Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | CONCEIÇÃO BUCHO | ||
Descritores: | COMPRA E VENDA DE FRAÇÃO AUTÓNOMA LEGITIMIDADE ACTIVA DEFEITOS PARTES COMUNS NULIDADE DE SENTENÇA ABUSO DE DIREITO CONSUMIDOR | ||
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Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 07/10/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | APELAÇÃO PARCIALMENTE PROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | 3ª SECÇÃO CÍVEL | ||
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Sumário: | I - A legitimidade (activa) para o exercício (perante o construtor/vendedor) dos direitos decorrentes da construção do edifício/imóvel com defeitos não é sempre das mesmas pessoas/condóminos. II - Tal legitimidade depende do local em que se situam os defeitos, sendo conferida a quem tem o poder de administração do concreto local em que se situam os defeitos. III – O Decreto-Lei n.º 67/2003, na redacção do DL 84/2008 de 21 de Maio, é aplicável aos contratos de compra e venda celebrados entre profissionais e consumidores. IV –A relação de compra e venda de consumo é aquela que é estabelecida entre alguém que destina a coisa a um uso não profissional e outrem que exerce com carácter profissional uma determinada actividade económica, a qual abrange a realização/construção da coisa em causa, mediante remuneração. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da relação de Guimarães. Proc. n.º 2362/21.7T8BCL.G1 I - AA, e BB, casados entre si, residentes na rua ..., ..., ..., propuseram a presente ação declarativa de condenação contra C..., UNIPESSOAL, LDA., com sede na rua ..., ..., ..., pedindo a condenação desta: - “i) A pagar aos AA. a substituição, por via de aplicação de matéria novos e de qualidade média, dos equipamentos referidos no art.º 45.º do petitório; e ii) A pagar aos AA. a reparação, segundo as legis artis, dos equipamentos referidos no art.º 46.º do petitório; e cumulativamente iii) A Pagar aos AA. uma indemnização no valor de EUR 1 500,00 (mil e quinhentos euros), acrescida de juros legais vincendos, contados desde a citação até ao efectivo e integral pagamento, para além das custas e procuradoria condigna.”. Alegam, para tanto e em resumo, que celebraram com um terceiro, em 07/11/2018, um contrato de compra e venda que tem por objeto o prédio que identificam no artigo 1º da petição inicial; tal prédio fora vendido a esse terceiro pela ré em 15/02/2017, que foi a respetiva construtora e promotora da venda. Sucede que, a partir de janeiro de 2019, começaram a aparecer patologias no imóvel – descritas no artigo 20º da petição inicial -, que a ré, apesar de interpelada, se recusa a reparar, alegando não ser responsável pela garantia do imóvel. Alegam ainda que, face à recusa da ré na reparação do imóvel, terem perdido o interesse em que seja esta a proceder à reparação dos defeitos. Finalmente, alegam ter sofrido danos não patrimoniais decorrentes quer das patologias do imóvel, quer da atuação da ré, que devem ser valorizados em montante não inferior a € 1.500,00. Citada, a ré veio apresentar contestação, excecionando não ter sido construtora nem empreiteira do imóvel em causa nos autos, tendo adquirido a fração dos autores no estado de concluída em 23/05/2016. Alega ainda que o imóvel dos autores corresponde a uma fração que integra um prédio constituído em propriedade horizontal, pelo que os defeitos reclamados, a existirem, referindo-se às partes comuns, só podem ser reclamados pelo condomínio. Por fim, impugnam a existência dos defeitos e os danos não patrimoniais alegadamente sofridos pelos autores. Os autores responderam à matéria de exceção, alegando que a ré, tendo sido vendedora do imóvel, responde igualmente pelos defeitos existentes no imóvel; e que os defeitos reclamados são exclusivos da fração dos autores, não se verificando nas partes comuns, pelo que os autores são parte legítima na presente ação. Os autos prosseguiram e, efectuado o julgamento, foi proferida sentença na qual se decidiu. Em face do exposto, o tribunal decide julgar a ação procedente e, em consequência: a) condenar a ré a pagar aos autores a quantia que vier a apurar-se em incidente de liquidação, correspondente ao custo da reparação/substituição dos defeitos constantes do facto provado 7. b) a bb) e até ao limite máximo do capital de € 42.750,00 (quarenta e dois mil setecentos e cinquenta euros) (acrescido de IVA); b) condenar a ré a pagar aos autores a quantia de € 1.500,00 (mil e quinhentos euros), a título de indemnização pelos danos não patrimoniais por aqueles sofridos, acrescida de juros, vencidos desde a presente data, à taxa civil, até efetivo e integral pagamento. Inconformada a ré interpôs recurso, cujas alegações terminam com as seguintes conclusões: A. Salvo o devido respeito, a Sentença Recorrida padece de errada apreciação da prova produzida e, bem assim, de errada aplicação de direito. B. Pelo que, desde logo, impor-se-á a correção da matéria de facto considerada provada e não provada, apreciação que, além de assentar na prova produzida, convoca devida aplicação e interpretação de direito. C. Ainda, a Sentença Recorrida não se pronunciou quanto às exceções suscitadas pela Ré em sede de contestação, que deverão ser julgadas procedentes, impondo-se, por um lado, a absolvição da Ré, da instância e, por outro, do pedido. D. Desde logo, na sua contestação a Ré deduziu defesa por exceção suscitando a ILEGITIMIDADE ATIVA DOS AUTORES para a presente demanda, alegando que a fração dos Autores faz parte de um prédio constituído em regime de propriedade horizontal, pelo que quaisquer defeitos ou patologias – a existirem- que se reportem às partes comuns do edifício (como paredes estruturais e cave), só podem ser reclamadas pelo condomínio, não detendo os Autores legitimidade ativa para o fazer. E. Ocorre que, quanto à suscitada exceção, o Tribunal Recorrido, bastou-se pela consideração como não provado que d) As desconformidades referidas em 7. verificam-se nas partes comuns do edifício em propriedade horizontal de que a fração referida em 2. é parte integrante.”, e desta feita, deixou de apreciar a suscitada exceção. F. Desde logo, impugna-se expressamente, a factualidade que considerada não provada na aliena d) dos Factos Não Provados, d) As desconformidades referidas em 7. verificam-se nas partes comuns do edifício em propriedade horizontal de que a fração referida em 2. é parte integrante, que deverá passar a constar da matéria de facto provada. G. SALVO O DEVIDO RESPEITO, atenta aquela que foi a prova produzida, designadamente os relatórios periciais juntos com a Petição Inicial (Documentos ...0 e ...1), cujo teor foi confirmado em sede de depoimento por CC e DD, respetivamente, resulta manifesto que os defeitos considerados provados em 7. – Dos Factos Provados- e cuja reparação veio a Ré condenada, se verificam nas partes comuns ou são delas provenientes. H. Dos Relatórios Periciais (Docs. ...0 e ...1) que foram juntos com a Petição Inicial e cujo conteúdo foi confirmado em sede de Audiência de Julgamento, resultou que os defeitos alegados e considerados provados se localizam nas partes comuns do edifício, sendo patologias decorrentes da humidade ao nível das paredes exteriores e cobertura, decorrentes da deficiente aplicação e/ou inexistência de isolamento térmico entre a estrutura de betão e alvenarias, assim como entre as caixilharias de alumínio e a estrutura. I. E tal resulta, ainda, do orçamento que foi juntos aos autos com a Petição Inicial (Doc. ...3), no qual veio a Ré condenada, cujos trabalhos (mão-de-obra e material) se referem na sua extensa maioria AO EXTERIOR, como o sendo a reparação do piso de acesso à garagem, floreira junto à garagem, escadas de acesso à porta de entrada, muros e vedação da habitação, fachadas, escadas de acesso às traseiras e paredes da garagem (apenas em 10. são elencados os trabalhos de reparação do INTERIOR DA MORADIA). J. O nº1 do artigo 1421º do CC, refere-se às partes imperativamente comuns, são «comuns as seguintes partes do edifício: a) O solo, bem como os alicerces, colunas, pilares e paredes mestras e todas as partes restantes que constituem a estrutura do prédio; b) O telhado ou os terraços de cobertura, ainda que destinados ao uso de qualquer fracção; c) As entradas, vestíbulos, escadas e corredores de uso ou passagem comum a dois ou mais condóminos; d) As instalações gerais de água, electricidade, aquecimento, ar condicionado, gás, comunicações e semelhantes.» K. Logo, são imperativamente comuns as partes que integrarem a estrutura do prédio (como elementos vitais de toda a construção); e sê-lo-ão ainda que o seu uso esteja afetado a um só dos condóminos, pela razão simples de que a sua utilidade fundamental, como elemento essencial de toda a construção, se estende a todos os condóminos. L. São ainda imperativamente comuns as partes que, transcendendo o âmbito restrito de cada fração autónoma, revistam interesse coletivo por serem objetivamente necessárias ao uso comum do prédio, já que, se «a sua utilidade pode ser mais ou menos ampla, (…) a justificação da sua natureza está no facto de constituírem, isolada ou conjuntamente com outras, instrumentos do uso comum do prédio» - (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume III, Coimbra Editora, Limitada, 1987, pág. 420). M. Compreende-se, por isso, que, no elenco legal das partes imperativamente comuns do prédio, encontremos «todas as partes restantes [que não solo, alicerces, colunas, pilares e paredes mestras] que constituem a estrutura do prédio», bem como «o telhado ou os terraços de cobertura, ainda que destinados ao uso de qualquer fracção» (als. a) e b) do n.º 1 do art. 1421.º citado). N. Trata-se aqui de elementos que constituem o esqueleto do prédio, que são parte integrante da sua ossatura, forçosamente comum pela função capital (v.g. de sustentação, de cobertura ou proteção) que exercem em relação a toda a construção, logo no interesse coletivo de todos os condóminos. O. Compreende-se, ainda, que desse modo devam desde logo ser qualificadas as «fachadas», isto é, «as frentes de construção de um edifício que confrontam com arruamentos ou espaços públicos»; e «identificam-se com a designação de fachada principal (onde se localiza a entrada principal), fachadas laterais esquerda e direita, e fachada tardoz» (Vocabulário Urbanístico, 2.ª edição, 1994, editado pela Direcção-Geral do Território e Desenvolvimento Urbano). P. Com efeito, todas as paredes exteriores de um edifício (que se comportam como o seu revestimento), e ainda que não mestras, constituem o seu esqueleto, a sua ossatura; e, por isso, são partes comuns. Q. Por outra via, quanto às partes presuntivamente comuns, lê-se no art. 1421.º, n.º 2 do CC que se presumem «ainda comuns: a) Os pátios e jardins anexos ao edifício; b) Os ascensores; c) As dependências destinadas ao uso e habitação do porteiro; d) As garagens e outros lugares de estacionamento; e) Em geral, as coisas que não sejam afetadas ao uso exclusivo de um dos condóminos». R. Feita devida aplicação de direito àquela que foi a concreta prova produzida, supra mais bem identificada (v.g. docs. ...0, ...1 e ...3 juntos com a PI), mal andou o Tribunal Recorrido ao considerar por não provado de que “d) As desconformidades referidas em 7. verificam-se nas partes comuns do edifício em propriedade horizontal de que a fração referida em 2. é parte integrante,” S. Resulta, a nosso ver, evidente que, as desconformidades referidas nas alienas a), b), c), d), k), m), n), o), p), t), w), x), y), z), aa), bb) de 7., verificam-se e/ou são provenientes das partes comuns do edifício em propriedade horizontal de que a fração referida em 2. é parte integrante, veja-se: a) descolamento do papel de parede de todos os quartos; b) descolamento do rodapé em todas a divisões e em todas as escadas; c) descolamento do rodapé dos armários da cozinha; d) fissuras nas paredes, concretamente no muro perimetral, na parede das escadas de acesso à entrada principal, na garagem, na caixa das escadas, na sala, na suite e nos quartos norte e sul; k) lage de um dos degraus das escadas descolada; m) criptoflorescências e/ou manchas nas paredes da garagem, da caixa das escadas, da cozinha, da suite, do quarto de banho da suite e dos quartos de hóspedes norte e sul; n) crescimento de bolor associado à humidade nas paredes da caixa das escadas, da cozinha, da suite, de acesso à garagem; o) crescimento de bolor como consequência da humidade nas cortinas da suite, quartos de hóspedes, norte e sul, e sala; p) deformação do pavimento flutuante da suite e da sala, pela acumulação de humidades; t) abatimento do piso de acesso à garagem; w) deterioração das juntas do revestimento exterior e crescimento de musgos; x) formação de cristalizações nas zonas de escorrimento de águas; y) oxidação da chaminé; z) escoamento das águas do piso de cobertura insuficiente; aa) colector de águas residuais desalinhado e inclinação de escoamento insuficiente; bb) ausência de canalete de recolha de águas superficiais, junto à soleira do portão da garagem; T. Assim, deverá passar a constar dos Factos Provados que “d) As desconformidades referidas nas alienas a), b), c), d), k), m), n), o), p), t), w), x), y), z), aa), bb) de 7., verificam-se e/ou são provenientes das partes comuns do edifício em propriedade horizontal de que a fração referida em 2. é parte integrante.” U. As concretas provas que devem levar à alteração da matéria de facto não provada para provada (al. d) dos factos não provados) são não só os documentos já referidos, nomeadamente os docs. ...0, ...1 e ...3 juntos com a PI, como ainda os depoimentos -que constam do suporte magnético – das testemunhas EE (00.00.01 a 00.27.59), FF (00.00.01 a 00.27.35), GG (00.00.01 a 00.38.52), DD (00.00.01 a 00.21.35) e HH (00.00.01 a 00.21.35). V. Por todo o exposto, impõe-se concluir que as patologias cuja reparação os AA. pretendem, sendo decorrentes da humidade ao nível das paredes exteriores e cobertura, da deficiente aplicação e/ou inexistência de isolamento térmico entre a estrutura de betão e alvenarias, assim como entre as caixilharias de alumínio e a estrutura, se localizam e/ou são provenientes das partes comuns do prédio. W. Se o defeito se situar numa parte comum do edifício, o exercício dos direitos de eliminação dos defeitos (e/ou de realização de nova obra), caberá apenas ao administrador do condomínio, devidamente mandatado pela assembleia de condóminos, na medida em que compete exclusivamente a estes órgãos do condomínio proceder à administração das partes comuns (artºs 1430º, 1436º e 1437º, do CC). X. DITO ISTO, quando em causa estão defeitos nas partes comuns num edifício constituído em propriedade horizontal, se os defeitos se verificarem nas partes comuns sem repercussão no interior das frações, será o condomínio representado pelo administrador que deverá instaurar a ação. Y. POR SUA VEZ, quando os defeitos que surgem no interior da fração autónoma têm início ou podem ter nas partes comuns, como acontece com defeitos que surgem, pelo menos em parte, em zonas comuns, tais como parede e telhado e estrutura do edifício com infiltrações de água, fachadas mal isoladas, janelas, etc, mas causam danos no interior das frações, o administrador deverá reclamar a reparação das partes comuns e o condómino a eliminação dos defeitos e a reparação dos danos provocados na sua fração.. Z. Pelo que, pretendendo os Autores com a presente lide, a reparação, não só dos danos verificados no interior da sua fração, mas também, E, SOBRETUDO, a correção dos defeitos nas partes comuns num edifício constituído em propriedade horizontal, cuja legitimidade pertence à administração de condomínio, encontram-se destituídos de legitimidade ativa. AA. NESTES TERMOS, deverá a suscitada exceção de Ilegitimidade Ativa dos Autores ser julgada procedente, exceção dilatória que implica a absolvição da instância, como decorre da alínea d) do n.º 1 do artº 278º e com os efeitos previstos no artº 279º (cfr., ainda, art.º 576º, nºs 1 e 2, 577º, alínea e CPC). BB. Ainda, o Tribunal Recorrido não apreciou a, também, suscitada exceção perentória de exclusão da responsabilidade da Ré na qualidade de mera vendedora, não construtora, e desconhecendo sem culpa as patologias verificadas, não veio apreciada pela Sentença Recorrida- que, nesta parte é nula por omissão de pronúncia - nos termos da al. d), do nº 1, do art. 615º do Cód. Proc. Civil; CC. Resulta da factualidade provada (em 2. 3. e 4. ) que a Ré adquiriu a fração em causa nos presentes autos em 23.05.2016 à “Sociedade S... Lda.” no estado de concluída, e, que, posteriormente em 15.02.2017 vendeu-a a EE, que, por sua vez, em 07.11.2018, vendeu aos AA., e, bem assim, da factualidade não provada que a ré construiu a fração dos AA., DD. Não obstante, concluiu, erradamente, a Sentença Recorrida pela responsabilização da Ré, conferindo aos AA. os direitos previstos no DL n.º 67/2003, de 08 de Abril - VENDA DE BENS DE CONSUMO E DAS GARANTIAS A ELA RELATIVAS, condenando-a ao pagamento da quantia que se venha a fixar, correspondente ao custo da reparação/substituição dos defeitos reparação das desconformidades verificados na fração dos AA., e bem assim, os danos cujas desconformidades são provenientes das partes comuns. EE. A obrigação de reparação dos defeitos só surge se se provar que o vendedor quando transmitiu a propriedade da coisa, sabia ou não podia desconhecer, com um mínimo de razoabilidade, que a mesma era portadora de defeito, pelo que, demonstrando o vendedor que desconhecia, sem culpa, os defeitos de que a coisa era padecente, queda desonerado da responsabilidade de reparação da coisa (art. 914.º, n.º 1, 2.ª parte, do CC). FF. IN CASU, ficou demonstrado que a Ré, como mera vendedora e sem o menor domínio da construção, não teve qualquer conhecimento dos moldes em que decorreu a execução dos trabalhos de construção civil e/ou materiais aplicados. GG. A Ré não pode ser responsabilizada pelos vícios da construção, porquanto os mesmos teriam imperativamente de ser imputados à construtora, enquanto interveniente não estranho à respetiva atividade. HH. Logo, tendo a Ré intervindo nesta cadeia de contratos como mera vendedora e não resultando os vícios de atuação ou omissão que lhe possam ser imputáveis, não lhe pode ser assacada qualquer culpa nos defeitos/patologias verificados na fração dos AA., II. Portanto, tendo sido considerado como provado que a Ré – enquanto mera vendedora – não teve qualquer domínio na construção, quer por não ter realizado as obras, quer por não ter contratado terceiros para as várias fases da obra, não poderá assumir os vícios e danos deles decorrentes, por manifestamente lhe serem alheios. JJ. ASSIM, deverá a suscitada exceção perentória de exclusão da responsabilidade da ré ser apreciada e julgada procedente por provada e, consequentemente, ser a Ré absolvida do pedido (artº 576º, nºs 1 e 3 CPC). KK. O instituto do abuso do direito consubstancia questão que é de conhecimento oficioso, podendo inclusive ser conhecida apenas em sede de instância recursiva, porque não suscitada em sede de tramitação dos autos na primeira instância; LL. A Ré adquiriu, a fração autónoma designada pela letra ..., com o VPT de 81.580,99 € (Cfr. Factos Provados em 2. e 3.); MM. A referida fração foi adquirida no estado de concluída, não tendo a Ré qualquer interferência direta ou indireta na sua construção ou conhecimento dos materiais e obras realizadas, nem a tendo habitado. NN. Posteriormente, em 15/02/2017 a Ré vendeu a referida fração a EE, pelo preço de €110.000,00, obtendo para si proveito (sem considerar impostos e despesas inerentes) de cerca de €28.420,00; OO. Por sua vez, EE que residiu na fração cerca de 18 meses, em 07/11/2018, vendeu-a aos Autores pelo preço de €182.500,00 (Cfr. Factos Provados em 4. e 5.), obtendo uma vantagem de cerca de €72.500,00; PP. Em virtude da situação de insolvência da construtora “S..., Lda.”, a Ré está, pois, impossibilitada de exercer direito de regresso. QQ. O Tribunal Recorrido convocando a aplicação do nº 6 do artigo 4º do DL. 67/2003, de 08 de abril, considerou pela responsabilização da Ré, perante os Autores, na qualidade de terceiros adquirentes, condenando-a ao pagamento das reparações até ao montante de €42.750,00 (acrescido IVA), e ainda, a pagar aos Autores a quantia de € 1.500,00, a título de indemnização pelos danos não patrimoniais por aqueles sofridos. RR. Salvo o devido respeito, esta condenação, em nosso entender, traduz-se num ostensivo desequilíbrio entre o exercício do direito e os efeitos dele derivados, na medida em que provoca uma desproporção inadmissível entre a vantagem dos AA. e o sacrifício imposto à Ré, mero vendedora, com completo desconhecimento dos factos e sem que nunca tenha obtido vantagem patrimonial de valor tão elevado- configurando abuso de direito, nos termos do artigo 334.º do Código Civil. SS. Destarte, por exceder claramente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes e pelos fins sociais e económicos tutelados, deve, pois, a exceção de abuso de direito ser apreciada e, julgada procedente por provada e, consequentemente, ser a Ré absolvida do pedido (artº 576º, nºs 1 e 3 CPC). Os recorridos apresentaram contra-alegações nas quais pugnam pela manutenção do decidido. Colhidos os vistos, cumpre decidir. II – É pelas conclusões do recurso que se refere e delimita o objecto do mesmo, ressalvadas aquelas questões que sejam do conhecimento oficioso – artigos 635º e 639º Código de Processo Civil -. ** Ilegitimidade dos autores Alega a ré que os autores são parte ilegítima na presente acção porque os alegados defeitos se verificam em partes comuns do edifício. Estabelece o art. 30º do Código do Processo Civil que o autor é parte legítima quando tem interesse direto em demandar; o réu é parte legítima quando tem interesse direto em contradizer, que se exprime pela utilidade derivada da procedência da ação e o interesse em contradizer, pelo prejuízo que dessa procedência advenha. Por outro lado, dispõe o n.º 3 que na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor. Com efeito, a legitimidade tem de ser apreciada e determinada pela utilidade (ou prejuízo) que da procedência (ou improcedência) da ação possa advir para as partes, face aos termos em que o autor configura o direito invocado e a posição que as partes, perante o pedido formulado e a causa de pedir, têm na relação jurídica material controvertida, tal como a apresenta o autor. uma coisa é a legitimidade processual, constituindo um pressuposto processual relativo às partes, que se afere, na falta de indicação da lei em contrário, face à relação material controvertida tal como configurada pelo A., e cuja falta, determina a verificação da correspondente exceção dilatória, dando lugar à absolvição do Réu da instância, cfr. artigos 576º, n.º 2 e 577º, alínea e), ambos do Código de Processo Civil. Outra, a legitimidade substancial ou substantiva, que tem que ver com a efetividade da tal relação material, interessando já ao mérito da causa. Assim, questão diversa que não interessa à questão da legitimidade processual, antes ao mérito da acção, é a de apreciar se o direito à reparação existe ou não na esfera jurídica dos autores ou se tal direito, pertence ao condomínio. A legitimidade (activa) para o exercício (perante o construtor/vendedor) dos direitos decorrentes da construção do edifício/imóvel com defeitos não é sempre das mesmas pessoas/condóminos, ou seja, tal legitimidade depende do local em que se situam os defeitos, sendo conferida a quem tem o poder de administração do concreto local em que se situam os defeitos. Se os defeitos se situam nas fracções autónomas, como são os seus proprietários, individualmente considerados, que têm o poder de as administrar, são apenas eles que têm legitimidade para exercer junto do construtor/vendedor os direitos em causa. Se os defeitos se situam nas partes comuns do edifício, como compete exclusivamente à assembleia de condóminos e ao administrador proceder à administração das partes comuns (cfr. 1430.º/1 do C. Civil), o exercício dos referidos direitos – máxime, os direitos de eliminação dos defeitos e realização de obra nova – compete ao administrador do condomínio, devidamente mandatado pela assembleia de condóminos. Deste modo, e em relação às partes comuns do edifício não têm os autores legitimidade para peticionar a sua reparação. Por outro lado, a apelante impugna a matéria de facto no que respeita ao ponto sob o n.º 7 referindo que as anomalias aí referidas dizem respeito às partes comuns. Não está em causa nos autos a existência dos defeitos aí referidos, que estão comprovados. O que está em causa saber se as anomalias verificadas advêm dos defeitos existentes nas partes comuns do edifício. Impugna assim a matéria que foi considerada como não provada na alínea d) dos factos não provados. Invoca os relatórios periciais e pareceres técnicos que constam dos autos como elemento de prova que conduziria a uma resposta diversa e o depoimento das testemunhas GG, DD e HH. Efectivamemte e conforme resulta dos factos provados e mormente da perícia designadamente do facto sob o n.º 7, no que respeita pelo menos às alíneas d) , j) , w) e z) anomalias dizem respeito às partes comuns do prédio. Também resulta dos depoimentos das testemunhas GG e DD, engenheiros que o maior problema da fracção são as humidades, e que as fissuras no exterior (nas paredes exteriores) e mau isolamento térmico advêm das pontes térmicas entre as paredes exteriores sendo que é aí que está o principal problema. Segundo a testemunha DD para solucionar o problema deveriam as fachadas ser revestidas com um sistema de isolamento térmico pelo exterior tipo “capoto”, o que também é referido no documento de fls. 49.. Assim, a alínea d) dos factos provados deve ser eliminada e acrescentado um ponto com a seguinte redacção. Pelo menos as desconformidades referidas nas alíneas referidas em d), j), w) e z) verificam-se nas partes comuns do prédio. Deste modo, embora não se possa concluir que todas as anomalias verificadas na fracção resultem de defeitos nas partes comuns, pelo menos em relação àqueles defeitos os mesmos verificam-se nas partes comuns do edifício. Deste modo e atendendo a que as paredes estruturais e a cave são partes comuns, apenas o condomínio tem legitimidade para reclamar da reparação dos defeitos. Pois a correcção de defeitos nas partes comuns de um edifício constituído em propriedade horizontal só pode ser requerida pelo condomínio. É a seguinte a matéria de facto provada e não provada : 1. A ré dedica-se à atividade de construção civil e obras públicas, compra e venda de imóveis e mediação imobiliária; 2. Por escritura pública outorgada em 23/05/2016 no Cartório Notarial ..., o Dr. II, na qualidade de Administrador de Insolvência no processo judicial que sob o nº 1145/12.... corre seus termos na 2ª Secção de Comércio – ..., de ..., Instância Central, no qual é insolvente “S..., Lda.”, declarou vender, no âmbito da liquidação da respetiva massa insolvente, a fração autónoma designada ela letra ..., destinada a habitação, tipo T-três, na cave, ... e andar, a terceira a contar do lado norte, com entrada pela frente do edifício virada a poente e logradouro de uso exclusivo, inscrita na matriz sob o artigo ...83, com o VPT de 81.580,99€ e o atribuído de sessenta e sete mil duzentos e cinquenta euros, (…) que faz parte do prédio urbano situado em ..., freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº ...99/..., sujeito ao regime da propriedade horizontal”, à ré, que aceitou comprar, destinando o imóvel a revenda; 3. Da escritura referida em 2. consta a seguinte menção: «Que efectivamente a única fracção que está concluída é a identificada com a letra ...»; 4. Por escritura pública outorgada em 15/02/2017 no Cartório Notarial ..., a ré declarou vender a fração referida em 2. a EE, que a aceitou comprar, destinando-se a habitação própria e permanente; 5. Em 07/11/2018, por documento particular autenticado intitulado de “Contrato de Compra e Venda e Mútuo com Hipoteca e Fiança”, EE vendeu aos autores a fração referida em 2., que a destinaram a habitação própria e permanente, pelo preço de € 182.500,00 (cento e oitenta e dois mil e quinhentos euros), tendo havido intervenção da mediadora imobiliária ... Invest Mediação Imobiliária, Lda.; 6. A mediadora imobiliária referida em 5. decorou os interiores da fração referida em 2., nela tendo procedido à colocação de papel de parede; 7. Em janeiro de 2019, na fração referida em 2. começaram a aparecer as seguintes desconformidades, que atualmente se mantêm: a) descolamento do papel de parede de todos os quartos; b) descolamento do rodapé em todas a divisões e em todas as escadas; c) descolamento do rodapé dos armários da cozinha; d) fissuras nas paredes, concretamente no muro perimetral, na parede das escadas de acesso à entrada principal, na garagem, na caixa das escadas, na sala, na suite e nos quartos norte e sul; e) oxidação do espelho da casa de banho da suite; f) canalização de água quente/água fria trocados no lavatório da casa de banho de serviço; g) calhas do blackout descoladas e desaprumadas; h) degradação do material do blackout de todas as divisões; i) fraturas no vidro exterior da janela da sala, junto aos fixadores; j) soleira do primeiro piso, no cimo das escadas, deformada e descolada; k) lage de um dos degraus das escadas descolada; l) proteção de caixas elétricas da sala solta; m) criptoflorescências e/ou manchas nas paredes da garagem, da caixa das escadas, da cozinha, da suite, do quarto de banho da suite e dos quartos de hóspedes norte e sul; n) crescimento de bolor associado à humidade nas paredes da caixa das escadas, da cozinha, da suite, de acesso à garagem; o) crescimento de bolor como consequência da humidade nas cortinas da suite, quartos de hóspedes, norte e sul, e sala; p) deformação do pavimento flutuante da suite e da sala, pela acumulação de humidades; q) remates da fixação das caixas das tomadas elétricas da sala, cozinha e casas de banho deformados; r) grelha de arejamento da cozinha colocada em posição invertida; s) torneira do bidé da casa de banho da suite mal fixada; t) abatimento do piso de acesso à garagem; u) soleira da porta da cozinha fixada em sentido contrário; v) abaulamento do portão de acesso à garagem; w) deterioração das juntas do revestimento exterior e crescimento de musgos; x) formação de cristalizações nas zonas de escorrimento de águas; y) oxidação da chaminé; z) escoamento das águas do piso de cobertura insuficiente; aa) colector de águas residuais desalinhado e inclinação de escoamento insuficiente; bb) ausência de canalete de recolha de águas superficiais, junto à soleira do portão da garagem; 8. Logo após o aparecimento do descrito em 7., os autores contactaram o mediador imobiliário, solicitando que este contactasse o legal representante da ré com vista a verificar as desconformidades descritas e a proceder à respetiva reparação; 9. Nessa sequência, os autores solicitaram ao legal representante da ré que se deslocasse à fração referida em 2., o que nunca veio a suceder, tendo o legal representante da ré comunicado que não assumiria qualquer reparação, por não ser responsável pela mesma; 10. Em julho, agosto e novembro de 2019, os autores enviaram ainda mais três interpelações escritas com aviso de receção à ré, relatando e expondo as diversas anomalias e desconformidades de que a fração referida em 2. vinha padecendo; 11. A ré nunca respondeu às referidas interpelações; 12. Nessa sequência, o autor deslocou-se ao escritório da ré para confirmar se a morada estava correta e se, de facto, tinham recebido as cartas, o que foi confirmado por JJ, filha do legal representante da ré, que lhe transmitiu ainda que não iriam responder nem verificar o estado da fração referida em 2., por considerarem que o imóvel não teria garantia e que a melhor solução era os autores recorrerem a tribunal; 13. A reabilitação total da fração referida em 2., incluindo das desconformidades elencadas em 7., foi orçamentada, em 01/09/2021, em cerca de € 42.750,00 (quarenta e dois mil setecentos e cinquenta euros), acrescido de IVA; 14. Em consequência do descrito em 7. e 9., 11. e 12., os autores sentem-se angustiados, ansiosos e desconsiderados; 15. EE comprou a fração referida em 2. mobilada e decorada e residiu lá cerca de 18 meses, não tendo nela realizado qualquer alteração em relação ao estado em que a recebeu; 16. Pelo menos as desconformidades referidas nas alíneas referidas em d), j), w) e z) verificam-se nas partes comuns do prédio. Não se provaram quaisquer outros factos dos alegados com interesse para a decisão da causa, designadamente que: a) A ré construiu a fração referida em 2.; b) Na fração referida em 2., verifica-se o disfuncionamento da porta do armário da casa de banho de serviço da suite e ausência de proteção nas luzes exteriores da casa; c) A fração referida em 2. foi vendida aos autores como sendo de categoria alta-luxo, o que foi apregoado pela ré; ** Nulidade da sentença . A apelante invoca a nulidade da sentença, nos termos da alínea d) do artigo 615º porque a sentença não apreciou a a excepção peremptória da exclusão da responsabilidade da ré e desconhecimento sem culpa dos defeitos, pois não apreciou a responsabilidade da vendedora EE. Alega que quando a ré vendeu a referida fracção em 15/2/2017 à EE, já estava construída e que por sua vez esta vendeu a fracção aos autores e 7/11/2018, desconhecendo todas as patologias que vieram a aparecer no imóvel. As causas de nulidade da sentença encontram-se enumeradas, de forma taxativa, no artigo 615º do Código de Processo Civil, dispondo esse preceito, aplicável aos acórdãos proferidos pela Relação, por força do n.º 1 do artigo 666.º do mesmo Código, que, para além das demais situações contempladas nesse normativo, é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento; O vício da sentença decorrente da omissão de pronúncia relaciona-se com o dispositivo do art. 608º do C.P.C., designadamente, com o seu nº 2, que estabelece as questões que devem ser conhecidas na sentença, havendo, assim, de por ele ser integrado. Desta conjugação de normativos resulta que a nulidade da decisão com fundamento na omissão de pronúncia apenas se verifica quando uma questão que devia ser conhecida nessa peça processual não teve aí qualquer tratamento, apreciação ou decisão, sem que a sua resolução tenha sido prejudicada pela solução, eventualmente, dada a outras. Importa, porém, não confundir questões com factos, argumentos ou considerações. A questão a decidir está intimamente ligada ao pedido e à respetiva causa de pedir. Relevam, de um modo geral, as pretensões deduzidas e os elementos integradores do pedido e da causa de pedir. Neste sentido, veja-se o Acórdão do STJ, de 9.2.2012, segundo o qual “a nulidade resultante de omissão de pronúncia verifica-se quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento (...), sendo certo que não se tem por verificada quando o tribunal deixa de apreciar algum ou alguns dos argumentos invocados pela parte tendo em vista a decisão da questão ou questões que a mesma submete ao seu conhecimento, só ocorrendo quando o tribunal deixa de se pronunciar sobre a própria questão ou questões que lhe são colocadas ou que tem o dever de oficiosamente apreciar, entendendo-se por questão o dissídio ou problema concreto a decidir e não os simples argumentos, razões, opiniões ou doutrinas expendidos pela parte na defesa da sua pretensão.” Ou seja, a sentença estará ferida de nulidade, com fundamento na omissão de pronúncia quando uma questão que devia ser conhecida nessa peça processual não teve aí qualquer tratamento, apreciação ou decisão, sem que a sua resolução tenha sido prejudicada pela solução, eventualmente, dada a outras e estará ferida de nulidade, com fundamento no excesso de pronúncia, quando o juiz vá para além do que lhe era permitido conhecer. No caso a sentença pronunciou-se sobre a existência ou não do direito dos autores exigirem da ré o custo da reparação, concluindo que o regime jurídico aplicável ao caso era o do Decreto-lei n.º 67/2003 de 8 de Abril. Improcede a alegada nulidade. Invoca ainda a apelante o abuso de direito por parte dos autores . Na origem do presente litígio – está um negócio jurídico de compra e venda entre os AA/apelados (como compradores) e a vendedora EE celebrado em 7 de Novembro de 2018, que por sua vez tinha adquirido a mesma fracção autónoma à ré apelante em 15 de Fevereiro de 2017. O objecto da aquisição é a fracção autónoma dum prédio constituído em propriedade horizontal que, segundo os AA/apelados, veio a revelar, algum tempo depois da data da sua aquisição, problemas de infiltrações, problemas que os AA/apelados dizem ter reportado/denunciado à R./apelante, em 2019 , como consta da matéria de facto provada. Alega a apelante que adquiriu a fracção à massa insolvente S..., Ldª , estando já concluída quando a ré a adquiriu. Por sua vez a fracção foi vendida pela apelante a EE que aí residiu 18 meses e em 7/11/2018 a vendeu aos autores. Alega assim que a sua condenação traduz-se num ostensivo desequilíbrio entre o exercício do direito e os efeitos dele derivados, na medida em que provoca ma desproporção inadmissível entre a vantagem dos autores e o sacrifício imposto à ré. O artigo 334º prescreve “é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social e económico desse direito“. Adoptou-se nesse preceito do C.C. a concepção objectiva de abuso de direito, uma vez que “não é necessária a consciência de se excederem com o seu exercício os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico do direito, basta que se excedam esses limites“ (cfr. A. Varela, RLJ, ano 114, pág. 74-75). O instituto do abuso de direito é uma verdadeira “válvula de segurança” para impedir ou paralisar situações de grave injustiça que o próprio legislador preveniria se as tivesse previsto, é uma forma de antijuricidade cujas consequências devem ser as mesmas de todo o ato ilícito (Ac. do STJ, de 23.1.2014, in www.dgsi.pt). Poder-se-á dizer que ocorre uma situação típica de abuso do direito quando alguém, detentor de um determinado direito, consagrado e tutelado pela ordem jurídica, o exercita, no caso concreto, fora do seu objetivo natural e da razão justificativa da sua existência e ostensivamente contra o sentimento jurídico dominante (Ac. da Relação de Coimbra, de 9.1.2017, in www.dgsi.pt). Há abuso de direito quando o direito, em princípio legítimo e razoável, é exercido em determinado caso de maneira a constituir clamorosa ofensa do sentimento jurídico dominante. Por isso, não basta que o titular do direito exceda os limites referidos, sendo necessário que esse excesso seja manifesto e gravemente atentatório e ofensivo daqueles valores. Para determinar os limites impostos pela boa-fé e pelos bons costumes, há que lançar mão dos valores éticos predominantes na sociedade e para os impostos pelo fim social ou económico do direito deverão considerar-se os juízos de valor positivamente consagrados na lei (Ac. do STJ, de 23.1.2014, in www.dgsi.pt). De acordo com o disposto no artigo 1º-Aº do Decreto-Lei n.º 67/2003, na redacção do DL 84/2008 de 21 de Maio, aplicável ao caso “o presente decreto-lei é aplicável aos contratos de compra e venda celebrados entre profissionais e consumidores – n.1 O presente decreto-lei é ainda aplicável, com as necessárias adaptações aos bens de consumo fornecidos no âmbito de um contrato de empreitada ou de outra prestação de serviços, bem como à locação de bens de consumo” – n.º 2. Deste modo, a relação de compra e venda de consumo é aquela que é estabelecida entre alguém que destina a coisa a um uso não profissional e outrem que exerce com carácter profissional uma determinada actividade económica, a qual abrange a realização/construção da coisa em causa, mediante remuneração, sendo que o ónus da prova de tais qualidades cabe ao comprador (tendo em conta que, em condições normais, será o beneficiado com a aplicação deste regime). Este tipo contratual tem normas mais favoráveis à posição contratual do comprador e, por isso, se trata de um regime especial que afasta as regras do regime geral estabelecidas no Código Civil. A relação de compra e venda de consumo aquela que é estabelecida entre alguém que destina a coisa a um uso não profissional e outrem que exerce com carácter profissional uma determinada actividade económica, a qual abrange a realização/construção da coisa em causa, mediante remuneração (cfr. art. 2.º/1 da LDC e 1.º-B/a) do DL 67/2003) – o ónus da prova de tais qualidades cabe ao comprador (tendo em conta que, em condições normais, será o beneficiado com a aplicação deste regime). Deste modo, no caso dos autos a compra da fracção para habitação deve considerar-se como uso não profissional por parte dos autores e a ré é uma sociedade que se dedica à compra e venda de habitações. Nas palavras de Antunes Varela (in Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 128º, pág. 241) o abuso de direito é um instituto que rege para as situações concretas em que é clamorosa, sensível e evidente a divergência entre o resultado da aplicação do direito subjetivo e alguns dos valores impostos pela ordem jurídica para a generalidade dos direitos ou dos direitos de certo tipo. Entendemos que não é o caso dos autos uma vez que de acordo com o disposto no artigo 4º do DL n.º 67/2003 em caso de falta de conformidade do bem com o contrato o consumidor tem direito a que esta seja reposta sem encargos, por meio de reparação ou de substituição, à redução adequada do preço ou à resolução do contrato. De acordo com o n.º 5 desta disposição o consumidor pode exercer qualquer dos direitos referidos nos números anteriores, salvo se tal se manifestar impossível ou constituir abuso de direito, nos termos gerais. De acordo com o n.º 6 do citado artigo os direitos atribuídos pelo presente artigo transmitem-se a terceiro adquirente do bem. Deste modo, deve ser reconhecido aos autores o direito a procederem á realização da reparação dos defeitos e anomalias e serem indemnizados no correspondente custo dessa reparação, à excepção das referidas nas alíneas d), j), w) e z) . III – Pelo exposto acordam os Juízes desta Secção em julgar a apelação parcialmente procedente e em consequência alteram a sentença da seguinte forma: Condenam a ré a pagar aos autores a quantia que se liquidar em incidente de liquidação, relativo o custo da reparação dos defeitos referidos no ponto sob o n.º 7 b) a bb) à excepção dos referidos na alíneas d), j), W) e Z), mantendo-se no mais a sentença recorrida. Custas por autores e ré na proporção de 1/3 e 2/3. Guimarães, 10 de Julho de 2023. |