Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
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| Relator: | SANDRA MELO | ||
| Descritores: | PROCESSO DE PROMOÇÃO E PROTECÇÃO CONFIANÇA JUDICIAL COM VISTA A FUTURA ADOÇÃO SUPERIOR INTERESSE DA CRIANÇA | ||
| Nº do Documento: | RG | ||
| Data do Acordão: | 09/14/2023 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | APELAÇÃO IMPROCEDENTE | ||
| Indicações Eventuais: | 3ª SECÇÃO CÍVEL | ||
| Sumário: | 1- A intervenção com vista a proteger a criança da situação de perigo tem como critério principal “o superior interesse da criança” e para tal há que tutelar, dentro da medida do possível, a continuidade de relações de afeto significativas e de qualidade, considerando que devem prevalecer as medidas que garantam a continuidade de uma vinculação securizante. 2- No entanto, para dar prevalência à família biológica há que concluir que há, pelo menos, a possibilidade de nela a criança poder crescer de forma sã e normal, em condições de segurança, liberdade e dignidade. | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães Recorrentes: -- AA e -- BB Menor: CC, nascido a .../.../2018, no Hospital ..., em ..., filho de DD e de BB a BB. Apelação (em autos de promoção e proteção) I- Relatório Os presentes autos de promoção e proteção relativos a CC, filho de AA e de BB a BB, nascido a .../.../2018, iniciaram-se com o requerimento do Ministério Publico, datado de 26-10-2018, a dar conta de que a criança havia nascido fruto de uma gravidez não vigiada, prematura e com síndrome de abstinência, permanecendo na Unidade de Cuidados Intensivos .... Mais explanou que a mãe, com um historial de sífilis, consumiu estupefacientes durante a gravidez, não promovera o registo do seu nascimento, não o visitava regularmente, estava a fazer o programa de substituição por metadona e encontrava-se desempregada, auferindo uma pensão mensal de sobrevivência no valor de € 170,00. Foi proferido despacho, em 26-10-2018, que decidiu, de mais relevante, confirmar a medida de acolhimento residencial a favor da criança, a qual foi mantida por decisão 30-04-2019. No dia 11-07-2019, por acordo dos progenitores, aplicou-se à menor medida de acolhimento residencial. Esta medida foi sucessivamente prorrogada até à sua alteração, pela sentença ora sob recurso. Em 17/06/2021, os progenitores foram encaminhados para Programa de Promoção de Competências Parentais, mas embora verbalizassem disponibilidade para a frequência deste, expuseram, junto dos técnicos do referido serviço, conflitos relacionais e dificuldades na perceção e assunção dos problemas que os afetam e se repercutem no bem-estar do filho, pelo que estes entenderam que “a atitude de desresponsabilização, a tendência para culpabilizar terceiros pelo processo do filho e a resistência à mudança” inviabilizavam aquela intervenção técnica. Em 5-5-2021, foi junto relatório realizado pelo IML referente a perícia com vista a avaliar a capacidade do progenitor para o exercício da parentalidade, onde se concluiu que “BB, pese embora não tenha revelado a presença de sintomas ativos de doença mental, foram patentes traços de personalidade preocupantes (i.e., loquacidade, encanto superficial, grandiosidade, impulsividade, dificuldades de regulação emocional, baixa tolerância à frustração, agressividade, hostilidade, deficiente controlo comportamental, imagem grandiosa de si mesmo, autocentração, superficialidade afetiva, postura de vitimização e culpabilização dos outros, suspeição e desconfiança em relação aos outros, manipulação da imagem) que enquadram o indivíduo num perfil de funcionamento problemático em termos interpessoais e que podem condicionar a existência de uma parentalidade responsável. A par destas características de personalidade, resultou ainda a presença de outros fatores de risco que podem igualmente interferir com o exercício adequado da parentalidade, nomeadamente o longo historial de consumos de substâncias, os problemas com a justiça e os antecedentes criminais, a instabilidade laboral e a história de mau ajustamento escolar. Em específico no que respeita à paternidade, pese embora BB verbalize ser sua pretensão acolher o filho CC e mencione possuir todas as condições e competências para o fazer, este apresentou-se excessivamente autocentrado, focando-se essencialmente nos seus direitos como pai, na perceção/postura de posse em relação ao filho e nos laços de sangue, descurando as fragilidades inerentes à sua condição de vida atual, assim como os eventuais benefícios e/ou desvantagens para o filho da integração no seu agregado familiar. Da avaliação resultou ainda a fragilização dos vínculos afetivos ao filho, denotando-se as suas dificuldades em caracterizar a sua relação com o mesmo ou em descrever as suas interações com este. Foram ainda evidentes vulnerabilidades no que concerne às suas competências parentais. Entre estas destaca-se o reduzido conhecimento em relação ao desenvolvimento, características e funcionamento do filho, assim como as suas consideráveis dificuldades em identificar as suas necessidades atuais e futuras. BB evidenciou ainda consideráveis dificuldades em objetivar conhecimentos adequados e ajustados à idade do filho a respeito dos cuidados ao nível da alimentação, higiene e saúde.” Quanto á mãe, o relatório elaborado pela mesma entidade deu conta: “foram percetíveis algumas dificuldades em lidar com situações de tensão e contrariedade, tendendo a recorrer a estratégias de coping desadaptativas (ex., consumos de substâncias). Da análise da sua história de vida resultaram ainda outras fragilidades, as quais poderão condicionar o exercício adequado das responsabilidades parentais. De entre estas salientam-se a história de consumos prolongados de substâncias e a sua cessação ainda recente, encontrando-se ainda em tratamento de metadona, o parco suporte familiar e social, a atual situação económica e laboral precária e a instabilidade a este nível e o historial de retirada anterior da filha mais velha e consequente encaminhamento para adoção… atendendo a que alguns dos elementos enunciados poderão comprometer o exercício adequado das responsabilidades parentais, consideramos profilático integrar AA num programa de educação parental, bem como promover a continuidade da monitorização atenta do agregado familiar da mesma. Da mesma forma, e atendendo às vulnerabilidades individuais identificadas na progenitora (i.e., historial de consumos de substâncias, dificuldades em lidar com situações de tensão e contrariedade, recurso a estratégias de coping desadaptativas), consideramos como fundamental o acompanhamento de AA em Psicologia e Psiquiatria.” Em 4-11-2021, o ISS veio acentuar que as visitas do progenitor (desde o seu início, em setembro de 2019) tiveram periocidade irregular , com faltas sem aviso e nas visitas com atitudes de hostilidade e agressividade contra os técnicos, mesmo perante a criança, ficando o mesmo numa condição de vulnerabilidade psicoafectiva e que durante a visita de 24/10/21, encontrando-se mais prostrado que o habitual, o CC referiu, por diversas vezes, à progenitora, “o pai não”, tendo a mesma respondido, “a mãe não traz o pai”. Em 23-6-2022, o Centro Distrital ... do serviço do ISS,I.P. defendeu a aplicação ao menor da medida de Confiança Judicial com vista a futura Adoção, prevista no art.º 35 alínea g) da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo, aprovada pela Lei n.º 147/99, de 1 de setembro, alterada pela Lei n.º 31/2003, de 22 de agosto. Considerou, em síntese, que desde a integração do CC na casa de acolhimento da Associação de Apoio à Criança (AAC) de ..., no dia 30 de outubro de 2018, já haviam decorrido, aproximadamente três anos e oito meses; que a mãe continuava no Centro de Resposta Integradas (CRI) de ... - ..., frequentando um programa de substituição com metadona, sendo provável a sua detenção a ocorrer brevemente e que não existiam registos relacionados com rendimentos de trabalho. Apesar de ter iniciado no decurso do ano de 2021 o curso profissional de “Apoio à Família e Comunidade”, com uma bolsa mensal no valor de 438€, a sua inscrição veio a ser anulada em 02/02/2022, por ter desistido injustificadamente a uma ação de formação onde esteve integrada. O pai apresenta “uma história de vida associada ao tráfico e consumo de substâncias psicotrópicas, durante 30 anos”, não lhe foram observados registos de remunerações, desde o mês de setembro de 2003. O seu irmão EE afirmou-se desmotivado para assumir a guarda do sobrinho face à “pressão a que virá a ser sujeito, por via de considerar que o seu irmão irá dificultar a assunção do papel parental” e o seu irmão FF informou estar “interessado, mas a pessoa é vingativa (refere-se ao pai de CC), (…) nunca mais teria a vida descansada e ele quer a criança para o rendimento mínimo”. E concluiu que “A permanência do CC em acolhimento residencial ultrapassa o tempo desejado. O mesmo integrou a casa de acolhimento ao completar o seu primeiro mês de vida e perfaz quatro anos, sensivelmente, daqui a três meses. Neste intervalo, de quarenta e cinco meses, é notório que cada um dos progenitores, nem individualmente nem em conjunto reuniram condições socioeconómicas e idoneidade, para se constituírem retaguarda ao mesmo, continuando o registo até agora conhecido (sem hábitos de trabalho; historial de consumos de substâncias prolongado; comportamento conflituoso junto das diferentes equipas intervenientes; processos-crime reportados pelo Núcleo de Investigação Criminal de ...; instabilidade na própria relação, entretanto separados; ausência de suporte familiar, quer materno, quer paterno; ausências prolongadas de contactos: 6 meses por parte da mãe; 3 meses após a definição da paternidade e suspensão judicial de convívios também por 3 meses, pela ação inoportuna do pai, junto dos serviços e em particular na presença do filho). E continuam sem se revelar figuras de referência, no sentido de promover o vínculo familiar com o descendente e posterior reunificação familiar. Atendendo ao perfil descrito, e às características individuais de cada um dos progenitores, e tendo em conta ao tempo de permanência da criança em acolhimento residencial, considera-se que os pais não demonstraram capacidade para se constituírem uma resposta alternativa.” A 20-07-2022, foi determinada a notificação para alegação e apresentação de meios de prova. A instituição que acolhe o menor, Associação de Apoio à Criança, sita em ..., apresentou alegações defendendo a aplicação da medida de promoção e proteção de confiança a instituição com vista à adoção. O progenitor nas suas alegações concluiu que o exercício das responsabilidades parentais atinentes ao menor deve ser atribuído a si e que não deve ser decidida a aplicação de medidas que impliquem o afastamento do menor de si ou que, de alguma forma, restrinjam ou impeçam o exercício das responsabilidades parentais. A progenitora defendeu a aplicação ao menor da medida de promoção e proteção de confiança a pessoa idónea, na pessoa de GG, com vida familiar estabelecida e disponível para o acolher, sendo que, após a sua saída do estabelecimento prisional, pretende estar presente na vida do seu filho. Nas alegações, o Ministério Público também concluiu pela aplicação medida de promoção e proteção de confiança a instituição com vista à adoção. Em 4-1-2023, foi dada notícia da detenção da mãe no dia 27 de dezembro de 2022 para cumprir pena de prisão pelo período de 11 meses. Em 28-2-2023, soube-se que o pai foi detido no dia 21 de fevereiro de 2023 por detenção de arma proibida e furto, cumprirá pena efetiva de prisão pelo período de 2 anos e 3 meses no EP ... e que na admissão testou positivo para heroína e cocaína. Em 10-3-2023, o ISS deu conta que na sequência de pedido nesse sentido formulado pelo progenitor do menor, contactou com GG que afirmou que foi aconselhada pelo pai do CC a apresentar-se junto dos serviços, como namorada do então falecido irmão, HH, o que não correspondia à verdade. Tal ocorreu por se ter mostrado interessada em constituir-se retaguarda do menor, que não conhece. O ISS levantou dúvidas sobre se esta apresentação a pedido do pai não tem em vista uma forma de obter a entrega do menor à figura paterna, contornando a lei. Realizou-se o debate judicial, com a intervenção de juízes sociais e foi produzido acórdão, que decidiu: - Declarar cessada a medida de acolhimento residencial; - Em substituição dessa medida, aplicar, em benefício da criança, a medida de promoção e proteção de confiança à instituição Associação de Apoio à Criança, sita em ..., com vista à adoção; - Decretar a inibição do exercício das responsabilidades parentais pelos progenitores; - Decretar a cessação dos convívios da família biológica com a criança; - Nomear o Exm. Sr. Director da Associação de Apoio à Criança, sita em ... como curador provisório da criança. A Progenitora, AA, apelou. Pugnou pela aplicação da medida de promoção e proteção de confiança a pessoa idónea, a concretizar na pessoa de GG, para o que formulou as seguintes conclusões: “1- No processo sub judice decidiu o Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo, declarar cessada a medida de acolhimento residencial, e, em substituição aplicar a medida de promoção e proteção de confiança à instituição Associação de Apoio à Criança, com vista à adoção, decretando a cessação dos convívios da família biológica com a criança. 2- Decisão com a qual a progenitora não se pode conformar, em virtude do tribunal a quo não ter feito uma correta interpretação e aplicação dos preceitos legais aplicáveis, nome-adamente do artigo 1978.º, n.º 1, do Código Civil, e do artigo 4.º, alíneas e), g) e h) da Lei n.º 147/99, de 1 de setembro. 3- O tribunal a quo com a sua decisão violou irremediavelmente, o Princípio da Proporcionalidade e da Atualidade, o Princípio do Primado da Continuidade das Relações Psicológicas Profundas e o Princípio do Primado da Família Biológica. 4- O Tribunal a quo não teve em consideração a medida de promoção e proteção, sugerida pela progenitora, de confiança a pessoa idónea, a concretizar na pessoa de GG identificada nos autos. 5- O Tribunal a quo não indagou o estado de saúde atual da progenitora, mormente, o tratamento à toxicodependência. 6- O Tribunal a quo ignorou os laços materno-filiais existentes entre mãe e filho. 7- O tribunal a quo não esgotou todos os meios colocados à sua disposição, de forma a poder escolher uma medida menos gravosa, garantindo de igual modo o bem-estar e desenvolvimento integral do CC, respeitando o princípio da família biológica e a continuidade da relação de afetividade entre a progenitora e a criança.” Também o progenitor, pugnando pela medida proposta pela Progenitora, não se conformou com a decisão. Terminou a sua apelação com as seguintes conclusões: “1. No processo sub judice o Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo, com a sua decisão, infringiu o Princípio da Proporcionalidade e da Atualidade, o Princípio do Primado da Continuidade das Relações Psicológicas Profundas e o Princípio do Primado da Família Biológica. 2. Decisão com a qual o progenitor não se pode conformar, em virtude do tribunal a quo não ter feito uma correta interpretação e aplicação dos preceitos legais aplicáveis. 3. O Tribunal a quo não teve em consideração a medida de promoção e proteção, sugerida pela progenitora, de confiança a pessoa idónea, a concretizar na pessoa de GG identificada nos autos. 4. O Tribunal a quo ignorou os laços familiares do menor, principalmente com sua progenitora. 5. O tribunal a quo não esgotou todos os meios colocados à sua disposição, de forma a poder escolher uma medida menos gravosa, garantindo de igual modo o bem-estar e desenvolvimento integral do CC, respeitando o princípio da família biológica e a continuidade da relação de afetividade entre os progenitores e a criança.” O Ministério Público amparou a manutenção da solução encontrada na sentença, com as seguintes conclusões: “1.º A Sentença em recurso fez-se uma devida e correta ponderação da factualidade e circunstancialismo apurado e do que preceitua a Lei, quanto ao que aqui havia a decidir. 2.º A decisão proferida mostra-se devidamente fundamentada, quer em termos formais, quer em termos substantivos. 3.º Os progenitores não têm capacidade para cuidar da criança e de lhe proporcionar todas as condições necessárias ao seu desenvolvimento integral. 4.º Estão preenchidos os requisitos da alínea d) do art 1978º do CC. 5.º Estão verificados os pressupostos de que depende a aplicação da medida de acolhimento em instituição com vista a futura adopção. 6.º A decisão recorrida interpretou correctamente a lei de promoção e fez correcta subsunção dos factos apurados às normas aplicáveis. 7.º A decisão recorrida debruçou-se sobre todas as questões pertinentes de que devia conhecer. 8.º A instrução dos autos foi completa. 9.º Não há qualquer mínima demonstração mínima de que a pessoa indicada no recurso tenha alguma relação afectiva significativa com a criança, nunca tendo havido, da sua parte, salvo o devido respeito, que é muito, um verdadeiro interesse nesse sentido, 9.º-A -não havendo vestígios de que tenha promovido com a energia e a diligência necessária e adequada, as diligências processuais ou com reflexo processual, com vista à realização de um verdadeiro projeto de uma nova família que contasse com integração da criança dos autos. 10.º A informação social de 10 de março salienta «Então, GG, mostrou junto daquele interesse em constituir-se retaguarda ao CC, tendo sido aconselhada pelo pai, a apresentar-se junto dos serviços, como namorada do então falecido irmão, HH. Algo que não corresponde à verdade, acrescenta a primeira.» (sic). 11.º E «face ao acima descrito, quase 5 anos após o nascimento do CC, e igual período de vigência da presente medida, surge ocasionalmente, uma figura conhecida do pai, que apesar de manifestar interesse em constituir-se alternativa ao acolhimento da criança, o que deixa-nos dúvidas se poderá ser, uma forma de contornar a lei, para posterior entrega da mesma à figura paterna». 12.º Não se fez prova de que essa terceira pessoa tivesse relativamente à criança uma relação psicológica profunda, relação afetiva estruturantes de grande significado e de referência para o seu saudável e harmónico desenvolvimento. 13.º Os relatórios periciais juntos a 17-08-2020, 08-09-2020 e 05-052021 foram ponderados para ter como evidenciada a matéria atinente à personalidade de cada progenitor e capacidade para assumir as responsabilidades parentais atinentes ao menor CC. 14.º No que respeita aos antecedentes criminais dos progenitores e sua situação prisional, ponderaram-se os c.r.c. juntos com a petição inicial, a 26-03-2020 e 13-03-2023, conjugados com as consultas efectuadas a 03-02-2023 e 15-03-2023, informação junta a 11-022023 e certidão junta a 16-03-2023, que a evidenciam. 15.º Há suficiência para a decisão da matéria de facto provada. 16.º Não há contradição insanável da fundamentação. 17.º Não há erro na apreciação da prova. 18.º A Recorrente não esgrimiu argumentos válidos e irrefutáveis que exigissem diversa decisão sobre a matéria de facto. 19.º Não há vestígios de error in judicando ( = violação de normas de direito substantivo), nem de vícios substanciais sobre a apreciação do mérito da causa. 20.º Houve exaustiva produção de prova, na fase de julgamento, com esclarecimento cabal de todas as questões relevantes, de direito e de facto; não se evidencia no texto do acórdão, desconformidade com a prova, facilmente perceptível pelo comum dos observadores, que exigisse correcção modificativa. 21.º A intervenção para a promoção dos direitos e proteção da criança e do jovem em perigo, nos termos previstos pela Lei n.º 147/99, de 01 de Setembro, funda-se, desde logo, no artigo 69º da Constituição da República Portuguesa, que confere à sociedade e ao Estado o dever de os proteger contra todas as formas de abandono, de discriminação e de opressão, e contra o exercício abusivo da autoridade, com vista ao seu desenvolvimento integral. Funda-se ainda nos artigos 19º e 20º da Convenção Sobre os Direitos da Criança, de 26 de Janeiro de 1990, que impõem aos Estados a obrigação de adoptarem medidas adequadas à proteção da criança contra todas as formas de violência física ou mental, dano ou sevícia, abandono ou tratamento negligente, maus tratos ou exploração. Por outro lado, a finalidade da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo (LPCJP) reconduz-se, nos termos do seu artigo 1º, à promoção dos direitos e à proteção das crianças e dos jovens em perigo, por forma a garantir o seu bem-estar e desenvolvimento integral, nesta medida consagrando um modelo de cidadania que reconhece às crianças direitos constitucional e universalmente consagrados e inscritos em diversos instrumentos convencionais internacionais. 22.º É o interesse superior da criança ou do jovem que orienta a aplicação das medidas de proteção, conforme decorre do artigo 4º, alínea a) da citada lei, certo que há tantos interesses quantos jovens ou crianças, não existindo um molde suscetível de adequar-se ao universo de situações que a vida real transporta para os tribunais, concretizando a lei que a intervenção deve atender prioritariamente aos interesses e direitos das crianças e dos jovens, nomeadamente á continuidade de relações de afeto de qualidade e significativas, sem prejuízo da consideração que for devida a outros interesses legítimos no âmbito da pluralidade dos interesses presentes no caso concreto. 23.º Este princípio não pode ser desligado do primado da continuidade das relações psicológicas profundas, consignado na alínea g), no sentido de que a intervenção deve respeitar o direito da criança à preservação das relações afetivas estruturantes de grande significado e de referência para o seu saudável e harmónico desenvolvimento, devendo prevalecer as medidas que garantam a continuidade de uma vinculação securizante. 24.º Também o princípio da prevalência da família deve orientar a intervenção de promoção e proteção, no sentido de que devem ser privilegiadas as medidas que integrem a criança e o jovem na sua família, ou que promovam a sua adoção ou outra forma de integração familiar estável. 25.º Um dos grandes princípios orientadores da intervenção reconduz-se, nos termos do artigo 4º, alínea e), à proporcionalidade e atualidade, com o significado expressamente previsto de que a intervenção deve ser a necessária e adequada à situação de perigo em que a criança e o jovem se encontram no momento em que a decisão é tomada, e só pode interferir na sua vida e na da sua família na medida do que for estritamente necessário a essa finalidade. 26.º Os restantes princípios orientadores da intervenção para a promoção dos direitos e proteção encontram-se elencados nas demais alíneas do artigo 4º da LPCJP, sendo ainda de realçar os princípios da intervenção mínima e da subsidiariedade (alíneas d) e k), respetivamente), depois concretizados no artigo 6º, os quais postulam que a intervenção deve ser exercida exclusivamente pelas entidades e instituições cuja ação seja indispensável a cada caso em concreto, sendo certo que a intervenção judiciária é sempre a última “ratio”, cabendo ao tribunal intervir na defesa da criança ou jovem e promoção dos seus direitos ameaçados pela situação de perigo em que se encontram, somente quando a intervenção do técnico, da instituição ou da comissão de proteção se revelaram insuficientes (artigo 11º). 27.º Face a estes princípios orientadores, os quais refletem uma nova concepção de proteção de menores, baseado no respeito dos seus direitos, que se deve apreciar a questão decidenda. 28.º Assim, nos termos do artigo 3º, n.º 1 da LPCJP, a intervenção para promoção dos direitos e proteção da criança e do jovem em perigo tem como pressuposto a circunstância de os pais, o representante legal ou quem tenha a guarda de facto colocarem em perigo a sua segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento, ou de esse perigo resultar de acção ou omissão de terceiros ou da própria criança ou do jovem, e a que aqueles não se oponham de modo adequado a removê-lo. 29.º E, segundo o disposto no n.º 2 do mesmo artigo, considera-se que a criança ou o jovem está em perigo quando se verifique, desde logo, qualquer uma das situações aí elencadas, sendo certo que tal elenco é meramente exemplificativo. 30.º .-Colocando-se-nos, neste momento, a urgência da definição de um projeto de vida a longo prazo para a criança importa aferir, tendo em conta os factos que resultaram provados, qual o projeto que melhor realiza o superior interesse desta. 31.º Fica liminarmente afastada qualquer medida de promoção e proteção que passe por apoio junto de qualquer um dos progenitores, nos termos previstos na alínea a) do n.º 1 do artigo 35º da LPCJP, e nos artigos 39º, 41º e 42º do mesmo diploma legal. 32.º Também as medidas de apoio junto de outro familiar (artigo 35º, n.º 1, alínea b) e artigo 40º) e de confiança a pessoa idónea (artigo 35º, n.º 1, alínea c) e artigo 43º) se revelam inadequadas ao caso dos autos, porquanto resultou também provado que nenhum elemento da família alargada dos progenitores, ou outra pessoa, mesma a indicada, tem verdadeiras condições para se preconizar como projeto de vida alternativo para esta criança. 33.º Considerando que esta criança não tem uma representação simbólica de família, que se encontram carentes de afeição, cabe aproveitar esta fase do seu desenvolvimento para desenvolver nelas a capacidade de estabelecer relações afetivas vinculante, e num ambiente securizante, junto de uma família adotiva. 34.º À luz da noção de tempo para a criança e da urgência da satisfação das suas necessidades, e ainda tendo como fio condutor o princípio da prevalência da família, afigura-se-nos como única solução capaz de obstar à situação de perigo em que esta criança se encontra, 35.º De modo que a sua confiança à Associação de Apoio à Criança, com vista à sua futura adoção, até que seja decretada, nos termos do disposto nos artigos 35º, n.º 1, alínea g), 38º e 38º-A, todos da LPCJP, realiza de forma adequada o princípio do interesse superior da criança, e satisfaz as exigências de proporcionalidade, atualidade e intervenção mínima, a que a lei manda atender (artigos 1º, 3º, 4º e 5º, alínea a) da referida lei). No interesse da criança, deve ser negado provimento ao recurso e confirmar-se a decisão constante da sentença impugnada.” II- Objeto do recurso O objeto do recurso é definido pelas conclusões das alegações, mas esta limitação não abarca as questões de conhecimento oficioso, nem a qualificação jurídica dos factos (arti-gos 635º nº 4, 639º nº 1, 5º nº 3 do Código de Processo Civil). Este tribunal também não pode decidir questões novas, exceto se estas se tornaram relevantes em função da solução jurídica encontrada no recurso e os autos contenham os elementos necessários para o efeito. - artigo 665º nº 2 do mesmo diploma. As questões devem ser conhecidas pela ordem por uma ordem lógica, começando-se pelas que determinem a decisão a dar às demais. São questões a conhecer neste acórdão: .a) se se mostram preenchidos os pressupostos legalmente exigidos para que se aplique ao CC a medida de promoção e proteção de confiança com vista à adoção, nomeadamente se se deve considerar que foram esgotadas todas as possibilidades de integração da criança na família biológica; isto é, se foram violados os Princípios da Proporcionalidade e da Atualidade, o Princípio do Primado da Continuidade das Relações Psicológicas Profundas e o Princípio do Primado da Família Biológica. III- Fundamentação de Facto Os autos vêm com a matéria de facto provada e não provada que infra se relacionam. Factos provados 1) CC nasceu a .../.../2018 - cfr. certidão de assento de nascimento junta aos autos a 05-07-2023, cujo teor aqui se dá por reproduzido; 2) CC é filho de II e de BB - cfr. certidão de assento de nascimento junta aos autos a 05-07-2023, cujo teor aqui se dá por reproduzido; 3) Foi instaurado processo de promoção e proteção a favor do referido menor, pela CPCJ ..., na sequência de reporte, pelo Hospital ..., a tal entidade, do nascimento do menor acima referido, de parto prematuro, com 31 semanas de gravidez e sem vigilância clínica, com síndrome de abstinência de cocaína decorrente do consumo de tal estupefaciente por parte da mãe durante o período de gravidez, e o menor se encontrar internado em Unidade de Cuidados Especiais Neonatais para tratamento de tal situação clínica; 4) O menor acima referido permaneceu internado na Unidade de Cuidados Especiais Neonatais para tratamento da situação clínica acima referida até ao dia 23-10-2018, data em que lhe foi concedida alta hospitalar, passando, a partir de então, a permanecer em tal instituição em internamento social; 5) Após o nascimento do menor, a progenitora, JJ, recusou-se a realizar, perante os serviços registais, a declaração do referido nascimento, apesar de informada, quer pela equipa da unidade hospitalar acima mencionada quer por elementos da CPCJ ... para a necessidade de o fazer, de modo a que o nascimento da criança seja registado; 6) No dia 10-10-2018, a CPCJ ..., na Modalidade Restrita, deliberou a aplicação, a favor da criança acima mencionada, da medida de promoção e proteção de acolhimento residencial, ao abrigo dos arts. 350, n. °1, aI. f), e 370 da LPCJP, com fundamento no referido em 1 a 5; 7) JJ, no dia 15-10-2018, declarou aceitar a intervenção da CPCJ ... a favor da criança sua filha e a aplicação da medida de promoção e proteção de acolhimento residencial a favor da mesma; 8) Por despacho proferido a 26-10-2018, decidiu-se: a. Confirmar a medida de acolhimento residencial a favor da criança de sexo masculino, nascida a .../.../2018 no Hospital ..., em ..., filha de JJ, nascida a .../.../1986, titular do cartão de cidadão n.º ...94, filha de KK e de LL, aplicada a título de urgência pela CPCJ ..., medida esta a vigorar por seis meses, a rever no prazo de três meses, a executar na unidade hospitalar onde a criança se encontra até que se mostre possível a sua execução em instituição de acolhimento; b. Determinar a notificação do Senhor Diretor ou Administrador da entidade hospitalar onde a criança nasceu, Hospital ..., em ..., para que, em cumprimento do disposto no art. 97°, n. °1, aI. d), do Código do Registo Civil, efetue a declaração de nascimento da criança na Conservatória do Registo Civil. 9) Em cumprimento do despacho referido na decisão anterior, no dia 30-10- 2018 procedeu-se ao registo do nascimento do menor CC e, no dia 26-10-2018, o mesmo passou a estar acolhido na Associação de Apoio à Criança, em ...; 10) Por despacho proferido a 30-04-2019, manteve-se a medida protetiva cautelar acima mencionada. 11) No dia 11-07-2019, por acordo dos progenitores, aplicou-se ao menor, a título não cautelar, a medida de acolhimento residencial, a qual foi sucessivamente prorrogada por decisões proferidas a 05-03-2020, 15-07- 2020, 19-10-2020, 25-05-2021, 11-02-2022, 19-10-2022, 03-02-2023, 14- 04-2023, sendo que nas três últimas a medida foi mantida a título cautelar. 12) O menor apresenta um desenvolvimento global enquadrado nos parâmetros normais, tendo em consideração a sua prematuridade; 13) Durante a gravidez, a progenitora consumiu produtos estupefacientes, designadamente, cocaína, sabendo que de tal comportamento poderia ocorrer a afetação do desenvolvimento do filho; 14) Desde a gravidez e nascimento do menor até ter sido presa, o que ocorreu a 27-12-2022, a progenitora auferia uma pensão social no valor mensal de cerca de € 190,00, consumia cocaína, sendo acompanhada no CRI ..., e dedicava-se à prostituição; 15) A progenitora, no período referido no ponto anterior, não trabalhou; 16) Durante o ano de 2021, a progenitora frequentou um curso profissional através do IEFP, no Centro de Emprego, de ..., auferindo o valor mensal de € 438,00, com termo a 17-06-2022; 17) A 02-02-2022, a inscrição da progenitora no aludido curso foi anulada por a mesma dele ter desistido sem justificação; 18) Os progenitores mantiveram relacionamento afectivo entre si antes do nascimento do menor; 19) O progenitor, ao tomar conhecimento do nascimento do menor, recusou assumir a paternidade do mesmo; 20) O progenitor reatou o relacionamento com a progenitora após conclusão do procedimento de averiguação da paternidade, tendo passado viver juntos, com dois irmãos do progenitor, durante algum tempo; 21) O progenitor e a progenitora passaram a visitar o menor juntos em dezembro de 2020; 22) O relacionamento dos progenitores entre si tem sido pautado pela instabilidade e por episódios de violência do progenitor para com a progenitora; 23) No dia 20-02-2023, a progenitora compareceu na Associação de Apoio à Criança, no horário de visita ao filho, descuidada, com emagrecimento acentuado e apresentando hematomas na zona da face, pavilhões auriculares e pescoço, em consequência de agressão de que foi vítima; 24) Na altura mencionada no ponto anterior, a progenitora havia cessado a coabitação com o progenitor; 25) A progenitora tem características de personalidade dependente, impulsiva e imatura, sem apresentar psicopatologia clínica ou perturbação de personalidade; 26) A progenitora evidencia dificuldade em lidar com situações de tensão e contrariedade, tendendo a recorrer a estratégias de coping desadaptativas (designadamente, o consumo de substâncias estupefacientes); 27) A progenitora evidencia possuir algumas competências parentais básicas ao nível de ensino e correção de comportamentos, da alimentação e da higiene e mostra-se capaz de aludir às necessidades atuais e futuras do filho e em concretizar competências ao nível da saúde; 28) O progenitor apresenta percurso profissional marcado pela ausência de hábitos de trabalho; 29) O progenitor não apresenta registo de remunerações na Segurança Social desde Setembro de 2003; 30) O progenitor realiza pequenos trabalhos, sendo alguns na área de pichelaria, de onde aufere entre € 300,00 a € 400,00 por mês; 31) O progenitor consome produtos estupefacientes, designadamente, heroína e cocaína, há longa data; 32) O progenitor partilha a habitação social onde reside com um irmão, tendo até ao decesso de outro partilhado a habitação também com este; 33) Em 19-09-2019, o progenitor dirigiu-se pela primeira vez à Associação de Apoio à Criança a Propósito do menor CC, pretendendo exigir os seus direitos; 34) Desde o contacto referido no ponto anterior, o progenitor manifestou uma postura agressiva, hostil e impulsiva perante os técnicos da instituição, o que ocorreu diante do menor em algumas ocasiões; 35) Devido ao referido no ponto anterior, em várias ocasiões, determinou-se a suspensão das visitas presenciais do progenitor ao menor; 36) O progenitor não revela a presença de sintomas ativos de doença mental; 37) O progenitor evidencia propensão para o recurso à agressividade física e raiva; 38) O progenitor evidencia traços de personalidade marcados por loquacidade, encanto superficial, grandiosidade, impulsividade, dificuldades de regulação emocional, baixa tolerância à frustração, agressividade, hostilidade, deficiente controlo comportamental, imagem grandiosa de si mesmo, autocentração, superficialidade afetiva, postura de vitimização e culpabilização dos outros e manipulação da imagem, o que o enquadra num perfil de funcionamento problemático em termos pessoais e que podem condicionar a existência de uma parentalidade responsável; 39) O progenitor, em relação ao menor e à permanência junto de si, apresenta-se excessivamente autocentrado, focando-se essencialmente nos seus direitos como pai, na perceção/postura de posse em relação ao filho e nos laços de sangue; 40) O progenitor apresenta fragilidade nos vínculos afectivos com o menor, evidenciando dificuldade em caracterizar a sua relação com o mesmo ou em descrever as suas interações com o filho; 41) O progenitor apresenta reduzido conhecimento em relação ao desenvolvimento, características e funcionamento do filho; 42) O progenitor evidencia consideráveis dificuldades em identificar as necessidade atuais e futuras do filho e em objetivar conhecimentos adequados e ajustados à idade do mesmo a respeito dos cuidados de alimentação, higiene e saúde; 43) Os progenitores, no âmbito destes autos, foram encaminhados para um programa de promoção de competências parentais em CAFAP, para o que os mesmos declararam estar disponíveis; 44) Durante as sessões do programa referido no ponto anterior, os progenitores adotaram uma postura de desresponsabilização, de tendência para culpabilizar terceiros pelo processo do filho e resistência na mudança, o que inviabilizou a intervenção técnica junto dos mesmos e determinou a cessação da frequência do aludido programa; 45) O menor CC permaneceu na Associação de Apoio à Criança sem qualquer visita dos progenitores ou outro familiar durante cerca de seis meses após nela passar a estar acolhido; 46) No dia 28-04-2019, a progenitora compareceu espontaneamente na instituição referida no ponto anterior a solicitar agendamento de visita ao menor, que ocorreu no dia seguinte; 47) As visitas iniciais da progenitora ao menor, devido aos hábitos de consumo de estupefacientes daquela, foram marcadas por agitação psicomotora da mesma e, por sua iniciativa, por curta duração, de cerca de 20 minutos, sempre com afecto para com o filho; 48) As visitas referidas no ponto anterior foram irregulares, com várias ausências às visitas agendadas e sem aviso prévio; 49) Durante o período de confinamento, entre 13-03-2020 e final de Maio de 2020, as visitas ao menor foram suspensas, não tendo a progenitora estabelecido qualquer contacto telefónico com a instituição para se inteirar do estado de saúde do filho; 50) No dia 21-07-2020, a progenitora realizou a primeira visita ao menor após o confinamento; 51) A partir de Dezembro de 2020, as visitas da progenitora ao menor passaram a ocorrer em conjunto com o progenitor, até este ficar impedido, por decisão proferida nos autos a 05-02-2021, de o fazer devido ao comportamento hostil por este adoptado para com os técnicos da instituição; 52) Ao longo das visitas, com a intervenção da técnica de acompanhamento, o menor deixou de recusar permanecer sozinho com a progenitora e passou a mostrar-se mais disponível para interagir com a mesma; 53) A progenitora, ao longo das visitas, foi revelando uma postura menos agitada e uma interacção espontânea e adequada à fase de desenvolvimento do filho; 54) Até à sua detenção, a progenitora visitou o filho aos domingos, entre as 11 H00 e as 12H00; 55) A progenitora, ao longo das visitas e até à sua detenção, evidenciou uma degradação progressiva da sua condição e progressiva redução da pontualidade, assiduidade e encurtamento, a seu pedido, do tempo de convívio; 56) O progenitor visitou o menor pela primeira vez em Setembro de 2019; 57) Nas visitas realizadas ao menor, o progenitor evidenciou preocupação na imposição do que entende serem os seus direitos, alegando que o filho é seu, é do seu sangue, é sua propriedade e que não vai abdicar do mesmo; 58) Entre Setembro de 2019 e 05-03-2020, o progenitor visitou ou menor de forma irregular, tendo sido frequentes as faltas sem aviso e os incumprimentos das datas e horários de visitas, chegando a comparecer de modo inesperado na instituição e a procurar impor o seu direito de ver o filho, em algumas situações a hostilizar os técnicos que com o mesmo lidavam; 59) Após conferência realizada a 05-03-2020, na qual foram autorizadas visitas diárias ao progenitor bem como a Possibilidade de visitas ao exterior com o menor, o progenitor não voltou a comparecer na Associação de Apoio à Criança até ao dia 13-03-2020, data em que as visitas foram suspensas por orientação da DGS; 60) Durante o período de confinamento, o progenitor não estabeleceu qualquer contacto telefónico com a instituição acima referida para se inteirar do estado de saúde do menor; 61) O progenitor compareceu presencialmente na Associação de Apoio à Criança nos dias 14 e 27 de Maio de 2020 a exigir ver o menor, adoptando, perante os técnicos que com o mesmo lidaram, comportamento hostil e agressivo; 62) No dia 24-09-2020, o progenitor realizou a primeira visita ao menor após o desconfinamento; 63) Após a retoma das visitas ao menor, o progenitor voltou a não cumprir os horários estabelecidos, comparecendo, com regularidade, com atrasos de 20 a 30 minutos, sendo que o tempo de convívio não excedia os 20 minutos, terminando por indicação do progenitor; 64) No período em que o progenitor visitou o menor sozinho, a interação do mesmo com o menor foi marcada pela rejeição deste último, que procurava a segurança junto da técnica e recusava-se a permanecer sozinho com o pai; 65) A partir de dezembro de 2020, o progenitor passou a realizar visitas ao menor em conjunto com a progenitora, por solicitação de ambos, sendo que a atitude da criança em evitar relacionar-se com o pai manteve-se; 66) Mesmo com a presença da progenitora, o progenitor, durante as visitas ao menor, manteve uma postura impositiva, resistente e desafiadora em relação aos técnicos que lidaram com o mesmo na instituição; 67) Devido ao comportamento hostil do progenitor para com os técnicos da instituição, por despachos proferidos a 05-02-2021, 05-07-2021 suspenderam-se as visitas do mesmo ao menor; 68) Desde dezembro de 2021, o progenitor manteve contacto com o menor através de videochamada, nas quais a progenitora também participou; 69) Durante as videochamadas, o menor respondeu às solicitações da progenitora e evitou a interacção com o progenitor; 70) O progenitor não realizou videochamadas, conforme calendarizado, nos dias 25-08-2022,19-09-2022,10-10_2022, 17-10-2022,24-10-2022,05_12_ 2022 e 26-12-2022; 71) A progenitora tem os seguintes antecedentes criminais: 1. Por decisão proferida a 18-03-2014, no processo n.º 677/12...., do ... Juízo Criminal de ..., transitada em julgado, foi condenada, pela prática, a 03-06- 2012, de um crime de furto simples, p. e p. pelo art. 2030, n.º 1, do CP, na pena de 330 dias de multa, à taxa diária de € 5,00, que foi declarada extinta por prescrição; 2. Por decisão proferida a 19-06-2018, no processo n.º 1363/16...., do Juízo Local Criminal ... Juiz ..., transitada em julgado, foi condenada, pela prática, a 06-07-2016, de um crime de falsidade de testemunho, perícia, interpretação ou tradução agravado, p, e p. pelos arts. 3600 e 361 ° do CP, na pena de 80 dias de multa, à taxa diária de € 6,00, que foi declarada extinta por pagamento; 3. Por decisão proferida a 28-09-2021, no processo n.º 1768/19...., do Juízo Local Criminal ... Juiz ..., transitada em julgado, foi condenada, pela prática, a 27-05-2019 e 12-03-2020, de dois crimes de falsidade de testemunho, perícia, interpretação ou tradução agravado, p. e p. pelos arts. 360° e 361° do CP, na pena única de 11 meses de prisão, substituída por 330 dias de multa, à taxa diária de €6,00; 72) No dia 27-12-2022, a progenitora iniciou o cumprimento da pena de prisão subsidiária de 11 meses, à ordem do processo n. ° 1768/19...., com termo previsto para o dia 27-11-2023, com fundamento no não pagamento da pena de multa de substituição; 73) O progenitor tem os seguintes antecedentes criminais: 1. Por decisão proferida a 02-12-2016, no processo n.º 917/14...., do Juízo Local Criminal ... _ Juiz ..., transitada em julgado, foi condenado, pela prática, a 01-01-2014, de um crime de ofensa à integridade física, p. e p. pelo art. 143°, n.º 1, do CP, na pena de 100 dias de multa, à taxa diária de € 5,00, que foi declarada extinta por pagamento; 2. Por decisão proferida a 12-07-2017, no processo n.º 1314/15...., do Juízo Central Criminal ... Juiz ..., transitada em julgado, foi condenado, pela prática em 2015, de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p. e p. pelo art. 25° do DL n. ° 15/93, de 22-01, na pena de 3 anos de prisão, suspensa por igual período, com regime de prova e a condição de sujeição a tratamento da toxicodependência em instituição adequada que foi declarada extinta pelo cumprimento; 74) Por decisão proferida a 07-06-2022, no processo n. 1632/20...., do Juízo Central Criminal ... - Juiz ..., transitada em julgado, foi condenado, pela prática, a 19-08-2020, em concurso efectivo, de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art. 86°, n.1, aI. e), da Lei n. 5/2006, de 23-02, e de um crime de roubo p. e p, pelo art. 210-, n.º 1, do CP, na pena única de 2 anos e 3 meses de prisão e 70 dias de multa, à taxa diária de € 6,00; 75) No dia 21-02-2023, o progenitor iniciou o cumprimento da pena de 2 anos e 3 meses de prisão à ordem do processo n.º 1632/20....; 76) Durante a reclusão, os progenitores têm realizado videochamadas com o menor, durante as quais o menor respondeu às solicitações da progenitora e evitou a interacção com o progenitor; 77) Não existem familiares dos progenitores ou outra pessoa disponível para assumir a guarda e a prestação de cuidados ao menor. Factos não provados Com relevo para a decisão, não se provou que: a) GG pretende assumir a guarda e a prestação de cuidados ao menor. IV- Fundamentação de Direito. O artigo 3º nº 1 da Lei n.º 147/99, de 01 de Setembro (Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo, com as alterações operadas pelas Lei n.º 31/2003, Lei n.º 142/2015, Lei n.º 23/2017 e Lei n.º 26/2018, que também se denominara LPCJP), impõe ao Estado o dever de intervir para a promoção dos direitos e proteção da criança e do jovem em perigo, quando os pais, o representante legal ou quem tenha a guarda de facto ponham em perigo a sua segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento, ou quando esse perigo resulte de ação ou omissão de terceiros ou da própria criança ou do jovem a que aqueles não se oponham de modo adequado a removê-lo. Tal vem na sequência do determinado no artigo 69.°, n. ° 1, da Constituição da República Portuguesa, que afirma que as crianças têm direito à proteção da sociedade e do Estado, com vista ao seu desenvolvimento integral, especialmente contra todas as formas de abandono, de discriminação e de agressão e contra o exercício abusivo da autoridade parental na família e nas demais instituições. Importa, para tanto, que se considere que a criança ou o jovem está em perigo que exija a aplicação de medida que o proteja. Aquele preceito, a título exemplificativo, enumera um conjunto de situações que integram a necessidade de intervenção, referindo-se ás situações em que a criança ou o jovem: Está abandonada ou vive entregue a si própria; b) Sofre maus tratos físicos ou psíquicos ou é vítima de abusos sexuais; c) Não recebe os cuidados ou a afeição adequados à sua idade e situação pessoal; d) Está aos cuidados de terceiros, durante período de tempo em que se observou o estabelecimento com estes de forte relação de vinculação e em simultâneo com o não exercício pelos pais das suas funções parentais; e) É obrigada a atividades ou trabalhos excessivos ou inadequados à sua idade, dignidade e situação pessoal ou prejudiciais à sua formação ou desenvolvimento; f) Está sujeita, de forma direta ou indireta, a comportamentos que afetem gravemente a sua segurança ou o seu equilíbrio emocional; g) Assume comportamentos ou se entrega a atividades ou consumos que afetem gravemente a sua saúde, segurança, formação, educação ou desenvolvimento sem que os pais, o representante legal ou quem tenha a guarda de facto se lhes oponham de modo adequado a remover essa situação. h). Tem nacionalidade estrangeira e está acolhida em instituição pública, cooperativa, social ou privada com acordo de cooperação com o Estado, sem autorização de residência em território nacional. Estas situações de perigo tanto podem resultar de culpa dos pais, dos representantes legais e daqueles que tiverem a sua guarda de facto ou de ação ou omissão de terceiros, como de simples incapacidade daqueles. Por outro lado, há que ter em atenção que nos termos consagrados no nº 1 do artigo 67º da Constituição da República Portuguesa, a família tem direito à proteção da sociedade e do Estado e à efetivação de todas as condições que permitam a realização pessoal dos seus membros. Nos termos do seu artigo 68º, a maternidade e a paternidade constituem valores sociais eminentes. Em conformidade, o artigo 36º da Constituição dispõe que os pais têm o direito e o dever de educação e manutenção dos filhos e que estes não podem ser separados dos pais, salvo quando aqueles não cumpram os seus deveres fundamentais para com eles e sempre mediante decisão judicial. A nível infra constitucional, o artigo 1918º do Código Civil estipula que "quando a segurança, a saúde, a formação moral ou a educação de um menor se encontre em perigo e não seja caso de inibição do exercício do poder paternal', o tribunal pode "decretar as providências adequadas, designadamente confiá-lo a terceira pessoa ou a estabelecimento de educação ou assistência". O artigo 34º da LPCJP exige, para aplicação das medidas de promoção e proteção, a existência de um perigo em que se encontrem as crianças e jovens e que estas tenham em vista: “a) Afastar o perigo em que estes se encontram; b) Proporcionar-lhes as condições que permitam proteger e promover a sua segurança, saúde, formação, educação, bem-estar e desenvolvimento integral; c) Garantir a recuperação física e psicológica das crianças e jovens vítimas de qualquer forma de exploração ou abuso O artigo 35º desta Lei estipula as medidas a aplicar: a) Apoio junto dos pais; b) Apoio junto de outro familiar; c) Confiança a pessoa idónea; d) Apoio para a autonomia de vida; e) Acolhimento familiar; f) Acolhimento residencial; g) Confiança a pessoa selecionada para a adoção, a família de acolhimento ou a instituição com vista à adoção. Por seu turno, o artigo 1978º do Código Civil prevê a confiança da criança com vista a futura adoção quando não existam ou se encontrem seriamente comprometidos os vínculos afetivos próprios da filiação, pela verificação objetiva de qualquer das seguintes situações: a) Se a criança for filha de pais incógnitos ou falecidos; b) Se tiver havido consentimento prévio para a adopção; c) Se os pais tiverem abandonado a criança; d) Se os pais, por ação ou omissão, mesmo que por manifesta incapacidade devida a razões de doença mental, puserem em perigo grave a segurança, a saúde, a formação, a educação ou o desenvolvimento da criança; e) Se os pais da criança acolhida por um particular, por uma instituição ou por família de acolhimento tiverem revelado manifesto desinteresse pelo filho, em termos de comprometer seriamente a qualidade e a continuidade daqueles vínculos, durante, pelo menos, os três meses que precederam o pedido de confiança. Considera-se que a criança se encontra em perigo quando se verificar alguma das situações assim qualificadas pela legislação relativa à proteção e à promoção dos direitos das crianças. Na verificação das situações previstas no número anterior, o tribunal deve atender prioritariamente aos direitos e interesses da criança. Há que ter em conta que as crianças não são no nosso Direito consideradas como um objeto dos direitos dos pais, mas são elas mesmas, como vimos, titulares de direitos, sendo que o seu interesse é o preponderante se em confronto com o dos seus progenitores. Quando estes não conseguem cumprir as suas responsabilidades e põem os filhos em perigo, podem ver os seus direitos parentais restringidos para que seja assegurada a proteção das crianças. “Nestas situações adquire primazia a salvaguarda dos direitos fundamentais das crianças à vida, à liberdade e livre desenvolvimento da personalidade, à integridade física e moral (artigos 24.º, 25.º e 26.º da Constituição). De acordo com os conhecimentos científicos disponíveis, as crianças, como seres em desenvolvimento, têm necessidades especiais, e se não recebem os cuidados e a afeição próprios da sua idade, podem sofrer danos físicos e psíquicos irreversíveis, que para além de lhes causarem privações durante a infância, condicionam mais tarde a sua vida adulta, afetando a sua inserção social e profissional, a sua capacidade de confiar nos outros, e diminuindo seu bem-estar psicológico como pessoas.” O artigo 4º da Lei n.º 147/99 enuncia os princípios pelos quais se deve reger a intervenção para a promoção dos direitos e proteção da criança e do jovem em perigo: a) Interesse superior da criança e do jovem - a intervenção deve atender prioritariamente aos interesses e direitos da criança e do jovem, nomeadamente à continuidade de relações de afeto de qualidade e significativas, sem prejuízo da consideração que for devida a outros interesses legítimos no âmbito da pluralidade dos interesses presentes no caso concreto; b) Privacidade - a promoção dos direitos e proteção da criança e do jovem deve ser efetuada no respeito pela intimidade, direito à imagem e reserva da sua vida privada; c) Intervenção precoce - a intervenção deve ser efetuada logo que a situação de perigo seja conhecida; d) Intervenção mínima - a intervenção deve ser exercida exclusivamente pelas entidades e instituições cuja ação seja indispensável à efetiva promoção dos direitos e à proteção da criança e do jovem em perigo; e) Proporcionalidade e atualidade - a intervenção deve ser a necessária e a adequada à situação de perigo em que a criança ou o jovem se encontram no momento em que a decisão é tomada e só pode interferir na sua vida e na da sua família na medida do que for estritamente necessário a essa finalidade; f) Responsabilidade parental - a intervenção deve ser efetuada de modo que os pais assumam os seus deveres para com a criança e o jovem; g) Primado da continuidade das relações psicológicas profundas - a intervenção deve respeitar o direito da criança à preservação das relações afetivas estruturantes de grande significado e de referência para o seu saudável e harmónico desenvolvimento, devendo prevalecer as medidas que garantam a continuidade de uma vinculação securizante; h) Prevalência da família - na promoção dos direitos e na proteção da criança e do jovem deve ser dada prevalência às medidas que os integrem em família, quer na sua família biológica, quer promovendo a sua adoção ou outra forma de integração familiar estável. Assim, “a «prevalência da família», princípio referido na alínea g) (art. 4º), significa que «na promoção de direitos e proteção da criança e do jovem deve ser dada prevalência às medidas que os integrem na sua família ou que promovam a sua adoção». Este mesmo princípio tem consagração constitucional (art. 67, 36 nº 6 CRP). Também a Convenção sobre os Direitos da Criança (art. 9º) (assinada em Nova Yorque a 26.01.1990 e aprovada para ratificação pela Resolução da Assembleia da República nº 20/90 de 12 de setembro), consagrou que «nenhuma criança pode ser separada de seus pais contra a vontade destes, exceto se as entidades competentes considerarem que a separação se impõe pela necessidade de salvaguardar o interesse superior da criança».”cf Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 05/23/2017, no processo 662/13.9T2AMD-A-7. i) Obrigatoriedade da informação - a criança e o jovem, os pais, o representante legal ou a pessoa que tenha a sua guarda de facto têm direito a ser informados dos seus direitos, dos motivos que determinaram a intervenção e da forma como esta se processa; j) Audição obrigatória e participação - a criança e o jovem, em separado ou na companhia dos pais ou de pessoa por si escolhida, bem como os pais, representante legal ou pessoa que tenha a sua guarda de facto, têm direito a ser ouvidos e a participar nos atos e na definição da medida de promoção dos direitos e de proteção; k) Subsidiariedade - a intervenção deve ser efetuada sucessivamente pelas entidades com competência em matéria da infância e juventude, pelas comissões de proteção de crianças e jovens e, em última instância, pelos tribunais. Não é demais salientar que a intervenção com vista a proteger a criança da referida situação de perigo tem como critério principal “o superior interesse da criança” e para tal terá que ter em conta que há que tutelar, dentro da medida do possível, a continuidade de relações de afeto de qualidade e significativas, preservando-se as relações afetivas estruturantes e de referência para o seu saudável e harmónico desenvolvimento, considerando que devem prevalecer as medidas que garantam a continuidade de uma vinculação securizante. Na promoção dos direitos e na proteção da criança deve ser dada prevalência às medidas que os integrem em família, quer na sua família biológica, quer, não sendo tal possível, promovendo a sua adoção. Por isso, a aplicação da medida de confiança com vista à adoção pressupõe que se encontrem seriamente comprometidos os vínculos próprios da filiação, encontrados à luz das situações previstas no n.º 1 do artigo 1978.º do Código Civil. A condição de decretamento da medida de confiança judicial traduzida na inexistência ou sério comprometimento dos vínculos afetivos próprios da filiação é um requisito autónomo sujeito a prova e verifica-se, independentemente da culpa dos pais, não automaticamente, pelas situações previstas no nº 1 deste preceito. De entre as medidas de promoção e proteção previstas no artigo 35º da LPCJP, esta é a mais impactante na vida das crianças e dos seus pais biológicos, por determinar a inibição do exercício das responsabilidades parentais por parte dos pais, a cessação dos laços afetivos eventualmente existentes entre as crianças e a família biológica, e porque perdura, sem lugar a revisão, até ser decretada a adoção, salvo o caso excecional de se vir a revelar manifestamente inviável a sua execução. Acresce que não é certo que venha sempre a ocorrer a adoção e que a privação aos progenitores do desempenho da sua parentalidade (mesmo nos casos em que o mesmo não tenha passado pelo efetivo exercício da maior parte das atividades inerentes a este tipo de relações) é sempre limitador dos direitos inerentes ao ser humano. Assim, esta só deve ser imposta se se considerar que o interesse superior da criança a dita e que não existe outra medida que satisfaça as necessidades da criança de forma cabal. Veja-se que para dar prevalência à família biológica há que concluir que há, pelo menos, a possibilidade de nela a criança poder crescer de forma sã e normal, em condições de segurança, liberdade e dignidade. Concretização Traçadas estas linhas, há que verificar as opções tomadas no acórdão em escrutínio, tendo em conta todos os factos apurados. Comecemos pela análise dos factos. MM nasceu em .../.../2018 de parto prematuro, com 31 semanas de gravidez e sem vigilância clínica, com síndrome de abstinência de cocaína decorrente do consumo de tal estupefaciente por parte da mãe durante o período de gravidez. Nunca residiu com os pais, que não procederam ao seu registo inicial. Foi-lhe aplicada a medida de promoção e proteção de acolhimento residencial, a qual foi sucessivamente renovada, com a aprovação dos seus progenitores durante a primeira fase da vida desta criança. O menor CC permaneceu na Associação de Apoio à Criança sem qualquer visita dos progenitores ou outro familiar durante cerca de seis meses após nela passar a estar acolhido. Residiu, sempre, na casa desta associação, onde foi acolhido e as relações afetivas mais relevantes e securizantes ocorreram no seio dessa Associação. A progenitora iniciou visitas espontaneamente em 28-4-2019, mas devido aos hábitos de consumo de estupefacientes daquela, tais visitas foram marcadas por agitação psicomotora da mesma e, por sua iniciativa, por curta duração, de cerca de 20 minutos, embora sempre com afeto para com o filho. As visitas foram irregulares, com várias ausências às visitas agendadas e sem aviso prévio. A progenitora, ao longo das visitas e até à sua detenção, evidenciou uma degradação progressiva da sua condição e progressiva redução da pontualidade, assiduidade e encurta-mento, a seu pedido, do tempo de convívio. A progenitora desde a gravidez e nascimento do menor até ter sido presa, o que ocorreu a 27-12-2022, auferia uma pensão social no valor mensal de cerca de € 190,00, consumia cocaína, sendo acompanhada no CRI ..., e dedicava-se à prostituição. Apesar de ter frequentado um curso profissional remunerado em durante o ano de 2021, desistiu do mesmo sem justificação, mantendo-se sem trabalhar. Tem características de personalidade dependente, impulsiva e imatura e evidencia dificuldade em lidar com situações de tensão e contrariedade, tendendo a recorrer a estratégias de coping desadaptativas (designadamente, o consumo de substâncias estupefacientes), apesar de possuir algumas competências parentais básicas ao nível de ensino e correção de comportamentos, da alimentação e da higiene O relacionamento dos progenitores entre si, reiniciado após a investigação da paternidade, tem sido pautado pela instabilidade e por episódios de violência do progenitor para com a progenitora. Além disso, o progenitor também consome produtos estupefacientes, designadamente, heroína e cocaína, há longa data. Apresenta condenações transitadas pela prática do crime de ofensa à integridade física, tráfico de estupefacientes de menor gravidade e de detenção de arma proibida e um crime de roubo, estes últimos por factos cometidos em 19-08-2020. Apresenta propensão para o recurso à agressividade física e raiva e teve postura agressiva, hostil e impulsiva perante os técnicos da instituição onde o seu filho estava acolhido, o que ocorreu diante do menor em algumas ocasiões. O progenitor, em relação ao menor e à permanência junto de si, apresenta-se excessivamente autocentrado, focando-se essencialmente nos seus direitos como pai e apresenta fragilidade nos vínculos afetivos com o menor. Nas visitas realizadas ao menor, o progenitor evidenciou preocupação na imposição do que entende serem os seus direitos, alegando que o filho é seu, é do seu sangue, é sua propriedade e que não vai abdicar do mesmo. No período em que o progenitor visitou o menor sozinho, a interação do mesmo com o menor foi marcada pela rejeição deste último, que procurava a segurança junto da técnica e recusava-se a permanecer sozinho com o pai. Apesar de terem sido encaminhados para um programa de promoção de competências parentais, os progenitores adotaram uma postura de desresponsabilização, de tendência para culpabilizar terceiros pelo processo do filho e resistência na mudança, o que inviabilizou a intervenção técnica junto dos mesmos e determinou a cessação da frequência do aludido programa. Não existem familiares dos progenitores ou outra pessoa disponível para assumir a guarda e a prestação de cuidados ao menor. Postos todos estes factos não se vê que outra decisão poderia ter o tribunal tomado sem postergar a defesa do direito à infância do CC e sem o colocar em risco, por não se tentar a sua inserção no âmbito de uma família que lhe permita um desenvolvimento harmonioso, visto que os seus progenitores não lograram, apesar do longo tempo decorrido (cerca de cinco anos) e programa que lhe foram dispensados, reunir um início de condições mínimas para o efeito. Não se põe em causa que tem sido objetivo da Progenitora criar e fortalecer os laços materno-filiais desde que foi visitar a criança pela primeira vez, seis meses após o seu nascimento e que a mesma nutre sentimentos de afeto para com o menor que serão retribuídos de alguma forma, tudo ocorrido após o seu abandono. No entanto, não se pode falar da criação de verdadeiros laços materno-filiais, atenta a natureza e número de contactos em causa, que nunca passaram por partilha de vivências para além de curtas visitas, irregulares. Os laços afetivos entre o pai e o menor são pouco expressivos, como vimos. Como se escreveu no anterior acórdão proferido por este tribunal no âmbito destes autos: “os pais desta criança têm sido figuras ausentes ou inconstantes, disruptivas e egoístas no interesse que prosseguem.” Aí também já se dá conta que “os dados coligidos até ao momento estarem a abrir caminho para uma solução que pode não passar pelo envolvimento futuro dos progenitores biológicos na vida do CC, que já foi demasiado prejudicado pela ausência, inconstância e impreparação daqueles”, apontando que “o melhor interesse do CC, um resto de infância no seio de uma vida familiar que melhor ampare o seu crescimento como pessoa.” Cumpre atentar que desde a gravidez e não obstante o tempo já passado e o apoio que se tentou conceder aos progenitores para que desenvolvessem capacidade para assumir as responsabilidades inerentes à guarda do seu filho, os mesmos não conseguiram progredir nessa tarefa, mantendo-se em situação que inviabilizam a sua realização, seja pelo recurso à droga, seja pela prática de crimes que levaram ao seu encarceramento, seja pela incapacidade de exercerem uma atividade licita que os sustente. A progenitora viu a sua inscrição num curso profissional remunerado anulada em 2022 por dele ter desistido sem justificação, não se lhe conhecendo qualquer trabalho remunerado, e tende a recorrer a estratégias de coping desadaptativas (designadamente, o consumo de substâncias estupefacientes), tendo sido detida a 27-12-2022. Em fevereiro desse ano continuava a apresentar um emagrecimento acentuado, mostrava-se descuidada e com hematomas, por ter sido vítima de agressões. Assim, não obstante a afeição que a progenitora nutrirá pelo seu filho, certo é que o difícil percurso de vida que vem seguindo não lhe permitiu obter as capacidades mínimas para desenvolver as funções maternais de que aquele necessita e, ainda de forma mais premente, apesar das tentativas para a auxiliar na aquisição de tais competências (nomeadamente o encaminhamento para programa de promoção de competências parentais), não logrou progredir de alguma forma significativa, de forma a poder-se acreditar que, apesar de já terem decorridos 5 anos, haverá alguma perspetiva de as vir a adquirir em tempo útil (durante a infância do CC). Não altera esta falta de perspetiva o facto de se verificar se enquanto encarcerada não apresenta consumos de estupefacientes, pelo que não tem interesse atrasar o destino do menor para apurar essa circunstância. Quanto ao progenitor é patente que não se criaram quaisquer laços entre ele e o menor, que o chegou a rejeitar, mercê da desestabilização que lhe produzia e a sua ausência de capacidades parentais, quer por causa do seu comportamento agressivo, não se coibindo da pratica de atos de natureza violenta contra terceiros mesmo à frente da criança, quer do facto de se apresentar demasiado auto centrado no que toca ao menor, focando-se essencialmente nos seus direitos como pai, com falta de noção das necessidades do filho. A isto acresce a prática de crimes violentos (roubo), com posse de arma no ano de 2020, pelos quais veio a ser preso e a manutenção do consumo de estupefacientes como heroína e cocaína (como se detetou quando foi detido). Foi-lhe dada a possibilidade de seguir programa de promoção de competências parentais, mas não se logrou obter de facto a sua cooperação profunda para obter tal desiderato. Assim, nenhum dos progenitores tem as condições mínimas de estabilidade material ou estrutura psicológica que lhes permitam tomar conta de si, quanto mais de uma criança de tenra idade e não se vê que haja perspetiva séria de as virem a alcançar ainda durante a infância do CC. Desta forma, embora durante estes anos (cerca de cinco) se tenha esperado que os pais assumissem o seu dever para com o CC, ou pelo menos que demonstrassem que estavam a desenvolver capacidades para tanto, conclui-se que não lhes foi possível fazer avanços visíveis nesse sentido e que não há indícios que o consigam fazer em tempo útil. É evidente que CC, como qualquer criança, precisa de afeto, cuidados, estabilidade e segurança, bem como o acompanhamento necessário ao seu bem-estar, crescimento e desenvolvimento integral, o qual deve preferencialmente ser concedido por uma família que revele competências para tal. Ora, o menor vive acolhido numa residência desde o seu 1º mês de vida até agora, afastado desse ambiente familiar, ideal para o seu pleno desenvolvimento. Está privado de uma família desde o nascimento. Os pais nunca lhe deram o ambiente familiar necessário ao seu desenvolvimento, deixando-o no Hospital e defendendo até há pouco a sua manutenção na residência à espera de que pudessem eventualmente vir a ter condições para exercerem as suas responsabilidades. A progenitora continua ciente da sua incapacidade para desempenhar tais funções, mas defende, tal como o progenitor, a entrega da criança a uma terceira pessoa, que nunca a conheceu e com quem esta não tem quaisquer relações, que nenhum parentesco tem com o menor. E insurge-se porque se deve dar prevalência à sua família biológica. A prevalência da família biológica pressupõe que esta reúna o mínimo de condições para garantir um desenvolvimento pleno da criança e necessariamente que, num juízo de prognose póstuma, se evidencie que a situação de perigo, objetivamente criada por esta, em virtude da incapacidade dos progenitores de prestarem os cuidados ao menor, não se voltará a repetir. Ora, no presente caso é manifesto que não é possível dar tal prevalência, face aos perigos que os progenitores apresentam para a criança, perante a um estilo de vida onde a droga está presente, os comportamentos do progenitor são frequentemente pontuados pela violência, não se lhes conhecendo meios de subsistência e encontrando-se ambos presos pela prática de crimes. Não é possível privar o menor do resto da sua infância à espera que os pais consigam fazer o seu percurso de crescimento, com a aquisição de capacidades parentais e estruturação de um modo de vida que lhes permitisse eventualmente exercer as suas responsabilidades quando nenhuns avanços se viram quanto aos progenitor nesse sentido e a progenitora ainda se mantém na luta para abandonar o seu vício da droga e sem quaisquer condições de estabilidade de vida. Ao invés do que afirmam os progenitores, entende-se que foram esgotadas todas as possibilidades de integração da criança na família biológica, sendo que a “alternativa” proposta por estes, de entregar a criança aos cuidados de pessoa que não conhece, não tem qualquer interesse para o menor, cortando as relações emocionais que tem com as pessoas da residência onde está acolhido para ser recolhido por pessoa com a qual não tem qualquer relação, criando uma situação de instabilidade sem que esta situação lhe possa trazer qualquer vantagem. Como vimos, no presente caso não existam os vínculos afetivos próprios da filiação, por esta ter sido deixada no hospital e deixada aos cuidados da associação onde foi acolhida, não tendo os progenitores condições para prestar os cuidados elementares aos menores, como, aliás, assumem, ao pedir a sua confiança a terceira pessoa. Assim, carecida de pais ou parentes que lhe prestem os cuidados de que precisa que desempenhe tal função, dúvidas não há que o menor se encontra numa situação de perigo que tem vindo a ser afastado, durante todo o seu tempo de vida, pelo seu abrigo na instituição de acolhimento. O menor continua carecido de pais que consigam zelar por ele de forma a satisfazer as suas necessidades básicas, atenta a falta de competências supra mencionadas dos seus progenitores biológicos, que determinam o seu recurso a drogas e o duro percurso, nem sempre linear, para a sua libertação, a sua incapacidade em apresentarem qualquer percurso laboral ou frequência de cursos profissionais com alguma continuidade, a sua atividade criminal que conduziu à sua prisão, a que acresce a impulsividade de que ambos padecem e que se traduz na agressividade do progenitor e nas dificuldades em lidar com situações de tensão e contrariedade, tendendo a recorrer a estratégias de coping desadaptativas (ex., consumos de substâncias) por parte da mãe. Está nitidamente em perigo. Este total afastamento ou abandono dos pais durante toda a vida da criança, exceto no que concerne a visitas, de curta duração e videoconferências, impede que se consiga encontrar um vinculo afetivo profundo entre o menor e os seus pais (sem prejuízo de estes demonstrarem interesse no aprofundamento de laços com a criança, que a sua prisão, pela prática de alguns crimes já durante a infância do CC, não facilita). Em suma, o superior interesse do CC em crescer no âmbito de uma família sobrepõe-se ao direito dos progenitores de poderem exercer a sua parentalidade, por estar em causa o destino e a vida da criança. Foram dadas aos progenitores oportunidades relevantes e efetivas para que pudessem organizar-se de forma a poder exercer de forma cabal as suas responsabilidades, mas os mesmos não conseguiram criar nestes cinco anos de vida do CC condições mínimas de segurança para cuidarem do CC, não se vislumbrando que o venham a poder fazer. Deve ser permitido ao CC que se desenvolva no âmbito de uma família que lhe conceda as condições necessárias para que este se cresça de forma sã, não sendo exigível ao menor que já vive institucionalizado há cinco anos que continue o resto da sua infância nessa situação, à espera que os pais resolvam as suas graves incapacidades, caminho que, apesar de apoiados, não mostram conseguir fazer. Portanto, a solução encontrada é proporcional ao sacrifício impostos aos progenitores, em face do benefício que dela resultará para a criança, visto que estão seriamente comprometidos os vínculos próprios da filiação, respeita o interesse superior da criança, sem pôr em causa de forma premente a continuidade de relações de afeto de qualidade e significativas. Não existe outra medida, menos interventiva, que proteja o CC dos perigos a que está sujeito; esta é estritamente necessária e a adequada à situação de perigo em que a criança se encontra e respeita o direito da criança à preservação das relações afetivas estruturantes de grande significado e tem em vista a sua integração numa família estável, já que os progenitores biológicos não têm o mínimo de capacidades para o efeito. V- Decisão Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedentes as presentes apelações, e, em consequência confirmar a decisão recorrida. Custas pelos Recorrentes (artigo 527º nº 1 do Código de Processo Civil). Guimarães, 14-09-2023 Sandra Melo Jorge dos Santos Maria Amália Santos |