Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1223/22.7T8FAR.E1
Relator: MARIA ADELAIDE DOMINGOS
Descritores: INCOMPETÊNCIA TERRITORIAL
ACÇÃO DE DIVÓRCIO
CLÁUSULA DE EQUIDADE NEGATIVA
Data do Acordão: 02/20/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
1. Numa ação de divórcio, a incompetência em razão do território tem de ser arguida em sede de contestação, sob pena de preclusão.
2. Residindo o Autor em Portugal, o elemento de conexão previsto na lei para a atribuição de competência internacional dos tribunais portugueses encontra-se estabelecido, quer para a ação de divórcio, quer para os apensos da mesma.
3. A cláusula de equidade negativa, prevista no n.º 3 do artigo 2016.º do Código Civil, leva à denegação do direito de alimentos ao ex-cônjuge necessitado, por ser chocante onerar o outro cônjuge, traduzindo-se numa inexigibilidade da prestação.
4. Situação que se verifica quando ficou provado que o ex-cônjuge necessitado de alimentos praticou atos de violência grave contra o ex-cônjuge que iria prover ao pagamento dos alimentos.
(Sumário elaborado pela relatora)
Decisão Texto Integral:

Processo n.º 1223/22.7T8FAR.E1 (Apelação)
Tribunal recorrido: Tribunal Judicial da Comarca ..., ... Juízo Fam. Menores- J...
Apelante: AA
Apelado: BB
Acordam na 1.ª Secção do Tribunal da Relação de Évora

I – RELATÓRIO
BB intentou ação de divórcio sem consentimento do outro cônjuge, contra AA, formulando os seguintes pedidos:
a)- Que seja decretado o divórcio das partes com fundamento nas alíneas b) e d) do artigo 1781.º do Código Civil e na rutura definitiva do casamento;
b) Que lhe seja atribuído o animal de companhia, uma gata, na pendência e após divórcio;
c) Que seja determinado o destino da casa de morada de família.

Para o efeito, alegou, em suma, que são casados, um com o outro, desde ../../2011, em ..., vivendo em Portugal desde 2104.
Adquiram a casa de morada de família através da sociedade A... Limited que constituíram para o efeito, e, apesar de serem ambos sócios com iguais quotas, a aquisição foi realizada apenas com dinheiro do Autor, pelo que se trata de bem próprio do Autor.
A Ré passou a consumir álcool em excesso e passou a exercer violência física sobre o Autor e bens próprios do mesmo e do casal, tendo protagonizado vários episódios de agressões físicas e emocionais que tornaram o matrimónio insustentável, razão pela qual, em 2021, se separou definitivamente da Ré.

Frustrada a tentativa de conciliação, a Ré apresentou contestação e reconvenção, impugnando, em suma, o alegado alcoolismo e os comportamentos agressivos descritos na p.i., imputando, ao invés, ao Autor, condutas agressivas e alcoolismo.
Mais alegou que a casa de morada de família é um bem comum do casal.
Requereu a fixação de uma pensão de alimentos no valor mensal de €1.5000,00, por se encontrar em situação de insuficiência económica, bem como a atribuição da casa de morada de família.

O Autor deduziu Réplica, pugnando pela improcedência do pedido reconvencional e, além do mais, peticionou que lhe fosse reconhecido um crédito de €991,54 por cada mês em que a Ré permanecesse na habitação, a título de enriquecimento sem causa, uma vez que a mesma estaria a arrendar quartos da casa de morada sem o conhecimento e consentimento daquele.

Após realização de audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença, constando da sua parte dispositiva:
«Pelo exposto, decide o Tribunal:
I. Decretar, nos termos do artigo 1781º alínea d) do Código Civil, o divórcio do Autor, BB e da Ré, AA, produzindo tal divórcio efeitos patrimoniais a contar da data da propositura de acção.
II. Atribuir a guarda da gata, animal de companhia do casal, ao Autor, cabendo a este o pagamento das despesas inerentes.
III. Não conhecer do pedido de atribuição do uso da casa de morada de família deduzido pelo Autor, atento o incidente em apenso relativo a tal questão (artigo 931º nº4 do CPC), assim como não conhecer do pedido de compensação a título de enriquecimento sem causa deduzido igualmente pelo Demandante contra a Demandada por conta das rendas auferidas por esta com o arrendamento dos quartos da casa de morada de família, atento o disposto no nº1 do artigo 1792º do CC.
IV. Absolver o Autor do pedido reconvencional de fixação de alimentos deduzido pela Ré na sua Contestação / Reconvenção.
V. Condenar a Ré em custas (artigo 527º nº1 do CPC).»

Inconformada, apelou a Ré, apresentando as seguintes CONCLUSÕES:
«1) O Tribunal recorrido é territorial e internacionalmente incompetente para constituir de arrendamento o imóvel propriedade da sociedade A... LLC com sede em ..., a qual não deu o seu consentimento nem foi notificada nos termos do artigo ...3.2, alínea b) do CPC. Os sócios não são portugueses, a sociedade é ..., onde aí tem a sua sede, pelo que de acordo com as regras do direito internacional privado, são os Tribunais americanos ou britânicos os competentes para apreciar e dirimir o litígio.
II) Para o caso de o Tribunal entender por interpretação extensiva que a sociedade e os sócios têm a mesma personalidade jurídica, deve a casa de morada de família ser entregue à recorrida com os fundamentos agora alegados.
III) A douta sentença recorrida diz não conhecer do pedido de atribuição da casa de morada de família, mas em concreto, verifica-se o contrário, com a atribuição provisória da casa a favor do recorrido, alterando o "status quo" existente sem julgamento.
IV) Atentas as dificuldades económicas da recorrente, deve ser fixada uma pensão de alimentos não inferior a €1.500,00 a favor desta conforme atrás se alegou.
V) A douta sentença violou por má interpretação o disposto no artigo 5.º n.º 2 al. a) artigo 607.º n.º 2, artigo 615.º, n.º 1, als. b), c) e d), artigo 931º n.º 4 e n.9º, e artigo 990.º todos do CPC e, artigo 1781.º, al. d), artigo 1793.º, artigo 2007.2ºex vi do artigo 200º todos do código civil.»

Na resposta ao recurso, o recorrido defendeu a confirmação da sentença, com base nas seguintes CONCLUSÕES.
«A. Não existe contradição alguma entre os factos provados e os fundamentos da decisão de mérito do Tribunal a quo.
B. O Tribunal a quo andou bem ao considerar o instituto jurídico da desconsideração da personalidade jurídica da sociedade A... Limited.
C. E nessa consequência a atribuir a casa de morada de família ao Recorrido, constituindo para o efeito um contrato de arrendamento.
D. O Tribunal é territorial e materialmente competente para decidir, não existindo qualquer incompetência internacional, uma que se trata de matérias abrangidas pelo Direito da Família, não existindo qualquer questão de direito societário a dirimir nos presentes autos.
E. O Recorrido foi forçado a sair da casa de morada de família e a intentar uma ação de divórcio contra a Recorrente em contexto de violência doméstica, agressões físicas, ameaças e injúrias contra si sofridos e praticados pela Recorrente.
F. O Recorrido não tem estabilidade financeira, vivendo com dificuldades e sem uma habitação permanente desde que saiu da casa de morada de família.
G. A Recorrente nunca procurou emprego desde que se separou de facto do Recorrido, sendo este a suportar todas as despesas com o imóvel.
H. Por uma questão de manifesta equidade, nos termos do n.º 3 do artigo 2016.º do Código Civil, deve o Recorrido ser absolvido do pedido reconvencional da fixação de alimentos deduzido pela Recorrente.»

II- FUNDAMENTAÇÃO
A- Objeto do Recurso
Considerando as conclusões das alegações, as quais delimitam o objeto do recurso, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso e daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras (artigos 635.º, n.ºs 3 e 4, 639.º, n.º 1 e 608.º, n.º 2, do CPC), não estando o tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito (artigo 5.º, n.º 3, do CPC), no caso, impõe-se apreciar:
- (In)competência do Tribunal
- Nulidade da sentença
- Impugnação da decisão de facto
- Atribuição da casa de morada de família
- Fixação de alimentos à Ré

B- De Facto
A 1.ª instância proferiu a seguinte decisão de facto:
Factos Provados
«1. Autor e Ré casaram, um com o outro, em ../../2011, na ... em ..., ..., ....
2. À data do casamento o Autor era viúvo e tinha ...3 anos;
3. Sendo que a sua primeira mulher do Autor havido falecido em 2009 devido a doença prolongada;
4. Sendo essa igualmente a data em que Demandante e Demandada se conheceram.
5. Em 2009 a Ré residia em ..., ..., com a sua filha, menor, numa casa arrendada e a renda mensal da aludida habitação perfazia o valor aproximado de 2.500,00 libras esterlinas;
6. Auferindo a Demandada, a qual, na altura, trabalhava na área de recursos humanos, tendo posteriormente, passado a trabalhar para uma Câmara Municipal, vencimento anual de 28.000,00 libras esterlinas.
7. Em 2014, e na sequência da sua aposentação, o Autor vendeu a sua habitação própria e permanente em ..., ..., por £ 850.000,00 (oitocentos e cinquenta mil libras esterlinas).
8. Com o objetivo de, com exclusivo recurso ao produto da referida venda, adquirir um imóvel, imóvel que seria habitação permanente do Autor e da Ré em Portugal.
9. O imóvel objeto da aquisição era e é propriedade da Sociedade A... Limited.
10. CC era o beneficiário efetivo da totalidade das ações da Sociedade A... Limited, proprietária do imóvel.
11. Em 15 de julho de 2014 CC vendeu ao Autor e à Ré a posição de beneficiário efetivo da Sociedade, pelo valor de 570.000,00 €.
12. Não obstante, a totalidade do preço pago ser proveniente da venda de um bem próprio do Autor, designadamente, da venda aludida em 7).
13. Após a mudança para Portugal a Ré começou a beber em excesso de forma reiterada, o que já acontecia desde 2011, mas se foi agravando ao longo do tempo.
14. Sistematicamente a Ré permanecia num estado de total embriaguez pelo período de dez dias sem praticamente se alimentar.
15. Tornando-se agressiva para com o Autor em alguns desses momentos.
16. Designadamente, no dia 4/7/2016, por volta das 17h30, depois de o Autor ter-se oferecido para ajudar a Ré a transportar uma mesa de vidro, perante o facto de Demandada ter querido fazê-lo sozinha e ter deixado cair a mesa, partindo-se os vidros desta, a Ré atribuiu as culpas ao Autor, dando-lhe um soco na cara e partindo-lhe os óculos, nessa sequência, atacando-a ainda com uma sandália várias vezes e colocando a sua roupa no exterior da casa, o que motivou o Demandante a deslocar-se à GNR a fim de pedir ajuda;
17. Nessa noite, o Autor preferiu dormir no quarto por razões de segurança, tendo regressado a casa no dia seguinte, altura em que a Ré saiu de casa para comprar bebidas alcoólicas que consumiu durante a tarde, voltando a sair pelas 17h30.
18. Regressando passados 15 minutos e atirando-lhe as chaves do carro, dizendo que este tinha ficado na rua;
19. Nessa sequência, saindo o Autor à rua e verificando que aquela havia embatido com o automóvel num bloco grande de cimento, estando as duas rodas da frente da viatura em cima de tal bloco de cimento e o automóvel com graves danos, tendo ainda os airbags disparado na sequência do embate.
20. Em 1/12/2016, a Ré colocou o rádio no volume máximo, não deixando o Autor dormir, chamando-lhe “piece of shit” e “you are a fucking asshole”, ao que o Demandante baixou o volume do rádio e a Ré lhe atirou uma garrafa de água contra a sua cabeça, não o atingindo por acaso;
21. Nesse seguimento, a Ré deu-lhe um pontapé nas partes íntimas e bateu-lhe com o rádio nas costelas, arranhando-o ainda no peito com as unhas, nesse momento, tendo o Autor de fugir do local, tendo ainda nessa ocasião queimado as roupas do Demandante e atirado as mesmas ao lixo.
22. Em 3/12/2016, pelas 15h30, o Autor tentou recolher as suas roupas para sair da residência, tendo, nessa sequência, a Ré desferido um murro com a mãe direita no sobrolho e no nariz daquele, tendo o Demandante saído de casa;
23. Mas tendo tido de regressar, porque ainda lhe faltavam malas para carregar, nessa altura, atacando-o a Ré com um taco de golfe que desferiu na parte esquerda do tronco do Autor, o que o levou a tentar recolher as malas à pressa, mas desistir posteriormente, saindo de casa sem as malas por receio de ser novamente agredido.
24. Na sequência do episodio descrito em 22) e em 3/12/2016, pelas 16h34, o Autor foi observado no Hospital, apresentando nessa data as seguintes lesões: na região supraciliar,, hematoma subcutâneo com até 2 cm. de diâmetro e ferida até 1 cm; hematomas superficiais na região torácica; contusão da parede torácica.
25. Na sequência do referido em 16) a 24) foram instaurados os inquéritos criminais nº 23/19.... e 667/19.....
26. Ambos os inquéritos foram arquivados, porquanto o Autor / ofendido declarou não querer prestar declarações, nem pretender o prosseguimento do procedimento criminal.
27. Nessa altura, a partir de 2016, o Autor tentou que a Ré obtivesse tratamento para a dependência do álcool;
28. Tendo também a GNR sugerido à Demandada que fizesse tratamento na Unidade de Desabituação de ..., não tendo esta comparecido a uma consulta a fim de obter acompanhamento.
29. Sendo que o Autor também tentou que a Ré fosse a reuniões dos alcoólicos anónimos, só tendo esta comparecido a duas reuniões e desistido de ir depois.
30. Não obstante, por diversas vezes, chamou a ambulância para acudir a Ré, tendo esta estado a soro por duas ocasiões na sequência de consumo excessivo de álcool.
31. Em data incerta, mas ocorrida em 2021-2022, a Ré derrubou uma porta interna da habitação, atirou a maioria das roupas do Autor para a piscina e levou alguns dos seus bens pessoais para o lixo, entre os quais, os óculos de leitura e a escova de dentes elétrica.
32. Em 9 de janeiro de 2022 a Ré embateu com o veículo automóvel contra uma palmeira na zona envolvente à residência do Autor.
33. Durante o período de convivência comum, fruto do consumo de álcool, a Ré frequentemente partiu objectos em casa, designadamente, garrafas de água de colónia, portas de cozinha, 2 serviços.
34. Actualmente, o Autor, por força de duas pensões que recebe do Estado ..., aufere cerca de 2500 libras mensais.
35. Na sequência da separação em 14/2/2022, altura em que deixou a casa onde ambos viviam, não mais tendo partilhado mesa, tecto ou leito com a Ré, o Autor tem vivido em vários apartamentos, designadamente, num que lhe foi emprestado por um amigo e noutro que arrendou em ... pelo valor de € 707,00 de renda, sendo que a Ré ficou a viver na moradia onde o casal vivia aludida em 8).
36. A referida moradia dispõe de área coberta de 78 metros quadrados, na qual se divisam 4 quartos, possuindo ainda jardim e piscina.
37. Já depois do referido em 35), a Ré, sem o consentimento do Autor, tem vindo a arrendar alguns dos quartos da casa mencionada em 36), auferindo € 450,00 - € 550,00 por mês de renda por cada quarto e não tendo arrendados mais de 2 de cada vez.
38. Não obstante o referido em 37) é o Autor quem paga as taxas e os impostos da casa, bem como pagava igualmente os serviços do jardineiro (que tratava do jardim) e da empregada doméstica (que cuidava da casa) até que estes foram recentemente despedidos pela Ré.
39. Pese embora os consumos de água e electricidade fossem da responsabilidade da Ré, como esta não paga tais despesas, o Autor está a ver-lhe ser exigido o pagamento de dívidas relacionadas com tais consumos, dívidas essas que aumentaram por força do arrendamento dos quartos descrito em 37).
40. As despesas para a manutenção do imóvel cifram-se em 11.898,44 € anuais (onze mil, oitocentos e noventa e oito euros e quarenta e quatro cêntimos), das quais: 557,28 € (quinhentos e cinquenta e sete euros e vinte e oito cêntimos) anuais devidos à empresa responsável pelo alarme do imóvel; aproximadamente 75,00 € (setenta e cinco euros) mês de água, o que perfaz 900,00 € (novecentos euros) por ano de água; 278,00 € (duzentos e setenta e oito euros) mês de eletricidade, o que perfaz 3.336,00 € (três mil, trezentos e trinta e seis euros) por ano de eletricidade; 46,49 € (quarenta e seis euros e quarenta e nove cêntimos) de serviço MEO, o que perfaz 557,88 € (quinhentos e cinquenta e sete euros e oitenta e oito cêntimos) de serviço MEO por ano; 955,05 € (novecentos e cinquenta e cinco euros e cinco cêntimos) aos quais acresce 1.273,13 € (mil, duzentos e setenta e três euros e treze cêntimos) de IMI; 2.700,00 € (dois mil e setecentos euros) anuais de remuneração do jardineiro; 768,00 € (setecentos e sessenta e oito euros) anuais de remuneração da empregada doméstica; 476,10 € (quatrocentos e setenta e seis euros e dez cêntimos) de seguro; 375,00 € (trezentos e setenta e cinco euros) de representação fiscal.
41. A Ré recusou propostas de emprego – uma no Dubai – que lhe foram apresentadas em 2015-2016, sendo que, actualmente, se encontra desempregada, não auferindo rendimentos para além dos referidos em 37).»
Factos Não Provados
«A. Que a Ré tivesse vendido propriedades em ... a fim de financiar a compra do imóvel aludido em 8).
B. Que, durante a convivência comum, o Autor tivesse deixado de contribuir para as despesas do lar conjugal, começando a beber e a desrespeitar a Ré em privado e em público, de tal forma que o A. tornou impossível a convivência e a relação conjugal.
C. Que o Autor fosse agressivo para com a Ré e que, por força disso mesmo, esta tivesse tido que apresentar várias queixas criminais contra aquele.
D. Que o Autor tivesse forçado a Ré a deixar de trabalhar aquando da sua vinda para Portugal.
E. Que, na sequência da vinda para Portugal, o Autor tivesse isolado a Ré, exercendo controlo financeiro e emocional sobre esta desde 2014 a 2022.»

C- Do Conhecimento das questões suscitadas no recurso
1. (In)competência do Tribunal
Reportando-se à questão da atribuição da casa de morada de família, a recorrente vem arguir a incompetência em razão do território e a incompetência internacional do tribunal alegando, em suma, que o tribunal português é incompetente, nos termos sobreditos, para «(…) constituir de arrendamento o imóvel propriedade da sociedade A... LLC com sede em ..., a qual não deu o seu consentimento nem foi notificada nos termos do artigo ...3.2, alínea b) do CPC (…)», concluindo, contudo, que se se entender de modo diverso, «(…) deve a casa de morada de família ser entregue à recorrida com os fundamentos alegados.» (Conclusões 1 e 2).
Importa, antes de mais, relembrar que a sentença recorrida não se pronunciou sobre a questão da atribuição da casa de morada de família, lendo-se na mesma o seguinte:
«(…) quanto à questão da atribuição do uso da casa de morada de família, comece-se por notar ter a Demandada feito igual pedido por apenso a estes autos nos termos do artigo 990º do CPC, não tendo ainda havido decisão nesse processo sobre a matéria, razão pela qual tal questão será decidida no âmbito desse apenso. Com efeito, como referido no ac. TRC de 11/7/2019 (relatora: Isabel Peixoto Imaginário): “o incidente de atribuição da casa de morada de família previsto no artigo 990.º do CPC constitui procedimento distinto daquele que visa regular a utilização da casa de morada de família durante a pendência do processo de divórcio, nos termos previstos no artigo 931.º, n.º 2, do CPC.”, sendo tramitado por apenso (cfr. nº4 do artigo 990º do CPC), então se mostra claro que foi intenção do legislador que tal questão fosse apreciada em separado da questão do divórcio. Nesse sentido, não se conhecerá de tal questão no âmbito destes autos, sendo a mesma conhecida no apenso.»
Nesse seguimento, decidiu no ponto III da parte dispositiva da sentença, e como já acima extratado:
«III. Não conhecer do pedido de atribuição do uso da casa de morada de família deduzido pelo Autor, atento o incidente em apenso relativo a tal questão (artigo 931º nº4 do CPC), assim como não conhecer do pedido de compensação a título de enriquecimento sem causa deduzido igualmente pelo Demandante contra a Demandada por conta das rendas auferidas por esta com o arrendamento dos quartos da casa de morada de família, atento o disposto no nº1 do artigo 1792º do CC.»
Efetivamente, e como decorre do Apenso A, encontra-se ainda em tramitação o pedido de atribuição da casa de morada de família que corre termos ao abrigo do artigo 990.º do CPC.
Este preceito, inserto no CPC no âmbito das providências relativas aos filhos e aos cônjuges, é um processo de jurisdição voluntária que regula o processo especial de atribuição da casa de morada de família, ao qual são aplicáveis as regras gerais previstas nos artigos 986.º a 988.º do CPC, estando diretamente conexionado com a pretensão de atribuição da casa de morada de família ao abrigo do disposto no artigo 1793.º do Código Civil ou com a transmissão do direito ao arrendamento, ao abrigo do disposto no artigo 1105.º também do mesmo Código.
Consequentemente, a arguição da incompetência territorial e internacional do tribunal português no processo principal de divórcio para conhecer de um pedido que se encontra a ser tramitado num Apenso do mesmo, que apesar dessa natureza, é autónomo em termos de tramitação e decisão em relação ao principal, e no qual não foi arguida a incompetência relativa ou absoluta do tribunal, encontra-se, obviamente, deslocada e não pode ser apreciada no recurso interposto da sentença proferida no processo principal que conhece da questão do divórcio.
De qualquer modo, para obviar a eventuais arguições de nulidade por omissão de pronúncia atento o ponto III da parte dispositiva da sentença de divórcio, sempre se dira o seguinte:
Em relação à arguição da incompetência relativa em razão do território, a alegação não pode ser atendida porque constitui numa questão nova que apenas em sede de recurso foi suscitada, devendo, antes, ter sido suscitada pela ré na contestação (artigo 103.º, n.º 1, do CPC), encontrando-se, consequentemente precludida a sua apreciação.
Sublinhando-se que mesmo que se aplicasse ao caso o disposto no artigo 104.º, alínea c), do CPC (conhecimento oficioso da incompetência relativa), o que não se nos afigura sequer ser o caso, a sua apreciação sempre estaria condicionada temporalmente à fase do saneador ou ao fim dos articulados, nunca se estendendo à fase de recurso.
Quanto à incompetência absoluta pela alegada infração das regras de competência internacional, por força do artigo 97.º, n.º 1, do CPC, pode ser suscitada oficiosamente e ser arguida pelas partes enquanto não houver sentença com trânsito em julgado sobre o fundo da causa, pelo que a sua arguição, ainda que em sede de recurso, é tempestiva.
Todavia, a recorrente sustenta a arguição com reporte ao artigo ...3.º, alínea b), do CPC, alegando que a sociedade proprietária do imóvel onde se situa a casa de morada de família é a A... LLC, com sede em ..., sendo os seus sócios estrangeiros, e como não deu o seu assentimento nem foi notificada nos termos do citado preceito, em face das regras do direito internacional privado, os tribunais competentes para dirimir o litígio são os americanos ou britânicos.
Torna-se algo incompreensível o alcance do argumento da recorrente, porquanto o aludido preceito reporta-se à fixação da competência exclusiva internacional dos tribunais portugueses em matéria de validade da constituição ou de dissolução de sociedades ou de outras pessoas coletivas com sede em Portugal, bem como em validade de decisões dos seus órgãos, não abrangendo na sua previsão a questão da atribuição da casa de morada de família.
Sendo que a competência internacional dos tribunais portugueses para apreciar o pedido de atribuição da morada de família decorre das regras da alínea a) e b) do artigo 62.º do CPC, porquanto a ação de divórcio e respetivos apensos (aos quais se aplica o mesmo citério atributivo de competência que à ação principal – cfr. artigo 990.º, n.º 4, do CPC quanto à atribuição da casa de morada de família) pode ser intentada em Portugal segundo as regras da competência territorial estabelecidos na lei portuguesa atento o disposto no artigo 72.º do CPC, que prescreve «Para as ações de divórcio (…) é competente o tribunal do domicílio ou da residência do autor.»
Residindo o autor em Portugal, o elemento de conexão previsto na lei para a atribuição de competência dos tribunais portugueses encontra-se estabelecido, pelo que não se verifica a arguida exceção de incompetência internacional dos tribunais portugueses.
Sendo que a aferição dos requisitos substantivos da atribuição da casa de morada de família é uma questão de mérito e não de verificação dos pressupostos processuais relativos à competência do tribunal, que são aferidos pela natureza da relação jurídica tal como ela é configurada pelo autor na petição inicial, ou seja, no confronto entre a pretensão deduzida (pedido) e os respetivos fundamentos (causa de pedir).
Nestes termos, improcede a arguida incompetência internacional.

2. Nulidade da sentença
No final das conclusões de recurso, a recorrente invoca que a sentença recorrida violou, por má interpretação, vários preceitos legais, incluindo no rol dos preceitos mencionados, o artigo 615.º, n.º 1, alíneas b), c) e d), do CPC.
Nada mais se descortina nas conclusões do recurso que sustente esta alegação.
Lida a motivação do recurso, deteta-se apenas uma citação de um acórdão onde se alude ao dever de pronúncia sobre as questões suscitadas, sob pena de nulidade da sentença, e, ainda assim, o encadeamento da alegação que precede essa citação, centra-se no questionamento da apreciação da prova e no incumprimento dos deveres de cognição previstos no artigo 5.º, n.º 2 do CPC (sic) e não na alegação de qualquer facto ou circunstância que suporte a arguição de nulidade(s) da sentença recorrida.
Ora, a arguição de nulidades da sentença por reporte à previsão das várias alíneas do artigo 615.º, n.º 1, do CPC, que têm natureza taxativa, impõe que a parte alegue de forma concreta e fundamentada as razões que determinam, no seu entender, a existência de nulidades, porquanto as mesmas não são de conhecimento oficioso (exceto a da alínea a), que não está em causa).
Não sendo esse o caso, não se encontram preenchidos os pressupostos que permitam a apreciação da(s) nulidades(s) da sentença.
Ainda assim, e à cautela, sempre se dirá que se a recorrente se reporta à falta de conhecimento do pedido de atribuição da casa de morada de família e do pedido de não compensação a título de enriquecimento sem causa por conta das rendas auferidas com o arrendamento dos quartos da casa de morada de família, não se verificam os pressupostos das nulidades previstas nas alíneas b), c) ou d), do n.º 1, do artigo 615.º do CPC, porquanto o tribunal a quo remeteu essa apreciação para sede própria – a do apenso A referente à atribuição da casa de morada de família e para os meios próprios quanto ao enriquecimento sem causa – pelo que os vícios formais enunciados nas referidas alíneas do citado preceito não se aplicam nesta situação.
Nestes termos, e se foi esse o sentido da arguição da nulidade, a mesma improcede.

3. Impugnação da decisão de facto
Como decorre da leitura das conclusões de recurso nada é dito quanto a esta questão.
Refere-se a mesma apenas porque são feitas referência vagas na motivação do recurso ao artigo 662.º, n.º2, alínea c), do CPC (ainda que insertas num extrato de um acórdão) e por se questionar a «apreciação da prova», referindo-se, inclusivamente, a nulidades de factos dados como provados, por a sentença laborar «em erro crasso na fundamentação dos factos dados como provados» e por a sentença recorrida não se fundar «em qualquer prova documental».
Estando previstos na lei os requisitos da impugnação da decisão de facto (artigo 640.º em articulação do artigo 662.º do CPC), nem à luz do critério mais benevolente que se tenha quanto ao preenchimento dos requisitos e ónus previstos na lei, se pode considerar que a recorrente impugnou a decisão de facto.
Nestes termos, nada há a conhecer quanto à decisão de facto.

4. Atribuição da casa de morada de família
Como decorre do que vem sendo dito, foi a própria autora que apresentou por apenso ao processo de divórcio um pedido de atribuição da casa de morada de família que corre termos ao abrigo do artigo 990.º do CPC.
Este pedido é formalmente autónomo do incidente previsto no artigo 931.º, n.º 7, do CPC (regime provisório quanto à utilização da casa de morada de família).[1]
Embora no referido apenso A tenha sido proferida, em 10-07-2023, uma decisão que provisoriamente decidiu o uso da casa de morada de família ao abrigo do artigo 931.º, n.º 7, do CPC, os autos seguiram para julgamento para decidir a quem deve ser atribuído o uso da casa de morada de família nos termos do artigo 1793.º do Código Civil.
Sendo assim, será nesse apenso que a questão da atribuição da casa de morada de família e a questão do arrendamento terá de ser decidida.
E será nesse apenso que assiste à ré o direito de fazer valer os seus direitos quanto a essas matérias.
Relativamente ao pedido de compensação do Autor pela Ré dos lucros obtidos por esta com o arrendamento de quartos da casa de morada de família, na sentença recorrida escreveu-se o seguinte:
«(…) refira-se que tal questão não pode ser dirimida nos termos do artigo 1792º nº1 do CC no processo de divórcio, tendo-o de ser em processo autónomo a instaurar no tribunal cível competente.».
O que não vemos questionado na motivação ou nas conclusões deste recurso.
Por conseguinte, toda a argumentação da ora recorrente sobre essas matérias não pode ser aqui apreciada e decidida.

5. Fixação de alimentos à Ré
Quanto a este aspeto, a sentença pronunciou-se e decidiu absolver o Autor do pedido reconvencional de fixação de alimentos deduzidos pela Ré na sua contestação/reconvenção.
Insurge-se a recorrente contra tal decisão invocando dificuldades económicas, pugnando para que seja fixada uma pensão de alimentos não inferior a €1.500,00 mensais.
Na fundamentação do decidido, pode ler-se na sentença recorrida:
«Ré não trabalha desde que se mudou de ... para Portugal, ou seja, desde, pelo menos, 2014, e que, durante o casamento e depois da vinda para este país, foi, no essencial, sustentada pelo Autor, não tendo agora, com 50 anos de idade, facilidade em obter emprego, apesar de não decorrer dos autos que, depois da separação ocorrida há mais de um ano, o tenha procurado, seja em Portugal, seja noutros países.
Porém, mais relevante do que isso, retira-se da matéria de facto dada como provada, ter a Ré, pelo menos, desde 2016, e em várias ocasiões agredido fisicamente o Autor (numa ocasião com um taco de golfe, provocando-lhe dores torácicas, noutras com o rádio, noutras ainda com murros, socos e pontapés), mais de 25 anos mais velho (e, em 2022, data do último episódio, com 74 anos), destruído ou danificado objectos deste (nomeadamente, roupa, copos, serviços, óculos, escova de dentes elétrica, uma porta, o carro), insultado o mesmo, pondo em risco a sua saúde mental e física e contribuindo exclusivamente por essa via para a ruptura da vida em comum em termos que necessariamente põem em crise a equidade de uma decisão que viesse a fixar o dever por parte do Demandante, vítima de violência doméstica, ter de continuar a sustentar a Demandada num contexto em que esta violou gravemente os seus deveres conjugais para com aquele. Isto também assim se se atentar que a Ré se encontra a explorar – sem o consentimento e conhecimento do Autor – a utilização da casa que ambos consideram de morada da família através do arrendamento de quartos, auferindo, por essa via, rendimentos significativos que achou por bem não partilhar com o Demandante. Tudo isto diga-se torna, à luz do conceito indeterminado da equidade previsto no nº3 do artigo 2016º do CC moralmente insustentável a ideia de que o Autor ainda deveria ficar obrigado a pagar alimentos à Ré. Com efeito, tal previsão normativa consagra, no fundo, uma hipótese específica de abuso de direito, à qual o Tribunal deve recorrer sempre que a fixação da obrigação de prestação de alimentos a cargo do cônjuge devedor ofenda manifestamente os bons costumes, a boa fé ou o fim social e económico do direito a alimentos, o que se julga ser evidentemente o caso. Para a hipótese dos autos, indiferente é e tem de ser – à luz do princípio constitucional da igualdade de tratamento dos cidadãos – que a vítima seja homem e o agressor seja a mulher. A solução teria de ser a mesma independentemente do sexo do agressor e da vítima constatado que foi a verificação de uma situação grave de violência doméstica, para mais, num contexto em que a vítima é pessoa idosa com mais de 70 anos e o agressor é pessoa 25 anos mais nova.
Pelo exposto, deverá o Tribunal absolver o Autor do pedido reconvencional de fixação de alimentos deduzido pela Ré.»
Não podemos deixar de concordar com o decidido, atento os critérios que a lei consigna para a fixação de uma pensão de alimentos depois do divórcio e que se encontram previstos no artigo 2016.º do Código Civil, na redação em vigor dada pelo artigo 1.º da Lei n.º 61/2008, 31-10, aplicável ao caso dos autos.
O n.º 1 do preceito estabelece a regra segundo o qual cada um dos cônjuges deve prover à sua subsistência; por sua vez, o n.º 2 esclarece que, em caso de necessidade de alimentos, o direito a alimentos não depende do tipo de divórcio, abstraindo-se, assim, da responsabilidade (culpa, na terminologia anterior) de cada um dos ex-cônjuges na extinção do vínculo conjugal, e, finalmente o n.º 3 prevê uma exceção, fixando um limite de exigibilidade a essa solidariedade por razões de equidade, o que impede o nascimento da obrigação de alimentos mesmo em caso de necessidade, limite esse que traduz a chamada «cláusula de equidade negativa».
Por outro lado, o artigo 2016.º-A, no seu n.º 1, ainda vem determinar condicionantes a atender na fixação da obrigação de alimentos, a saber: duração do casamento, colaboração prestada à economia do casal, idade e o estado de saúde dos cônjuges, as qualificações profissionais e possibilidades de emprego, o tempo que, eventualmente, tenham de dedicar à criação dos filhos comuns, aos seus rendimentos e proventos, um novo casamento ou união de facto e, de um modo geral, todas as circunstâncias que influam sobre as necessidades do cônjuge que os receber as possibilidades de quem os vai prestar.
Ressaltando, ainda, no n.º 3 do referido preceito, um outro critério inovador em relação ao regime pretérito, ao estabelecer: «O cônjuge credor não tem o direito de exigir a manutenção do padrão de vida de que beneficiou na constância do matrimónio».
No caso dos autos, independentemente da carência económica da ora recorrente e das possibilidades de prestação de alimentos pelo apelado, a questão crucial que se coloca é a da negação do direito a alimentos considerando as razões de equidade a que se reporta a previsão do 2016.º, n.º 3, do Código Civil.
Na análise desta norma, a jurisprudência tem entendido que o legislador considera que não devem ser fixados, ainda que quem os peça deles necessite e quem os iria prestar tenha essa capacidade, se a conduta de quem os pede tornar a concessão iníqua.
Como refere o STJ, no Acórdão de 31-01-2023[2]:
«V - A cláusula de equidade negativa, prevista no n.º 3 do art. 2016.º do CC, leva à denegação do direito de alimentos ao ex-cônjuge necessitado, por ser chocante onerar o outro cônjuge, traduzindo-se numa inexigibilidade da prestação.
VI - Como elementos integradores da clausula geral estarão as condutas do alimentando, quer antes, quer depois do divórcio, que sejam suficientemente gravosos, em termos objetivos e razoáveis.»

Desenvolvendo essa argumentação, lê-se no Ac. STJ, de 03-03-2016[3]:
«(…) O legislador não definiu o conceito desta “cláusula de equidade negativa”, tendo optado por uma cláusula geral a concretizar casuisticamente pelo julgador por forma a abranger situações tão diversas que a sua previsão não lograria esgotar. O carácter vago e impreciso da norma deixa ao critério do tribunal definir “os casos especiais” em que o direito a alimentos será negado ao ex-cônjuge carenciado por se revelar “chocante onerar o outro com a obrigação correspondente. Procurando integrar este conceito, escreveu Rita Lobo Xavier que “só poderá tratar-se de situações ligadas à conduta do ex-cônjuge necessitado, semelhantes às que a lei já refere para a cessação da obrigação alimentar, em geral, na alínea c) do artigo 2013º, e, em particular, na parte final do artigo 2019º: quando o credor violar gravemente os seus deveres para com o obrigado, ou quando se tornar indigno do benefício pelo seu comportamento moral” (Recentes Alterações ao regime Jurídico do Divórcio e das Responsabilidades Parentais, 2009, Almedina, pág. 44).»
Concluiu-se, assim, que na configuração do atual regime, o direito a alimentos será negado ao ex-cônjuge carenciado, por se revelar chocante onerar o outro com a obrigação correspondente por razões associadas à conduta do ex-cônjuge necessitado, semelhantes às que a lei já refere para a cessação da obrigação alimentar, em geral e, em particular, na situação de violar gravemente os seus deveres para com o obrigado (cfr. artigo 2019.º do Código Civil em relação à cessação do benefício por indignidade - comportamento moral).
No caso dos autos, os factos provados evidenciam como é referido na sentença recorrida, um quadro de violência grave perpetrada pela ora recorrente contra o recorrido, pelo que, razões de equidade determinam que não seja exigível ao recorrido assumir uma obrigação de alimentos assente no fundo em razões de solidariedade, que, no caso, dificilmente seriam compreensíveis.
Em face do exposto, improcede a apelação na totalidade.

Dado o decaimento, as custas ficam a cargo da Apelante (artigo 527.º do CPC), sendo a taxa de justiça do recurso fixada pela tabela referida no n.º 2 do artigo 6.º do RCP.

III- DECISÃO
Nos termos e pelas razões expostas, acordam em julgar improcedente a apelação, confirmando a sentença recorrida.
Custas nos termos sobreditos.
Évora, 20-02-2024
Maria Adelaide Domingos (Relatora)
José António Moita (1.º Adjunto)
Graça Araújo (2.ª Adjunta)
_________________________________________________
[1] Cfr., entre outros, Ac. RL, de 17-02-2022, proc. n.º 2462/20.0T8BCL-A.G1, em www.dgsi.pt
[2] Proc. n.º 242/12.6TMLSB.L1.S1, em www.dgsi.pt
[3] Proc. n.º 2836/13.3TBCSC.L1. S1, em www.dgsi.pt .