Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1301/13.3TBABF-E.E1
Relator: VÍTOR SEQUINHO
Descritores: EXONERAÇÃO DO PASSIVO RESTANTE
RENDIMENTO DISPONÍVEL
Data do Acordão: 05/10/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: O devedor não pode ter a expectativa de, durante o período da cessão, manter o nível de vida a que ele e o seu agregado familiar estavam habituados antes da declaração de insolvência.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Processo n.º 1301/13.3TBABF-E.E1

Tribunal Judicial da Comarca de Faro – Juízo de Comércio de Olhão


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(…) e (…), casados entre si, apresentaram-se à insolvência, nos termos dos artigos 18.º e seguintes do CIRE, tendo ainda requerido a exoneração do passivo restante nos termos dos artigos 235.º e seguintes do mesmo código.

Por sentença proferida em 01.07.2013, foi declarada a insolvência.

Em 21.11.2013, foi proferido o despacho inicial de exoneração do passivo restante, no qual foi fixado, a título de rendimento disponível dos insolventes, conforme disposto no artigo 239.º, n.º 3, do CIRE, a quantia que exceder o valor de três salários mínimos e meio.

Os insolventes não se conformaram com este despacho, na parte em que o mesmo fixou em três salários mínimos e meio o valor excluído do rendimento disponível, tendo interposto o presente recurso. As suas alegações contêm as seguintes conclusões:

A) O tribunal recorrido interpretou erradamente o artigo 239.º, n.º 3, alínea i) do CIRE.

B) Efectivamente, os recorrentes creem que a quantia de € 210,00 atinente a despesas de telefone, televisão, farmácia, consultas médicas, vestuário, calçado e transportes, de um agregado familiar com 8 pessoas, é essencial para o sustento minimamente digno do mesmo.

C) E os montantes de € 40,00, € 35,00 e € 40,00 relativos à factura de electricidade, de água e de gás de uma habitação onde residem 8 pessoas.

D) Acrescendo ainda a quantia de cerca de € 200,00 a título de despesas escolares dos seis filhos dos requerentes, o que perfaz uma quantia mensal aproximada de € 33,33 por cada filho.

E) E ainda a quantia de € 100,00 relativa a despesas de supermercado, nomeadamente produtos de limpeza e produtos de higiene pessoal.

F) Mais, os requerentes e os seis filhos despendem a título de alimentação a quantia mensal de € 1440,00, isto porque se tivermos em conta que cada membro faz quatro refeições diárias, num total de 960 por mês e se para cada uma atribuirmos o valor de um euro e meio e multiplicarmos pelos 8 membros obtemos o valor referido (€ 1,5x4x8x30 =1440).

G) Saliente-se que despendendo os insolventes a quantia de € 1440,00 em alimentação (€ 1,5 x 4 refeições x 8 pessoas x 30 dias), resta-lhes apenas o montante de aproximadamente € 800,00 para fazer face às demais despesas referidas (água, luz, gás, transportes, despesas escolares dos seis filhos, farmácia e consultas, roupa e calçado, televisão, telefone e telemóvel, futura renda).

H) As despesas elencadas são na sua maior parte factos que o tribunal certamente conhece como instituição bem ajuizada e consciente da realidade social existente conforme alegações dos pontos 5 a 16 que aqui se dão por uma questão de economia processual como integralmente reproduzidos.

1) Mais, refere-se no douto acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães datado de 07/07/2011, que "ascendendo tais despesas ao montante de € 636,34, o rendimento "disponível" será aquele que a insolvente venha a auferir durante os cinco anos subsequentes ao encerramento da insolvência que exceda tal montante. "- Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 07/0712011, proc. 275111.OTBBCLA.G1, in www.dgsi.pt.

J) Raciocínio que deverá, salvo melhor opinião, ser aplicado nos presentes autos.

K) Destarte, deve a decisão contestada ser modificada por uma que determine a cessão ao fiduciário de todos rendimentos que os insolventes venham a auferir com a exclusão do montante equivalente a € 2065,00, ao que acrescerá a quantia relativa a uma futura renda.

Fazendo-se, desse modo, inteira justiça.

Não houve contra-alegações.

O recurso foi admitido.

Tendo em conta as conclusões das alegações de recurso, que definem o objecto deste e delimitam o âmbito da intervenção do tribunal de recurso, sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha, a única questão a resolver é a de saber se o valor que o despacho recorrido excluiu do rendimento disponível nos termos do artigo 239.º, n.º 3, al. b), ponto i), do CIRE, é suficiente para garantir o sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar.


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O despacho recorrido julgou provados os seguintes factos:

1 – Os insolventes (…) e (…) são casados sob o regime da comunhão de adquiridos, ambos residentes na Rua (…), n.º 106, 8200-357 Albufeira.

2 – Os insolventes são pais de seis filhos de nome (…), nascido a 17/07/1991, actualmente com 22 anos de idade, (…), nascida a 18/03/1993, actualmente com 20 anos de idade, (…), nascida a 11/09/1995, actualmente com 18 anos de idade, (…), nascida a 25/11/2003, actualmente com 9 anos de idade, (…), nascida a 29/03/2008, actualmente com 5 anos de idade, e (…), nascida a 25/02/2012, actualmente com 1 ano de idade, que residem com os insolventes.

3 – A insolvente mulher trabalha por conta de outrem, exercendo a função de directora de serviços, auferindo mensalmente a quantia líquida de € 2.288,09.

4 – O insolvente marido encontra-se actualmente desempregado, não auferindo qualquer rendimento.

5 – Os insolventes são devedores aos credores da quantia global de € 367.200,16.

6 – Os insolventes não dispõem de meios financeiros para pagar os referidos débitos e cumprir com as suas obrigações.

7 – Os insolventes são auxiliados nas suas despesas por amigos e familiares.

8 – O agregado familiar dos insolventes suporta encargos mensais com despesas de eletricidade; gás; água; serviços de televisão e telemóvel; despesas com alimentação; despesas de farmácia e consultas médicas; despesas de manutenção da habitação; despesas de farmácia e consultas médicas; despesas de transportes, escolares de valor variável.

9 – O agregado familiar dos insolventes vive na casa morada de família e propriedade dos insolventes.

10 – Mercê do referido, os insolventes não suportam encargo mensal com arrendamento habitacional.

11 – Os insolventes são proprietários de bens móveis (mobiliário e eletrodomésticos) que se encontram no interior da casa morada de família.

12 – Os insolventes não têm antecedentes criminais.


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Integram o rendimento disponível todos os rendimentos que advenham, a qualquer título, ao devedor, com exclusão, entre outros, dos que sejam razoavelmente necessários para o sustento minimamente digno daquele e do seu agregado familiar, não devendo exceder, salvo decisão fundamentada do juiz em contrário, três vezes o salário mínimo nacional – artigo 239.º, n.º 3, al. b), ponto i), do CIRE. A ponderação do que seja, em cada caso concreto, o montante necessário para assegurar tal “sustento minimamente digno” deve ter em conta, não só as necessidades do devedor e do seu agregado familiar, mas também a legítima expectativa dos credores de verem os seus direitos satisfeitos, em toda a medida do possível, durante o período da cessão. A exoneração do passivo restante não pode redundar num perdão generalizado das dívidas do insolvente sem esforço para este. O equilíbrio entre os interesses dos credores e do devedor impõe que, ao sacrifício que o processo de insolvência e a exoneração do passivo restante acarretam para os primeiros, corresponda um efectivo esforço, por parte do segundo, no sentido de reduzir as suas despesas e as do seu agregado familiar em toda a medida do possível, até atingir o limite mínimo imposto pela salvaguarda da dignidade da pessoa humana. Nomeadamente, o devedor não pode ter a expectativa de, durante o período da cessão, manter o nível de vida a que ele e o seu agregado familiar estavam habituados antes da declaração de insolvência, porventura assente, ao menos em parte, na obtenção de crédito.

O caso dos autos reveste alguma especificidade, atento o facto de estarmos perante um agregado familiar com oito pessoas, um casal e seis filhos, sendo certo que os dois mais velhos têm, actualmente, 26 e 25 anos de idade. Contudo, essa especificidade foi devidamente valorada no despacho recorrido, porquanto o valor excluído do rendimento disponível ultrapassa o limite estabelecido pelo artigo 239.º, n.º 3, al. b), ponto i), do CIRE, o que só deve acontecer em casos excepcionais. Sendo o actual salário mínimo nacional de € 580 por mês, o valor excluído do rendimento disponível é de € 2.030, o qual se reputa, à luz da exposição anterior, suficiente para assegurar o sustento minimamente digno do agregado familiar dos recorrentes. Inexiste, pois, fundamento para alterar o despacho recorrido, devendo negar-se provimento ao recurso.

Sumário:

1 – No incidente de exoneração do passivo restante, a ponderação do que seja, em cada caso concreto, o razoavelmente necessário para o sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar, nos termos do artigo 239.º, n.º 3, al. b), ponto i), do CIRE, não pode deixar de ter em consideração a legítima expectativa dos credores de verem os seus direitos satisfeitos, em toda a medida do possível, durante o período da cessão.

2 – O devedor não pode ter a expectativa de, durante o período da cessão, manter o nível de vida a que ele e o seu agregado familiar estavam habituados antes da declaração de insolvência.

Decisão:

Acordam os juízes da 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso improcedente, confirmando o despacho recorrido.

Custas a cargo da massa insolvente.

Notifique.


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Évora, 10 de Maio de 2018

Vítor Sequinho dos Santos (relator)

Conceição Ferreira

Rui Machado e Moura