Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
| ||
Relator: | FERNANDA PROENÇA FERNANDES | ||
Descritores: | INVENTÁRIO CASA DE MORADA DE FAMÍLIA COMPENSAÇÃO ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA | ||
![]() | ![]() | ||
Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 07/10/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
![]() | ![]() | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | APELAÇÃO IMPROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | 3ª SECÇÃO CÍVEL | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário: | I. Tendo havido acordo no divórcio por mútuo consentimento, quanto à atribuição da casa de morada de família ao cônjuge marido (aqui apelado), e tendo resultado provado que este, em virtude de lhe ser atribuída a casa de morada de família, se comprometeu a suportar a amortização do empréstimo, bem como todas as despesas inerentes à habitação, o que sempre fez, não pode admitir-se que seja devida à apelante (cônjuge mulher) qualquer compensação. II. Estribando-se a utilização da casa de morada de família pelo ex-cônjuge marido (aqui apelado) no conteúdo de um acordo celebrado pelos ex-cônjuges e não estando previsto o pagamento de qualquer compensação ao ex-cônjuge mulher (aqui apelante) pela utilização exclusiva da casa de morada da família, atribuída ao ex-cônjuge marido, não existe fundamento bastante para obter o reconhecimento ulterior de tal obrigação. III. A autorização da apelante para o apelado utilizar em exclusivo a casa de morada de família, concedida através do acordo estabelecido com esse conteúdo e homologado no processo de divórcio, afasta o preenchimento do requisito de falta de causa justificativa, necessário ao enriquecimento sem causa. | ||
![]() | ![]() | ||
![]() | ![]() | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães I. Relatório. Nestes autos de processo especial de inventário subsequente a divórcio, a interessada AA apresentou reclamação à relação de bens, pretendendo que seja relacionado como crédito a seu favor um determinado valor como compensação pelo uso e fruição da casa de morada de família que o interessado BB tem utilizado em exclusivo desde o divórcio. O cabeça-de-casal respondeu, pugnando pela improcedência do pretendido pela interessada. Realizadas as diligências de prova tidas por convenientes, foi proferida decisão, com o seguinte dispositivo: “IV – Decisão Face ao exposto, e nos termos das disposições legais supra citadas, julgo a presente reclamação à relação de bens improcedente e, em consequência, mantém-se a relação de bens tal qual apresentada pelo cabeça-de-casal. Custas do incidente a cargo da reclamante.” * Inconformada com esta decisão, dela interpôs recurso a interessada AA, a qual, a terminar as respectivas alegações, formulou as seguintes conclusões (que se transcrevem):“II CONCLUSÕES A)- Vem o presente Recurso de Apelação interposto da Douta Decisão de Fls. ….. de 16/02/2022, que julgou improcedente a reclamação à Relação de Bens apresentada pelo Cabeça-de-Casal, relativamente ao segmento invocado pela Recorrente no Capítulo IV, Pontos 10º a 23ª desta mesma Reclamação, e, em consequência, decidiu manter esta mesma relação de bens tal qual apresentada pelo Cabeça de casal. - Alegou a Recorrente/Reclamante que deve ser relacionado como crédito a seu favor um determinado valor como compensação pelo uso e fruição da casa de morada de família que o interessado e cabeça de casal BB tem utilizado em exclusivo desde o divórcio. - Invocou ainda a Recorrente que tal valor nunca deve ser inferior a € 350,00 por mês, o que perfaz um crédito no valor de € 4.200,00 por ano, a contar, pelo menos, desde Novembro de 2009 (data da separação de facto do ex-casal) até à presente data (Novembro de 2019), o que perfaz um total de € 42.000,00, o qual corresponderia a metade do valor locativo do imóvel até à sua partilha. B)- Considerou o Tribunal a quo que não assiste à Apelante/Interessada o direito a peticionar uma compensação como contrapartida pelo utilização exclusiva por parte do Recorrido/Interessado da sua quota parte neste prédio, porquanto este não privou aquela de utilizar esta mesma casa de habitação, pelo que inexiste fundamento legal para impor àquele a obrigação de pagar a esta uma compensação pelo facto de estar a utilizar de modo exclusivo o imóvel. C)- Ora, não pode a Recorrente/Interessada conformar-se com tal decisão. D)- E desde logo porque a Recorrente, por acordo no processo de divórcio acordou com o Recorrido que a utilização da casa de habitação fosse feita por este, mas apenas até à data da partilha. E)- Vedar a Recorrente do direito a receber uma compensação por parte de alguém – neste caso o ex-marido – que utilizou e utiliza esta mesma casa de habitação na sua totalidade e de forma exclusiva, é, no mínimo cortar-lhe o seu direito de propriedade e o direito ao arrendamento. F)- Se o Recorrido tivesse de arrendar outro imóvel também pagaria renda ao seu senhorio pela utilização do mesmo, como aconteceu durante um período de tempo com a Recorrente logo após o divórcio. G)- Acresce que a decisão proferida pelo Tribunal a quo é em tudo injusta, lesando-se assim gravemente a Recorrente e os seus direitos a perceber os frutos da sua quota- parte no imóvel. H) – Violando-se assim os princípios decorrentes da cessação da comunhão de direitos advenientes do património comum do casal, e em consequência o disposto nos artigos 1403º, 1404º, 1406º, 1793º do Código Cível e 473 também do Código Civil, ou seja, com violação do princípio do enriquecimento sem causa, que para todos os efeitos legais, se invoca. o disposto nos artigos 1403º, 1404º, 1406º, 1793º do Código Cível e 473 também º. I)- O processo “de partilhas” – inventário em consequência de separação, divórcio, declaração de nulidade ou anulação de casamento – compreende em si uma panóplia de situações jurídicas a ser analisadas e decididas. J)- Sendo uma delas a relação dos créditos e das dívidas da herança, acompanhada das provas que possam ser juntas. K)- A Recorrente demonstrou nestes autos que teve de sair da casa de morada de família após a separação do casal, e ainda antes de ser decretado o divórcio, e que, em face de tal, teve de resolver o seu problema de habitação, quer recorrendo a casa arrendada durante um lapso de tempo de cerca de 2 anos, tendo depois ido viver para casa de seus pais, por motivos de dificuldades financeiras. L)- Por seu lado, o Recorrido não teve esses custos, tendo ficado a habitar a casa pertença de ambos, sem qualquer custo acrescido. M)- É notório que o Recorrido, ao manter-se na habitação pertença do património comum do ex-casal, enriqueceu o seu património próprio à custa desse património comum. N)- O tribunal a quo ao fundamentar a sua decisão nos termos em que o fez e consequentemente absolver o Recorrido deste pedido de reconhecimento a favor da Recorrente deste direito de compensação, violou de forma concreta o disposto nos artigos 1403º, 1404º, 1406º, 1793º do Código Cível e 473 também do Código Civil, ou seja, com violação do princípio do enriquecimento sem causa, que para todos os efeitos legais, se invoca. O)- A douta sentença, incorre num erro de análise do direito e consequentemente dos factos. P)- Assim, violou a douta sentença todos os normativos legais supra mencionados, quando considerou inexistir direito de compensação do réu sobre a autora como forma de obviar a um inadmissível enriquecimento do cônjuge a quem o imóvel foi provisoriamente atribuído à custa do outro interessado. Q)- A douta sentença recorrida deveria, pois, sempre salvo o devido respeito por melhor opinião, ter reconhecido a existência desse direito de compensação, julgando procedente a reclamação apresentada quanto a este segmento. TERMOS EM QUE deve ser dado provimento ao presente Recurso de Apelação, julgando-o procedente e, em consequência, ser a douta Decisão ora recorrida revogada e substituída por outra que julgue procedente a reclamação apresentada quanto a este segmento, e, em consequência, reconheça a favor da Recorrente o direito a receber do cabeça de casal BB uma compensação pelo uso e fruição da casa de morada de família que o mesmo fez de forma exclusiva desde a separação do casal em .../.../2009, mas principalmente desde a data do divórcio ocorrida em 19/03/2010, até hoje, ou seja, até à sua partilha nestes autos, e, por isso, a ter de ser tido em consideração mapa de partilha, pois fará parte do seu passivo, ASSIM SE FAZENDO INTEIRA E SÁ JUSTIÇA!”. * O interessado BB contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso, e terminando com as seguintes conclusões (que igualmente se transcrevem):“CONCLUSÕES 1. A intenção da Recorrente está dotada ao insucesso, conforme se demonstrará, já que que a Douta Sentença proferida tem de manter-se, necessariamente, pois consubstancia a solução que consagra a mais justa interpretação e aplicação a este caso sub judice das normas legais e princípios jurídicos competentes. 2. O Recurso deduzido pela Recorrente assenta essencialmente na discordância desta quanto à decisão de improceder o incidente de reclamação por si deduzido, através do qual pretendia que lhe fosse reconhecido o direito a receber do cabeça-de-casal ora Recorrido uma compensação pelo uso e fruição da casa de morada de família por parte deste, desde a data do divórcio. 3. Antes de mais, cumpre esclarecer os presentes autos que, ao contrário do alegado pela Recorrente (pág. 3 das Alegações de recurso), não foi decidido no processo 3079/17...., do Juízo Central Cível ..., Juiz ..., que o “bem imóvel composto pela casa de habitação de ... e ... aqui identificado nestes autos”, é “bem comum do ex-casal”. 4. O que ali foi decidido, conforme resulta do teor do dispositivo dessa mesma Sentença, é que a “casa de habitação de ... e ..., cujo solo faz parte do prédio sito na Rua ..., da freguesia ..., deste concelho, descrita na Conservatória do Registo Predial sob o nº ...06/..., e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...71, é bem comum do extinto casal formado pela aqui autora e réu”. 5. De facto, a decisão ali proferida não poderia ir para além do pedido formulado naquela acção, pela ali Autora, ora Recorrente, da seguinte forma, que pediu que fosse declarado que todas as benfeitorias executadas pelo casal de Autora e Réu fossem bens comuns do casal e que as mesmas fossem objecto de divisão entre o casal. 6. Ou seja, salvo melhor entendimento, é errado dizer que “o bem imóvel.. é bem comum do ex-casal,” conforme se encontra nas Alegações de Recurso. 7. Até porque, na relação de bens que consta dos presentes autos, encontra-se descrita uma Verba como “Benfeitoria composta por casa de habitação de ... e ..., cujo solo faz parte do prédio sito na Rua ..., da freguesia ..., deste concelho, descrita na Conservatória do Registo Predial sob o nº ...06/..., e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...7”, o que aliás não foi objecto de reclamação por parte da Requerida ora Recorrente. 8. Quanto ao objecto do Recurso, cumpre realçar que a Recorrente não colocou em crise o decidido na 1º Instância quanto à matéria de facto, pelo que é sobre a factualidade ali dada como provada que deverá incidir a solução jurídica. 9. Resulta da factualidade dada como provada nos pontos 5. e 10. que a Recorrente se desinteressou da casa meses antes do divórcio, de onde se ausentou voluntariamente. 10. Dos pontos 8., 9., 16. e 17. dos factos dados como provados, extrai-se que, desde a data do divórcio, todas as despesas associados ao crédito bancário, seguros de vida, imposto do selo e despesas de manutenção da conta bancária, têm sido pagas exclusivamente pelo Recorrido, assim como as despesas relacionadas com o uso ou posse daquela casa, como limpeza e IMI. 11. Ou seja, foi a Recorrente que não quis utilizar a casa, e nada fez para que a casa se mantivesse como propriedade do ex-casal (se o Recorrente não continuasse a pagar as prestações bancarias, durante mais de 10 anos, já o credor Banco 1... teria intentado processo executivo e beneficiado da hipoteca que incide sobre o imóvel). 12. Além do mais, se a Recorrente viesse a necessitar daquela que era a casa de morada de família, teria desde .../.../2010 (data do divórcio) até à presente data, intentado a competente Acção de atribuição de casa de morada de família, o que nunca se verificou. 13. Por outro lado, foi de comum acordo que a utilização da casa de morada de família ficasse atribuída ao Recorrido; assim resulta do acordo que foi junto com o procedimento de divórcio. 14. O acordo dos cônjuges no qual se não prevê o pagamento de qualquer compensação pecuniária pelo uso exclusivo da casa, através dele atribuída a um dos cônjuges, deve ser interpretado no sentido de que as partes não contemplam o pagamento de qualquer quantia como contrapartida da utilização do imóvel, não sendo admissível a sua modificação substancial em termos de converter a utilização prevista no acordo, numa utilização subordinada ao pagamento de uma quantia pecuniária. 15. Aliás, e tal como se evidencia da factualidade dada como provada, nos pontos 14., 15. e 18., o Recorrido não tinha, nem tem necessidade de utilizar a casa, porque à data do divórcio, já se encontrava emigrado, e desde então apenas a tem utilizado entre uma a duas semanas por ano. 16. Além do mais, o Recorrido não tem retirado qualquer lucro ou rendimento pelo facto de estar responsável pela habitação. 17. Não foi alegado, nem dado como provado, que a Recorrente tivesse alguma despesa com o arrendamento ou aquisição de outra casa para poder habitar. 18. Nem foi dado como provado o que a Recorrente agora invoca para tentar sustentar o seu Recurso (designadamente, que tenha recorrido a casa arrendada durante um lapso de tempo, tendo depois ido viver para casa de seus pais, por motivos de dificuldades financeiras). 19. É, pois, desprovido de sentido o peticionado pela Recorrente, de que deve ser compensada pelo Recorrido num valor total de 42.000,00€, ou em outro valor qualquer, quando tal não foi acordado ou fixado previamente. 20. Além de que, o Recorrido não retirou nem retira nem qualquer lucro ou rendimento pelo facto de estar responsável pela habitação, pelo contrário, tal circunstância apenas lhe acarreta despesas com IMI, limpeza de terreno, entre outros, 21. E o tem obrigado a suportar exclusivamente os encargos com prestações bancárias e demais despesas associadas ao crédito bancário (sob pena do credor hipotecário accionar a sua garantia), as quais eram e continuam a ser da responsabilidade de ambos os elementos do ex-casal (ambos assinaram o contrato de mútuo com hipoteca necessário à obtenção de dinheiro para construção da casa). 22. Em suma, decidiu bem o Julgador a quo, pois, ainda que possa existir um direito a ver reconhecido um valor monetário como compensação pelo uso e fruição da casa de morada de família por parte de um dos ex-cônjuges, esse direito baseia a sua existência no instituto do enriquecimento sem causa e depende sempre da análise dos pressupostos factuais, os quais no caso concreto não se verificam – o Recorrido não tem necessidade de habitar permanentemente na casa e a sua utilização foi-lhe atribuída por acordo, no momento do divórcio, atendendo a que a Recorrente não tinha condições financeiras para suportar os encargos bancários, a qual aliás nunca demonstrou qualquer interesse em habitar o imóvel. 23. Na senda do acima defendido encontramos, a titulo exemplificativo, o teor do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto proferido em 29-04-2021, no processo 667/19...., do qual resulta que não existe fundamento jurídico, legal ou convencional, para o cônjuge que permanece a habitar na casa de morada de família na sequência de um acordo dos cônjuges homologado judicialmente na acção de divórcio que lhe atribuiu, até à partilha, essa utilização exclusiva, tenha de pagar ao cônjuge de saída uma contrapartida, compensação ou indemnização por essa exclusividade da utilização, pois tal situação não preenche os pressupostos dos institutos da responsabilidade civil ou do enriquecimento sem causa. 24. E ainda o decidido no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra proferido em 27-04-2017, no processo 3175/16.3T8VIS.C1, de onde se conclui que mão constando do acordo outorgado qualquer pagamento pela atribuição do uso da habitação da casa de morada de família ao Réu, qualquer declaratário normal –que de acordo com o disposto no n.º 1 do art.º 236º do C. Civil corresponde ao “bonus pater familias” equilibrado e de bom senso, pessoa de qualidades médias de instrução, inteligência e diligência normais –, entenderá que foi porque as partes o não quiseram convencionar pois se o quisessem o contrário tê-lo-iam deixado expresso, nada permitindo que se equacione coisa diversa. 25. Assim, decidiu bem a Sentença ora em análise, ao declarar improcedente a reclamação à relação de bens deduzida pela Requerida ora Recorrente, e ao não conceder qualquer compensação pelo facto de ter sido atribuído ao Recorrido o uso da casa de morada de família, por acordo entre Recorrente e Recorrido, aquando do procedimento de divórcio. 26. No mais sufragamos toda a matéria dada como provada e não provada na douta Sentença proferida, bem como a sua fundamentação quer de facto quer de direito, por entendermos que a douta Sentença proferida não merece qualquer censura ou reparo, devendo ser julgada improcedente a Apelação. Nestes termos e nos demais de Direito aplicável, deve o Recurso ser considerado totalmente improcedente, mantendo-se a decisão proferida em Primeira Instância, assim se fazendo inteira Justiça.”. * O recurso foi admitido no modo legal.* Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.* II. Questões a decidir.Sendo o âmbito dos recursos delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente – artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (doravante, abreviadamente, designado por CPC), - ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, a única questão que se coloca à apreciação deste Tribunal consiste em saber se deve ser relacionado como crédito a favor da interessada apelante, um determinado valor como compensação pelo uso e fruição da casa de morada de família que o apelado tem utilizado em exclusivo desde o divórcio. * III. Fundamentação de facto.Na decisão apelada foram considerados provados os seguintes factos: “1. No Tribunal Judicial da Comarca ..., Juízo Central Cível ..., Juiz ..., entre Requerente e Requerido correu termos um processo declarativo comum sob o nº 3079/17..... 2. Em 13/07/2018 foi proferida decisão final (sentença), já transitada em julgado, a qual declarou como facto provado que “o valor das obras de construção da habitação ascendem à quantia de € 149.155,00”. 3. Nesta mesma SENTENÇA é decidido o seguinte: “Declara-se que a casa de habitação de ... e ..., cujo solo faz parte do prédio urbano sito na Rua ..., da freguesia ..., do concelho ..., inscrito na matriz sob o Artº. ...7-urbano e descrito no registo predial sob o Artº. ...06/... é bem comum do extinto casal formado pela aqui Autora e Réu e como tal ser sujeito a partilha” 4. O bem imóvel composto pela casa de habitação de ... e ... aqui supra identificado, é, como ficou decidido naquele processo, bem comum do ex casal, sendo que foi também a sua casa de habitação e de morada de família até à separação do casal. 5. A separação de facto do ex-casal ocorreu em Novembro de 2009, data a partir da qual a aqui interessada mulher Paula deixou de residir nesta casa de habitação juntamente com o Requerente Vítor. 6. Desde esta separação de facto – Novembro de 2009 - e até hoje – Setembro de 2019 – esta mesma casa de habitação passou a estar na posse exclusiva do Requerente/Interessado marido Vítor. 7. Pelo uso e fruição deste bem comum por parte do Requerente/Interessado de forma exclusiva e em proveito próprio, nunca este pagou à aqui Interessada/Requerida qualquer quantia a título de utilização deste bem imóvel. 8. É o Requerente que, desde o divórcio, tem pago, sozinho, com parte do seu salário, os seguros de vida, obrigatórios, associados ao crédito bancário, 9. Assim como outras despesas associadas àquele crédito, onde se inclui imposto do selo e despesas de manutenção da conta bancária. 10. A Requerida, no final do ano de 2009, saiu voluntariamente da casa que, até aí, era a sua habitação. 11. O Requerente e Requerida decidiram, aquando do procedimento de divórcio, que a casa de morada de família ficava destinada a habitação do Requerente marido. 12. Porque o terreno onde a habitação foi construída era bem próprio dele. 13. E, sobretudo, porque era o único elemento do ex-casal que conseguia suportar sozinho a prestação bancária e demais despesas associadas à habitação. 14. O Requerente não necessitava da casa para habitar, porque, à data, já se encontrava emigrado. 15. O Requerente apenas tem utilizado a casa entre uma a duas semanas por ano. 16. Ficou acordado que o Requerente ficaria responsável pelas despesas da casa, nomeadamente, IMI, limpeza do terreno, electricidade, etc. 17. Despesas essas que o Requerente tem assumido e não tem exigido à Requerida. 18. O Requerente não tem retirado qualquer lucro ou rendimento pelo facto de estar responsável pela habitação”. * Nessa mesma decisão, foram considerados como não provados os demais factos alegados pela reclamante e pelo cabeça-de-casal, os quais se deram por integralmente reproduzidos.* Da consulta dos autos, nomeadamente da prova documental, há ainda a considerar o seguinte:- Apelante e apelado requereram o seu divórcio por mútuo consentimento na Conservatória do Registo Civil ..., o qual veio a ser decretado a 19 de .../.../2010. - Entre os acordos apresentados, constava o acordo sobre a atribuição da casa de morada de família, com o seguinte teor: “A casa de morada de família sita na Rua ..., da freguesia ..., deste concelho, constitui bem comum dos signatários, ficando destinada a habitação do requerente marido”. * IV. Fundamentação de direito.Delimitada que está, sob o n.º II, a questão essencial a decidir, é o momento de a apreciar. Há então que verificar se, decretado o divórcio e encontrando-se pendente processo de inventário para partilha dos bens comuns do casal, o mero uso, em exclusividade, por um dos cônjuges de imóvel que pertence em comum ao casal, confere ao outro o direito a obter uma indemnização ou compensação. Trata-se assim de saber se o ex-cônjuge que não utiliza o património comum deve ser compensado ou indemnizado pelo outro ex-cônjuge pelo facto de este ser o único a utilizá-lo. A apelante entende que sim. Não lhe cabe razão, e veremos porquê. As posições jurisprudenciais acerca da questão a decidir nestes autos já foram muito extremadas, contudo, entendemos que é hoje indiscutível que até à realização da partilha de bens comuns, a decisão de atribuição da casa de morada de família pode ou não comportar, em função de uma valoração judicial concreta das circunstâncias dos ex-cônjuges e atentas as exigências de equidade e de justiça, a fixação de uma compensação pecuniária ao ex-membro do casal privado do uso daquele bem ou, alternativamente, a definição do modo de repartição dos custos relacionados com o pagamento do empréstimo e outros acessórios (Cfr. Acórdão da Relação de Évora de 30.01.2020, in www.dgsi.pt). No caso dos autos, considerando a factualidade que se deu como provada (e apenas esta, já não a alegada pela apelante e repetida nas suas alegações - que se não apurou), e que não foi impugnada, temos que resulta da mesma que a utilização da casa de morada de família pelo apelado, encontra-se estabelecida em virtude do acordo dos cônjuges, devidamente homologado, no processo de divórcio. Mais resulta da factualidade apurada que, apelante e apelado decidiram, aquando do procedimento de divórcio, que a casa de morada de família ficava destinada a habitação do requerente marido, porque o terreno onde a habitação foi construída era bem próprio dele, e, sobretudo, porque era o único elemento do ex-casal que conseguia suportar sozinho a prestação bancária e demais despesas associadas à habitação. Ficou acordado que o apelado ficaria responsável pelas despesas da casa, nomeadamente, IMI, limpeza do terreno, electricidade, etc, sendo que é ele que, desde o divórcio, tem pago, sozinho, com parte do seu salário, os seguros de vida, obrigatórios, associados ao crédito bancário, assim como outras despesas associadas àquele crédito, onde se inclui imposto do selo e despesas de manutenção da conta bancária. Despesas essas que o apelado tem assumido e não tem exigido à apelante. Temos assim que, o que se verificou foi que, uma vez cessada a vida em comum, entenderam apelante e apelado beneficiar este com a utilização exclusiva da casa de morada de família, estabelecendo como contrapartida que deixaria a apelante de contribuir proporcionalmente no pagamento das dívidas associadas à mesma, que seriam suportadas exclusivamente pelo apelado. Ora, as dívidas em causa (prestações bancárias e demais despesas associadas à habitação), inserem-se na previsibilidade do artº 1691º a) do Cód. Civil (encargo com a habitação do casal). Pese embora este encargo tenha como subjacente o princípio da contribuição proporcional (cfr. artº 1676º do Cód. Civil) e quanto a este princípio, no direito português, não exista a possibilidade expressa de o mesmo ser afastado por vontade dos cônjuges, e, logo, o pagamento também proporcional das dívidas comuns, a verdade é que há na nossa doutrina quem entenda que o critério da contribuição proporcional não tem carácter imperativo, uma vez que sendo a contribuição para os encargos da vida familiar um domínio privilegiado dos acordos entre os cônjuges sobre a orientação da vida em comum, só na ausência de acordo é que vigoraria plenamente a prescrição da contribuição proporcional (cfr. Duarte Pinheiro in “ O Direito da Família contemporâneo” pág. 472; Paula Távora Vítor in “Crédito Compensatório e Alimentos Pós-divórcio”, pág. 68 e ss). Donde, mesmo perante uma situação ainda de vida em comum se pode considerar a existência da renúncia à compensação por contribuição excessiva. E, admitindo-se a possibilidade da vontade das partes afastar o princípio da contribuição proporcional, mais evidente nos parece ser de admitir que tal contribuição pode ser afastada quando deixa de existir vida em comum e a dívida contraída visa fazer face a uma necessidade inerente à vida familiar. Assim, considerando a factualidade que se deu como provada, bem como o facto de a assunção do pagamento das dívidas com a aquisição/construção da casa de morada de família constituir um encargo relativo à vida familiar, o que se verificou foi que, uma vez cessada a vida em comum, entenderam apelante e apelada beneficiar o apelado com a utilização exclusiva da casa de morada de família, estabelecendo como contrapartida que deixaria de existir a contribuição proporcional da apelante, mas sim e apenas a contribuição exclusiva do apelado, que passaria a beneficiar da casa de morada de família. Entendemos assim que, tendo havido acordo no divórcio por mútuo consentimento, quanto à atribuição da casa de morada de família ao cônjuge marido (aqui apelado), e tendo resultado provado que este, em virtude de lhe ser atribuída a casa de morada de família, se comprometeu a suportar a amortização do empréstimo, bem como todas as despesas inerentes à habitação, o que sempre fez, não pode admitir-se que seja devida à apelante qualquer compensação. Para além disso, estribando-se a utilização da casa de morada de família pelo ex-cônjuge marido (aqui apelado) no conteúdo de um acordo celebrado pelos ex-cônjuges e não estando previsto o pagamento de qualquer compensação ao ex-cônjuge mulher (aqui apelante) pela utilização exclusiva da casa de morada da família, atribuída ao ex-cônjuge marido, não existe fundamento bastante para obter o reconhecimento ulterior de tal obrigação. De facto, tal tendo vindo a ser o entendimento jurisprudencial a que aderimos, do qual exemplo os seguintes Acórdãos: - Ac. do STJ, de 13.10.2016, Lopes do Rego, in jusnet.pt: “IV. O acordo dos cônjuges, judicialmente homologado, no qual se não prevê o pagamento de qualquer compensação pecuniária pelo uso exclusivo da casa, nele atribuído a um dos cônjuges, deve ser interpretado, à luz do princípio da impressão do destinatário, no sentido de que as partes não contemplam o pagamento de qualquer quantia como contrapartida da utilização do imóvel – não sendo admissível uma modificação substancial dos respectivos termos, ao pretender transformar-se a utilização incondicionada, efectivamente prevista no acordo, numa utilização condicionada ao pagamento de quantia pecuniária, que não encontra o mínimo rasto ou traço nas cláusulas que o integravam”. - Ac. da Relação de Lisboa de 28.02.2023, in www.dgsi.pt: “Apurando-se que o pagamento integral por um dos ex-cônjuges das prestações de amortização de empréstimo contraído por ambos os cônjuges para aquisição do imóvel que constitui a casa de morada de família (pagamento esse, efectuado após a cessação das relações patrimoniais entre ambos) assumiu a natureza de contrapartida pela utilização em exclusivo da casa de morada de família, não existe qualquer crédito de compensação a atender na partilha”. Ou desta Relação de Guimarães, de 15.11.2018, no mesmo sítio: “III. O acordo dos cônjuges, judicialmente homologado, no qual se não prevê o pagamento de qualquer compensação pecuniária pelo uso exclusivo da casa, através dele atribuída a um dos cônjuges, deve ser interpretado no sentido de que as partes não contemplam o pagamento de qualquer quantia como contrapartida da utilização do imóvel, não sendo admissível a sua modificação substancial em termos de converter a utilização prevista no acordo, numa utilização subordinada ao pagamento de uma quantia pecuniária.”. A tal acresce que, ainda que assim não fosse, não se percepcionam quaisquer exigências de equidade e de justiça, considerando a concreta situação dos autos, que nos levem a entender ser de fixar uma compensação pecuniária ao ex-membro do casal (a aqui apelante) privado do uso daquele bem, uma vez que foi por ambos definido previamente o modo de repartição dos custos relacionados com o pagamento do empréstimo e outros acessórios, que ficaram todos a cargo do apelado. Aliás, como se diz na decisão apelada, se não fosse o apelado a suportar todas essas despesas, não existiria hoje, sequer, bem a partilhar. Improcede, pois, este fundamento da apelação. Mais invoca a apelante que demonstrou nestes autos que teve de sair da casa de morada de família após a separação do casal, e ainda antes de ser decretado o divórcio, e que, em face de tal, teve de resolver o seu problema de habitação, quer recorrendo a casa arrendada durante um lapso de tempo de cerca de 2 anos, tendo depois ido viver para casa de seus pais, por motivos de dificuldades financeiras, sendo que o apelado não teve esses custos, tendo ficado a habitar a casa pertença de ambos, sem qualquer custo acrescido, pelo que é notório que o apelado, ao manter-se na habitação pertença do património comum do ex-casal, enriqueceu o seu património próprio à custa desse património comum. Também aqui não cabe razão à apelante. Desde logo, porque contrariamente ao por si invocado, não resultou provado que a apelante teve de recorrer a casa arrendada durante um lapso de tempo de cerca de 2 anos, tendo depois ido viver para casa de seus pais, por motivos de dificuldades financeiras. E também porque, ainda que assim fosse, não se mostram preenchidos os pressupostos do instituto do enriquecimento sem causa. Com efeito, dispõe o art.473º nº1 do Cód. Civil: “Aquele que, sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou”, acrescentando o nº 2 do referido art. que “A obrigação de restituir, por enriquecimento sem causa, tem de modo especial por objecto o que for indevidamente recebido (...)”. A obrigação de restituir fundada no enriquecimento sem causa pressupõe a verificação cumulativa de três requisitos: a existência de um enriquecimento, sem causa justificativa e à custa de quem requer a restituição. O enriquecimento, como escreveu Vaz Serra, (in RLJ. 102º, p. 337 nota 2), “… consiste numa melhoria da situação patrimonial do obrigado a restituir, representando a diferença do estado actual do seu património e o estado em que ele se encontraria se não tivesse tido lugar a deslocação, sem causa, de valores”. A obrigação de restituir pressupõe, por seu lado, que o enriquecimento tenha sido obtido à custa de quem requer a restituição. A correlação exigida por lei entre a situação dos dois sujeitos traduz-se, em regra, no facto de a vantagem patrimonial alcançada por um deles resultar do sacrifício económico correspondentemente suportado pelo outro. Ao enriquecimento injusto de uma pessoa corresponde o empobrecimento da outra. De acordo com o disposto no art. 479º nºs 1 e 2 do Cód. Civil “A obrigação de restituir fundada no enriquecimento sem causa compreende tudo quanto se tenha obtido à custa do empobrecido ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente (...). A obrigação de restituir não pode exceder a medida do locupletamento à data da verificação de algum dos factos referidos nas duas alíneas do artigo seguinte”. O objecto da obrigação de restituir é determinado em função de dois limites; por um lado, o beneficiado só deverá restituir aquilo com que efectivamente se acha enriquecido e, por outro, o objecto da obrigação de restituir deve compreender tudo quanto se tenha obtido à custa do empobrecido. Finalmente, tal enriquecimento tem de carecer de qualquer causa justificativa. Para Almeida Costa (in Direito das Obrigações, 4ªed., p. 327) “reputa-se que o enriquecimento carece de causa quando o direito o não aprova ou consente, porque não (há) existe uma relação ou um facto que, de acordo com os princípios do sistema jurídico, justifique a deslocação patrimonial” ou, na expressão de Larenz (in A. Varela e P. Lima, C.C. anot., 1976, p.320), “o enriquecimento é destituído de causa, quando, segundo a ordenação jurídica dos bens, ele cabe a outrem”. Contudo, há que ter em conta que, sendo o enriquecimento fonte autónoma da obrigação de restituir, embora subsidiária (art.º 474º do Cód. Civil), a falta de causa da atribuição ou vantagem patrimonial que integra o enriquecimento terá de ser alegada e demonstrada por quem invoca o direito à restituição dela decorrente, em conformidade com as exigências das regras gerais sobre os ónus de alegação e prova (art.º 342º do Cód. Civil). Com efeito, a mera falta de prova da existência de causa da atribuição não é suficiente para fundamentar a restituição do indevidamente pago, sendo necessário provar também que efectivamente a causa falta (Cfr. neste sentido, Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. I, 10ª edição, revista e actualizada (reimpressão), Almedina, Coimbra, 2003, 482 e 483, nota (1), Mário Júlio de Almeida Costa, Direito das Obrigações, 12ª edição, Almedina, pág. 501, nota (1), e, entre outros, os acórdãos do STJ de 22/06/2004, de 25/11/2008, de 02/02/2010, de 14/10/2010, de 19/02/2013, de 20/03/2014 e de 29/04/2014, acessíveis in www.dgsi.pt.) Assim, sendo uma acção estruturada (também) com base no enriquecimento sem causa, compete ao autor alegar e provar os respectivos pressupostos, vertidos no art. 473º nº1 do Cód. Civil, sendo os mesmos, como já referido: a) a existência de um enriquecimento; b) a obtenção desse enriquecimento à custa de outrem; c) a ausência de causa justificativa para o enriquecimento. Ou seja, a falta de causa para além de alegada, tem que ser provada, por quem pede a restituição, não bastando, segundo as regras do ónus da prova, que não se prove a existência de uma causa da atribuição, sendo preciso convencer o tribunal da falta de causa. Como se afirma no sumário do Ac. do STJ de 12/07/2018, proc. 779/15.5T8PTM.E1.S1, disponível in www.dgsi.pt: “Tendo sido alegado pelos autores um empréstimo feito ao réu (ou seja, um contrato de mútuo) e defendendo-se o réu dizendo que a quantia peticionada era a contrapartida de serviços prestados aos autores, não se provando o contrato de mútuo, não pode o juiz, na sentença, condenar com base no enriquecimento sem causa, dado que a ausência de causa justificativa da deslocação patrimonial tem de ser alegada e provada pelo requerente da restituição do enriquecimento (arts. 342.º, n.º 1, 473.º e 474.º do CC) e a causa de pedir da acção não é o enriquecimento sem causa, mas o alegado contrato de mútuo”. E no seu texto: “Como se afirma no acórdão do STJ de 17/10/2006 «a matéria do ónus da prova constitui um dos “raros oásis de consenso” no âmbito do enriquecimento sem causa: na verdade, é doutrina praticamente pacífica e jurisprudência largamente dominante a tese de que cabe ao autor demonstrar a ausência de causa da sua prestação, não obstante tratar-se de um facto negativo».”. Também no Ac. do STJ de 19.02.2013, in www.dgsi.pt, se diz: “o enriquecimento sem causa … é fonte autónoma de obrigações, sendo que a causa da deslocação patrimonial só releva na ausência de relação obrigacional, negocial ou legal e, designadamente, tratando-se de prestação sem qualquer finalidade típica tutelada. Por isso, a pretensão de enriquecimento é sempre subsidiária (ou residual), de sorte que só é possível se não existir meio alternativo para ressarcimento dos prejuízos (declaração de nulidade ou de anulação de negócio, por ex.). Sendo, ele mesmo, fonte autónoma de obrigações, embora subsidiária, a falta de causa da atribuição ou vantagem patrimonial que integra o enriquecimento terá de ser alegada e demonstrada por quem invoca o direito à restituição dela decorrente, em conformidade com as exigências das regras gerais sobre os ónus de alegação e prova – art. 342º C. Civil. A mera falta de prova da existência de causa da atribuição não é suficiente para fundamentar a restituição do indevidamente pago, sendo necessário provar que efectivamente a causa falta (…)”. Considerando estes ensinamentos, parece-nos ser de concluir que, pelo menos este último requisito (a ausência de causa justificativa), não se mostra preenchido. É que, existe uma causa perfeitamente justificada para o apelado utilizar em exclusivo a casa de morada de família, e que é a autorização da apelante, concedida através do acordo estabelecido com esse conteúdo e homologado no processo de divórcio. Improcede, assim, a apelação. * Sumário (ao abrigo do disposto no art. 663º, n.º 7 do CPC):I. Tendo havido acordo no divórcio por mútuo consentimento, quanto à atribuição da casa de morada de família ao cônjuge marido (aqui apelado), e tendo resultado provado que este, em virtude de lhe ser atribuída a casa de morada de família, se comprometeu a suportar a amortização do empréstimo, bem como todas as despesas inerentes à habitação, o que sempre fez, não pode admitir-se que seja devida à apelante (cônjuge mulher) qualquer compensação. II. Estribando-se a utilização da casa de morada de família pelo ex-cônjuge marido (aqui apelado) no conteúdo de um acordo celebrado pelos ex-cônjuges e não estando previsto o pagamento de qualquer compensação ao ex-cônjuge mulher (aqui apelante) pela utilização exclusiva da casa de morada da família, atribuída ao ex-cônjuge marido, não existe fundamento bastante para obter o reconhecimento ulterior de tal obrigação. III. A autorização da apelante para o apelado utilizar em exclusivo a casa de morada de família, concedida através do acordo estabelecido com esse conteúdo e homologado no processo de divórcio, afasta o preenchimento do requisito de falta de causa justificativa, necessário ao enriquecimento sem causa. * V. Decisão.Perante o exposto, acordam as Juízes da 3ª Secção Cível deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando a decisão apelada. Sem custas, visto gozar a apelante de apoio judiciário na modalidade de dispensa das mesmas. * Guimarães, 10 de Julho de 2023 Assinado electronicamente por: Fernanda Proença Fernandes Sandra Melo Anizabel Sousa Pereira (O presente acórdão não segue na sua redacção as regras do novo acordo ortográfico, com excepção das “citações/transcrições” efectuadas que o sigam) |