe o normativo em apreço que não deve ocorrer a peticionada remessa quando o Réu apresente oposição justificável.  
13. Nesse sentido, pese embora a mais recente jurisprudência se tenha pronunciado no sentido de não ser exigida uma comprovação exímia e detalhadamente particularizada quanto aos detalhas de tal formulação, poderá a mesma ocorrer de forma sumarizada no presente caso.    
14. Confrontamo-nos, in casu, com a pretensão de remessa do processo para a jurisdição de um tribunal de competência especializada, concretamente para os juízos de trabalho.    
15. Sucede que a remessa dos presentes autos para um juízo de trabalho torna a defesa oportunamente apresentada pelo aqui Réu parca no que concerne à eventual avaliação de matéria que pode vir a ter relevância para a causa. 
16. Isto porque, existindo a possibilidade de os autos passarem a debruçar-se sobre a relação laboral mantida entre a Autora e o aqui 1º Réu, a ser analisada ao crivo das regras de uma relação laboral, sempre ficaria o Réu privado de ver reconhecida a evidente prescrição de que padece a ação contra o mesmo.  
17. De facto, nos termos do disposto no art. 337º do Código do Trabalho, dispõe a entidade empregadora de um prazo de 1 (um) ano após a cessação do contrato de trabalho para exigir judicialmente os créditos que entende manter sobre um antigo trabalhador.  
18. Como decorre da petição inicial, foi a mesma apresentada em 19 de janeiro de 2023, pese embora o contrato de trabalho do aqui Réu cessou em 02 de janeiro de 2022.
19. Ora, não tivesse o aqui Réu sido trabalhador da Autora, independentemente da conduta que o 2º Réu pudesse ter adotado - repudiando-se, a par do que ficou expressamente declarado na contestação apresentada, a alegação da Autora de que o mesmo tenha transmitido informação confidencial ao 1º - nunca teria a presente ação sido contra este intentada. 
 20. Mais sucede que, tivesse a ação sido inicialmente intentada no juízo de trabalho, teria a mesma sido tramitada de forma taxativamente diversa, mantendo num primeiro momento uma audiência de partes, em que os interesses das partes poderiam ter sido compostos e apenas posteriormente se iniciaria uma fase de contestação. 
21. Acresce que, pelo facto de não ter sido intentada junto dos juízos do trabalho, mas nos tribunais cíveis, naturalmente que a relação laboral strictu sensu não foi alvo de concreta pronúncia nos autos, motivado pelo facto de, intentada a ação na jurisdição civil e não na de trabalho, tal fator não manter aparente relevância,
22. circunstância que se verá alterada caso o processo transite, ipsis verbis e intacto, para a jurisdição laboral.
23. Assim, a remessa dos presentes autos para o juízo de trabalho, atento o facto de terem já sido apresentado todos os articulados admissíveis, traduzir-se-ia na impossibilidade de o aqui Réu trazer à colação informações como a supra evidenciada, concretamente materializada na prescrição do direito de ação da Autora contra si,
24. circunstância que materializa motivo justificável e atendível para a oposição à pretendida remessa.
Termos em que, - deve ser indeferido o pedido da Autora de remessa dos presentes autos para o Juízo de Trabalho de ...».
Por seu turno, o 2.º réu alegou o seguinte:
«(…)
1. A Autora mediante requerimento apresentado em 19/12/2023 vem requerer que nos termos do n.º 2 do artigo 99.º do Código de Processo Civil, a remessa dos autos para o tribunal competente, que neste caso será o Tribunal Judicial da Comarca de Braga - Juízo Local de Trabalho de ..., aproveitando todos os articulados.  
2. Ora, o aqui réu não pode aceitar tal pedido, por determinar uma restrição das garantias, em virtude de a defesa já deduzida não tenha contemplado a alegação de questões próprias e específicas da jurisdição do tribunal competente ou de outras questões que só nesta assumam pertinência, pelo que vem se opor:  
3. A Remessa agora requerida levanta questões determinantes que não se colocaram nos presente autos, e que num processo no tribunal de trabalho, aplicando-se toda a legislação laboral, seriam colocados em sede de defesa, tais como:
Competência Territorial:  
4. Conforme o alegado pela Autora no artigo 8 da sua Petição Inicial “Sendo, a Autora amplamente conhecida nos concelhos ... e ..., onde detém uma filial, e também nos concelhos limítrofes, celebrando contratos de seguro nas mais variadas áreas existentes
5. O Réu BB foi contratado para trabalhar na filial em ..., e reside em ..., 
6. O Réu AA foi contratado para trabalhar em ... e reside em ....  
7. Ora, nos termos do artigo 13 do Código De Processo de Trabalho a regra geral é que as ações devem ser propostas no juízo do trabalho do domicílio do réu.
8. O Juízo do trabalho de ... tem como área de competência territorial os municípios de ... e ....
9. O Juízo do trabalho de Braga tem como área de competência territorial: os municípios de ..., ..., ..., ..., ... e ....
10. Desde logo coloca-se a questão de saber qual o tribunal territorialmente competente, ... ou ....
11. Questão que não era necessária suscitar neste processo, mas perante o requerido pela Autora, torna-se relevante. 
Aplicação do Código De Trabalho
12. Se este processo for apreciado em sede de tribunal de trabalho a legislação aplicada será a laboral, o que levanta questões de direito que não eram necessárias levantar neste processo cível. Nomeadamente:  
Prescrição dos créditos salariais:  
13. O direito de indemnização da autora a exercer contra os antigos trabalhadores com base em condutas que consubstanciam concorrência desleal, prescreve decorrido um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessaram os contratos de trabalho (artigo 337 CT).    
14. Tal como estabelecido, pelo o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães processo 1071/21.1T8BRG.G1 de 31-03-2022,   
15. O prazo de prescrição estabelecido pela lei substantiva laboral é de um ano e abrange todos os “créditos”, quer do trabalhador, quer do empregador, que tenham origem na relação contratual de trabalho (art. 337, Código de Trabalho) 
16. O crédito de empregador ou de trabalhador emergente de contrato de trabalho, da sua violação ou cessação prescreve decorrido um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho.
17. A lei submete, pois, a tratamento uniforme o instituto da prescrição de direitos a exercer com base na relação laboral, havendo similitude entre os sujeitos laborais.
18. A contagem do prazo de prescrição inicia-se com o termo dos contratos de trabalho e não com o conhecimento das condutas “ilícitas”
19. Ora, tal questão fundamental é essencial a boa decisão da causa, não foi levantada por nenhum dos réus, porque, que não se aplicava o Código de Trabalho, mas sim a lei geral   

Caracterização da relação laboral:    
20. Ao correr os seus termos no Juízo do Trabalho De ..., uma questão essencial será a caracterização da relação laboral, nomeadamente:
21. O tipo de contrato de trabalho, se a termo certo, sem termo etc.., qual as funções inerentes a categoria profissional dos Réus, o âmbito territorial do exercício das suas funções, qual o tipo de dados tinha acesso, com seria acesso, se existia alguma clausula de proibição de concorrência prevista no contrato de trabalho etc..
22. Inclusive, o simples facto de alegar uma relação laboral não significa que existe.    
23. Pois, podemos estar perante um contrato de prestação de serviço, se nestes autos é irrelevante, que estejamos perante um contrato de trabalho ou de prestação de serviços, os autos a correr os seus termos no Juízo do trabalho de ... tal caracterização poderá ser essencial a boa decisão da causa,
24. Todas estas questões só são pertinentes se estamos no processo de trabalho a correr termos no tribunal de trabalho e nunca foram invocadas pelos réus.   
25. Ou seja, por haver remessa para o tribunal de trabalho, existem questões que não foram colocados pelos réus neste processo cível por não haver base legal, nem se mostrarem pertinentes.
26. Mas a partir do momento que este processo é remetido para o foro laboral, com aplicação do Código de Processo de Trabalho e do Código de Trabalho, tornam-se essenciais e, relevantes.
27. Sendo que a sua não invocação constitui uma grave violação dos direitos de defesa.
28. Pelo exposto, estamos perante uma clara restrição das garantias de defesa, por a defesa já deduzida não tenha contemplado a alegação de questões próprias e específicas da jurisdição do tribunal competente e de outras questões que só nesta assumam pertinência.  
Termos em que o Réu vem se opor a remessa dos autos para o tribunal competente, que neste caso será o Tribunal Judicial da Comarca de Braga - Juízo Local de Trabalho de ..., em virtude de constituir uma restrição das garantias e a defesa já deduzida não tenha contemplado a alegação de questões próprias e específicas da jurisdição do tribunal competente ou de outras questões que só nesta assumam pertinência».
Após, proferiu-se despacho, indeferindo a requerida remessa, com a decisão que se transcreve:
«Requerimento de 19-12, 22-1 e 24-1:
Nos termos do art. 99.º, n.º 2, do CPC, se a incompetência for decretada depois de findos os articulados, podem estes aproveitar-se desde que o autor requeira, no prazo de 10 dias a contar do trânsito em julgado da decisão, a remessa do processo ao tribunal em que a acção deveria ter sido proposta, não oferecendo o réu oposição justificada.
Um dos réus, notificado para o efeito, deduziu oposição ao pedido de remessa da autora. Alega, em síntese, aquele questões relacionadas com a competência territorial e, por outro lado, com a caracterização da relação laboral e a prescrição de créditos salariais. Isto é, opõe-se, pois caso a acção tivesse sido invocada num tribunal do trabalho, em princípio, a sua defesa seria diferente.
Cumpre apreciar e decidir.
A nosso ver, a oposição deste réu afigura-se justificada para efeitos desta norma. Como se vem decidindo, não se exige uma comprovação segura e cabal das razões ou dos motivos invocados para justificar a oposição à remessa do processo ao tribunal materialmente competente, devem ser invocados motivos concretos para justificar a oposição e os mesmos devem ser verosímeis - assim Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, processo n.º 30/22.1T8PVZ.P1, de 27-03-2023. No mesmo sentido Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, processo n.º 1021/16.7T8GRD-A.C1.S1, de 15-01-2019: Ainda que a remessa não exija o acordo do réu, deverá ser recusada se se verificar, segundo um juízo de verosimilhança que a sua oposição é justificada, designadamente quando que se verificar que não invocou meios de defesa que apenas se justificariam se acaso tivesse sido demandado no Tribunal materialmente competente. O ónus de esgotamento dos meios de defesa previsto no art. 573º, nº 1, do CPC, deve ser apreciado em função das normas de direito adjetivo e de direito material que rodeiam a ação, não envolvendo necessariamente aqueles que apenas se justificariam numa ação que tivesse sido instaurada no Tribunal materialmente competente. Deve ser recusada a remessa quando o R. alega que, pelo facto de a ação ter sido instaurada em Tribunal Judicial que foi declarado materialmente incompetente, deixou de deduzir meios de defesa sustentados em normas de direito público ou do processo administrativo que suscitaria se acaso a ação tivesse sido instaurada em Tribunal Administrativo.
Assim, tendo em conta estas directrizes interpretativas, face ao teor da oposição do réu, a nosso ver, afigura-se que, não tanto a questão da competência territorial, mas as demais são minimamente fundadas e admissíveis. Para além do mais, justifica-se que as mesmas não tenham sido aqui esgrimidas.
Pelo exposto, indefiro a remessa nos termos do art. 99.º, n.º 2, do CPC».
Desta decisão recorre a autora, requerendo a revogação do despacho recorrido e a sua substituição por outro que decida pela remessa dos presentes autos para o tribunal competente, com as legais consequências e, caso assim não se entenda, e caso seja possível o deferimento parcial da remessa dos autos para o tribunal competente, com a remessa da petição inicial, dando a possibilidade aos réus de deduzirem nova contestação, ou ser dado um convite ao aperfeiçoamento dos articulados das contestações.

Termina as alegações com as seguintes conclusões (que se transcrevem):

«1. Foi proferida a seguinte sentença pelo Tribunal recorrido:
Pelo exposto, julgo verificada a excepção dilatória de incompetência material, declarando o presente tribunal incompetente em razão da matéria para a apreciação da presente acção e, consequentemente, absolvo da instância os réus.
2. Decidindo este Tribunal por verificar a excepção dilatória de incompetência material, absolvendo consequentemente os Réus da instância.  
3. Nessa sequência, e tempestivamente a Autora lançou mão do mecanismo previsto no artigo 99.º, n.º2 do Código de Processo Civil, requerendo a remessa dos presentes autos, com aproveitamento dos atos já praticados, para o tribunal competente.
4. Sucede que, este Tribunal proferiu o seguinte despacho, do qual se recorre: Pelo exposto, indefiro a remessa nos termos do art. 99.º, n.º 2, do CPC.  
5. Ou seja, este Tribunal decidiu indeferir a remessa dos presentes autos para o Tribunal que alegadamente seria competente.
6. No entanto, não podemos concordar com esta posição.
7. No despacho recorrido o Tribunal decidiu indeferir a remessa para o Tribunal competente, alegando, que os Réus deduziram fundada oposição.     
8. Sucede que, desde logo o despacho recorrido padece de falta de fundamentação.
9. Na verdade, como é fácil de constatar o referido despacho apenas limita-se a afirmar que os argumentos de oposição deduzidos pelos Réus são admissíveis, sem mais, ou seja, nem sequer fundamenta ou justifica o motivo dessa mesma conclusão.
10. Assim, mais uma vez, o Tribunal recorrido teima em não fundamentar a sua decisão, o que deveria ter feito.
11. Pelo exposto, entendemos que a DECISÃO RECORRIDA É NULA por violação do disposto no artigo 205.º, n. º 1 da Constituição da República Portuguesa e nos artigos 154.º e 615.º n.º 1, al. b) do Código de Processo Civil.   
12. A isto acresce que, alegam as partes que a defesa seria diferente se apresentada num tribunal de trabalho, concretamente devido à caraterização da relação laboral e prescrição de créditos salariais.
13. No entanto, parece-nos que os argumentos aduzidos não poderão colher, porquanto aquando da entrada em juízo da ação já nem existia qualquer relação laboral entre as partes e, o prazo de prescrição dos créditos laborais não pode ser aplicado aos factos alegados na petição inicial. Em suma, alegando que a sua defesa ficaria prejudicada. 
14. O artigo 99 n.º 2 do CPC ao permitir a remessa do processo, na fase dos articulados, para o tribunal considerado competente por decisão transitada em julgado do tribunal que declarou a sua incompetência absoluta para conhecer da ação que lhe foi proposta visa, essencialmente, aproveitar atos processuais por razões de economia e celeridades processuais e garantir o direito de defesa dos oponentes à remessa.    
15. Assim, é necessário um juízo de valor sobre os motivos apresentados pelos oponentes à remessa do processo para o tribunal considerado competente. E o tribunal, para julgar da relevância dos fundamentos no sentido da diminuição das garantias de defesa terá de conhecer, em concreto, dos meios de defesa que os oponentes apresentariam no novo tribunal, que não puderam usar no tribunal declarado incompetente. Não basta alegar as possibilidades de defesa, em abstrato, atenta a natureza do processo laboral, como o fizeram os Réus.   
16. A esse respeito, José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, anotando o artigo 99º do CPC, explicitam:
“O nº 2 constitui manifestação do princípio da economia processual, na vertente da economia de atos e formalidades. Decretada a incompetência depois de findos os articulados, podem estes aproveitar-se se o autor requerer a remessa do processo para o tribunal competente e o réu não se opuser de modo justificado.     
 17. Mas, para que «a oposição da ré à remessa do processo ao tribunal em que a acção deveria ter sido proposta seja eficaz, é indispensável, pois, que tal oposição seja justificada, não bastando uma oposição pura e simples, ou seja, imotivada»
18. Assim julgamos que a oposição não é justificada como o decidiu o tribunal recorrido, como resulta dos fundamentos aí invocados. 
19. O tribunal recorrido ao não decidir pelo deferimento da remessa dos presentes autos para o tribunal competente violou o disposto no artigo 99.º, n.º 2 do Código de Processo Civil.
20. Por tudo acima exposto, deve o presente recurso ser julgado procedente e o despacho recorrido ser revogado e substituído por outro que decida pelo deferimento dos presentes autos para o tribunal competente, com as legais consequências daí advenientes.
21. Caso assim não se entenda, e caso seja possível o deferimento parcial da remessa dos autos para o tribunal competente, com a remessa da petição inicial, dando a possibilidade aos Réus de deduzirem nova contestação, ou ser dado um convite ao aperfeiçoamento dos articulados das Contestações.   
Nestes termos, e nos melhores de direito, deve o presente recurso ser julgado procedente e o despacho recorrido ser revogado e substituído por outro que decida pelo deferimento dos presentes autos para o tribunal competente com as legais consequências daí advenientes».
Ambos os réus apresentaram contra-alegações, defendendo a manutenção do decidido.
O Tribunal a quo proferiu o despacho previsto nos artigos 617.º, n.º 1, e 641.º, n.º 1, do CPC, entendendo não padecer a decisão recorrida de qualquer nulidade.
O recurso foi admitido como apelação, para subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito devolutivo.
Os autos foram remetidos a este Tribunal da Relação de Guimarães, confirmando-se a admissão do recurso nos mesmos termos.

II. Delimitação do objeto do recurso

Face às conclusões das alegações da recorrente e sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso - artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do CPC -, importa aferir:
 a) se a decisão recorrida é nula por falta de fundamentação;
b) se a oposição manifestada pelos réus à remessa dos autos ao Tribunal materialmente competente se deve considerar justificada, nos termos previstos no artigo 99.º, n.º 2 do CPC, para o efeito de obstar ao envio do processo para aquele Tribunal, conforme entendeu o Tribunal a quo na decisão recorrida.
Corridos os vistos, cumpre decidir.

III. Fundamentação

1. Os factos
1.1. Os factos, as ocorrências e elementos processuais a considerar na decisão deste recurso são os que já constam do relatório enunciado em I. supra.

2. Apreciação sobre o objeto do recurso
2.1. Da nulidade da decisão recorrida
Nas alegações da apelação a recorrente invoca a nulidade da decisão recorrida, sustentando que a mesma padece de falta de fundamentação, pois se limita a afirmar que os argumentos de oposição deduzidos pelos réus são admissíveis, sem mais, nem sequer fundamentando ou justificando o motivo dessa mesma conclusão.
As causas de nulidade da sentença encontram-se previstas no n.º 1 do artigo 615.º do CPC, nos termos do qual é nula a sentença quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.
O vício imputado pela recorrente à decisão recorrida é suscetível de consubstanciar a causa de nulidade da sentença prevista no n.º 1, al. b), do citado preceito - aplicável aos despachos por força do artigo 613.º, n.º 3, do mesmo diploma -, que está diretamente relacionada com a violação do preceituado no artigo 154.º do CPC, impondo ao juiz o dever de fundamentar as decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo (n.º 1), sendo que a justificação não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição, salvo quando, tratando-se de despacho interlocutório, a contraparte não tenha apresentado oposição ao pedido e o caso seja de manifesta simplicidade (n.º 2).
O aludido artigo 154.º do CPC está em consonância com o artigo 205.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa o qual prevê que as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei.
A generalidade da doutrina e da jurisprudência vem sustentando que só a falta absoluta de fundamentação, entendida como a total ausência de indicação dos fundamentos de facto ou de direito, gera a nulidade prevista na al. b), do n.º 1 do citado artigo 615.º do CPC, não se verificando perante uma fundamentação meramente deficiente, incompleta, não convincente[1].
Assim, existe falta de fundamentação de facto da sentença, gerando a nulidade desta, nos casos em que a sentença não exibe os factos em se baseia a solução jurídica levada à decisão. Se da sentença constam os factos a que a decisão fez aplicação do direito, não falta aquela fundamentação nem a sentença é nula[2].
A este propósito, importa salientar que a enunciação dos factos provados deve ser adequada às circunstâncias e exigências do caso, tendo em conta designadamente as virtualidades que decorram de uma maior concentração da factualidade apurada ou de uma maior discriminação ou pormenorização que, além de antecipar a resolução de problemas de integração jurídica, possa ainda obviar a eventuais impugnações sustentadas em argumentos de pendor formal em redor da delimitação do que constitui matéria de facto ou matéria de direito[3].
Revertendo ao caso em apreciação, facilmente se verifica que o Tribunal recorrido enunciou os fundamentos que determinaram o sentido e alcance da decisão impugnada, tomando por referência as concretas incidências resultantes dos autos.
Com efeito, a decisão impugnada aludiu aos motivos invocados para justificar a oposição à remessa do processo ao tribunal materialmente competente, o que decorre de forma expressa da fundamentação da decisão recorrida, enunciando desde logo que foram alegadas por um dos réus, questões relacionadas com a competência territorial e, por outro lado, com a caracterização da relação laboral e a prescrição de créditos salariais. Isto é, opõe-se, pois caso a ação tivesse sido invocada num tribunal do trabalho, em princípio, a sua defesa seria diferente.
Ora, as circunstâncias a que o Tribunal tem que atender na decisão impugnada são as que relevam para a aferição da (in)existência de oposição justificada dos réus, o que terá de ser aferido perante as razões ou fundamentos aduzidos no âmbito da oposição apresentada no caso concreto em apreciação.
Por outro lado, o Tribunal recorrido enunciou a concreta norma legal que considerou aplicável à questão em apreciação, interpretando tal normativo à luz do entendimento jurisprudencial que sufragou, com alusão expressa a determinadas decisões jurisprudenciais que citou.
Nestes termos, é manifesto que não ocorre a invocada nulidade, por falta de fundamentação, posto que a análise da decisão recorrida permite a imediata e exigível compreensão e apreensão das circunstâncias que considerou relevantes para a aferição da existência de oposição justificada dos réus para o efeito de obstar ao envio do processo para o Tribunal competente em razão da matéria, nos termos previstos no artigo 99.º, n.º 2 do CPC.
Aliás, a autora/recorrente denota estar ciente de tais fundamentos pois alude aos mesmos em sede de alegações, sustentando que os argumentos aduzidos na oposição apresentada pelos réus não poderão colher porquanto, aquando da entrada em juízo da ação já nem existia qualquer relação laboral entre as partes e, o prazo de prescrição dos créditos laborais não pode ser aplicado aos factos alegados na petição inicial - cf. as conclusões 12.ª e 13.ª das alegações.
Pelo exposto, cumpre concluir que a decisão recorrida não padece da nulidade invocada, nem de qualquer outra que cumpra verificar ou declarar, pois são suficientemente percetíveis os elementos em que se baseou para indeferir a requerida remessa dos autos para o Tribunal competente, improcedendo, nesta parte, a apelação.

2.2. Na presente apelação importa apreciar e decidir se a oposição manifestada pelos réus à remessa dos autos ao Tribunal materialmente competente se deve considerar justificada para o efeito de obstar ao envio do processo para aquele Tribunal, conforme entendeu o Tribunal a quo na decisão recorrida, nos termos previstos no artigo 99.º, n.º 2 do CPC, enunciando, para o efeito, os seguintes fundamentos:
«(…)
Nos termos do art. 99.º, n.º 2, do CPC, se a incompetência for decretada depois de findos os articulados, podem estes aproveitar-se desde que o autor requeira, no prazo de 10 dias a contar do trânsito em julgado da decisão, a remessa do processo ao tribunal em que a acção deveria ter sido proposta, não oferecendo o réu oposição justificada.
Um dos réus, notificado para o efeito, deduziu oposição ao pedido de remessa da autora. Alega, em síntese, aquele questões relacionadas com a competência territorial e, por outro lado, com a caracterização da relação laboral e a prescrição de créditos salariais. Isto é, opõe-se, pois caso a acção tivesse sido invocada num tribunal do trabalho, em princípio, a sua defesa seria diferente.
Cumpre apreciar e decidir.
A nosso ver, a oposição deste réu afigura-se justificada para efeitos desta norma. Como se vem decidindo, não se exige uma comprovação segura e cabal das razões ou dos motivos invocados para justificar a oposição à remessa do processo ao tribunal materialmente competente, devem ser invocados motivos concretos para justificar a oposição e os mesmos devem ser verosímeis - assim Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, processo n.º 30/22.1T8PVZ.P1, de 27-03-2023. No mesmo sentido Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, processo n.º 1021/16.7T8GRD-A.C1.S1, de 15-01-2019: Ainda que a remessa não exija o acordo do réu, deverá ser recusada se se verificar, segundo um juízo de verosimilhança que a sua oposição é justificada, designadamente quando que se verificar que não invocou meios de defesa que apenas se justificariam se acaso tivesse sido demandado no Tribunal materialmente competente. O ónus de esgotamento dos meios de defesa previsto no art. 573º, nº 1, do CPC, deve ser apreciado em função das normas de direito adjetivo e de direito material que rodeiam a ação, não envolvendo necessariamente aqueles que apenas se justificariam numa ação que tivesse sido instaurada no Tribunal materialmente competente. Deve ser recusada a remessa quando o R. alega que, pelo facto de a ação ter sido instaurada em Tribunal Judicial que foi declarado materialmente incompetente, deixou de deduzir meios de defesa sustentados em normas de direito público ou do processo administrativo que suscitaria se acaso a ação tivesse sido instaurada em Tribunal Administrativo.
Assim, tendo em conta estas directrizes interpretativas, face ao teor da oposição do réu, a nosso ver, afigura-se que, não tanto a questão da competência territorial, mas as demais são minimamente fundadas e admissíveis. Para além do mais, justifica-se que as mesmas não tenham sido aqui esgrimidas.
Pelo exposto, indefiro a remessa nos termos do art. 99.º, n.º 2, do CPC».

O artigo 99.º do CPC, com a epígrafe Efeito da incompetência absoluta, dispõe o seguinte:
1 - A verificação da incompetência absoluta implica a absolvição do réu da instância ou o indeferimento em despacho liminar, quando o processo o comportar.
2 - Se a incompetência for decretada depois de findos os articulados, podem estes aproveitar-se desde que o autor requeira, no prazo de 10 dias a contar do trânsito em julgado da decisão, a remessa do processo ao tribunal em que a ação deveria ter sido proposta, não oferecendo o réu oposição justificada.
3 - Não se aplica o disposto no número anterior nos casos de violação de pacto privativo de jurisdição e de preterição do tribunal arbitral.

Tal como salientam José Lebre de Freitas/Isabel Alexandre[4], em anotação ao artigo  em referência, o n.º 2 do enunciado preceito legal «constituiu manifestação do princípio da economia processual, na vertente da economia de atos e formalidades processuais. Decretada a incompetência depois de findos os articulados, podem estes aproveitar-se se o autor requerer a remessa do processo para o tribunal competente e o réu não se opuser, ou não se opuser de modo justificado.
No correspondente n.º 2 do art. 105 do CPC de 1965, o aproveitamento dos articulados só se fazia mediante o acordo de autor e réu. O anteprojeto da Comissão contentava-se com o requerimento do autor apresentado dentro dos 30 dias posteriores ao trânsito em julgado da decisão, ao qual o réu não se podia opor. O projeto da Comissão reduziu o prazo para 10 dias e a Proposta de Lei admitiu a oposição do réu, acolhendo parecer do Conselho Superior da Magistratura e da Associação Sindical dos Juízes Portugueses, com o que se fixou a redação desse número. Essa oposição tem de ser justificada, o que se harmoniza com o direito de defesa e o princípio da economia processual: será injustificada se, na contestação, o réu utilizou todos os meios que lhe seriam proporcionados se a ação tivesse sido proposta no tribunal competente; é discutível se continuará a sê-lo se o réu não utilizou todos esses meios, embora os pudesse utilizar (…)».
Porém, na densificação do conceito indeterminado de «não oferecendo o réu oposição justificada», é possível observar na jurisprudência diversas amplitudes na ponderação dos argumentos que poderão relevar para o efeito de obstar ao envio do processo para o Tribunal materialmente competente.
Assim, segundo uma interpretação mais restritiva, refere-se no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 27-03-2023[5]: «a necessidade de justificação da oposição à remessa para o tribunal competente aponta no sentido da necessidade de uma fundamentação, ainda que com um menor grau de exigência, segurança e certeza do que a requerida em sede de fundamentação de qualquer pretensão em geral, porventura com um grau de exigência similar ao da necessidade de justificação do receio de lesão do direito acautelado no domínio dos procedimentos cautelares (veja-se o nº 1 do artigo 365º do Código de Processo Civil).
Por isso, ainda que não se requeira uma comprovação segura e cabal das razões ou dos motivos invocados para justificar a oposição à remessa do processo ao tribunal materialmente competente, a nosso ver, devem ser invocados motivos concretos para justificar a oposição e os mesmos devem ser verosímeis».
 De acordo com uma perspetiva mais permissiva, «a justificação da oposição do réu ao envio do processo para o tribunal considerado competente basta-se, para ser eficaz, com a invocação de razão plausível, indiciadora de que se a acção tivesse sido interposta, originariamente nesse tribunal, o réu teria invocado outros argumentos de defesa, referindo-os de forma genérica»[6].
Em defesa deste entendimento, refere-se neste último aresto: «da análise que se fez, vimos os antecedentes legislativos da norma e verificámos que a remessa, até 2013, sempre dependeu do acordo do réu e concluímos que esse acordo se destinava a salvaguardar a posição do réu perante a eventualidade de ser julgado na nova jurisdição, garantindo-lhe o direito à defesa efectiva. E o réu nunca teve de justificar a sua não concordância, bastava-lhe não concordar.
Vimos as circunstâncias em que surgiu a norma de 2013 e o porquê do legislador “acrescentar” a referência à justificação da oposição: continuou a ter-se em vista a necessidade de salvaguardar ao réu o direito à defesa efectiva.
Mais se verificou que a razão de ser do preceito, desde sempre, está relacionada com o princípio da economia processual. Mas, face à faculdade conferida ao réu de se opor ao aproveitamento processual dos articulados, percebe-se que o princípio da salvaguarda do direito efectivo à defesa se sobrepõe ao princípio da economia processual.
Compreende-se porquê: o direito de acção do autor está sempre assegurado, mesmo que o réu se oponha à remessa do processo para o tribunal considerado competente: basta-lhe propor nova acção no tribunal para onde queria o envio do processo.
Já a posição do réu, se não se lhe permitisse a faculdade de oposição ao envio, poderia estar irremediavelmente comprometida e condenada ao fracasso no novo tribunal, com as consequências daí advenientes.
Recorde-se ainda a advertência inicial: para este tribunal é irrelevante quais são os concretos fundamentos de defesa do réu perante o tribunal considerado competente.
Portanto e perante o exposto: somos a entender que a justificação da oposição do réu ao envio do processo para o tribunal considerado competente se basta, para ser eficaz, com a invocação de razão plausível, indiciadora de que se a acção tivesse sido interposta, originariamente, nesse tribunal, o réu teria invocado outros argumentos de defesa, referindo-os de forma genérica».
Perfilhando idêntico entendimento, a propósito da interpretação do disposto no artigo 99.º, n.º 2 do CPC, refere-se no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 01-06-2015[7]: « Para que o tribunal indefira o pedido do autor basta que o réu invoque alguma razão plausível para se opor à remessa, sem carecer de a especificar em pormenor, desde que mostre não se tratar de um caso de oposição arbitrária.
(…)
Por outro lado, como se disse, o tribunal que se declarou incompetente não deve apreciar o mérito da pretensão enunciada pelo réu e que este pretende concretizar no tribunal competente»[8].
Conforme se refere no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 11-10-2017[9], “ao admitir a oposição do réu, o regime processual civil denota que a remessa do processo para o tribunal competente poderá prejudicar o réu, razão pela qual impõe a sua audição, mas se a anterior instância se extingue e a remessa do processo ao tribunal declarado materialmente competente é benefício para o autor, parece aceitável que o réu comece de novo, com uma outra contestação e uma defesa diversa. Donde se venha entendendo que o indeferimento do pedido do Autor no sentido da remessa do processo ao tribunal materialmente competente se basta com a invocação pelo Réu de «alguma razão plausível para se opor à remessa, sem carecer de a especificar em pormenor, desde que mostre não se tratar de um caso de oposição arbitrária».
Ainda assim, parece-nos razoável que a oposição do Réu à remessa seja justificada, baseada em motivo atendível, designadamente quando tenha desconsiderado linhas de defesa que, sendo relevantes na jurisdição afirmada como competente, foram silenciadas no primeiro processo atendendo à sua natureza e tramitação. Por isso, afigura-se-nos sem carga decisiva a simples alegação de diferenças de tramitação nas duas jurisdições se a primeira defesa apresentada pelo Réu contra a pretensão do Autor pode ser feita valer, fundamentalmente nos mesmos termos, na tramitação a observar no Tribunal declarado competente»”.
Ainda a propósito da interpretação do conceito de oposição justificada, para efeito do disposto no artigo 99.º, n.º 2 do CPC, a jurisprudência que julgamos representativa vem decidindo que o réu terá fundadas razões para se opor à remessa do processo ao tribunal em que a ação deveria ter sido proposta sempre que a defesa já deduzida possa ser ampliada no novo tribunal, suscitando questões que só naquela jurisdição assumem pertinência[10].
Assim, se o réu, na sua oposição à remessa, invoca pretender, na nova ação, alargar os seus meios de defesa - mediante a dedução de nova matéria de exceção - e deduzir reconvenção, a caber na esfera de competência do tribunal onde correrá termos a nova ação, o que lhe seria vedado, por preclusão, em caso de aproveitamento da contestação deduzida na ação extinta, então deve considerar-se haver oposição justificada, por estar em causa o exercício pleno do direito de defesa na nova ação judicial[11].
Feito este enquadramento, entendemos que o Tribunal recorrido fez uma correta ponderação das concretas incidências processuais que o processo revela, à luz dos critérios legais aplicáveis e do entendimento doutrinário e jurisprudencial que também sufragamos.
Assim, na situação em análise verifica-se que os réus fundamentaram a oposição à remessa dos autos na circunstância de pretenderem alegar no tribunal materialmente competente a exceção de incompetência territorial e, por outro lado, questões relacionadas com a caracterização da relação laboral e a prescrição do direito invocado pela autora, nos termos do disposto no artigo 337.º do Código do Trabalho, do que resulta que pretendem ampliar a sua defesa na nova instância, suscitando questões processuais e novos meios de defesa que poderão assumir pertinência em sede de Jurisdição laboral.
Tanto basta para que se considere fundada a oposição dos réus à remessa do processo para o tribunal competente, posto não lhes ser exigível a sua explicitação em detalhe, nem caber ao tribunal que se declarou incompetente a apreciação do mérito das exceções enunciadas pelos réus e que estes pretendem concretizar no tribunal competente.
Como tal, a oposição dos réus mostra-se justificada para efeitos do disposto no n.º 2 do artigo 99.º do CPC, o que impede a remessa do processo ao Tribunal competente.
A título subsidiário, a recorrente pugna pelo deferimento parcial da remessa dos autos para o tribunal competente, com a remessa da petição inicial, dando a possibilidade aos réus de deduzirem nova contestação, ou ser dado um convite ao aperfeiçoamento dos articulados das contestações, pretensão que formula em sede de alegações de recurso.
Trata-se de pretensão que não foi oportunamente formulada pela ora recorrente, posto que esta se limitou a requerer a remessa dos autos para o Tribunal Judicial da Comarca de Braga - Juízo de Trabalho de ... - ao abrigo do disposto no artigo 99.º, n.º 2 do CPC, razão pela qual o Tribunal recorrido não a ponderou.
Deste modo, de acordo com o princípio da preclusão e destinando-se os recursos à impugnação das decisões judiciais, nos termos do disposto no artigo 627.º, n.º 1 do CPC, resulta manifesto que tal questão não pode ser suscitada no recurso de apelação que visa reapreciar a decisão impugnada e não criar decisões sobre matéria nova.
Conforme saliente Abrantes Geraldes[12], «[n]a fase de recurso, as partes e o tribunal superior devem partir do pressuposto de que a questão já foi objecto de decisão, tratando-se apenas de apreciar a sua manutenção, alteração ou revogação. Por outro lado, a demanda do tribunal superior está circunscrita às questões já submetidas ao tribunal de categoria inferior, sem prejuízo da possibilidade de se suscitarem ou de serem apreciadas questões de conhecimento oficioso, como a inconstitucionalidade de normas, a nulidade dos contratos, o abuso de direito ou a caducidade em matéria de direitos indisponíveis, relativamente às quais existam nos autos elementos de facto».
Por conseguinte, tratando-se de questão só agora suscitada pela recorrente em sede de alegações de recurso, não constitui matéria a apreciar por este Tribunal pois que não foi suscitada no momento próprio perante a 1.ª instância, não foi apreciada por esta, nem é de conhecimento oficioso.
De qualquer modo, o regime atualmente em vigor veio consagrar de forma clara e inequívoca que, a consequência da oposição justificada a um pedido de remessa dos autos ao tribunal materialmente competente após o trânsito em julgado da decisão de incompetência material do tribunal, apenas pode ser o indeferimento total da remessa dos autos e não o deferimento da remessa com decisão de limitação do âmbito dos articulados a aproveitar, pelo que o  tribunal, perante oposição justificada do réu, não pode deferir a tal remessa decidindo que a mesma se faz com aproveitamento apenas da petição inicial[13].
Daí que a decisão recorrida não mereça censura, pois fez uma correta interpretação das determinações legais e dos princípios aplicáveis.
Como tal, improcedem integralmente as conclusões da apelação.
Tal como resulta da regra enunciada no artigo 527.º, n.º 1, do CPC, a responsabilidade por custas assenta num critério de causalidade, segundo o qual, as custas devem ser suportadas, em regra, pela parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento, pela parte que tirou proveito do processo. Neste domínio, esclarece o n.º 2 do citado preceito, entende-se que dá causa às custas a parte vencida, na proporção em que o for. 
No caso em apreciação, como a apelação foi julgada improcedente, as custas da apelação são integralmente da responsabilidade da recorrente, atento o seu decaimento.

IV. Decisão

Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação, assim confirmando a decisão recorrida.
Custas da apelação pelo recorrente.
Guimarães, 11 de abril de 2024
(Acórdão assinado digitalmente)

Paulo Reis (Juiz Desembargador - relator)
Alexandra Rolim Mendes (Juíza Desembargadora - 1.º adjunto)
Ana Cristina Duarte (Juíza Desembargadora - 2.º adjunto)



[1] Neste sentido, cf. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, Reimpressão, Coimbra, Coimbra Editora, 1984, p. 140; Lebre de Freitas-Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2.º, 3.ª edição, Coimbra, Almedina, p. 736; na Jurisprudência cf. por todos, o Ac. STJ de 02-06-2016 (relator: Fernanda Isabel Pereira), proferido na revista n.º 781/11.6TBMTJ.L1. S1 - 7.ª Secção, acessível em www.dgsi.pt.
[2] Cf. o Ac. TRP de 05-03-2015 (relator Aristides Rodrigues de Almeida), p. n.º 1644/11.0TMPRT-A. P1, disponível em www.dgsi.pt.
[3] Cf. António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Coimbra, Almedina, 2018, p. 720.
[4] Código de Processo Civil Anotado, 1.º Volume, 4ª edição, Coimbra, Almedina, 2018, p. 229.
[5] Relator Carlos Gil, p.30/22.1T8PVZ.P1, acessível em www.dgsi.pt.
[6] Cf. o Ac. TRL de 25-10-2018 (relator: Adeodato Brotas), p. 20071/16.7T8LSB.L1-6, disponível em www.dgsi.pt.
[7] Relator Alberto Ruço, p. 1327/11.1TBAMT-B. P1, disponível em www.dgsi.pt.
[8] Em sentido idêntico, cf., entre outros, os Acs. TRG de 19-05-2022 (relatora: Anizabel Sousa Pereira), p. 704/21.4T8FAF-A. G1; de 23-11-2017 (relator: Alcides Rodrigues), p. 2089/16.1T8GRM.G1, disponível em www.dgsi.pt.
[9] Relatora Maria Cecília Agante, p. 1974/16.5T8PNF-A. P1, disponível em www.dgsi.pt.
[10] Cf. o Ac. TRC de 12-02-2015 (relator: António Carvalho Martins), p. 141591/13.3YIPRT.A.C1, disponível em www.dgsi.pt.
[11] Neste sentido, cf., entre outros, o Ac. TRC de 25-10-2022 (relator: Vítor Amaral), p. 1044/21.4T8LRA-B.C1, disponível em www.dgsi.pt.
[12] Cf. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Coimbra, Almedina, 2013, p. 25.
[13] Cf. o Ac. TRL de 15-11-2018 (relator: Eduardo Petersen Silva), p. 266/16.4T8VIS.L1-6, disponível em www.dgsi.pt.