Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
17/21.1T8PTM.E1
Relator: CONCEIÇÃO FERREIRA
Descritores: INVENTÁRIO PARA SEPARAÇÃO DE MEAÇÕES
DIVÓRCIO
APENSAÇÃO
Data do Acordão: 09/23/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: Tendo o tribunal competência para o processo de inventário decorrente de processo de divórcio, aquele deverá correr por apenso a este, não correndo termos autonomamente.
Decisão Texto Integral: Apelação n.º 17/21.1T8PTM.E1 (2ª Secção Cível)



ACORDAM OS JUÍZES DA SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA


No Tribunal Judicial da Comarca de Faro (Juízo de Família e Menores de Portimão), (…) instaurou, em 26/03/2020, contra (…) autos de inventário, por apenso aos autos de divórcio 2930/17.1T8PTM com vista à partilha dos bens do “dissolvido casal”.
O processo, correndo por apenso, seguiu a sua normal tramitação, até que em 04/01/2021 o juiz do processo proferiu o seguinte despacho:
Considerando que:
- Não obstante o disposto no artº 206.º do Código de Processo Civil, não existe uma dependência estrita entre a ação de divórcio e o inventário para partilha do património comum;
- O artigo 1404.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, que previa a apensação do processo de inventário ao de divórcio, não tem correspondente na redação atual do Código de Processo Civil.
A presente ação não corre por apenso ao divórcio, sendo esta a prática deste Juízo, sendo que, por lapso lamentável, não se atendeu desde logo ao facto de este inventário ter sido apenso ao processo de divórcio.
Por isso, e considerando que o processo ainda está numa inicial, desapense e remeta à distribuição.
+
Inconformada com a decisão, a requerente interpôs o presente recurso e apresentou as respetivas alegações, terminando por formular as conclusões que se reproduzem:
A- Vem o presente recurso interposto do douto despacho que determinou a desapensação da petição inicial de inventário e, consequentemente, determinou a remessa dos autos para distribuição e tramitação autónoma.
B- Funda-se o presente recurso exclusivamente para a validação do entendimento que a Recorrente faz da atual lei em vigor do inventário, reintroduzido no sistema judicial pela Lei n.º 117/2019.
C- Recorrente intentou processo judicial de divórcio sem consentimento do outro cônjuge em 2017, o qual correu os seus termos no Juízo de Família e Menores de Portimão – Juiz 1, sob o n.º 2930/17.1T8PTM.
D- Ora, é do entendimento da Recorrente que o inventário judicial que agora deu entrada, tem uma dependência e conexão processual com o processo de divórcio já transitado em julgado, e deve ser autuado por apenso aos autos.
E - Face à Lei 117/2019, os tribunais competentes para a instauração do processo de inventário para partilha de bens comuns do casal dissolvido por divórcio, dependem apenas do órgão em que tiver ocorrido o processo de divórcio.
F- Ou seja, é competente para o inventário subsequente ao divórcio decretado judicialmente, o tribunal em que este foi decretado, devendo o processo de inventário correr por apenso àquele, de que é dependente, nos termos do n.º 2 do artigo 206.º do CPC.
G- A não inclusão expressa no artigo 1133.º do CPC da apensação do inventário aos autos que ponham termo ao casamento não equivale à anulação por completo da possibilidade de correrem os autos de inventário por apenso, quando digam respeito à dissolução da comunhão patrimonial ainda existente por cessação do vínculo matrimonial.
H- O que entendemos é que estamos perante uma mera omissão, e devemos recorrer às demais normas processuais aplicáveis subsidiariamente para dirimir esta questão.
I- Devemos então recorrer à LOSJ, no seu artigo 122.º n.º 2, que passou a atribuir às secções de família e menores a competência que a lei confere aos tribunais nesses processos de inventário, restaurando a competência desses tribunais para os inventários instaurados em consequência de separação de pessoas e bens, divórcio, declaração de inexistência ou anulação do casamento, ou seja, a competência que no âmbito do RJPI era atribuída ao juiz da comarca no seu artigo 7.º, n.º 3, passou a ser exercida pelos juízes das secções de família e menores, com competência na área da comarca do cartório notarial.
J- É verdade que estamos aqui perante uma decisão de qual o entendimento, não sendo nenhum melhor que outro, sendo a opinião da Recorrente e leitura legal que faz dos normativos, principalmente tendo em comparação o anterior artigo 1404.º, que o legislador não excluiu esta possibilidade.
K- O nosso entendimento é que há uma inegável dependência entre o que foi processado nos autos principais e o que agora será julgado.
L- Neste sentido, existe jurisprudência emanada pelo Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 14.07.2020 (disponível em DGSI), que concluiu que tendo a Lei n.º 117/2019, de 13.9, entrada em vigor em 1.1.2020, reintroduzido o inventário judicial no Código de Processo Civil (artigos 1082.º a 1135.º), e cabendo aos juízos de família e menores preparar e julgar ações de separação de pessoas e bens e de divórcio, declaração de inexistência ou anulação de casamento civil (sem prejuízo das competências atribuídas às conservatórias do registo civil em matéria de divórcio ou separação por mútuo consentimento), cabe-lhes ainda tramitar, por apenso, os processos de inventário que deles decorram, nos termos dos artigos 122.º, n.º 2, da LOSJ, e 206.º, n.º 2, do C.P.C..
M- Por todo o exposto, a petição inicial de inventário autuada por apenso aos autos principais de divórcio são admissíveis, nos termos conjugados dos artigos 1133.º e 206.º, n.º 2, do CPC e artigo 122.º, n.º 2, da LOSJ.

Cumpre apreciar e decidir

O objeto do recurso é delimitado pelas suas conclusões, não podendo o tribunal superior conhecer de questões que aí não constem, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento é oficioso.

Tendo por alicerce as conclusões, a questão a apreciar consiste em saber se o inventário para separação de bens do casal deve correr por apenso à ação de divórcio.

Os factos relevantes a ter em conta para a apreciação da questão encontram-se descritos no Relatório, pelo que nos dispensamos de os indicar, de novo.

Conhecendo da questão
O despacho recorrido fundamenta a sua decisão no facto de no atual regime do processo de inventário ter deixado de se prever expressamente a apensação dos autos de inventário ao de divórcio, ao contrário do que sucedia na vigência do regime anterior, especificamente na previsão do artigo 1404.º, n.º 3, do CPC.
A apelante defende que não obstante a atual redação do artigo 1133.º do CPC (Lei n.º 117/2019) não conter referência expressa à apensação, não a exclui, nada obstando à mesma e que ela é devida por força da interpretação da lei nos termos do artigo 206.º, n.º 2, do CPC, do artigo 1133.º e, ainda, do artigo 122.º, n.º 2, da LOSJ.
Vejamos então a quem assiste razão.
Dispõe o artigo 1133.º, n.º 1, do CPC, na nova redação dada pela Lei n.º 117/2019, de 13/09, a qual entrou em vigor em 01/01/2020, que “Decretada a separação judicial de pessoas e bens ou o divórcio, ou declarado nulo ou anulado o casamento, qualquer dos cônjuges pode requerer inventário para partilha dos bens comuns”.
O inventário é o instrumento adequado a obter a partilha de bens comuns na sequência, entre outros, do trânsito em julgado da sentença de divórcio.
Tem, assim, como pressuposto a cessação das relações patrimoniais entre os cônjuges, por uma das referidas causas e a inexistência de acordo quanto à forma de efetuar a partilha.
E, tratando-se de divórcio decretado por sentença judicial, a competência do inventário é da exclusiva competência dos tribunais judiciais, nos termos do artigo 1083.º, n.º 1, alínea b), do CPC, que dispõe que “o processo de inventário é da competência exclusiva dos tribunais judiciais (…) b) sempre que o inventário constitua dependência de outro processo judicial.”
O inventário para separação de meações constitui evidente dependência do processo de divórcio judicial, na medida em que é consequência do que nele foi decidido, pois é da sentença de divórcio que emerge o direito à partilha dos bens comuns do casal.
Assim, pode-se concluir que o inventário tem de correr nos tribunais judiciais (juízos de família e menores) quando seja subsequente a ação de divórcio judicial, de acordo com a referida alínea b) do n.º 1 do artigo 1083.º do CPC, e tendo em vista o disposto no n.º 2 do artigo 122.º da LOSJ.
A questão que se coloca é de saber se, tendo competência para o processo de inventário decorrente de processo de divórcio, o inventário deverá correr por apenso a esse processo, ou deverá ser remetido à distribuição, correndo termos autonomamente, como se entendeu no despacho sob recurso.
Se deixou de subsistir norma expressa – o artigo 1404.º, n.º 3, do CPC – que estabelecia expressamente que o inventário corre por apenso ao processo de separação, divórcio, declaração de nulidade ou anulação, a verdade é que não deixou de subsistir a conexão existente entre estes dois processos judiciais que justificam a apensação, conexão que existe, no sentido que a partilha de bens é consequência do decidido no processo de inventário.
A regra da apensação mantém justificação pela relação de dependência e conexão entre ambos os processos, e é a que melhor se coaduna com a competência exclusiva dos tribunais judiciais para tramitar, nomeadamente, o inventário requerido na sequência de divórcio judicial.
Pelo que, tendo em conta o disposto no artigo 206.º, n.º 2, do CPC, não podemos retirar do confronto entre o atual artigo 1133.º do CPC e o correspondente anterior artigo 1404.º, que o inventário deva ser tramitado de forma autónoma e independente nos tribunais de família e menores ainda que aí tenha corrido termos a ação que lhe deu origem e que com ele é conexa.
Dispõe o artigo 206.º, n.º 2, do CPC que as causas que por lei ou por despacho devam considerar-se dependentes de outras são apensadas àquelas de que dependam.
A dependência que se verifica in casu, resulta, desde logo, da dependência reconhecida por lei no artigo 1083.º, n.º 1, alínea b), do CPC, que dispõe que o processo de inventário é da competência exclusiva dos tribunais judiciais sempre que o inventário constitua dependência de outro processo judicial e do artigo 122.º, n.º 2, da LOSJ, ao estender a competência dos juízos de família e menores aos “processos de inventário instaurados em consequência de separação de pessoas e bens, divórcio, declaração de inexistência ou anulação de casamento civil, bem como nos casos especiais de separação de bens a que se aplica o regime desses processos”.
Como assinalam Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa in CPC, Anotado, Almedina, 2020, vol. II, 527, “(…) Agora, que foi restaurada a competência dos tribunais judiciais para a tramitação dos processos de inventário, faz todo o sentido que o processo de inventário subsequente a sentenças declarativas de divórcio ou de separação, ou de anulação do casamento, proferidas no âmbito de processos judiciais seja tramitado nos tribunais judiciais e que, ademais, corra por apenso a tais processos (competência por conexão), nos termos do artigo 206.º, n.º 2 (…)”.
Como nos explica Pedro Pinheiro Torres (Advogado e Membro do Grupo de Trabalho de revisão do Regime Jurídico do Processo de Inventário, em Cadernos do CEJ, “Inventário: o novo regime”, Maio de 2020, pág. 31. “(…) Será, porventura, relevante, fazer referência aos tribunais competentes para a instauração do processo de inventário para partilha de bens comuns do casal dissolvido por divórcio, uma vez que a solução quanto ao tribunal competente dependerá do órgão em que tiver ocorrido o processo de divórcio, sendo competente para o inventário subsequente o divórcio decretado judicialmente, o tribunal em que este foi decretado, devendo o processo de inventário correr por apenso àquele, de que é dependente, nos termos do n.º 2 do artigo 206.º do CPC; (…).”
Sobre a questão em apreço e no sentido de que o inventário para separação de meações deve correr por apenso à ação de divórcio, pronunciaram-se já o Tribunal da Relação de Lisboa, em acórdão (citado pela apelante), de 14/07/2020, o Tribunal da Relação do Porto, em acórdão de 23/02/2021, processo n.º 311/20.9T8VCD-B.P1, o Tribunal da Relação de Guimarães, em acórdão de 27/5/2021, processo n.º 6983/19.0T8VNF-D.G1, o Tribunal da Relação de Évora, em acórdão de 29-04-2021, processo n.º 685/20.1T8BJA.E1, entre outros, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
Conclui-se do exposto que terá de proceder a pretensão da recorrente, devendo ser o processo de inventário subsequente ao divórcio respetivo ser tramitado por apenso a tal processo, nos termos dos artigos 122.º, n.º 2, da LOSJ, 206.º, n.º 2 e 1133.º do CPC, impondo-se, nessa medida, a revogação da decisão recorrida.


DECISÃO
Pelo exposto, decide-se julgar procedente a apelação e, em consequência, revoga-se a decisão recorrida, determinando-se que a tramitação do inventário corra por apenso ao processo de divórcio judicial.
Sem custas (a recorrente goza de proteção jurídica e não houve resposta às alegações, pelo que não há lugar a pagamento de custas de parte nesta instância recursiva).

Évora, 23 de setembro de 2021
Maria da Conceição Ferreira
Rui Manuel Duarte Amorim Machado e Moura
Maria Eduarda de Mira Branquinho Canas Mendes