Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
3654/18.8T8PNF.G1
Relator: ANTERO VEIGA
Descritores: INCAPACIDADE PERMANENTE ABSOLUTA
COEFICIENTE GLOBAL DE INCAPACIDADE
FATOR DE BONIFICAÇÃO
CAPACIDADE RESIDUAL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 07/13/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
A diminuição da capacidade de trabalho afere-se em função da unidade, definindo-se por coeficientes expressos em percentagens, correspondendo a capacidade total de trabalho a 0% e a disfunção total a 100% de incapacidade.
A TNI constitui um instrumento tendo em vista surpreender a real incapacidade do sinistrado, podendo inclusive o perito afastar-se dos valores dos coeficientes previstos, de forma fundamentada, conforme ponto 7º das instruções gerais.
Se se concluir, ainda que por aplicação do fator 1,5 previsto no ponto 5º das instruções gerais, que o grau de incapacidade atinge percentualmente os 100%, é de considerar estarmos perante uma disfunção total – IPA -.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães.

Na fase conciliatória dos presentes autos em que figuram como sinistrado P. S., melhor identificado nos autos, e como responsável pelo ressarcimento de danos emergentes de acidente de trabalho a seguradora COMPANHIA DE SEGUROS X PORTUGAL, S.A., na tentativa de conciliação, o sinistrado não concordou com o resultado do exame médico efetuado pelo perito médico, exclusivamente na parte em que lhe não reconhece/atribuiu a dependência da assistência permanente de terceira pessoa. A entidade seguradora não se conciliou em virtude de os seus serviços clínicos considerarem o sinistrado afetado apenas de uma I.P.P. de 100,00%, com IPATH.
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Na sequência, ao abrigo do disposto no art.º 138 º, n. º1 do Código de Processo do Trabalho, veio o sinistrado requerer a sua submissão a novo exame, agora por Junta Médica.
Realizada a juta médica, os Srs. Peritos concluíram, por unanimidade, que o sinistrado ficou afetado de uma IPP de 100% com incapacidade permanente absoluta para todo e qualquer trabalho habitual e admitindo a necessidade de ajuda de terceira pessoa por três horas diárias, na higiene pessoal e em algumas transferências.
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Foi proferida decisão nos seguintes termos:

“Pelo exposto e respetivos fundamentos, ao abrigo do disposto no artº. 138º. e 140º. do Código do Processo de Trabalho declara-se que o sinistrado P. S. sofreu um acidente de trabalho, por via do qual ficou afetado de uma IPP global de 100% com incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual (IPATH), equivalente a Incapacidade absoluta para todo e qualquer trabalho (IPA), e, em consequência, condena-se:

1. A entidade seguradora COMPANHIA DE SEGUROS X PORTUGAL, S.A., a pagar ao sinistrado:
a) - A pensão anual e vitalícia, no valor de 13 199,10 € (treze mil cento e noventa e nove euros e dez cêntimos), a partir de 21-12-2019, inclusive [art. 48º, nº.3, alínea a), da Lei nº 98/2009, de
04/09];
b) - O subsídio de elevada incapacidade permanente no valor de 5 561,42€ (cinco mil quinhentos e sessenta e um euros e quarenta e dois cêntimos) - (art.º 67º, n.ºs 2 e 5 da LAT);
c) - O valor anual de 2 516,50€ (dois mil, quinhentos e dezasseis euros e cinquenta cêntimos), atualizável de acordo com a percentagem de atualização que se verifique ao nível do salário mínimo nacional, correspondente à prestação suplementar para assistência a terceira pessoa de que o sinistrado necessita para cuidados, por três horas diárias, na sua higiene pessoal e em algumas transferências, por pessoa indiferenciada.
d) - A quantia de 100,00 (cem euros), a título de despesas de transportes – cfr. art. 39º, nº.1, da Lei 98/2009, de 04/09;
e) - A ajudas técnicas, médicas e medicamentosas, nomeadamente ("próteses para amputações trans-tibiais, endoesqueléticas, pés em carbono com retorno de energia e amortecimento do choque, estrutura tubular em liga leve, encaixes em acrílico, interfaces em silicone com manga auxiliar de suspensão em silicone e revestimento cutâneo … periodicidade de substituição de próteses de 24 meses, sendo a dos produtos de desgaste mais rápido, as interfaces 6 meses, do revestimento cutâneo cosmético 2 meses e das meias/mangas 1 mês … também necessita de cadeira de rodas de banho e canadianas em duralumínio, extensíveis com ponteiras de borracha a fornecer pela companhia seguradora".
f) – Os juros de mora sobre cada uma das referidas prestações, nos termos supra indicados, até efetivo e integral pagamento.
(…)
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Inconformada a ré interpôs recurso apresentando as seguintes conclusões:

1. Vem a presente apelação interposta da douta sentença de fls. , que decidiu estar o sinistrado afetado de uma “IPP global de 100%, com incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual (IPATH), equivalente a incapacidade absoluta para todo e qualquer trabalho (IPA)”…
2. Salvo o devido respeito, entende a ora recorrente que a douta decisão recorrida decidiu mal ao considerar que a incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual (IPATH) de que o sinistrado se encontra afetado é equivalente a incapacidade absoluta para todo e qualquer trabalho (IPA).
3. Com efeito, na junta médica realizada a requerimento do sinistrado, os Srs. Peritos Médicos concluíram, por unanimidade, que o sinistrado ficou afetado de uma IPP de 100% (resultante da aplicação do fator 1.5 à desvalorização de 85,56% que efetivamente afeta o sinistrado) com incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual.
4. Nessa junta médica, e respondendo ao quesito segundo formulado pelo sinistrado (“Em face das lesões que o sinistrado apresenta, com IPA, o mesmo necessita de ajuda de terceira pessoa?”), os senhores peritos responderam, por unanimidade e taxativamente: “O sinistrado não apresenta IPA, mas sim IPATH. É de admitir a assistência de terceira pessoa por três horas diárias.” (realce nosso), como, aliás, já resultava do exame médico singular, no que respeita à IPP.
5. Na matéria de facto dada como provada na douta sentença recorrida, o Mtª Juiz recorrido dá como provado no seu ponto 3: “Como resultado desse evento, o sinistrado sofreu as lesões descritas e examinadas no relatório da perícia médica efetuado pelo GML constante de fls. 119 a 122 verso e 126 a 127, bem como as constantes do auto de Junta Médica de fls.145 a 146 verso, que aqui se dão por integralmente reproduzidas para todos os efeitos legais, que se traduzem na amputação dos membros inferiores abaixo dos joelhos e em fraturas na hemiface direita.”
6. e no seu ponto 4: “As mencionadas lesões, após consolidação, ocorrida em 20/12/2019, determinaram-lhe uma IPP de 100% (0,8556 x 1,5) com IPATH – incapacidade permanente absoluta para trabalho habitual.” (mais uma vez, realce nosso).
7. No entanto, na fundamentação de direito, a douta sentença recorrida entende que a I.P.P. de 100%, com IPATH, equivale a IPA, não fundamentando esse entendimento a não ser com a seguinte frase “como vem sendo Jurisprudencialmente entendido”, invocando três Acórdãos, acima apreciados e que não justificam também tal entendimento.
8. Resulta daqui que não está minimamente fundamentado o entendimento de que a I.P.P. de 100%, com IPATH, equivale a IPA e que o cálculo da pensão a fixar nesse caso de IPP de 100% com IPATH deve ser efetuado como se de uma IPA se tratasse, sendo certo que onde a lei distingue, não deve o intérprete deixar também de o fazer.
9. Com efeito, a Lei 98/2009, de 4 de setembro (LAT), prevê expressamente no seu art. 48º, a forma de cálculo das pensões a atribuir nos casos de incapacidade permanente para o trabalho, fazendo a distinção entre a incapacidade permanente absoluta para todo e qualquer trabalho, incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual e incapacidade permanente parcial.
10. Em disposição alguma da LAT está prevista a equivalência entre incapacidade permanente absoluta para todo e qualquer trabalho (IPA) e a IPP de 100% com incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual (IPATH), pelo que, se a lei não o prevê e, pelo contrário, prevê formas diferentes de cálculo para essas duas situações, também o julgador está obrigado a fazer essa distinção e a não confundir aquelas duas situações.
11. Sendo certo que, no caso dos autos, consta dos factos dados como provados que o sinistrado está afetado uma IPP de 100% (0,8556 x 1,5) com IPATH – incapacidade permanente absoluta para trabalho habitual e não de uma IPA, tendo esta situação de IPA sido afastada expressamente, e por unanimidade, na Junta Médica realizada e que serviu de fundamento àquele facto dado como provado sob o nº4 dos factos provados elencados na douta sentença recorrida.
12. Assim, ao decidir que o sinistrado ficou afetado de uma IPP global de 100% com incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual (IPATH), equivalente a incapacidade absoluta para todo e qualquer trabalho (IPA), e ao fixar a correspondente pensão anual calculando-a como se de uma IPA se tratasse (calculando-a com base em 80% da retribuição, acrescida de 10% da retribuição, por ter uma pessoa a cargo), a douta sentença recorrida é nula, por estarem os fundamentos em oposição com a decisão (art. 615º-1-c) do Código de Processo Civil), devendo ser revogada e substituída por outra que considere o sinistrado afetado de uma IPP de 100% com incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual (IPATH) e calcule a pensão devida de acordo com o disposto no art. 48º-3-b) da LAT.
13. Caso assim se não entenda, deve a douta decisão recorrida ser revogada – por violação, por erro de interpretação e aplicação do disposto no art. 48º-3- a) e b) da LAT – na parte que considerou o sinistrado afetado de uma IPP global de 100% com incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual (IPATH), equivalente a incapacidade absoluta para todo e qualquer trabalho (IPA), e que fixou a correspondente pensão anual calculando-a como se se tratasse de uma IPA (calculando-a com base em 80% da retribuição, acrescida de 10% da retribuição, por ter uma pessoa a cargo),
14. E ser substituída por outra que julgue o sinistrado afetado de uma IPP de 100% com incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual (IPATH) e calcule a pensão devida de acordo com o disposto no art. 48º-3-b) da LAT.
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Sem contra-alegações.
Neste tribunal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso, salientando a antinomia virtual entre uma desvalorização máxima de 100 % e uma capacidade “restante”, apenas jurídica evidentemente, de realizar outros trabalhos para além do habitual.
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Factualidade.

1) O sinistrado nasceu a ..-11-1959.
2) No dia ..-12-2017, cerca das 13:00 horas, em …, Penafiel, quando prestava o seu serviço de motorista de pesados, sob as ordens, direção e fiscalização da sua empregadora “Transportes …, Lda”, com sede na Rua …, n.º …, após a pausa de almoço, preparando-se para retomar o transporte, uma vez que tinha deixado o camião estacionado no parque do restaurante …, em plano inclinado, verificou que o mesmo começou a andar sozinho, correndo para o camião no sentido de o imobilizar, o que não conseguiu, acabando por ser colhido pelo rodado do mesmo, sofrendo dores e lesões.
3) Como resultado desse evento, o sinistrado sofreu as lesões descritas e examinadas no relatório da perícia médica efetuado pelo GML constante de fls. 119 a 122 verso e 126 a 127, bem como as constantes do auto de Junta Médica de fls.145 a 146 verso, que aqui se dão por integralmente reproduzidas para todos os efeitos legais, que se traduzem na amputação dos membros inferiores abaixo dos joelhos e em fraturas na hemiface direita.
4) As mencionadas lesões, após consolidação, ocorrida em 20/12/2019, determinaram-lhe uma IPP de 100% (0,8556 x 1,5) com IPATH – incapacidade permanente absoluta para trabalho habitual.
5) O sinistrado esteve com incapacidade temporária absoluta (ITA) de 05-12-2017 a 04-12-2018 (365 dias) e de 05-12-2018 a 20-12-2019 (381 dias).
6) O sinistrado auferia à data do acidente a retribuição de 708,00 € x 14 meses (9.912,00 €) + 64,59 € x 13 meses de diuturnidades (839,67 €) + 220,00 € x 11 meses de subsídio de alimentação (2.420,00 €) + 124,50 € x 12 meses de prémio de produtividade (1.494,00 €), num total anual de 14.665,67 €.
7) A responsabilidade por acidentes de trabalho encontrava-se transferida para a entidade seguradora num montante anual que totaliza a importância de 14.665,67 €, pela apólice n.º …….94.
8) A entidade seguradora, em sede de tentativa de conciliação, aceitou i) a existência e caracterização do acidente como de trabalho (tal como descrito pelo sinistrado); ii) O nexo de causalidade entre o acidente e as lesões sofridas e descritas; iii) A reclamada quantia de 100 € a título de despesas com alimentação e deslocações; iv) A importância de 95,78 €, correspondente à diferença entre o valor da indemnização paga a título de ITA (21.651,60) e a devida (21.747,38 €); v) Fornecer ao sinistrado as ajudas técnicas e tratamentos propostos no relatório do GML, desde que a sua necessidade seja reconhecida e o tratamento prescrito pelos serviços clínicos desta seguradora; vi) A retribuição transferida de 708,00 € x 14 meses (9.912,00 €) + 64,59 € x 13 meses de diuturnidades (839,67 €) + 220,00 € x 11 meses de subsídio de alimentação (2.420,00 €) + 124,50 € x 12 meses de prémio de produtividade (1.494,00 €), num montante anual de 14.665,67 €.
9) A título de indemnizações por ITA recebeu da entidade seguradora as importâncias indicadas a fls. 80, no valor total de 21.651,60 €.
10) Despendeu a quantia de 100 € em transportes e alimentação, referentes a diligências obrigatórias ao GML e à Procuradoria.
11) Encontra-se a receber pensões provisórias.
12) O sinistrado ficou dependente de ajudas/dispositivos técnicos, nos termos referidos no relatório do GML ("próteses para amputações trans-tibiais, endoesqueléticas, pés em carbono com retorno de energia e amortecimento do choque, estrutura tubular em liga leve, encaixes em acrílico, interfaces em silicone com manga auxiliar de suspensão em silicone e revestimento cutâneo … periodicidade de substituição de próteses de 24 meses, sendo a dos produtos de desgaste mais rápido, as interfaces 6 meses, do revestimento cutâneo cosmético 2 meses e das meias/mangas 1 mês … também necessita de cadeira de rodas de banho e canadianas em duralumínio, extensíveis com ponteiras de borracha a fornecer pela companhia seguradora"), que a entidade seguradora assumiu prestar.
13) O sinistrado necessita de ajuda de terceira pessoa por três horas diárias, na higiene pessoal e em algumas transferências.
14) O sinistrado vive em união de facto com a mãe de sua filha menor D. O., nascida a ..-11-2009, sendo esta a única pessoa a seu cargo.
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Conhecendo do recurso:

Nos termos dos artigos 635º, 4 e 639º do CPC, o âmbito do recurso encontra-se balizado pelas conclusões do recorrente.
- A requerente questiona a equiparação da IPP global de 100%, com incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual (IPATH), a IPA.
- Invoca a nulidade da sentença por estarem os fundamentos em oposição com a decisão (art. 615º-1-c) do Código de Processo Civil
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Relativamente à nulidade, invoca-se oposição entre os fundamentos e a decisão. É manifesto não ocorrer a nulidade. Em face da factualidade o julgador explica a razão pela qual em seu entender a “indemnização “deve ser calculada nos termos previstos para a ITA. A conclusão está em conformidade com os fundamentos, com os pressupostos.
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Quanto ao invocado erro de julgamento:

A recorrente invoca a conclusão unanime dos peritos, e que os mesmos referem a desvalorização efetiva de 85,56% com IPATH, atribuindo-se 100% por força da aplicação do facto 1,5%, bem como refere o facto constante da matéria, que traduz aquele entendimento.
Alude a que a lei 98/2009, de 4 de setembro (LAT), prevê expressamente no seu art. 48º, a forma de cálculo das pensões a atribuir nos casos de incapacidade permanente para o trabalho, fazendo a distinção entre a incapacidade permanente absoluta para todo e qualquer trabalho, incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual e incapacidade permanente parcial. Em lado algum se encontra prevista a equivalência. Refere que os acórdãos citados na decisão não fundamentam a equivalência.
Apreciando começaremos por dizer que não se prevê a equivalência em lado nenhum, nem tal tem que ocorrer, não é suposto. A questão, tal como apresentada pelos peritos e traduzida no facto, apresenta-se como um “nó górdio”, o sinistrado está afetado para o trabalho em 100%, mas não está, pois tem capacidade residual para outros trabalhos que não o habitual. Mas qual é esse grau de incapacidade residual?
Para haver algum grau de incapacidade restante – para profissão compatível -, necessário era que a tabela de referência em causa fosse mais que 100%, mas sabemos que não é, nem poderia ser, ninguém tem mais que 100% da sua capacidade de trabalho. É questão de lógica e de matemática. Logo, a capacidade restante de 100% da unidade é 0%.
Que 100% corresponde a IPA resulta da LAT.

Consta desta:
Artigo 21.º
Avaliação e graduação da incapacidade
1 - O grau de incapacidade resultante do acidente define-se, em todos os casos, por coeficientes expressos em percentagens e determinados em função da natureza e da gravidade da lesão, do estado geral do sinistrado, da sua idade e profissão, bem como da maior ou menor capacidade funcional residual para o exercício de outra profissão compatível e das demais circunstâncias que possam influir na sua capacidade de trabalho ou de ganho.
2 - O grau de incapacidade é expresso pela unidade quando se verifique disfunção total com incapacidade permanente absoluta para todo e qualquer trabalho.
3 - O coeficiente de incapacidade é fixado por aplicação das regras definidas na tabela nacional de incapacidades por acidentes de trabalho e doenças profissionais, em vigor à data do acidente.
(…)

E o artigo 20 refere:
Determinação da incapacidade
A determinação da incapacidade é efetuada de acordo com a tabela nacional de incapacidades por acidentes de trabalho e doenças profissionais, elaborada e atualizada por uma comissão nacional, cuja composição, competência e modo de funcionamento são fixados em diploma próprio.

Ora, a função da TNI não é criar uma ficção jurídica relativamente à situação real do sinistrado, em termos de capacidade de trabalho. O seu objetivo é fornecer aos peritos um instrumento de forma a surpreender essa realidade, culminando da fixação da incapacidade, por referência à “unidade”, conforme nº 2 do artigo 21º - ponto 1 das instruções gerais -. A unidade expressa em percentagem são 100%, e como claramente refere o nº 2 deste artigo 21º, a “unidade” representa “disfunção total com incapacidade permanente absoluta para todo e qualquer trabalho”.
No mesmo sentido o ponto 3 das instruções gerais da TNI:
3- A cada dano corporal ou prejuízo funcional corresponde um coeficiente expresso em percentagem, que traduz a proporção da perda da capacidade de trabalho resultante da disfunção, como sequela final da lesão inicial, sendo a disfunção total, designada como incapacidade permanente absoluta para todo e qualquer trabalho, expressa pela unidade.
Foi o que se pressupôs no Ac. RE de 30-3-2017, processo nº 298/14.7TTFAR.E1, ao referir “Nesta conformidade, e considerando que o Autor se encontrava afetado da IPP de 84%, face à referida bonificação atinge a totalidade de IPP, ou seja, encontra-se afetado de 100%, o que equivale a uma incapacidade permanente absoluta (IPA), pelo que terão que se calcular as prestações pela reparação do acidente nesta base”.
As normas da tabela relativas à majoração em 1.5%, fazem parte desta e visam ajudar os peritos e o tribunal no sentido de surpreender a real afetação do sinistrado.

Assim refere o corpo da instrução 5 da TNI:
5- Na determinação do valor da incapacidade a atribuir devem ser observadas as seguintes normas, para além e sem prejuízo das que são específicas de cada capítulo ou número:
a) Os coeficientes de incapacidade previstos são bonificados, até ao limite da unidade, com uma multiplicação pelo fator 1.5, segundo a fórmula: IG + (IG x 0.5), se a vítima não for reconvertível em relação ao posto de trabalho ou tiver 50 anos ou mais quando não tiver beneficiado da aplicação desse fator.
b) A incapacidade será igualmente corrigida, até ao limite da unidade, mediante a multiplicação pelo fator 1.5, quando a lesão implicar alteração visível do aspeto físico (como no caso das dismorfias ou equivalentes) que afete, de forma relevante, o desempenho do posto de trabalho; não é cumulável com a alínea anterior;
(…)
Seja, é da aplicação das regras da TNI, no seu todo, incluindo as normas das respetivas instruções, que se fixa o grau, até à unidade, que corresponde à disfunção total. Não pode ser de outro modo, pois considerar uma capacidade restante com afetação de 100% constitui uma impossibilidade matemática.
Importa não esquecer o que refere a instrução nº 7, “sempre que circunstâncias excecionais o justifiquem, pode ainda o perito afastar-se dos valores dos coeficientes previstos, inclusive nos valores iguais a 0.00 expondo claramente e fundamentando as razões que a tal o conduzem e indicando o sentido e a medida do desvio em relação ao coeficiente em princípio aplicável à situação concreta em avaliação”. Os peritos devem concluir por um determinado grau, sem criar ficções, grau esse que representa a situação do sinistrado. No caso apresenta-se o grau 100%, pelo que estamos face a uma disfunção total, não se trata de qualquer equivalência, a afetação é de facto de 100%, em resultado da aplicação da lei, designadamente da TNI.
O artigo 48º referenciado pela recorrente não cuida deste assunto, mas apenas do modo de indemnizar.
Consequentemente improcede o alegado.

DECISÃO:

Acordam os juízes do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente a apelação, confirmando-se o decidido.
Custas pela recorrente.
13-7-22

Relator - Antero Veiga
Adjuntos - Alda Martins
       Vera Sottomayor