Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
630/20.4T8PTM.E1
Relator: ALBERTINA PEDROSO
Descritores: PRAZO CERTO
SUSPENSÃO DE PRAZO
ESTADO DE EMERGÊNCIA
JUSTO IMPEDIMENTO
PROCESSO URGENTE
Data do Acordão: 11/19/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
I - Tendo a requerida sido citada no dia 17-03-2020, o prazo para deduzir oposição ficou suspenso desde o seu termo inicial, por força do disposto nos artigos 37.º do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de Março, e 10.º da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, que fez retroagir ao dia 9 de Março, a suspensão dos prazos e actos processuais, sendo assim manifesto, em face do disposto nas disposições conjugadas dos artigos 269.º, n.º 1, alínea d), 275.º, n.º 2, e 276.º, n.º 1, alínea d), que a requerida não tinha que apresentar oposição enquanto durasse o período de suspensão legal, já que os prazos não corriam nesse período.
II - Tratando-se de suspensão legal, em face do disposto no artigo 7.º, n.ºs 1 e 2 da Lei n.º 1-A/2020, colocou-se a questão respeitante ao termo da consagrada suspensão dos prazos, pois ficou-se «sem saber se seria a determinação da autoridade de saúde pública ou o Decreto-Lei do governo a forma correcta de fazer cessar a suspensão dos prazos processuais», considerando-se que enquanto não surgisse nova legislação a declarar o fim da epidemia, o decretado regime de suspensão de prazos mantinha-se.
III - Não obstante, e apesar da continuação da situação excepcional de mitigação da pandemia e tratamento da doença, e consequentemente de não poder ser por via legal declarado o fim da infecção epidemiológica, com a Lei n.º 16/2020, de 29 Maio, o legislador optou por revogar o artigo 7.º da Lei 1-A/2020, posição que se interpreta como determinando o levantamento da suspensão dos prazos sem necessidade de ser emitido o anunciado decreto-lei, voltando os prazos a correr no quinto dia seguinte ao da sua publicação, por via do preceituado no artigo 10.º da Lei 16/2020, de 29 de Maio, ou seja, a partir do dia 3 de Junho de 2020, inclusive.
IV - Porém, ainda antes da revogação generalizada da decretada suspensão de prazos pela Lei n.º 16/2020, o legislador, pese embora tivesse mantido o referido n.º 2 do artigo 7.º, ao modificar o seu n.º 7, ainda que sem o anunciar expressamente, acabou por proceder à revogação tácita daquele n.º 2 relativamente aos processos urgentes, posto que veio estabelecer quanto aos processos urgentes um novo regime especial, ao declarar que “os processos urgentes continuam a ser tramitados, sem suspensão ou interrupção de prazos, atos ou diligências”, considerando, assim, que as regras enunciadas nas suas alíneas, direccionadas para mitigar o contágio decorrente da presença física em actos e diligências, seriam adequadas para tal fim, salvo se, tal não fosse possível ou adequado, a sua prática ou realização nos moldes preconizados, caso em que salvaguardava a aplicação a estes processos do regime geral previsto na também modificada redacção do seu n.º 1.
V - Assim, quanto aos processos urgentes, a decretada suspensão legal ocorreu entre 9 de Março e 6 de Abril, data em que cessou, começando os prazos a correr nestes processos a partir do dia 7 de Abril de 2020, data da entrada em vigor da Lei n.º 4-A/2020, conforme previsto no seu artigo 7.º.
VI - Tal não obsta, porém, à aplicação do regime geral do «justo impedimento», e à invocação deste como justificação para a prática atempada do acto pelo cidadão, não sendo indiferente nesta apreciação a vigência das limitações de circulação decorrentes da situação excepcional vivida no decurso do estado de emergência que necessariamente têm que ser sopesadas no juízo de censurabilidade a dirigir ao comportamento omissivo.
VII - Tendo a Apelante invocado como «justo impedimento» para a prática atempada do acto a vigência do estado de emergência, ponderando o facto notório da continuidade da vigência dessa situação classificada como absolutamente excepcional, entre o dia 19 de Março e o último minuto do dia 2 de Maio de 2020, um sábado, tendo presente a deslocação do núcleo essencial do conceito de justo impedimento da visão tradicional assente na normal imprevisibilidade do acontecimento, para a hodiernamente consagrada que se mostra centrada na não imputabilidade do evento justificante à parte, o exercício dos direitos pelos cidadãos neste período não pode deixar se ser entendido à luz das fortes limitações à sua liberdade de deslocação e, diremos mais, do conhecimento que os mesmos possuem sobre o que nas concretas circunstâncias excepcionais que vivemos, lhes é permitido fazer.
VIII - Assim, no concreto circunstancialismo em presença, julgamos verificado o «justo impedimento» invocado pela requerida decorrente da limitação da possibilidade de circular e, por isso, de procurar advogado que a representasse para apresentar a oposição nestes autos antes de ter findado a vigência do estado de emergência. (sumário da relatora)
Decisão Texto Integral:
Tribunal Judicial da Comarca de Faro[1]
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Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora[2]:

I. – RELATÓRIO
1. A…, requerida nos autos do procedimento cautelar acima identificado, que M… contra si deduziu visando a restituição provisória da posse sobre um seu prédio urbano, tendo sido notificada do despacho proferido em 19-06-2020 (refª.: 116926969) que indeferiu a invocação de justo impedimento e mandou desentranhar o articulado de oposição que apresentou, e não se conformando com o mesmo, apelou, terminando a sua minuta recursória com prolixas conclusões que se sintetizam nas seguintes:
«A requerente recebeu a notificação para os termos da presente providência cautelar em 17 de Março, na altura em que já tinham sido estabelecidas medidas especiais de isolamento social, de confinamento sanitário e de encerramento do atendimento ao público dos serviços públicos, do encerramento da generalidade dos estabelecimentos comerciais e das actividades de prestação de serviços, determinados pelo Decreto-Lei 10-A/2020, de 13 de Março, reforçadas pelo Decreto Presidencial nº 14-A/2020, de 18 de Março, a determinar a situação de Estado de Emergência, pela publicação da Lei 1-A/2020, de 19 de Março e pelo Decreto governamental nº 2-A/2020, de 20 de Março, objecto de sucessivas alterações posteriores);
Esse complexo normativo foi objecto de uma reforçada campanha de comunicação e de informação promovida pelo governo e pela comunicação social em geral na qual se publicitaram as medidas de confinamento sanitário, de isolamento social e as restrições da liberdade de circulação das pessoas nas vias públicas locais e nacionais, que, a nível local foi reforçada com a circulação de carros das forças policiais, com de amplificação sonora, pelas ruas das povoações a informar das restrições à circulação e a exortar para as pessoas permanecerem nas suas habitações, ao que acrescia a realização de patrulhas a chamar à atenção dos transeuntes e a apelar para o regresso às suas habitações;
[Q]uer pelo que decorria das normas acima referidas, sobretudo as constantes do artº 5º nº 1, do Decreto do Governo nº 2-A/2020, de 20 de Março, quer da campanha de comunicação antes referida, a generalidade das pessoas – como foi reconhecido e aplaudido por todos – interiorizou essa necessidade de confinamento, de isolamento social e das restrições da limitação à circulação nas vias públicas contribuindo com esta atitude para o sucesso das medidas e dos bons resultados com combate à doença do Covid-19;
[T]oda a informação colhida pela requerente foi a de que os serviços públicos, incluindo os Tribunais tinham encerrado ao atendimento directo ao público, só se mantendo para acudir a situações muito excepcionais de graves violações de direitos liberdades e garantias fundamentais;
[A] decisão ora recorrida é precisamente contrária ao sentido da lei e a toda a mensagem pública que se transmitiu sobre que a decretação das medidas de excepção não perturbaria a defesa efectiva dos direitos substantivos e processuais das pessoas, especialmente nos casos em que esteja em causa o direito fundamental à habitação … tanto mais que, nesta parte e no caso em apreço, existe um paralelismo e uma plena identidade de razões com as situações previstas no artº 7º, nº 11, da Lei 4-A/2020, de 6 de Abril, em que foram suspensas as acções de despejo e os processos de entrega de coisa imóvel arrendada».
Termina pedindo que seja considerado «procedente o invocado motivo de justo impedimento para a apresentação em data anterior à de 4 de Maio de 2020, que foi aquela em que a ora recorrente apresentou o seu requerimento de justo impedimento e o seu articulado de oposição à providência cautelar aqui em apreço».
A acrescer a este argumentário, a Apelante invoca ainda que «por despacho da Mtª Juiz a quo datado de 4 de Abril de 2020, a fls. …, cujo conteúdo se reproduziu no corpo desta alegação, no qual foi processualmente determinada a suspensão da providência cautelar e o prazo para a apresentação da oposição pela requerida e ora recorrente; Esse despacho manteve-se sempre no processo, nunca tendo sido alterada a decisão nele contida, isto é não foi revogado, nem foi substituído por outro que tivesse levantado tal suspensão»; sendo que «a situação de contenção decorrente da pandemia covid-19, no que respeita ao normal funcionamento dos tribunais, só ocorreu no 3 de Junho, com a entrada em vigor da Lei 16/2020, de 29 de Maio; e «só em 12 de Maio de 2020, após a apresentação da oposição pela requerida, é que foi proferido despacho a fls. …, que, de algum modo, revoga tacitamente o despacho que ordenou a suspensão da providência cautelar e do prazo de apresentação dessa oposição, mandando notificar a requerente para se pronunciar sobre o invocado motivo de justo impedimento e, igualmente, para aperfeiçoar o seu articulado inicial; Tendo a requerente tido a lisura e correcção de nada ter a opor ou a requerer e, também, de chamar a atenção para o despacho mencionado na conclusão precedente, no qual se decretou a suspensão do dito prazo de oposição», concluindo que «o douto despacho proferido nos autos em 4 de Abril de 2020, não foi directa e imediatamente revogado pela entrada em vigor das invocadas normas dos artºs 6º e 7º nº 7, da Lei 4-A/2020, de 6 de Abril, que esclareceu o confuso e contraditório do regime jurídico da contagem dos prazos processuais urgentes decorrente da Lei 10-A/2020, de 19 de Março e do Decreto-lei 10-A/2020, de 13 de Março, por ela ratificado», donde, «Não tendo sido proferida, no processo, nova decisão judicial a revogar e a levantar a suspensão da contagem do prazo para apresentação da referida oposição, essa suspensão manteve-se totalmente operante, pelo menos, até à data em que foi produzido, em 12 de Maio de 2020, o novo despacho a ordenar a notificação da requerente para se pronunciar sobre o requerimento de justo impedimento e para apresentar um novo articulado de aperfeiçoamento do articulado inicial».

2. Não foram apresentadas contra-alegações.

3. Observados os vistos, cumpre decidir.
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II. – O objecto do recurso
Com base nas disposições conjugadas dos artigos 608.º, n.º 2, 609.º, 635.º, n.º 4, 639.º, e 663.º, n.º 2, todos do Código de Processo Civil[3], é pacífico que o objecto do recurso se limita pelas conclusões das respectivas alegações, evidentemente sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, não estando o Tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos produzidos nas conclusões do recurso, mas apenas as questões suscitadas, e não tendo que se pronunciar sobre as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.
Assim, vistos os autos, e atenta a respectiva ordem lógica, as questões a apreciar, consistem em saber se: i) deve ser considerado verificado o alegado justo impedimento e revogado o despacho recorrido; em caso negativo, se ii) deve a oposição considerar-se ainda assim tempestiva em virtude do despacho que decretou a suspensão da instância.
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III – Fundamentos
III.1. – Tramitação processual
O iter processual relevante para a decisão do presente recurso é o seguinte:
A) – A Requerida, ora Apelante, foi regularmente citada para deduzir oposição ao presente procedimento cautelar no dia 17-03-2020, não constando no ofício que então lhe foi entregue, conforme certificação Citius de elaboração em 10-03-2020, menção ao carácter URGENTE do processo, em linguagem simples, acessível a qualquer cidadão.
B) – No dia 03-04-2020 foi proferido despacho com o seguinte teor: «A requerida foi citada para, querendo, opor-se a esta providência cautelar em 17 de Março de 2020.
Por força do disposto nos artigos 7º n.º s 5 e 10 da Lei 1-A/2020, de 19 de Março e 37º do DL 10-A/2020, 13 de Março, a produzir efeitos desde o dia 09 de Março, o prazo para deduzir oposição nestes autos está suspenso até à cessação da situação excepcional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infecção epidemiológica por SARS-Cov2 e da doença Covid-19.
Por ora, e face ao exposto, devem os autos aguardar a cessação da situação que determinou a suspensão do presente prazo».
C) – Em 04-05-2020 a requerida apresentou oposição, iniciando o requerimento com o título “Do Justo Impedimento”, e aduzindo que:
«1. A requerente recebeu a notificação para os termos da presente providência cautelar em 17 de Março, na altura em que já tinham sido estabelecidas medidas especiais de isolamento social, de confinamento sanitário de funcionamento dos serviços públicos (Decreto-Lei 10-A/2020, de 13 de Março, ratificado pela Lei 1-A/2020, de 19 de Março) e objecto de sucessivas alterações posteriores), tendo, no dia seguinte, sido publicado o Decreto Presidencial nº 14-A/2020, de 18 de Março a estabelecer o Estado de Emergência em todo o país, no modo que veio a ser definido, nomeadamente pelo Decreto-regulamentar nº 2-A/2020, de 19 de Março a estabelecer medidas de isolamento social, de confinamento, bem como restrições à liberdade de circulação e a determinação do encerramento de actividades e serviços públicos e privados.
2. Assim, em razão dessas medidas, todas elas constantes da Lei e do público e notório conhecimento de toda a gente, a requerente esteve impedida de circular, nomeadamente para a aceder aos serviços da Segurança Social para obter apoio judiciário, contactar advogado, procurar e contactar testemunhas, etc., razões essas que impediram a requerente de apresentar, antes, esta sua oposição, pois, só a partir de sábado, com a publicação do Decreto-lei nº 20/2020, foram levantadas algumas restrições impostas pela pandemia Covid 19, nomeadamente no que diz respeito ao direito e liberdade de confinamento, abrindo a possibilidade de aceder aos serviços de advogado, da Segurança Social, etc. .
3. Devendo pois, ser aceite a presente oposição à providência cautelar requerida».
D) – Em 05-05-2020 foi proferido despacho determinando a notificação da «requerida para, em 3 dias, juntar aos autos procuração forense com ratificação do processado, se necessário, com as cominações do artigo 48º do CPC».
E) – Em 12-05-2020 foi proferido despacho determinando a notificação da «requerente para, querendo, no prazo de 3 dias,
- dizer o que entender por conveniente quanto ao invocado justo impedimento pela requerida (artigo 3º n.º 3 do CPC).
- aperfeiçoar o seu articulado inicial consubstanciando factual e concretamente a lesão grave e dificilmente reparável do direito ameaçado (artigos 6º n. º2 e 590º n.º 4, ambos do CPC)».
F) – A requerente respondeu: «quanto ao invocado justo impedimento convocado pela Requerida na sua douta oposição, a Requerente nada tem a opor ou a requerer.
Acresce ainda que foi proferido despacho a fls. (…) onde foi determinado que …», passando a transcrever parcialmente o teor do despacho referido em B).
G) – Em 19-06-2020 foi proferido o despacho recorrido.
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III.2. – O mérito do recurso
Como é sabido, a apresentação dos actos das partes está sujeita a prazo peremptório cujo decurso extingue o direito de praticar o acto (artigo 139.º, n.ºs 1 e 3, do CPC), salva a possibilidade de o mesmo ser ainda praticado nos três dias úteis subsequentes ao seu termo, mediante o pagamento de multa (artigo 139.º, n.º 5, do CPC), a verificação de situação de justo impedimento (artigos 139.º, n.º 4 e 140.º do CPC), a existência de norma a prever a prorrogabilidade do prazo ou o acordo das partes nesse sentido (artigo 141.º, n.ºs 1 e 2, do CPC), e a verificação de outras causas legais de interrupção ou suspensão da instância, designadamente, quando a lei o determinar especialmente ou o tribunal a ordenar (artigo 269.º, n.º 1, alíneas c) e d)).
Ora, desde o surgimento e rápida disseminação da COVID 19 em Portugal, e ainda antes da publicação do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de Março, que estabeleceu "medidas excecionais e temporárias relativas à situação epidemiológica do novo Coronavírus - COVID 19", foi-se tomando consciência da dificuldade de manutenção do normal funcionamento dos tribunais e da insuficiência da casuística possibilidade de invocação dos regimes do justo impedimento e da justificação das faltas para acautelar a miríade de situações potenciadoras do risco de contágio, mormente com a realização das diligências presenciais e as inúmeras deslocações aos tribunais, tendo as medidas adoptadas nos artigos 14.º e 15.º daquele diploma, assentes na necessidade de apresentação de uma declaração emitida por autoridade de saúde ou aplicáveis em caso de encerramento e suspensão do atendimento presencial nos tribunais por decisão de autoridade pública, sido de imediato consideradas como manifestamente desajustadas já que «os prazos continuariam a decorrer num período agudo da pandemia em que grande parte dos escritórios de advogados tinha encerrado e os advogados tinham imensa dificuldade em contactar com os seus clientes.
Por isso mesmo, e como bem salientou PAULO PIMENTA, "as soluções consagradas não eram as que a situação no terreno exigia", já que "o que constava daqueles dois preceitos nada adiantava ao que já era possível obter pela normal aplicação das regras gerais, quer em matéria de justo impedimento (artigo 140.º do CPC), quer em matéria de suspensão de prazos (artigo 138.º do CPC)» [4].
Poucos dias volvidos, foi publicada a Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, que ratificou o conteúdo daquele diploma e cujo artigo 7.º, para o que ora nos importa, definiu um regime especial de suspensão de prazos e diligências, sujeitando ao regime das férias judiciais, por via dos seus n.ºs 1 e 5, os actos processuais e procedimentais que devessem ser praticados nas diversas jurisdições, incluindo quanto aos processos urgentes, com ressalva dos indicados no n.º 9 do preceito, em que estivessem em causa direitos fundamentais, ou quando fosse viável a prática dos actos através de meios de comunicação à distância adequados.
Portanto, em face do que vimos de referir e da natureza urgente dos presentes autos, dúvidas não existem de que o prazo em curso para a requerida deduzir oposição, que se iniciaria no dia 18-03-2020, ficou suspenso desde o seu termo inicial, por força do disposto nos artigos 37.º do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de Março, e 10.º da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, que fez retroagir ao dia 9 de Março, a suspensão dos prazos e actos processuais, sendo assim manifesto, em face do disposto nas disposições conjugadas dos artigos 269.º, n.º 1, alínea d), 275.º, n.º 2, e 276.º, n.º 1, alínea d), que a requerida não tinha que apresentar oposição enquanto durasse o período de suspensão legal, já que os prazos não corriam nesse período[5].
Porém, uma nova questão se coloca, desta feita quanto ao termo da consagrada suspensão dos prazos, uma vez que o referido artigo 7.º da Lei n.º 1-A/2020, pese embora cumprindo «o necessário objectivo de suspender os prazos e diligências em tempos de pandemia», enquanto no seu n.º 1, referia que aquele termo ocorreria aquando da "cessação da situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19, conforme determinada pela autoridade nacional de saúde pública", estabelecia no respectivo n.º 2 que o seu regime cessava "em data a definir por decreto-lei, no qual se declara o termo da situação excecional". «Ficava-se pois sem saber se seria a determinação da autoridade de saúde pública ou o Decreto-Lei do governo a forma correcta de fazer cessar a suspensão dos prazos processuais». Assim, considerou-se que «enquanto não surgir nova legislação a declarar o fim desta epidemia, este regime mantém-se, mesmo que não venha a ser novamente renovado o estado de emergência, inicialmente decretado pelo Decreto do Presidente da República n.º 14-A/2020, de 18 de Março, e já renovado uma vez pelo Decreto do Presidente da República n.º 17-A/2020, de 2 de Abril».
Não obstante, e apesar da continuação da situação excepcional de mitigação da pandemia e tratamento da doença, e consequentemente de não poder ser por via legal declarado o fim da infecção epidemiológica, com a Lei n.º 16/2020, de 29 Maio, o legislador optou por revogar o artigo 7.º da Lei 1-A/2020, posição que se interpreta como determinando o levantamento da suspensão dos prazos sem necessidade de ser emitido o anunciado decreto-lei, voltando os prazos a correr no quinto dia seguinte ao da sua publicação, por via do preceituado no artigo 10.º da Lei 16/2020, de 29 de Maio, ou seja, a partir do dia 3 de Junho de 2020, inclusive[6].
Acontece que, previamente a este levantamento generalizado da antes determinada suspensão dos prazos no período de mitigação da pandemia, o legislador havia já introduzido uma alteração a respeito da decretada suspensão quanto aos processos urgentes, já que o referido artigo 7.º foi modificado pela Lei n.º 4-A/2020, de 6 de Abril, passando a constar no seu n.º 7 que Os processos urgentes continuam a ser tramitados, sem suspensão ou interrupção de prazos, atos ou diligências, observando-se quanto a estes o seguinte: a) Nas diligências que requeiram a presença física das partes, dos seus mandatários ou de outros intervenientes processuais, a prática de quaisquer atos processuais e procedimentais realiza-se através de meios de comunicação à distância adequados, designadamente teleconferência, videochamada ou outro equivalente; b) Quando não for possível a realização das diligências que requeiram a presença física das partes, dos seus mandatários ou de outros intervenientes processuais, nos termos da alínea anterior, e esteja em causa a vida, a integridade física, a saúde mental, a liberdade ou a subsistência imediata dos intervenientes, pode realizar-se presencialmente a diligência desde que a mesma não implique a presença de um número de pessoas superior ao previsto pelas recomendações das autoridades de saúde e de acordo com as orientações fixadas pelos conselhos superiores competentes; c) Caso não seja possível, nem adequado, assegurar a prática de atos ou a realização de diligências nos termos previstos nas alíneas anteriores, aplica-se também a esses processos o regime de suspensão referido no n.º 1.
Portanto, como é bom de ver, ainda antes da revogação generalizada da decretada suspensão de prazos pela Lei n.º 16/2020, o legislador, pese embora tivesse mantido o referido n.º 2 do artigo 7.º, ao modificar o seu n.º 7, ainda que sem o anunciar expressamente, acabou por proceder à revogação tácita daquele n.º 2 relativamente aos processos urgentes, restringindo aos demais a cessação da suspensão dos prazos “em data a definir por decreto-lei, no qual se declara o termo da situação excecional”, posto que veio estabelecer quanto aos processos urgentes um novo regime especial, ao declarar que “os processos urgentes continuam a ser tramitados, sem suspensão ou interrupção de prazos, atos ou diligências”, considerando, assim, que as regras enunciadas nas suas alíneas, direccionadas para mitigar o contágio decorrente da presença física em actos e diligências, seriam adequadas para tal fim, salvo se, tal não fosse possível ou adequado, a sua prática ou realização nos moldes preconizados, caso em que salvaguardava a aplicação a estes processos do regime geral previsto na também modificada redacção do seu n.º 1.
Assim, quanto aos processos urgentes, a decretada suspensão legal ocorreu entre 9 de Março e 6 de Abril, data em que cessou, começando os prazos a correr nestes processos a partir do dia 7 de Abril de 2020, data da entrada em vigor da Lei n.º 4-A/2020, conforme previsto no seu artigo 7.º.
Revertendo o que vimos de dizer ao caso em presença, e olhando agora apenas para a primeira vertente de análise das questões suscitadas no recurso, não se questiona sequer que, aquando da entrada em juízo da deduzida oposição ao procedimento cautelar, o prazo para o efeito já havia decorrido, pelas razões enunciadas no despacho recorrido, no segmento em que afirmou que «os prazos em processos de natureza urgente estiveram suspensos a partir do dia 09 de Março de 2020 com a entrada em vigor dos artigos 7º n.º 5 e 10 da Lei 10-A/2020, de 19 de Março e 37º do Dec. Lei 10-A/2020, de 13 de Marco. A requerida foi citada a 17 de Março de 2020. Sucede, porém, que com a Lei 4-A/2020, de 06 de Abril de 2020, na redacção dada pelo novo artigo 7º n.º 7, foi determinada a cessação da suspensão dos prazos em processos urgentes. Deste modo, e por força dos artigos 6 e 7 da referida Lei 4-A/2020, o prazo de oposição de 10 dias concedido à requerida já tinha decorrido à data da entrada da oposição em juízo, do que não há dúvidas».
Não obstante, e sendo evidente que decorrido um prazo assinalado por lei, não é possível que aquele prazo se «prorrogue», a não ser que ocorra justo impedimento validamente arguido, a questão que vem colocada concerne a saber se «a factualidade exposta pela opoente preenche ou não os pressupostos para se poder julgar verificado o justo impedimento», tendo a primeira instância considerado que não se mostravam verificados tais requisitos, porquanto, «a situação epidemiológica provocada pela doença Covid-19 foi certamente prevista e equacionada pelo próprio legislador que, ao fazer essa ponderação, determinou ainda assim a cessação da suspensão dos prazos.
Por outro lado, a requerida teria ao seu alcance outros meios não presenciais, não tendo dito nada em contrário, como o telefone, o telemóvel, os serviços de internet, o correio electrónico, que permitiriam certamente e, em tempo útil, a obtenção de informações e a realização de diligências junto de advogado, junto de terceiras pessoas a indicar como testemunhas e, designadamente, junto da Segurança Social cujos serviços não estiveram paralisados durante a situação de infecção epidemiológica Covid-19 (por exemplo: linha aberta 300502502)
Em face do exposto e com os fundamentos supra, não podendo deixar de considerar-se que, ao actuar da forma descrita a opoente não actuou com a diligência devida e normalmente exigível, não podemos considerar que a mesma tenha logrado fazer prova da verificação de um evento impeditivo a si não imputável e que tenha obstado à prática atempada do acto, pelo que se julga por não verificada a existência de situação de justo impedimento e, em consequência, já tendo decorrido o prazo para a requerida opor-se considero extemporânea a apresentação da sua oposição a fls. 17 a 22, determinando o seu desentranhamento (físico e eletrónico) e consequente devolução à parte, deixando cópia nos autos».
Vejamos.
Conforme antedito, a possibilidade da prática de um acto processual fora do prazo com fundamento em justo impedimento encontra-se regulada nos artigos 139.º, n.º 4, e 140.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, de acordo com cuja previsão «considera-se «justo impedimento» o evento não imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários que obste à prática atempada do ato», sendo que, «a parte que alegar o justo impedimento oferece logo a respetiva prova; o juiz, ouvida a parte contrária, admite o requerente a praticar o ato fora do prazo se julgar verificado o impedimento e reconhecer que a parte se apresentou a requerer logo que ele cessou».
Na espécie, a Apelante invocou como «justo impedimento» para a prática atempada do acto a vigência do estado de emergência, donde não existem quaisquer dúvidas de que preencheu o requisito previsto no n.º 2 do artigo 140.º, porquanto, com aquela alegação apresentou o articulado de oposição, e a prova, sendo assim de concluir que a parte se apresentou a requerer logo que cessou a situação que fundamentou o seu pedido, verificando-se consequentemente o cumprimento deste requisito formal[7].
Mas, como o justo impedimento não obsta ao decurso do prazo peremptório para a prática do acto, apenas diferindo o seu termo final para o primeiro dia subsequente à cessação do fundamento do impedimento para a sua prática tempestiva, para que tal diferimento tenha operado, e o acto possa ainda ser praticado fora do prazo legal estabelecido, é necessário que se conclua pela verificação dos demais requisitos substantivos e cumulativos que decorrem do n.º 1 do preceito, a saber: i) não ser o evento ou acontecimento invocado imputável à parte, seus representantes ou mandatários; e ii) constituir evento impeditivo da sua prática atempada.
Aplicando estas considerações ao caso concreto em presença, e tendo presente que, conforme se sublinhou no recente Acórdão do Tribunal de Contas de 23-06-2020[8], o justo impedimento «não obsta ao início da contagem de prazo perentório, não interrompe, nem suspende esse prazo», temos por certo que a Apelante só pode beneficiar do diferimento do prazo para apresentação da oposição ao presente procedimento cautelar, até ao dia em que apresentou o seu articulado com fundamento em «justo impedimento», se tiver alegado fundada razão pela qual esteve impedida de praticar tal acto entre o termo final do prazo para a sua prática, e o dia em que o veio a praticar, e apresentar prova que o demonstre, salvo se o evento em que fundamenta o atraso constituir facto notório.
Conforme advertem LEBRE DE FREITAS e ISABEL ALEXANDRE[9] o ónus imposto pelo n.º 2 do artigo 140.º do CPC cessa quando o facto constitutivo do justo impedimento revista as características de notoriedade, conforme o conceito do artigo 412.º, n.º 1, dando como exemplo precisamente «um estado de emergência nacional ou local ou outro evento generalizado que, segundo um juízo de normalidade, impeça a prática atempada do acto pela parte»
Ora, no caso em presença, e em face do fundamento invocado – as restrições de circulação impostas pelo estado de emergência –, tendo a Apelante sido citada para deduzir oposição em 17-03-2020, logo no dia seguinte, correspondente ao início do prazo para a prática daquele acto, dia 18-03-2020, pelo Decreto do Presidente da República n.º 14-A/2020, de 18 de Março, foi decretado o estado de emergência, pelo período de 15 dias, findo o qual foi renovado por duas vezes, pelos Decretos n.º 17-A/2020, de 2 de Abril, e n.º 20-A/2020, de 17 de Abril, mantendo-se ininterruptamente em vigor, e tendo cessado, também conforme expressamente previsto no seu artigo 3.º, às 23:59 horas do dia 2 de Maio de 2020.
Como consta expressamente vertido nos indicados decretos presidenciais, a declaração e renovação do estado de emergência teve como fundamento a verificação de uma situação de emergência de saúde pública classificada como constituindo uma calamidade pública, motivada por uma pandemia internacional, declarada pela Organização Mundial de Saúde, na sequência da proliferação à escala mundial do coronavírus SARS-CoV-2 e da doença COVID-19, sublinhando-se no preâmbulo deste último decreto, que «os pressupostos da declaração, que se mantiveram na sua renovação, assentavam numa estratégia de combate à disseminação do vírus através do recolhimento geral da população e da prática do distanciamento social. (…). Consciente do carácter absolutamente excecional da declaração do estado de emergência, mas também da gravidade da pandemia mundial que a todos afeta, o Presidente da República entende ser indispensável renovar mais uma vez esta declaração, em termos largamente idênticos (…)».
Ora, com relevância para a situação em presença, e como se expressava na afirmação contida no artigo 1.º do Decreto n.º 20-A/2020, de acordo com cuja estatuição, «é renovada a declaração do estado de emergência, com fundamento na verificação de uma continuada situação de calamidade pública», avulta o facto notório da continuidade da vigência desta situação de carácter classificado no preâmbulo do diploma como absolutamente excepcional, entre o dia 19 de Março e o último minuto do dia 2 de Maio de 2020, um sábado.
Vejamos, então, quais as restrições impostas aos cidadãos por via das sucessivas declarações de estado de emergência, mercê das quais ficaram genérica e parcialmente suspensos o exercício de vários direitos, entre os quais o Direito de deslocação [artigo 4.º, alínea a)], regulamentadas «pelo Governo através da aprovação, respetivamente, do Decreto n.º 2-A/2020, de 20 de março, e do Decreto n.º 2-B/2020, de 2 de abril, os quais contêm um conjunto de medidas em conformidade com aquela estratégia, sujeitas a um estrito escrutínio de proporcionalidade, com o objetivo último de conter a propagação do vírus», reiteradas pelo Decreto n.º 2-C/2020, de 17 de Abril, que estabeleceram as medidas de execução do estado de emergência, então aplicáveis a todo o território nacional, e discriminaram o exercício dos direitos que se encontravam temporariamente suspensos, consagrando no artigo 5.º daquele primeiro diploma o dever geral de recolhimento domiciliário para todos os cidadãos não abrangidos pelas situações excepcionais prevenidas nos artigos 3.º e 4.º, do referido diploma, salvo para as actividades ali nomeadas.
De entre estas actividades para cujo exercício o legislador pretendeu consagrar a possibilidade da deslocação dos cidadãos, inclusivamente com a circulação em veículo particular para o efeito (n.º 2), encontrava-se expressamente nomeada na alínea l) daquele artigo 5.º a «participação em atos processuais junto das entidades judiciárias», e mais genericamente na alínea t), «outras atividades de natureza análoga ou por outros motivos de força maior ou necessidade impreterível, desde que devidamente justificados», podendo assim dizer-se que a deslocação para diligenciar pela contratação de advogado para atempadamente deduzir oposição, era uma excepção permitida pelos referidos diplomas, estabelecendo-se até no artigo 22.º, sob a epígrafe “Acesso ao direito e aos tribunais”, que «o membro do Governo responsável pela área da justiça articula com os Conselhos Superiores e com a Procuradoria-Geral da República a adoção das providências adequadas à efetivação do acesso ao direito e aos tribunais, para salvaguarda dos direitos, liberdades e garantias lesados ou ameaçados de lesão».
Assim sendo, e decorrendo do disposto no artigo 6.º do Código Civil, que «a ignorância ou má interpretação da lei não justifica a falta do seu cumprimento nem isenta as pessoas das sanções nela estabelecidas», significa o que vimos de referir que, naquele lapso temporal, a possibilidade de circulação e deslocação para este tipo de fins, era conhecida ou, dito de outro modo, estava interiorizada pelo cidadão comum, que maioritariamente desconhece as leis da república, ainda que tal não lhe possa aproveitar?
A resposta a esta questão entrecruza-se na situação em apreço com a densificação do que se considera poder constituir «justo impedimento», tendo-se presente a alteração introduzida à versão do n.º 1 do artigo 146.º do CPC de 1961, pelo DL n.º 329-A/95, cujo conceito foi posto em causa pela rigidez que implicava, advoga-se «a flexibilização do conceito de justo impedimento, de modo a permitir abarcar situações em que a omissão ou o retardamento da parte se haja devido a motivos justificados ou desculpáveis que não envolvam culpa ou negligência séria», mercê da qual «certos casos-tipo que, até à revisão de 1995-1996, os tribunais frequentemente não consideravam como justo impedimento têm agora ponderação diversa»[10].
Conforme salientam LEBRE DE FREITAS e ISABEL ALEXANDRE, «à luz do novo conceito, basta, para que estejamos perante justo impedimento, que o facto obstaculizador da prática do ato não seja imputável à parte ou ao mandatário por ter tido culpa na sua produção. Tal não obsta à possibilidade de a parte ou o mandatário ter tido participação na ocorrência, desde que, nos termos gerais, tal não envolva um juízo de censurabilidade».
Ademais, como sublinha PAULA COSTA E SILVA[11] «o justo impedimento permite afirmar que os comportamentos processuais devem ser voluntários. Quando a parte omite um acto de sequência por circunstâncias alheias à sua vontade, poderá invocar a falta de voluntariedade da sua conduta, com a consequência necessária de o processo involuir até ao estado em que se encontrava aquando da omissão. Apesar de a lei nada dizer a este respeito, concluímos que todos os efeitos entretanto produzidos se deveriam destruir. Porque estes pressupuseram a omissão. O que significa que se a omissão desencadeou efeitos, quer sobre a sequência processual, quer sobre a determinação da matéria de facto (o que acontecerá se a omissão se refere a um dos articulados), quer sobre as situações jurídicas das partes (v.g. perda da faculdade de impugnar a decisão), tais efeitos serão revertidos».
Concordando-se com a visão preconizada pelos citados autores, da deslocação do núcleo essencial do conceito de justo impedimento da visão tradicional assente na normal imprevisibilidade do acontecimento, para a hodiernamente consagrada que se mostra centrada na não imputabilidade do evento justificante à parte, ao mandatário ou a um auxiliar deste, e pese embora a fixação de prazos processuais não contenda com o direito à defesa consagrado na Constituição, posto que os mesmos são necessários para disciplinar a marcha do processo e garantir o direito à obtenção das decisões judiciais em prazo razoável, o certo é que no momento excepcional que vivemos, o exercício dos direitos pelos cidadãos não pode deixar de ser entendido à luz das fortes limitações à sua liberdade de deslocação e, diremos mais, do conhecimento que os mesmos possuem sobre o que nas concretas circunstâncias excepcionais que vivemos, lhes é permitido fazer.
Encurtando razões, na apreciação casuística das invocadas situações de justo impedimento, não é indiferente o momento processual em que se apresentam nem os seus actores. Ilustrando o que vimos de referir, não é igual a apreciação da invocação das limitações de circulação decorrentes do estado de emergência se as mesmas forem apresentadas para justificar a omissão de um cidadão que não procurou um advogado para apresentar a sua defesa em processo urgente que nem sequer foi assinalado como tendo tal qualidade na notificação que lhe foi dirigida, ou se forem apresentadas por um advogado já constituído para não apresentar um articulado, já que este tem ao seu dispor os meios electrónicos para o efeito.
Assim, no caso em apreço, a cessação da suspensão dos prazos nos processos urgentes, por via do disposto do artigo 7.º, n.º 7, da Lei n.º 4-A/2020, não obsta à aplicação do regime geral do «justo impedimento», e à invocação deste como justificação para a prática atempada do acto pelo cidadão, não sendo indiferente nesta apreciação a vigência das limitações de circulação decorrentes da situação excepcional vivida no decurso do estado de emergência que necessariamente têm que ser sopesadas no juízo de censurabilidade a dirigir ao comportamento omissivo.
Nestes termos, no concreto circunstancialismo em presença, julgamos verificado o «justo impedimento» invocado pela requerida decorrente da limitação da possibilidade de circular e, por isso, de procurar advogado que a representasse para apresentar a oposição nestes autos antes de ter findado a vigência do estado de emergência, ficando, pois, prejudicada a apreciação das demais questões colocadas, mormente quanto aos efeitos do próprio despacho que previamente havia declarado a suspensão dos autos, que não foi levantada previamente à apresentação do articulado, como, aliás, bem salientou a Requerente, ora Recorrida.
Procede, pois, a apelação, sendo de revogar o despacho recorrido, admitindo a deduzida oposição e determinando o prosseguimento dos autos.
Vencida no recurso[12], a recorrida é responsável pelo pagamento das custas respectivas, apenas na vertente de custas de parte[13], já que, não tendo contra-alegado não há fundamento legal para a sua condenação no pagamento de taxa de justiça[14].
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IV - Decisão
Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação, na procedência da apelação, em revogar o despacho recorrido, admitindo o articulado de oposição.
Custas pela Apelada.
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Évora, 19 de Novembro de 2020
Albertina Pedroso [16]
Tomé Ramião
Francisco Xavier
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[1] Juízo Central Cível de Portimão - Juiz 2.
[2] Relatora: Albertina Pedroso; 1.º Adjunto: Tomé Ramião; 2.º Adjunto: Francisco Xavier.
[3] Doravante abreviadamente designado CPC.
[4] Cfr. o artigo do Professor LUÍS MENEZES LEITÃO – Bastonário da Ordem dos Advogados, intitulado “Os prazos em tempo de pandemia COVID-19, publicado no e-book organizado pelo CEJ, ESTADO DE EMERGÊNCIA – COVID-19 – IMPLICAÇÕES NA JUSTIÇA, 2.ª Edição, págs. 51 e ss. para o qual remetemos para mais desenvolvida apreciação e de onde se extraem as citações seguintes, sem menção de outra fonte.
O estudo de PAULO PIMENTA, encontra-se disponível em "Prazos, diligências, processos e procedimentos em época de emergência de saúde pública (DL n.º 10-A/2020, de 13 de Março, Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, e Lei n.º 4-A/2020, de 6 Abril)", https://www.direitoemdia.pt/magazine/show/68.
[5] Cfr. neste sentido LUÍS MENEZES LEITÃO e PAULO PIMENTA, loc. cit..
[6] LUIS MENEZES LEITÃO refere que a opção do legislador em revogar pura e simplesmente o artigo 7.º da Lei 1-A/2020, «causou surpresa em alguns que aguardavam pela emissão desse decreto-lei apenas no fim do período de pandemia. Em qualquer caso, parece evidente que a revogação do artigo 7.º permite o levantamento da suspensão dos prazos sem necessidade de ser emitido esse decreto-lei, voltando os prazos a correr no quinto dia seguinte ao da publicação da lei (artigo 10.º da Lei 16/2020, de 29 de Maio), ou seja 3 de Junho de 2020».
[7] Cfr. neste sentido, Ac. STJ de 04-05-2005, proferido no processo n.º 04S4329, disponível em www.dgsi.pt, onde se afirmou que «justo impedimento tem de ser alegado no preciso momento em que a parte se apresenta a praticar o acto fora de prazo», sendo que tal se verificou no caso em presença.
[8] Proferido no processo n.º 3553/2019, disponível em www.tcontas.pt.
[9] In CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ANOTADO, VOLUME 1.º, ARTIGOS 1.º a 361.º, 4.ª EDIÇÃO, ALMEDINA, 2018, pág. 301.
[10] Cfr., para maiores desenvolvimentos, LEBRE DE FREITAS e ISABEL ALEXANDRE, obra citada, págs. 297 e 298.
[11] In ACTO E PROCESSO – O DOGMA DA IRRELEVÂNCIA DA VONTADE NA INTERPRETAÇÃO E NOS VÍCIOS DO ACRO POSTULATIVO, COIMBRA EDITORA, 2003, pág.
[12] Nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 527.º do CPC, a decisão que julgue o recurso condena em custas a parte que lhes tiver dado causa, presumindo-se que lhes deu causa a parte vencida, na respetiva proporção.
[13] De acordo com o n.º 4 do artigo 529.º, as custas de parte compreendem o que cada parte haja despendido com o processo e tenha direito a ser compensada, nos termos do disposto nos artigos 533.º, n.ºs 1 e 2, ambos do CPC, e 25.º, n.º 2, e 26.º, n.º 3, RCP.
[14] Atento o disposto nos artigos 529.º, n.º 2, e 530.º, n.º 1, ambos do CPC, a recorrida não pode ser condenada no pagamento da taxa de justiça relativa ao recurso, porque nele não contra-alegou.
Para mais desenvolvimentos a este respeito da responsabilidade tributária, em situação de vencimento do recorrente sem que haja contra-alegação do recorrido, Cfr. SALVADOR DA COSTA, em comentário ao Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 11.12.2018, publicado no Blog do IPPC, em Março de 2019, intitulado “Custas a final pela parte vencida” e, mais recentemente, no Post de 18.06.2020, intitulado “Responsabilidade pelas custas no recurso julgado procedente sem contra-alegação do recorrido”, publicado no BLOG do IPPC, em 23.06.2020, no qual conclui que «A circunstância de o recorrido não ter contra-alegado no recurso interposto pela parte contrária, que foi julgado procedente, não exclui a sua responsabilidade pelo pagamento das custas respetivas».
[15] Elaborada pela Relatora, em cumprimento do artigo 663.º, n.º 7, do CPC.
[16] Texto elaborado e revisto pela Relatora, e assinado electronicamente pelos 3 desembargadores que constituem esta conferência.