Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
17026/20.0T8PRT.E1
Relator: MARIA ADELAIDE DOMINGOS
Descritores: PERSI
EXTINÇÃO
COMUNICAÇÃO
EFICÁCIA
EXECUÇÃO
Data do Acordão: 11/25/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
1- A extinção do PERSI com o fundamento legal de terem decorrido 91.º dias subsequentes à data da integração do cliente bancário nesse procedimento, não exime a entidade bancária de lhe comunicar, para além daquele fundamento legal, as razões pelas quais considera inviável a manutenção deste procedimento, sob pena de ineficácia da comunicação da extinção do PERSI.
2- A ineficácia da extinção do PERSI impede a entidade bancária de intentar ação executiva contra o cliente bancário tendente à satisfação do seu crédito, por faltar uma condição de admissibilidade da execução, que correspondente a uma exceção dilatória inominada insuprível, de conhecimento oficioso, determinante da extinção da instância executiva caso a mesma tenha sido instaurada. (sumário da relatora)
Decisão Texto Integral:
Acordam na 1.ª Secção do Tribunal da Relação de Évora

I – RELATÓRIO
Em 13-10-2020, o BANCO COMERCIAL PORTUGUÊS, S.A. (BCP) intentou execução ordinária (Agente de Execução) para pagamento de quantia certa, contra A… e G…, apresentando como título executivo uma livrança subscrita pelos executados no valor de €41.402,85, vencida em 14-09-2020 e não paga, respeitante a um contrato de mútuo.
Por despacho de 07-04-2021, foi o exequente convidado a esclarecer a concreta natureza do crédito que esteve na base da emissão da livrança dada à execução e, sendo caso disso, a junção aos autos dos documentos comprovativos do cumprimento dos trâmites do PERSI em relação aos executados.
O exequente veio por requerimento de 19-04-2021 juntar as cartas enviadas aos executados no âmbito do PERSI e informar que «a livrança que constitui título executivo teve por base o contrato de crédito pessoal celebrado entre as partes e que se junta aos autos para os devidos efeitos.».

Em 29-04-2021 (ref.ª 86603400), foi proferido despacho que decidiu «(…) julgar oficiosamente verificada a excepção dilatória inominada insanável decorrente do desrespeito, pelo exequente Banco Comercial Português, S.A., dos termos da obrigatória comunicação de extinção do Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento instituído pelo Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25/10, e, em consequência, absolver os executados A… e G… da instância executiva, indeferindo liminarmente o requerimento executivo – artigos 726.º, n.º 2, alínea b), 573.º, n.º 2, 576.º, n.ºs 1 e 2, e 578.º, todos do Código de Processo Civil.»

Inconformado, apelou o exequente, pedindo que a decisão recorrida seja «(…) anulada e substituída por outra que determine o prosseguimento da execução com vista à cobrança do crédito exequendo», apresentando as seguintes CONCLUSÕES:
«A. O Recorrente é Exequente nestes autos, pelos quais reclama dos Executados a quantia de €41.557,75 proveniente da celebração de um contrato de crédito pessoal.
B. O Exequente deu entrada da respetiva ação executiva em 16/10/2020.
C. Conforme resulta do teor do Requerimento Executivo, a livrança que constituía título executivo, foi preenchida em 14/09/2020, pelo valor de €41.420,85.
D. Em 08/04/2021, o Exequente foi notificado para em 10 dias “esclarecer qual a concreta natureza do crédito que esteve na base da emissão da livrança dada à execução, bem como, juntar aos autos documentos comprovativos do cumprimento do PERSI relativamente aos executados”
E. Em 19/04/2021, o Exequente juntou aos autos o contrato de crédito pessoal subjacente à emissão da referida livrança, bem como, as cartas enviadas aos executados no âmbito do PERSI.
F. Em 30 de Abril de 2021 foi proferida sentença em que foi proferida a seguinte decisão em que se considerou verificada uma exceção dilatória inominada e consequentemente se decidiu pela absolvição da instância.
G. Ora, é justamente quanto a esta Decisão que se apresenta o recurso.
H. Não se podendo o Recorrente conformar-se com a Sentença proferida, com os fundamentos que se explanarão seguidamente.
I. Conforme consta dos autos e se comprovou pela junção das respetivas cartas enviadas aos executados, o Banco Exequente procedeu à integração da mesma em PERSI em 07/04/2020, tendo fornecido aos executados toda a informação relativa ao respetivo Procedimento em que a mesma se encontrava agora integrada, conforme lhe é exigido por Lei.
J. Em 10/07/2020, o Banco Exequente remeteu novas cartas, desta feita a informar aos executados, que o procedimento em que haviam sido integrados (PERSI) se encontrava extinto por ter decorrido 91 dias desde a sua integração sem que as responsabilidades tivessem sido liquidadas ou renegociadas, nos termos a seguir transcritos:
“Vimos por este meio informar que, na sequência de terem decorrido 91 dias da integração de V. Ex.ª no PERSI - Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento e permanecendo em mora as responsabilidades de crédito abaixo identificadas, consideramos extinto o referido procedimento. Assim, se decorridos que sejam 15 dias sobre a data de emissão desta carta se mantiverem por regularizar as responsabilidades de crédito abaixo identificadas, iremos de imediato e sem precedência de qualquer outra notificação, promover a resolução do(s) contrato(s) e a execução judicial dos créditos.”
K. Ora no que respeita à extinção do PERSI dispõe o artigo 17.º do Decreto – Lei 227/2012 de 25/10 o seguinte:
1 - O PERSI extingue-se:
c) No 91.º dia subsequente à data de integração do cliente bancário neste procedimento, salvo se as partes acordarem, por escrito, na respetiva prorrogação;
L. Ora, entendeu o Tribunal a quo que o Exequente não cumpriu adequadamente a extinção do PERSI.
M. Assenta o Tribunal a quo a sua decisão no facto das cartas enviadas aos executados não cumprirem os requisitos enunciados no acima transcrito artigo 17.º, nomeadamente não cumprirem com a descrição dos factos que determinam a extinção do PERSI ou que justificam a decisão da instituição de crédito de pôr termo ao referido procedimento, com indicação do respetivo fundamento legal;
N. Ora tal não corresponde à verdade e a carta enviada cumpre sim os requisitos legais exigidos.
O. Ora, como resulta do citado artigo 17º um dos motivos para que o PERSI se extinga é simplesmente o decurso do prazo de 91 dias desde a data da integração do PERSI.
P. Nada mais é aqui exigido para que a extinção deste Procedimento ocorra, isto é, basta que tenham decorridos 91 dias desde a data da integração do cliente bancário em PERSI para que o procedimento se extinga, salvo se as partes acordarem por escrito a respetiva prorrogação, o que aqui não sucedeu.
Q. Ora, da carta enviada é bem explícito que o motivo da extinção do PERSI é o decurso do prazo legal exigido desde a data da integração dos executados em PERSI.
R. Isso resulta de imediato da leitura do primeiro parágrafo da carta, ou seja, o PERSI está extinto pois ultrapassou os 90 dias em que o cliente obrigatoriamente tem de estar integrado neste procedimento.
S. Com este fundamento de extinção do PERSI, que é simplesmente o decurso do prazo legal, não existem quaisquer outros factos que determinem a sua extinção ou que justifiquem a decisão da instituição de crédito de pôr termo ao referido procedimento que tivessem de ser explicados.
T. Não se tratou de uma decisão da Instituição, mas sim de uma imposição legal, ou seja, o PERSI extingue-se no 91º dia subsequente à data de integração do cliente bancário neste procedimento.
U. É este o fundamento legal indicado nas cartas e que culmina com a extinção do referido Procedimento, não existindo quaisquer outros factos que tenham determinado esta extinção e que assim tivessem de ser explicados nas referidas cartas aos executados.
V. A decisão do Tribunal a quo de considerar que estamos perante uma exceção dilatória inominada insanável é com o devido respeito excessiva e desproporcional.
W. Não estamos perante uma situação em que o Exequente não tenha cumprido com o que lhe é exigido como Instituição Bancária que é, por Lei, no que ao PERSI respeita.
X. A integração do devedor no PERSI e a ulterior extinção daquele procedimento são, sem dúvida, condições objetivas de procedibilidade da ação executiva e esta só pode ser instaurada verificadas as referidas condições, isto é, integração do mutuário devedor no PERSI e extinção do procedimento e a sua comunicação a este em suporte duradouro (designadamente, carta ou email).
Y. Caso tal não se verifique, aí sim estamos perante uma exceção dilatória inominada.
Z. Não foi de todo o que ocorreu no presente caso, pois como acima se demonstrou, o Recorrente cumpriu quer com a integração, quer com a extinção do PERSI.
AA. Entendeu, porém, o Tribunal a quo que a carta de extinção do PERSI enviada não cumpria os requisitos legalmente exigidos, o que também não corresponde à verdade.
BB. Conforme se verificou, a carta identifica claramente o motivo pelo qual foi o procedimento extinto, pelo que, não existe qualquer exceção dilatória inominada insanável que determine a absolvição dos executados da instância executiva.
CC. Instaurada execução sem que se mostrem verificadas as aludidas condições, tal virá a redundar na verificação de uma exceção dilatória inominada ou atípica, que necessariamente desembocará na absolvição do executado da instância executiva.
DD. O que não sucedeu no presente caso, pois o Recorrente demonstrou o respetivo cumprimento do PERSI nos termos em que lhe são legalmente exigidos.»

Não foi apresentada resposta ao recurso.

II- FUNDAMENTAÇÃO
A- Objeto do Recurso
Considerando as conclusões das alegações, as quais delimitam o objeto do recurso, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso e daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras (artigos 635.º, n.ºs 3 e 4, 639.º, n.º 1 e 608.º, n.º 2, do CPC), não estando o tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito (artigo 5.º, n.º 3, do CPC), no caso, a questão a apreciar consiste em saber se, ressalvada a possibilidade de prorrogação por acordo escrito das partes, o simples decurso do prazo de 91 dias desde a data da integração do cliente bancário em PERSI extingue o mesmo, sem que a entidade bancária careça de indicar as razões que inviabilizaram a manutenção do procedimento, bastando-lhe comunicar ao cliente bancário a extinção pelo decurso do referido prazo.

B- De Facto
Os factos com relevância para apreciação do objeto do recurso são os seguintes:
1- Em 28-01-2019, o BCP dirigiu a A… uma carta onde lhe comunicava que, a partir da emissão da mesma, ficava aquele integrado no PERSI e, caso ainda não tivesse regularizado integralmente os valores em atraso, devia enviar-lhe, em 10 dias, a documentação que ali discriminava, comprovativa da sua situação financeira, para que «(…) se possa proceder a uma avaliação correta da capacidade financeira de V.Exa. e ponderar pela apresentação de eventual proposta de regularização.»
2- Em 13-04-2020, o BCP dirigiu uma carta a G…, com o seguinte teor:
«(…)
Assunto: Responsabilidade em incumprimento
N/Refª.: 002379171731EX2
(…)
Verificamos que permanecem em mora as responsabilidades de crédito melhor identificadas no quadro em anexo, em que V.ª Ex.ª figura como interveniente e obrigado da(s) responsabilidade(s) assumidas pelo(a) Sr.(a) A….
(…)
Informamos que, na sequência de terem decorrido 91 dias da integração no PERSI - Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento e permanecendo em mora as responsabilidades supra mencionadas, consideramos extinto o referido procedimento.
Assim, se decorridos que sejam 15 dias sobre a data de emissão desta carta se mantiverem por regularizar as responsabilidades de crédito abaixo identificadas, iremos de imediato e sem precedência de qualquer outra notificação, promover a resolução do(s) contrato(s) e a execução judicial dos créditos.
(…)».
3- Também o BCP dirigiu, na mesma data, uma carta a A… com o seguinte teor:
«(…)
Assunto: Responsabilidade em incumprimento
N/Refª.: 00211392944DEX2
(…)
Vimos por este meio informar que, na sequência de terem decorrido 91 dias da integração de V. Ex.ª no PERSI - Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento e permanecendo em mora as responsabilidades de crédito abaixo identificadas, consideramos extinto o referido procedimento.
Assim, se decorridos que sejam 15 dias sobre a data de emissão desta carta se mantiverem por regularizar as responsabilidades de crédito abaixo identificadas, iremos de imediato e sem precedência de qualquer outra notificação, promover a resolução do(s) contrato(s) e a execução judicial dos créditos.
(…)».

C- De direito
Como acima se enunciou a questão a decidir consiste em saber se, ressalvada a possibilidade de prorrogação por acordo escrito das partes, o simples decurso do prazo de 91 dias desde a data da integração do cliente bancário em PERSI extingue o mesmo, sem que a entidade bancária careça de indicar as razões que inviabilizaram a manutenção do procedimento, bastando-lhe comunicar ao cliente bancário a extinção pelo decurso do referido prazo.

Esta é a posição do apelante como decorre das conclusões do recurso, opondo-se à interpretação, diversa daquele entendimento, que o tribunal a quo fez do artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25-10.

Lê-se na decisão recorrida que cumpre apreciar se as «(…) missivas datadas de 13-04-2020 são ou não aptas a comprovar o cumprimento do disposto no artigo 17.º, n.ºs 3 a 5, do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25/10, sendo certo que deve ter-se por assente, na economia da decisão que importa tomar, a obrigatoriedade da inclusão – aliás expressamente reconhecida e levada a cabo pelo exequente – de ambos os executados no PERSI, a qual resulta nítida do confronto entre a natureza do contrato de crédito pessoal junto sob a predita ref.ª 7628549 de 19-04-2021 – no qual ambos os executados surgem como mutuários - e o disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea c), daquele mesmo diploma legal.»
E, após transcrição do artigo 17.º, concluiu que as comunicações enviadas aos ora apelados não satisfazem os requisitos enunciados no n.º 3 do artigo 17.º do PERSI quando estipula: «3 - A instituição de crédito informa o cliente bancário, através de comunicação em suporte duradouro, da extinção do PERSI, descrevendo o fundamento legal para essa extinção e as razões pelas quais considera inviável a manutenção deste procedimento[1], bem como o Aviso do Banco de Portugal n.º 17/2012 (publicado no Diário da República, 2.ª série, Parte E, n.º 243, de 17-12-2012, regulamentando o n.º 5 do artigo 17.º do PERSI[2]), prescrevendo tal Aviso do BdP, no seu artigo 8.º, sob a epígrafe «Comunicação de extinção do PERSI»:
«A comunicação pela qual a instituição de crédito informa o cliente bancário da extinção do PERSI deve conter, em termos claros, rigorosos e facilmente legíveis, as seguintes informações:
a) Descrição dos factos que determinam a extinção do PERSI ou que justificam a decisão da instituição de crédito de pôr termo ao referido procedimento, com indicação do respetivo fundamento legal;».[3]
Acrescentando a decisão recorrida: «Na verdade, aos executados foi transmitido que o procedimento se extinguiu por «terem decorrido 91 dias da integração (…) no PERSI - Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento e permanecendo em mora as responsabilidades de crédito abaixo identificadas», mas nenhuma palavra se acrescentou no sentido de, «em termos claros, rigorosos e facilmente legíveis», informá-los em que concretas razões se terá baseado a inviabilidade da manutenção do procedimento, descrevendo os factos que determinaram a extinção do PERSI ou que justificaram a decisão de pôr termo ao mesmo.
Repare-se que nas comunicações em causa o exequente se limitou a transcrever o que em parte resulta da alínea c) do n.º 1 do artigo 17.º em apreço, omitindo por completo quaisquer «factos que determinam a extinção do PERSI ou que justificam a decisão da instituição de crédito de pôr termo ao referido procedimento».»

Cumpre apreciar, antecipando-se, desde já, que nenhuma razão assiste ao apelante.
Concretizando, e em suma, dir-se-á o seguinte:
O Decreto-Lei nº 227/2012, de 25-10, veio instituir o Plano de Ação para o Risco de Incumprimento (PARI) e instituir o Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) como uma forma de promover a concessão responsável de crédito pelas instituições financeiras.[4]
No preâmbulo do diploma pode ler-se que se institui um «Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), no âmbito do qual as instituições de crédito devem aferir da natureza pontual ou duradoura do incumprimento registado, avaliar a capacidade financeira do consumidor e, sempre que tal seja viável, apresentar propostas de regularização adequadas à situação financeira, objectivos e necessidades do consumidor».
O artigo 1.º do diploma em causa estabelece os princípios e as regras a observar pelas instituições de crédito, destacando-se, a este propósito, «a regularização extrajudicial das situações de incumprimento das obrigações de reembolso do capital ou de pagamento de juros remuneratórios por parte dos clientes bancários, respeitantes aos contratos de crédito referidos no nº 1 do artigo seguinte».
No artigo 3.º, alíneas a) e c) atribui-se ao cliente bancário o estatuto de consumidor, na aceção dada pelo n.º 1 do artigo 2.º da Lei de Defesa do Consumidor, aprovada pela Lei n.º 24/96, de 31-07, alterada pelo Decreto-Lei n.º 67/2003, de 08-04, desde que intervenha como mutuário em contrato de crédito; o contrato de crédito é o contrato celebrado entre um cliente bancário e uma instituição de crédito com sede ou sucursal em território nacional que, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo anterior, esteja incluído no âmbito de aplicação do presente diploma.
O artigo 4.º do diploma estabelece princípios gerais que densificam os princípios da diligência, boa fé e lealdade contratuais, impondo às instituições de crédito que adotem «(…) as medidas adequadas à prevenção do incumprimento de contratos de crédito e, nos casos em que se registe o incumprimento das obrigações decorrentes desses contratos, envidando os esforços necessários para a regularização das situações de incumprimento em causa».
Ocorrendo incumprimento das obrigações decorrentes dos contratos de crédito abrangidos pelo diploma, as instituições de crédito têm de integrar o devedor obrigatoriamente no PERSI (artigo 12.º a 17.º do diploma) em ordem a regularizar e viabilizar um mútuo acordo tendente a evitar o recurso à via judicial.
Assim, o início do procedimento é imposto obrigatoriamente desde que se verifique uma de três situações: (i) manutenção do incumprimento das obrigações decorrentes do contrato de crédito, entre o 31.º e 60.º dia subsequentes à data de vencimento da obrigação em causa - artigo 14.º, n.º 1; (ii) solicitação por parte do cliente bancário em mora, da sua integração no PERSI, considerando-se que essa integração ocorre na data em que a instituição de crédito recebe a referida comunicação – artigo 14.º, n.º 2, alínea a); e (iii) constituição em mora por parte do cliente bancário que antecipadamente alertou para o risco de incumprimento das obrigações decorrentes do contrato de crédito, considerando-se a integração no PERSI na data do referido incumprimento – artigo 14.º, n.º 2, alínea b).
Tal procedimento desenrola-se em três fases distintas: (i) uma fase inicial – artigo 14.º, alínea b); (ii) uma fase de avaliação e proposta – artigo 15.º, e (iii) uma fase de negociação – artigo 16.º.
Acresce que o almejado objetivo de obter um consenso extrajudicial sai reforçado pelo regime do artigo 18.º, ao estipular:
«1- No período compreendido entre a data de integração do cliente bancário no PERSI e a extinção deste procedimento, a instituição de crédito está impedida de:
a) Resolver o contrato de crédito com fundamento em incumprimento;
b) Intentar ações judiciais tendo em vista a satisfação do seu crédito;
c) Ceder a terceiros uma parte ou a totalidade do crédito; ou
d) Transmitir a terceiro a sua posição contratual.».

O artigo 17.º, por sua vez, regula as situações de extinção do PERSI.
Interessa para a economia deste recurso destacar os seguintes segmentos normativos:
«1- O PERSI extingue-se:
(…)
c) No 91.º dia subsequente à data de integração do cliente bancário neste procedimento, salvo se as partes acordarem, por escrito, na respetiva prorrogação;
(…)
«3 - A instituição de crédito informa o cliente bancário, através de comunicação em suporte duradouro, da extinção do PERSI, descrevendo o fundamento legal para essa extinção e as razões pelas quais considera inviável a manutenção deste procedimento.
4 - A extinção do PERSI só produz efeitos após a comunicação referida no número anterior, salvo quando o fundamento de extinção for o previsto na alínea b) do n.º 1.»

Tem sido entendimento amplamente adotado na jurisprudência que a validade e eficácia da integração do devedor bancário inadimplente no âmbito do PERSI, bem como a validade e eficácia da respetiva extinção são condições de admissibilidade da ação declarativa ou executiva que a instituição bancária pretender mover contra esse devedor, incidindo sobre a mesma o ónus de alegar e provar essas condições nos termos do artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil.[5]
No caso em apreço, não está em causa a integração dos ora apelados no PERSI, mas sim a extinção do mesmo.
E está em causa a interpretação do artigo 17.º, n.º 1, alínea c), do CIRE donde decorre que o PERSI se extingue no 91.º subsequente à data da integração do cliente bancário neste procedimento, sendo que, no caso, não está alegado que havido qualquer prorrogação por acordo escrito das partes.
Na interpretação deste normativo há que curar que o mesmo se encontra integrado na tramitação da extinção do procedimento, onde avulta o disposto nos n.ºs 3 e 4 do mesmo artigo 17.º, números dos quais se extraí que a extinção tem de ser comunicada ao cliente bancário num determinado modo (comunicação em suporte duradouro – que aqui não se discute), «(…) descrevendo o fundamento legal para a extinção e as razões pelas quais considera inviável a manutenção deste procedimento», sendo que a extinção só produz efeitos «(…) após a comunicação referida no número anterior [n.º 3], salvo quando o fundamento de extinção for o previsto na alínea b) do n.º 1», situação que ao caso também não se aplica por a mesma alínea prever a extinção por acordo entre as partes com vista à regularização integral da situação de incumprimento.
Decorre das alegações da apelante que interpreta o n.º 1, alínea c) do artigo 17.º do PERSI como prevendo uma extinção legal e automática que se verifica apenas pelo decurso do tempo.
Porém, na interpretação da lei impõe-se uma metodologia hermenêutica que atenda a todos os elementos da interpretação – gramatical/literal, histórico, sistemático e teleológico/ratio legis – e que permita determinar o adequado sentido normativo da fonte plasmado no texto (letra) da lei.
Como refere MANUEL DE ANDRADE, interpretar uma lei não é mais do que fixar o seu sentido e o alcance com que ela deve valer, ou seja, determinar o seu sentido e alcance decisivos; o escopo final a que converge todo o processo interpretativo é o de pôr a claro o verdadeiro sentido e alcance da lei; o que exterioriza o sentido mais razoável e harmoniza duas grandes preocupações da teoria da interpretação da lei: a certeza do direito e a segurança jurídica.[6]
Interpretar, em matéria de lei, como advertem PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, quer dizer não só descobrir o sentido que está por detrás da expressão, como também, dentro das várias significações que estão cobertas pela expressão, eleger a verdadeira e decisiva.[7]
Sublinha BAPTISTA MACHADO que a letra da lei é «(…) o ponto de partida» da interpretação, acrescentando de seguida: «Mas não só, pois exerce também a função de um limite, nos termos do art. 9º, 2: não pode ser considerado como compreendido entre os sentidos possíveis da lei aquele pensamento legislativo (espírito/sentido) “que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso”.»[8]
A apreensão dos vários sentidos da lei exige, pois, um método hermenêutico, referindo FERRARA que para o efeito o intérprete tem de socorrer-se de vários meios. [9]
Assim, se em primeiro lugar se procura reconstituir o pensamento legislativo através das palavras da lei, na sua conexão linguística e estilística, visando, desse modo, descortinar o sentido literal (elemento literal da interpretação), depois é necessário procurar a interligação e valoração com os demais elementos da interpretação, de natureza lógica, identificados comumente pela doutrina como de ordem sistemática, histórica, racional ou teleológica.
O elemento sistemático indica que as leis se interpretam umas pelas outras porque a ordem jurídica forma um sistema e a norma deve ser tomada como parte de um todo, parte do sistema.
O elemento histórico atende à história da lei (trabalhos preparatórios, elementos do preâmbulo ou relatório da lei e occasio legis - circunstâncias sociais ou políticas e económicas em que a lei foi elaborada).
O elemento racional ou teleológico atende ao fim ou objetivo que a norma visa realizar, qual foi a sua razão de ser (ratio legis).

No caso em apreço, nenhuns dos elementos da interpretação acima referidos permitem adotar e defender a interpretação que o apelante faz do artigo 17.º, n.º 1, alínea c), do PERSI.
Se é certo que da literalidade deste segmento da norma decorre que o decurso dos 91 dias subsequentes à data da integração do cliente bancário no PERSI faz extinguir este procedimento, também da letra e da inserção sistemática dos n.ºs 3 e 4 no mesmo preceito, resulta que a comunicação de extinção só produz efeitos após a entidade bancária informar o cliente bancário comunicando-lhe o fundamento legal para essa extinção e as razões pelas quais considera inviável a manutenção do procedimento.
Ou seja, ainda que fundamento legal da extinção seja o decurso do referido prazo, a entidade bancária não fica dispensada de comunicar a razão que, no seu entender, torna inviável a manutenção do procedimento.
Na verdade, os n.ºs 3 e 4 do artigo 17.º não excluem da sua previsão a alínea c) do n.º 1 do mesmo preceito.
Assim, do elemento literal e sistemático do normativo decorre que há que distinguir entre «fundamento legal» para a extinção e «razões» donde decorre a inviabilidade da persistência do procedimento que, aliás, poderia prosseguir após o 91.º, se as partes por escrito nisso acordassem.
Mas também pelo elemento racional ou teleológico da interpretação se chega a igual conclusão.
Como foi dito supra, o Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25-10 visou criar uma série de medidas preventivas de incumprimento (Plano de Ação para o Risco de Incumprimento -PARI) e, caso já exista incumprimento, um procedimento de regularização do mesmo (Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento - PERSI) que passa pela identificação das razões do incumprimento das obrigações e pela adoção de medidas/propostas viáveis e suscetíveis de reverter o incumprimento. O que implica, por parte das entidades bancárias, todo um procedimento de avaliação da natureza pontual ou duradoura do incumprimento e da avaliação da capacidade financeira do cliente inadimplente.
Como decorre dos artigos 12.º a 16.º do PERSI, este procedimento tem várias fases (como acima já referido) que implicam, em suma, diligências tendentes à avaliação, negociação das propostas apresentadas pela instituição bancária (artigos 14.º a 16.º) e, finalmente, extinção do PERSI nas situações elencadas no artigo 17.º.
Estas normas têm caráter imperativo e todas as referidas fases estão cobertas pelos princípios gerais do artigo 4.º: diligência, lealdade, boa fé e adoção de medidas adequadas quer para evitar o incumprimento, quer para a obter a regularização das obrigações incumpridas.
A razão última do regime é, no fundo, evitar que o cliente bancário entre em incumprimento ou já se encontrando nessa situação, encontrar medidas que lhe permitam regularizar o incumprimento.
Esse ónus, na ótica do legislador recaí essencialmente sobre a instituição bancária, desde logo, porque o legislador reconhece que na relação negocial estabelecida existe uma «assimetria de informação» entre aquele tipo de instituições e os consumidores (como se refere no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 227/2012 - elemento histórico da interpretação), compreendendo-se que a eficácia da implementação de medidas preventivas ou de regularização esteja no domínio da instituição bancária, carecendo o cliente de um especial apoio de obtenção de informações, de aconselhamento e acompanhamento, ou seja, de uma rede de apoio a que se reporta o diploma, que lhe conceda uma especial proteção enquanto parte mais frágil da relação contratual incumprida[10] (cfr. artigos 23.º e ss).
Deste modo, a entidade que está em condições de explicar as razões para o insucesso do PERSI, decorrido o prazo de 91 dias após a integração do consumidor naquele procedimento, é, sem dúvida, a entidade bancária, pelo que é sobre a mesma que recaí o ónus de, para além de invocar o fundamento legal da extinção do procedimento, também explicar as razões da falta de viabilidade do mesmo (n.º 3 do artigo 17.º).
É o que igualmente está subjacente e decorre do Aviso do BdP n.º 17/2012 já antes citado.
Sendo que a falta da comunicação prevista no n.º 3 do artigo 17.º do PERSI nos termos sobreditos determina a ineficácia da comunicação da extinção do PERSI (n.º 4 do artigo 17.º).

Se a justificação, explícita ou implícita, da inviabilidade do procedimento passasse apenas pelo decurso do tempo, de pouco ou nada servia o diploma em causa. Bastava que nada fosse feito, bastando a comunicação formal da inclusão do devedor no âmbito do PERSI e a comunicação da extinção do mesmo decorrido o prazo previsto na lei. Corresponderia, assim, a uma espécie de moratória e não a um procedimento ativo a cargo das entidades bancárias com as finalidades que o legislador gizou para tal instituto.
No caso, o ora apelante indicou o fundamento legal (decurso do prazo), mas não indicou as razões da inviabilidade da manutenção do procedimento.
No fundo, o que comunicou aos ora apelados foi que continuavam em incumprimento decorrido o prazo do PERSI, logo considerava-o extinto.
Deste modo, fica-se sem saber quais as razões para a falta de viabilidade da regularização da dívida visada com o PERSI.
Foi devida a inação da entidade bancária? Falta de colaboração dos devedores? Total incapacidade financeira dos mesmos para regularizarem a dívida? Houve outras razões? Não se sabe!
O Acórdão do STJ, proferido em 16-12-2020[11], numa situação com contornos muito semelhantes aos do caso sub judice, deixou muito claro, como inscreveu no ponto I do respetivo sumário, que o PERSI «(…) não se basta com o cumprimento formal, pela instituição de crédito, do dever de integração do cliente bancário no procedimento, sendo-lhe exigida a observância de deveres específicos e a realização de diligências concretas
Lendo-se, ainda, no corpo do referido aresto que, independentemente, da causa de extinção do PERSI, a comunicação da extinção sempre teria de ocorrer nos termos do artigo 17.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 227/2012 e do artigo 8.º do Aviso do BdP (ex vi do artigo 17.º, n.º 5, do diploma citado), para que ela produzisse efeitos e, nomeadamente, para que a entidade bancária pudesse resolver o contrato de crédito com fundamento em incumprimento e intentar ações judiciais em vista da satisfação do seu crédito (artigos 17.º, n.º 4, e 18.º, n.ºs 1, alíneas a) e c) do citado Decreto-Lei), acrescentando, ainda, que a prova do cumprimento dos deveres supra citados recaí sobre a exequente que pretenda valer-se da extinção do PERSI para resolver o contrato de crédito e executar o património do devedor.
Veja-se, ainda, o Acórdão da Relação de Lisboa, de 13-10-2020[12] em sentido idêntico.
Em suma, no caso em apreço, a comunicação de extinção não produziu efeitos e, consequentemente, mantêm-se as garantias dos ora apelados previstas no artigo 18.º do PERSI, no caso, o impedimento da entidade bancária instaurar a presente ação executiva (alínea b) do n.º 1), por faltar uma condição de admissibilidade da sua instauração e, instaurada, como sucedeu, verifica-se uma exceção dilatória inominada insuprível, de conhecimento oficioso, que determina a extinção da instância executiva com a correspondente absolvição da instância dos executados.
Em face de todo o exposto, bem andou a decisão recorrida quando referiu que o PERSI não pode «ser olhado de soslaio ou como mero pró-forma, o que seria o caso dos autos se porventura o tribunal aceitasse como validamente cumprida a obrigação de comunicação de extinção daquele procedimento nos sobreditos termos que foi levada a cabo pelo exequente.»
Concorda-se em absoluto!
Improcede, pois, a apelação.
Dado o decaimento, as custas ficam a cargo da apelante (artigo 527.º do CPC), sendo a taxa de justiça do recurso fixada pela tabela referida no n.º 2 do artigo 6.º do RCP.

III- DECISÃO
Nos termos e pelas razões expostas, acordam em julgar improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida.
Custas nos termos sobreditos.
Évora, 25-11-2021
Maria Adelaide Domingos (Relatora)
José Lúcio (1.º Adjunto)
Manuel Bargado (2.º Adjunto)
__________________________________________________
[1] Sublinhado na decisão recorrida.
[2] O n.º 5 do artigo 17.º do PERSI estipula: «O Banco de Portugal define, mediante aviso, os elementos informativos que devem acompanhar a comunicação prevista no n.º 3» do mesmo preceito.
[3] Sublinhado na decisão recorrida.
[4] O Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25-10 entrou em vigor em 01-01-2013 e foi alterado pelo Decreto-Lei n.º 70-B/2021, de 06-08, tendo as alterações entrado em vigor em 07-08-2021 (artigo 9.º).
[5] Exemplificativamente, veja-se o Ac. STJ, de 13-04-2021, proc. nº 1311/19.7T8ENT-B.E1.S1;
Ac. RL, de 21-10-2021, proc. n.º 12205/18.3T8SNT-A.L1-2;
Ac. RL, de 05-01-2021, proc. n.º 105874/18.0YIPRT.L1-7;
Ac. RL, de 08-10-2020, proc. n.º 14235/15.8T8LRS-A.L1-6;
Ac. RL, de 29-09-2020, proc. n.º 1827/18.2T8ALM-B.L1-7;
Ac. RL, de 07-05-2020, proc. n.º 2282/15.4T8ALM-A.L1-6;
Ac. RE, de 21-05-2020, proc. n.º 715/16.1T8ENT-B.E1;
Ac. RE, de 16-05-2019, proc. n.º 4474/16.9T8ENT-A.E1;
Ac. RE, de 31-01-2019, proc. n.º 832/17.0T8MMN-A.E1;
Ac. RE, de 28-06-2018, proc. n.º 2791/17.0T8STB-C.E1;
Ac. RP, de 23-02-2021, proc. n.º 8821/19.4T8PRT-A.P1;
Ac. RP, de 14-01-2020, proc. n.º 4097/14.8TBMTS.P1;
Ac. RP, de 09-05-2019, proc. n.º 21609/18.0T8PRT-A.P1;
Ac. RG, de 29-10-2020, proc. n.º 6/19.6T8GMR-A.G; todos disponíveis em www.dgsi.pt
[6] MANUEL DE ANDRADE, Ensaio sobre a Teoria da Interpretação das Leis, Coimbra 1978, 3.ª ed., p. 26, 32 e 95.
[7] PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Noções Fundamentais de Direito Civil, II, 5.ª ed., p. 130.
[8] BAPTISTA MACHADO, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, 1983, p. 189.
[9] FRANCESCO FERRARA, Interpretação e Aplicação das Leis, Coimbra 1978, 3.ª ed., p. 138 e ss.
[10] Neste sentido, cfr. Ac. RC, de 19-06-2018, proc. n.º 29358/16.8YIPRT.C1, disponível em www.dgsi.pt
[11] Proferido no proc. 2282/15.4T8ALM-A.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt
[12] Proc. n.º 15367/17.3T8SNT-A.L1, em www.dgsi.pt