Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
95/16.5GCABF.E1
Relator: GOMES DE SOUSA
Descritores: SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA DE PRISÃO
CONDIÇÃO
INCUMPRIMENTO
REVOGAÇÃO DA SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
Data do Acordão: 05/09/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I. A violação dos deveres decorrentes da suspensão da execução da pena de prisão, só releva para efeitos de revogação, se a infração dos deveres impostos for grosseira ou se for repetida e isso revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.
II. Relativamente à violação dos deveres exige-se um agir culposo, um acréscimo de culpa, um «mais» inaceitável para a defesa do ordenamento jurídico, que apenas se pode entender como um agir doloso ou com negligência grave.
III. Devendo tais requisitos ser apreciados segundo critérios factuais, atuais, com submissão a princípios já conhecidos do regime de suspensão da pena, dentre eles a finalidade político-criminal do instituto: o afastamento do arguido da prática de novos ilícitos criminais (artigo 50.º/1 do Código Penal).
IV. E nesse desiderato impõe-se considerar a personalidade do arguido e as circunstâncias do facto, em especial as condições de vida do agente e a sua conduta anterior e posterior ao facto.
V. Verificando-se objetivamente o incumprimento e o pressuposto essencial da culpa grave (neste caso com dolo), não é possível formular um juízo de prognose favorável, já que no caso concreto o único elemento factual que levou o arguido a cumprir o dever fixado – não consumir substâncias estupefacientes - foi a sua sujeição à medida de coação de prisão preventiva.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

A - Relatório:
No Tribunal Judicial da Comarca de Faro – Juízo Local Criminal de Albufeira, J2 - corre termos o processo comum singular supra numerado, tendo a Mmª Juíza da comarca lavrado despacho (de 08-09-2022 a fls. 390-395) a revogar a suspensão da pena única de 3 (três) anos e 9 (nove) meses de prisão - suspensa na sua execução por igual período mediante a sujeição do arguido a tratamento de adição de estupefacientes, em regime de prova, imposta por sentença de 20-06-2018 (suspensão que decorreu desde 06-09-2018).
Tal revogação teve como fundamento o facto de o arguido não ter cumprido «culposamente, a condição que lhe foi imposta para suspender a execução da prisão (…), Pelo contrário, revelou mesmo um total alheamento à condenação sofrida mediante a sua ausência voluntaria para local incerto, assim como desinteresse em cumprir as condições de suspensão da execução da pena de prisão e falta de interiorização do sentido da pena que lhe foi aplicada, pelo que, nada mais resta do que revogar a suspensão da execução da pena de prisão».
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Inconformado, o arguido interpôs recurso deste despacho, pedindo a sua revogação e a sua substituição por outro que declare, com as seguintes conclusões:
A) Salvo o devido respeito, não esteve bem o Tribunal “a quo”, quanto à matéria de facto e na aplicação do direito, no Despacho proferido de que ora se recorre, que declarou revogada a suspensão da pena aplicada ao arguido e determinou que este cumpra a pena de três anos e nove meses de prisão;
B) Não há prova que “(…) o arguido incumpriu sistematicamente as obrigações impostas, (…) e que (…)sempre manteve uma postura de desinteresse quanto ao cumprimento do plano social estabelecido, (…)tendo mantido os seus hábitos de consumo de substâncias psicoativas, para além da ausência de colaboração quer no acompanhamento do regime de prova instituído, quer no próprio agendamento das entrevistas junto da DGRPS, (…).
C) Apesar do plano homologado constar que tratamento de adição de estupefacientes seria com acompanhamento na ETET - Equipa Técnica Especializada de Tratamento de Albufeira, foi imposto que o mesmo fosse feito na ETET - Equipa Técnica Especializada de Tratamento de Olhão, conforme se pode confirmar nos relatórios seguintes juntos aos autos a fls. .
D) O que, aliado à alteração da vida do ora recorrente e à situação de pandemia, veio a revelar-se determinante para que o plano não tivesse sido ainda integralmente cumprido.
E) Também não existe prova nos autos que o arguido manteve os seus hábitos de consumo de substâncias psicoativas e que tenha faltado sistematicamente às entrevistas.
F) Como consta da informação da DGRSP de 22/02/2021, a fls , o ora recorrente sujeitou-se à análise para despiste do consumo de cocaína em 18/11/2020 e a mesma teve resultado negativo.
G) E o ora recorrente não se refugiou na ausência de condições económicas. O arguido passou efetivamente por graves alterações familiares, que o deixaram desorientado, o colocaram a viver “na rua”, como se expressou “um mês na casa de um amigo, um mês na casa de outro”, conforme declarações que prestou aquando da sua inquirição em 09/06/2022.
H) Para além do aumento das dificuldades provocado pelo estado de pandemia que, impediu as deslocações quer a Faro e Olhão, limitou todos os serviços e prejudicou a possibilidade de obtenção de emprego.
I) O ora recorrente não teve o apoio que precisava, nem da família, nem dos técnicos, estava muito fragilizado com o fim do seu relacionamento e a sua saída abrupta de casa, ficando sem residência fixa, mas era ele que tinha de tratar de alterar o seu tratamento para Albufeira, que foi por estes técnicos recusado até, conforme o mesmo declarou em 06/06/2022 e acima se transcreveu.
J) Deve assim proceder-se à alteração dos fatos, no sentido de que o ora recorrente iniciou o cumprimento do plano, mas por alteração anormal das circunstâncias pessoais e gerais não foi ainda possível cumprir integralmente o plano.
K) Para além do exposto, falta, no Despacho ora em recurso, a apreciação das circunstâncias atuais em que se encontra o condenado e se, pelas mesmas, é ou não possível que as finalidades que estiveram na base da suspensão possam ser alcançadas.
L) Desde Setembro de 2021, data em que o ora recorrente foi preso preventivamente à ordem de outro processo que tem cumprido com todos os programas e planos para ele delineados, o que demonstra que nunca se quis eximir a qualquer cumprimento, conforme suas declarações e do atual técnico de 09/06/2022 e acima transcritas, esclarecendo que “(…) há uma evolução favorável “(…) os indicadores que tenho destes 5 meses de prisão parecem indiciar que de facto já caiu nele (…)”
M) Portanto deveria constar dos fatos que, desde Setembro de 2021 o ora recorrente tem condições, especificamente psicológicas, para o cumprimento de quaisquer medidas que lhe sejam aplicadas.
N) Não basta que o condenado não se empenhe pelo cumprimento integral das condições que pendiam sobre si, para que possa ser revogada a pena de prisão suspensa na sua execução,
O) Necessário se torna que, a atuação do condenado seja de tal modo que impeça sequer qualquer possibilidade de ajustamento do plano e, tal circunstância nunca se verificou ou provou.
P) No caso, não só o plano inicial não foi o aplicado – devia ter sido em Albufeira, afinal tudo foi planeado para Faro e Olhão (mais 100Km) -, como as circunstâncias vivenciais do ora recorrente e as alterações sociais e económicas decorrentes da Pandemia, com a paralisação do País, impediram o cumprimento integral das condições impostas.
Q) Não se verifica, assim, infração grosseira do plano de reinserção e, está o ora recorrente a acompanhar todas as propostas que permitirão a sua ressocialização tendo hoje condições, nomeadamente psicológicas, para cumprir mesmo que deixe de estar detido pois “já caiu nele”.
R) Pelo que, não há fundamento também de direito para que se revogue a suspensão da execução da sua pena de prisão.
S) O nosso sistema continua a preferir sempre a ressocialização fora do cumprimento de pena privativa da liberdade e, portanto não só em último ratio de culpa grave e grosseira, mas também em último ratio de quaisquer alterações ou outras medidas não serem adequadas face àquele condenado, deve ser determinada a revogação da pena de suspensão.
T) No caso, podia e devia o Tribunal o quo ter-se socorrido de qualquer das medidas previstas no artº 55º do Código Penal, medidas que ainda hoje podem e devem ser aplicadas ao presente caso, como seja a prorrogação do período de suspensão.
U) Verificar um incumprimento, no caso porque o ora recorrente não tinha condições, nem económicas, nem familiares, nem mentais, com a imediata aplicação de revogação da pena suspensa, revela-se mais como uma nova sanção, do que como consequência de incumprimento parcial.
V) Não se verifica um modo de agir especialmente reprovável, uma culpa grave do arguido que permita o preenchimento da alínea a) do nº 1 do artº 56º do Código Penal.
W) Não nos encontramos face a uma situação limite que tenha em definitivo inutilizado por completo o capital de confiança atribuído com a suspensão da pena de prisão.
X) Se a intenção do legislador é lutar contra a pena de prisão a revogação da suspensão da mesma só deverá ter lugar como ultima ratio, isto é, quando estiverem esgotadas ou se revelarem, de todo, ineficazes as restantes providências constantes do artº 55º do Código Penal, o que ainda não sucedeu.
Pelo exposto deve o Douto Despacho ser revogado e substituído por outro que determine uma das medidas previstas no artº 55º do Código Penal, assim se fazendo a Acostumada JUSTIÇA.
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A Digna Procuradora no Tribunal recorrido respondeu ao recurso defendendo a sua improcedência, com as seguintes conclusões:
1.ª AA da pena de 3 anos e 9 meses de prisão foi condenado na pena de seis meses de prisão suspensa na sua execução sujeito a condições.
2.ª Determinante para a decisão de suspensão foi apenas a integração socio-profissional, a colaboração com o tribunal e o arrependimento manifestado (ponto IV, 4.3.1. da sentença),
3.ª Foi persistente na decisão de não cumprir o regime de prova.
4.ª A suspensão foi ineficaz no que respeita aos fins preventivos.
5.ª Das suas declarações resultou a desresponsabilização, não razões objetivas que tornem compreensíveis as ausências perante a DGRSP.
6.ª Verificam-se os requisitos para a revogação da pena de suspensão da execução da pena de prisão.
Deve negar-se provimento ao presente recurso e manter-se a decisão de revogação da suspensão de execução da pena de prisão determinando-se o cumprimento por AA da pena de 3 anos e 9 meses de prisão.
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O Exmº Procurador-geral Adjunto neste Tribunal da Relação emitiu douto parecer defendendo a improcedência do recurso.
Deu-se cumprimento ao disposto no artigo 417 n.º 2 do Código de Processo Penal.
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B - Fundamentação:
B.1.a) - Os factos relevantes para apreciação constam do antecedente relatório e dos factos que a seguir se enumeram (assentes que estão nos autos pela mera consulta dos mesmos):

1 – O arguido foi condenado nos presentes autos Processo Comum Singular nº 95/16.5GCABF do Tribunal Judicial da Comarca de Faro – Juízo local Criminal de Albufeira, J1 – por sentença de 20 de Junho de 2018, pela prática de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203º e 204º, n 2, al. e),por referência ao artigo 202º, als. d) e e), todos do CP, na pena de 3 anos e 9 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período mediante a sujeição do arguido a tratamento de adição de estupefacientes, em regime de prova, imposta por sentença de 20-06-2018.
2 – A sentença transitou em julgado a 06.09.2018.
3 - A Mmº Juíza da comarca lavrou despacho nestes autos de Processo 95/16.5GCABF a 08-09-2022 (a fls. 390-395) a revogar a suspensão da pena única de 3 (três) anos e 9 (nove) meses de prisão.
4 - Acresce a indiciada prática pelo arguido em 04-07-2021, durante o período da suspensão portanto, de dois crimes de furto qualificado – um deles na forma tentada - e de um crime de roubo no âmbito do processo nº 893/21.8GBABF, e aqui sujeito à medida de coação de prisão preventiva
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B.1.b) – É o seguinte o teor do despacho recorrido:
«AA foi condenado pela prática de um crime de furto qualificado, por sentença transitada em julgado a 06.09.2018, na pena de três anos e nove meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, mediante o acompanhamento do arguido à sujeição ao tratamento de adição de estupefacientes, em regime de prova.
Contudo, das diversas informações transmitidas pela DGSRP resulta que o arguido incumpriu sistematicamente às obrigações impostas, em particular relativamente à terapêutica da adição, mas igualmente ao cumprimento diligente das entrevistas com o técnico da DGRSP, furtando-se inclusive de fornecer a sua morada atualizada e, deste modo, inviabilizando a sua notificação via postal.
Foi efetuada a diligencia de audição de condenado, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 495.º, n.º 2 do Código de Processo Penal, no âmbito da qual foi inquirido o técnico Paulo Neves, mas malograda a audição do arguido, o qual, apesar de regularmente notificado, não compareceu
Posteriormente, o Tribunal teve conhecimento de que o arguido se encontra igualmente indiciado pela prática de dois crimes de furto qualificado e um crime de roubo no âmbito do processo n.º 893/21.8GBABF, ao abrigo do qual foi sujeito à medida de coação de prisão preventiva, razão pela qual foi realizada nova audição de condenado.
No decurso da audição do condenado, o condenado veio justificar o incumprimento por dificuldades económicas para realizar as deslocações, dado se encontrar desempregado e sem morada fixa, residindo com amigos. Mais alegou que comunicou ao técnico da DGRSP as referidas dificuldades, em especial na deslocação ate ao CAT de Olhão, nunca, contudo lhe ter sido indicado uma alternativa/solução.
Promoveu a Digna Magistrada do Ministério Público a revogação da suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido nos presentes autos, invocando que: «Decorridos quase três anos desde o trânsito em julgado da sentença, verifica-se que, durante todo este período, o condenado não tem cumprido com o plano delineado pela DGRSP, não tem colaborado e, mais importante, não revela qualquer interiorização da condenação e das obrigações a que se encontra adstrito, sendo certo que, apesar de já ter sido anteriormente confrontado com a sua falta de interesse perante as condições impostas no plano da DGRSP (cf. fls. 266), manteve a mesma postura. O condenado faltou ao cumprimento dos deveres a que ficou condicionada a suspensão da execução da pena de prisão que lhe foi aplicada e tal incumprimento deve-se a culpa sua. Trata-se de uma violação grosseira e repetida. Neste contexto, é impreterível concluir que a suspensão da execução da pena de prisão, in casu, mostrou não ter alcançado as finalidades que estiveram na base da sua aplicação, não cumprindo a ressocialização do condenado, a reparação das normas violadas e o restabelecimento da confiança da sociedade na ordem jurídica, mostrando-se insuficiente para que ao condenado fosse possível refletir e consciencializar-se sobre o carácter negativo da sua conduta.»
Notificada a ilustre defensora opôs-se à revogação da suspensão, alegando que: «O arguido sempre quis cumprir, mas ficou sem condições, ao passar por uma fase muito conturbada da sua vida. Sendo certo que o plano se revelou, desde o início, desajustado à realidade do arguido e, nem sequer se alterou para responder aos conhecidos constrangimentos que a Pandemia causou e, às dificuldades vivenciais pelas quais o arguido passou. E tanto quer cumprir que, desde que foi detido e se encontra no Estabelecimento Prisional de Silves, tem feito todas as atividades e tratamentos propostos. Está, desde a sua detenção, a ser acompanhado, inicialmente por psiquiatra e, atualmente, por um psicólogo do CAT de Portimão, Dr. BB. Como confirmou ao Tribunal o Técnico da DGRSP, Equipa Algarve 2, CC, o arguido, desde que está naquele estabelecimento prisional, esteve a trabalhar, está inscrito para falar com o terapeuta e está a fazer medicação, Tem acompanhamento psicoterapêutico com evolução favorável. Infelizmente tem pouco apoio familiar, apenas o Pai o visita. É um jovem que, tem vindo a refletir e, tudo indica que “já terá caído nele”. O arguido está assim a cumprir o que lhe é proposto e, está no caminho certo para a sua ressocialização.»
Nos termos do disposto no artigo 495.º n.º 2 do Código de Processo Penal cumpre decidir.
De harmonia com o disposto no n.º 1 do artigo 56.º do Código Penal, a suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado; a) infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano individual de readaptação social; ou b) cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas. Sendo que, conforme resulta do n.º 2 deste normativo legal, a revogação determina o cumprimento da pena de prisão fixada na sentença, sem que o condenado possa exigir a restituição de prestações que haja efetuado.
A leitura do preceito mostra, pois, que um dos pressupostos da intervenção judicial para a revogação é a infração grosseira ou repetida dos deveres ou regras de conduta impostos ou do plano de reinserção social, ou seja, qualquer alteração à suspensão da execução da pena, por violação dos deveres ou das regras de conduta impostas na sentença, pressupõe a culpa no não cumprimento da obrigação. E no caso de revogação, a culpa há-de ser grosseira.
A questão a apreciar é o facto de o arguido não ter cumprido integralmente as obrigações legais a que se encontrava sujeito no plano estipulado para suspensão da execução da pena, revela a supra referida infração grosseira ou repetida dos deveres impostos.
Para que se possa afirmar que o condenado agiu com culpa ao não cumprir as referidas condições a que ficou subordinada a suspensão da execução da pena, é necessário, antes de mais, demonstrar que este tinha condições para as cumprir, ou, então, que se colocou voluntariamente na situação de não poder efetuar.
Assim o condenado nunca verá a suspensão revogada por falta de cumprimento, a menos que tal falta lhe seja, de todo, imputável, já que o não cumprimento atempado dos deveres a que ficou sujeita a suspensão da pena não é, por si só, bastante, nem constitui princípio automático, para a revogação da mesma.
Segundo FIGUEIREDO DIAS, in Das Consequências Jurídicas Do Crime, Aequitas -Editorial Notícias, 1993, p. 356, "a consequência da revogação da suspensão (...) não é obrigatória; o que significa que, face ao incumprimento culposo das condições de suspensão, o tribunal ponderará se a revogação é a única forma de lograr a consecução das finalidades da punição".
Da analise dos autos, resulta que o arguido sempre manteve uma postura de desinteresse quanto ao cumprimento do plano social estabelecido, não só não aderindo ao tratamento quanto ao seu problema de adição, mas também de não adesão à integração profissional, tendo mantido os seus hábitos de consumo de substancias psicoativas, para alem da ausência de colaboração quer no acompanhamento do regime de prova instituído, quer no próprio agendamento das entrevistas junto da DGRPS, faltando sistematicamente às mesmas, ainda que sempre justificando quer por falta de condições económicas, quer por falta de apoio familiar.
Com efeito, no decurso da inquirição do técnico Paulo Neves a 6.05.2021, resultou que o arguido, não obstante as diversas insistências do técnico, nunca manifestou vontade em cumprir a terapêutica quanto à sua problemática de adição, nem mesmo apos ter sofrido um internamento hospitalar, desvalorizando os seus consumos e refugiando-se na ausência de condições económicas. Alias, o técnico foi perentório quanto ao facto de apos a comunicação do arguido da ausência de capacidade económicas em deslocar-se ao CAT de Olhão, o mesmo informou-o de que poderia ser seguido no Centro de Saúde de Albufeira porquanto os técnicos se deslocariam quinzenalmente a esse centro de saúde, não tendo, contudo, o arguido diligenciado nesse sentido, mantendo a sua conduta anímica quanto ao tratamento. Salientou, ademais, as dificuldades em realizar as entrevistas com o arguido (tendo este a determinado momento se negado a comunicar o seu atual paredeiro, pelo que o técnico tinha que recorrer ao progenitor do mesmo para lograr falar com o arguido, dado também ter o telefone desligado), as desculpas que o mesmo apresentava para manter os consumos e a falta de qualquer interiorização da pena em que foi condenado, bem como das obrigações a que este se encontra sujeito (cfr. fls. 331).
Se é facto que o arguido alegou que não logrou cumprir as suas obrigações por falta de capacidade económica, igualmente resultou evidente que a própria conduta do arguido, mais concretamente a ausência de adesão ao plano quanto à integração profissional, bem como de aproveitar as alternativas dadas para a realização da terapêutica junto do CSA, contribuiu para que não lograsse efetuar o tratamento estabelecido.
A ausência do cumprimento integral das condições, em especial a terapêutica à adição se deve à incúria e à inercia do arguido, o qual não diligenciou pelo cumprimento tempestivo da mesma, manifestando desinteresse no seu cumprimento ao não tomar qualquer iniciativa para o seu cumprimento, limitando-se, de acordo com as suas próprias declarações, a uma suposta pretensão de retomar o seu cumprimento, apesar de saber que a condição a onerava a este e que era condição para a suspensão da execução da sua pena de prisão.
Nos termos do referido artigo 50°, nºs, 1 e 2, do Código Penal, é pressuposto material da aplicação do instituto da suspensão da execução da pena de prisão um prognóstico favorável pelo Tribunal, relativamente ao comportamento do condenado, tendo em atenção a sua personalidade e as circunstâncias do facto, no sentido de que a simples censura do facto e a ameaça da pena bastarão para o afastar da criminalidade, satisfazendo, simultaneamente as exigências de prevenção geral, ínsitas na finalidade da punição.
Da análise dos autos, resulta que o arguido se alheou completamente dos significados decorrentes da condenação de que foi alvo, ao não se empenhar pelo cumprimento integral das condições que pendia sobre si.
Em face do exposto, resulta, nos presentes autos, que o elemento objetivo da alínea a) do n.º 1 do art. 56.º do CP se encontra preenchido: o arguido não cumpriu, culposamente, a condição que lhe foi imposta para suspender a execução da prisão.
Pelo contrário, revelou mesmo um total alheamento à condenação sofrida mediante a sua ausência voluntaria para local incerto, assim como desinteresse em cumprir as condições de suspensão da execução da pena de prisão e falta de interiorização do sentido da pena que lhe foi aplicada, pelo que, nada mais resta do que revogar a suspensão da execução da pena de prisão.
Assim, temos que os fundamentos de facto e o juízo de prognose favorável ao comportamento do arguido, os quais estiveram subjacentes à suspensão da pena de prisão aplicada nos presentes autos, não se verificaram, revelando o arguido com o seu comportamento que as finalidades que estiveram na base da suspensão não foram alcançadas.
Face ao exposto e concordando com a posição manifestada pelo Ministério Público, nos termos do artigo 56º, n.º 1, alínea a) e n.º 2, do Código Penal, declaro revogada a suspensão da pena aplicada ao arguido AA e determino que este cumpra a pena de três anos e nove meses de prisão que lhe foi aplicada na sentença proferida nos presentes autos.
Notifique.»
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B.2 - Cumpre conhecer
O objecto do recurso delimita-se pelo teor das conclusões de recurso apresentadas.
Analisadas as conclusões de recurso do recorrente constatamos que as mesmas pedem a aplicação de uma das medidas constantes do artigo 55º do CP, para tanto invocando:
a) - factos por si invocados em recurso e constantes das suas conclusões B), D), E), F), G), H), I), J), K), L) e M);
b) - Juízos conclusivos em N), O), Q), T) e U).
Assim, a questão posta nos autos resume-se à análise da falta de cumprimento das condições da suspensão, análise essa que implica um exame conjunto do disposto nos artigos 55º, 56º e 57º, nº 1 do Código Penal na versão actual.
B.2.a) - Relativamente aos factos constantes da alínea a) supra, os mesmos concretizam-se na invocação de que:
B) Não há prova que “(…) o arguido incumpriu sistematicamente as obrigações impostas, (…) e que (… )sempre manteve uma postura de desinteresse quanto ao cumprimento do plano social estabelecido, (…)tendo mantido os seus hábitos de consumo de substâncias psicoativas, para além da ausência de colaboração quer no acompanhamento do regime de prova instituído, quer no próprio agendamento das entrevistas junto da DGRPS, (…).
D) O que, aliado à alteração da vida do ora recorrente e à situação de pandemia, veio a revelar-se determinante para que o plano não tivesse sido ainda integralmente cumprido.
E) Também não existe prova nos autos que o arguido manteve os seus hábitos de consumo de substâncias psicoativas e que tenha faltado sistematicamente às entrevistas.
F) Como consta da informação da DGRSP de 22/02/2021, a fls , o ora recorrente sujeitou-se à análise para despiste do consumo de cocaína em 18/11/2020 e a mesma teve resultado negativo.
G) E o ora recorrente não se refugiou na ausência de condições económicas. O arguido passou efetivamente por graves alterações familiares, que o deixaram desorientado, o colocaram a viver “na rua”, como se expressou “um mês na casa de um amigo, um mês na casa de outro”, conforme declarações que prestou aquando da sua inquirição em 09/06/2022.
H) Para além do aumento das dificuldades provocado pelo estado de pandemia que, impediu as deslocações quer a Faro e Olhão, limitou todos os serviços e prejudicou a possibilidade de obtenção de emprego.
I) O ora recorrente não teve o apoio que precisava, nem da família, nem dos técnicos, estava muito fragilizado com o fim do seu relacionamento e a sua saída abrupta de casa, ficando sem residência fixa, mas era ele que tinha de tratar de alterar o seu tratamento para Albufeira, que foi por estes técnicos recusado até, conforme o mesmo declarou em 06/06/2022 e acima se transcreveu.
J) Deve assim proceder-se à alteração dos fatos, no sentido de que o ora recorrente iniciou o cumprimento do plano, mas por alteração anormal das circunstâncias pessoais e gerais não foi ainda possível cumprir integralmente o plano.
K) Para além do exposto, falta, no Despacho ora em recurso, a apreciação das circunstâncias atuais em que se encontra o condenado e se, pelas mesmas, é ou não possível que as finalidades que estiveram na base da suspensão possam ser alcançadas.
L) Desde Setembro de 2021, data em que o ora recorrente foi preso preventivamente à ordem de outro processo que tem cumprido com todos os programas e planos para ele delineados, o que demonstra que nunca se quis eximir a qualquer cumprimento, conforme suas declarações e do atual técnico de 09/06/2022 e acima transcritas, esclarecendo que “(…) há uma evolução favorável “(…) os indicadores que tenho destes 5 meses de prisão parecem indiciar que de facto já caiu nele (…)”
M) Portanto deveria constar dos fatos que, desde Setembro de 2021 o ora recorrente tem condições, especificamente psicológicas, para o cumprimento de quaisquer medidas que lhe sejam aplicadas.
Os factos referidos em L) e M) resultam da circunstância de o recorrente ter sido detido e sujeito a prisão preventiva no processo nº 893/21.8GBABF pela indiciada prática de crimes de furto qualificado – um deles na forma tentada - e de um crime de roubo.
Os factos expostos nas alíneas B) a J) supra indicadas resultam de uma leitura excessivamente favorável dos factos constantes dos autos que indiciam efectivamente o contrário do alegado.
De facto, do citado Plano de Reinserção Social resulta (lembrando que a sentença é de 20-06-2018 que a suspensão decorreu desde 06-09-2018) que o recorrente foi internado no Centro Hospitalar Universitário de Faro em Outubro de 2018 devido a um pneumotórax por consumo descontrolado de substância estupefaciente
E dos Relatórios de Monitorização de 20-12-2019 e de 11-08-2020 muito claramente o recorrente afirma que o acompanhamento pelo ETET de Olhão “é desnecessário” por “não ser consumidor”, apesar de aí se referir que “consome álcool e cocaína” (relatório de 20-12-2019) e haxixe (relatório de 11-08-2020).
Ou seja, não foram alegadas condições pessoais e económicas que determinaram o incumprimento do Plano de Reinserção Social, foi a vontade do arguido de não se sujeitar ao mesmo que determinou o incumprimento.
O arguido faltou à tomada de declarações em 03-12-2020 e 06-05-2021, no que é uma comportamento processual atendível.
Nas suas declarações de 12-02-2020 o arguido é claro na afirmação de que voltou a consumir cocaína e álcool até mais de um ano e meio, desde o verão de 2019, e que só ”parou” de o fazer quando recebeu a carta do tribunal para tomada de declarações.
Nas suas declarações de 09-06-2022 – não querendo “falar do novo processo” - confirma que “cumpriu até certo ponto” e que nada cumpriu desde final de 2019, que deixou de comparecer às entrevistas e consultas e que deixou de falar com o técnico em 2020.
E o técnico CC, que acompanha o processo em que o recorrente foi sujeito a prisão preventiva, assevera que o recorrente tem que “fazer o acompanhamento dos consumos de droga que não fez em meio livre” e faz referência a um outro processo pendente em Albufeira contra o arguido, o processo nº 37/21.6GCABF, facto que não se atenderá por inexistir prova da sua existência neste processo.
Ou seja, o suposto cumprimento das condições desde Setembro de 2021 resulta da sua sujeição à medida de prisão preventiva nessa data e à ordem de outro processo e não de uma vontade do arguido em cumprir aquilo que foi determinado na sentença condenatória e no Plano de Reinserção Social delineado em 27-02-2019 – a fls. 220.
E é necessário recordar o que constava na sentença condenatória quanto à suspensão da pena:
«Com efeito, urge condicionar a suspensão da execução das penas de prisão ora aplicadas ao regime de prova, devendo, por conseguinte, o arguido ser acompanhado por técnico da Direção Geral de Reinserção Social durante o período da suspensão, o qual deverá elaborar um plano destinado a promover a ressocialização deste, com especial incidência na sujeição uma avaliação médica e tratamento de adição a produtos estupefacientes, face à atitude do arguido relativamente ao consumo de haxixe e cocaína, ao qual o arguido se deverá sujeitar, sob pena de, em caso de incumprimento, quer do plano a elaborar pela Direcção-Geral de Reinserção Social, quer da própria suspensão da execução, cometendo, durante este período de tempo, novos factos ilícitos, haver necessidade de reequacionar a suspensão e os próprios termos do regime de prova (cf. artigos 55.º e 56.º do Código Penal)».
E o arguido nada cumpriu por vontade própria! Entendeu ”ser desnecessário” aquilo que a sentença considerou ser essencial.
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B.2.b) - Assim sendo, a análise do caso em apreciação passa, essencialmente, pela contraposição do disposto no artigo 55º [designadamente e numa primeira abordagem, a norma contida na al. d)] e pela previsão da alínea a) do nº 1 do artigo 56º do Código Penal.
Desta contraposição resulta que, ocorrendo violação de deveres e, consequentemente, existência de um agir culposo do arguido, dois cenários se apresentam possíveis: a prorrogação da suspensão da pena ou a sua revogação.
Num primeiro cenário, o agir culposo do arguido reconduz à aplicabilidade do disposto no artigo 55º do Código Penal, sendo essencial nessa análise começar por excluir a aplicabilidade do regime de revogação (artigo 56º do Código Penal).
O segundo cenário será, naturalmente, o da revogação do regime de suspensão da pena, a apreciar – no caso concreto – pela alínea a) do nº 1 do artigo 56º do Código Penal por existência de violação de deveres grosseira ou repetidamente. Aqui há, igualmente, um agir culposo do arguido que constitui um “mais” inaceitável para a defesa do ordenamento jurídico, um acréscimo de culpa.
É certo que, como afirma o Prof. Figueiredo Dias, “se a decisão for inadmissivelmente tardia, isso pode constituir motivo suficiente para que a revogação ou a prorrogação não sejam decretadas”. [1] No entanto, no caso concreto, o tempo decorrido desde a decisão fica a dever-se exclusivamente à actuação do arguido.
A questão passa, pois, pela resposta à pergunta colocada pela al. a) do artigo 56º do Código Penal: o arguido infringiugrosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos”.
Observem-se as apreciações da DGRSP quanto ao condenado:
- Em 11-dez-2019 (Referência: 19656·73040):
«informamos V.Exª que ainda não foi possível elaborar o documento solicitado referente a AA uma vez que apesar de devidamente convocado via telefone, para comparecer nestes serviços em dia e hora estabelecida, o mesmo tem faltado recorrentemente, alegando obstáculos de vária ordem, mas prometendo sempre que o irá fazer no dia seguinte, o que não se tem verificado.
Face ao exposto, iremos continuar a diligenciar no sentido de AA comparecer nestes serviços, com vista à realização da avaliação da sua situação e modo de vida. Pelo que quando tal se verificar elaboraremos de imediato o relatório semestral solicitado,»
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- Em 20-dez-2019 (Referência: 1967223040):
«MONITORIZAÇÃO DA EXECUÇÃO DA MEDIDA
AA reside actualmente em casa dos avós, na Rua (…), uma vez que a habitação onde residia está ocupada pelo pai, companheira e família desta.
AA encontra-se desempregado, vivenciando uma situação económica deficitária, sem qualquer fome de rendimento, totalmente dependente de determinadas quantias monetárias que os avós lhe garantem para as suas despesas do quotidiano. Contudo. tem executado pequenos trabalhos na área da construção civil, em regime de biscate. juntamente com um amigo.
Em termos aditivos, e depois de uma fase de diminuição dos consumos. decorrente dos seus problemas de saúde e deficitária situação económica, encontra-se actualmente a consumir álcool e cocaína, aparentemente de forma esporádica, com o seu grupo de pares.
AA não se encontra a beneficiar de nenhum acompanhamento terapêutico na ETET - Equipa Técnica Especializada de Tratamento de Olhão, por não o considerar necessário.
Durante a entrevista com AA, este assumiu sempre uma atitude colaborante.
(…)
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- Em 11-ago-2020 (Referência: 2033713040):
«Em termos aditivos e depois de uma diminuição dos consumos, (…) encontra-se actualmente a consumir haxixe , como indutor de sono.
AA nunca beneficiou nem beneficia na actualidade de acompanhamento terapêutico na ETET - Equipa Técnica Especializada de Tratamento de Olhão, por não o considerar necessário, uma vez que não se assume como dependente de substâncias psicoactivas. Mesmo assim tem sido recorrentemente alertado de que o deveria fazer, atenta a necessidade e obrigação de aderir a programa de consultas de acompanhamento psicológico e de apresentar nesta Equipa os comprovativos das analises de despistagem para avaliação dos seus hábitos/consumos aditivos, o que até à data nunca se verificou apesar de referir que o vai fazer num futuro próximo.
Apesar de devidamente convocado e/ou informado da necessidade de comparecer nestes serviços, AA tem recorrentemente faltado às entrevistas agendadas, sendo necessário recorrer ao contacto telefónico com o pai para ser possível, a posteriori, o contacto com o condenado e ser feita a Avaliação do seu comportamento e modo de vida. (…)
AVALIAÇÃO
Dos dados disponíveis, consideramos que AA continua a revelar dificuldade no cumprimento do Plano de Reinserção Social, atenta a sua não adesão a tratamento/acompanhamento na ETET de Olhão para alem de não manifestar interesse de cumprir outras obrigações, nomeadamente comparecer nesta Equipa com a regularidade estipulada e/ou a integração profissional, com caracter estável»
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O que se transcreveu é elucidativo! O arguido, praticamente cinco anos após a condenação, (em 20.06.2018) ainda não cumpriu a pena.
Ou seja, há prova cabal de que “(…) o arguido incumpriu sistematicamente as obrigações impostas, (…) e que (…) sempre manteve uma postura de desinteresse quanto ao cumprimento do plano social estabelecido, (…) tendo mantido os seus hábitos de consumo de substâncias psicoativas, para além da ausência de colaboração quer no acompanhamento do regime de prova instituído, quer no próprio agendamento das entrevistas junto da DGRPS, (…).
Outros três argumentos aduzidos devem ser apreciados.
Relativamente às conclusões C) e P) é bom esclarecer que entre Albufeira e Olhão vão cerca de 48 km e não mais de 100, mas são áreas servidas por razoáveis serviços de transporte público, rodoviários e ferroviários. Mas, principalmente, ao arguido e/ou seu mandatário competia formalizar pedido para que – caso fosse possível e se houvesse real impedimento – alterar a área de atendimento/acompanhamento. O que não vale é incumprir e, depois, vir alegar impedimento.
Quanto à conclusão K) na tomada de declarações ao recorrente é fácil constatar que – após pergunta do tribunal - o mesmo declarou não pretender “falar do novo processo”. Acresce que o tribunal inquiriu o técnico da DGRSP sobre as condições do arguido e a única conclusão possível a retirar é a de que o arguido cumpre as normas do EP e está inscrito para acompanhamento, o que nada altera a conclusão sobre as “condições psicológicas” para o tratamento em meio livre e, logo, o juízo prognóstico a retirar.
Por fim, a conclusão M) do recurso será acertada se excluirmos a expressão “condições, especificamente, psicológicas”, pois que a sujeição a prisão preventiva não permite retirar conclusões sobre a futura conduta do arguido se não sujeito a tal medida.
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B.2.c) - De facto, a violação de deveres e, consequentemente, existência de um agir culposo do arguido (factos mais que demonstrados nos autos), constitui um “mais” inaceitável para a defesa do ordenamento jurídico, um acréscimo de culpa, um mais que – nos autos - apenas se pode entender como um agir doloso ou com negligência grave.
A questão, prima facie, passava, pois, pela resposta à pergunta: o arguido “infringiu grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos”?
Temos, portanto, dois requisitos alternativos em apreciação, ambos assentes na culpa grave do arguido: a infracção grosseira ou a infracção repetida dos deveres impostos que poderão conduzir o tribunal à revogação do regime de suspensão da pena.
O arguido violou ambos os requisitos. E em termos tais que – ao que parece – é o arguido condenado que pretende definir os termos do seu (in)cumprimento da pena.
A situação é, aliás, de um ridículo atroz, a pôr em causa todo o sistema de penas de substituição.
Mas a estes dois requisitos haverá que acrescentar o pressuposto comum a ambas as alíneas do nº 1 do artigo 56º do Código Penal: o “revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas”. É que, sendo os requisitos para a revogação alternativos, a condição da parte final da alínea b) é comum a ambos os requisitos. [2]
Assim sendo, a questão a colocar assumia a seguinte forma: “o arguido infringiu grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos, de forma a revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas?”
Assim, tais requisitos devem ser apreciados segundo critérios factuais, actuais, com submissão a princípios já conhecidos do regime de suspensão da pena.
De entre eles avulta a finalidade político-criminal do instituto, o afastamento do arguido da criminalidade, da prática de novos ilícitos criminais – artigo 50º, nº 1 do Código Penal. Nesse desiderato impõe-se considerar a personalidade do arguido e as circunstâncias do facto, em especial as condições de vida do agente e a sua conduta anterior e posterior ao facto.
Questão está, pois, em saber se a presente conduta do arguido pôs em crise, de forma definitiva, o juízo de prognose social favorável que esteve na base da escolha da pena.
Acresce a defesa do ordenamento jurídico como grande argumento no sentido da revogação da suspensão da pena.
Já afirmava o Prof. Eduardo Correia [3] a propósito do correspondente artigo do Projecto que “o artigo só devia aplicar-se nos casos em que o não cumprimento foi doloso ou gravemente culposo devendo nas restantes hipóteses suportar-se o não cumprimento sem de nenhuma forma o sancionar. A isto acresce - disse ainda - que a rebeldia não deve determinar sempre e necessariamente a revogação: pois bem pode acontecer que uma tal rebeldia provenha v. g., de o condenado não ter compreendido as condições que lhe foram impostas e que baste até uma simples advertência solene para que a personalidade daquele «degele» e passe a compreender que tem de cumprir a obrigação contra a qual se rebelou”.
Aqui impõe-se esclarecer que os “factos” invocados pelo arguido em sede de recurso são irrelevantes pois que a sua mera alegação não demonstra a sua conformidade à realidade.
Cumpria ao arguido, como “incumpridor” de deveres, vir aos autos dar nota concreta dos fundamentos do permanente incumprimento.
De facto, nada nos autos demonstra que a conduta do arguido se deve à impossibilidade de cumprimento, tudo apontando para que tenha havido uma decisão de “não cumprimento”.
Ou seja, verifica-se o pressuposto essencial no incumprimento dos deveres impostas, a culpa grave do arguido. No caso dos autos o incumprimento dos deveres penais impostos na sentença penal foi doloso e tal incumprimento foi constatado por despacho judicial.
No caso em apreço e face ao que ficou dito já não é possível formular um juízo de prognose favorável, já que o único elemento factual que o levou a cessar o consumo foi – realmente – a sua sujeição a medida coactiva de prisão preventiva.
Destarte é improcedente o recurso interposto.
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C - Dispositivo:
Assim, em face do exposto, acordam os Juízes que compõem a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em negar provimento ao recurso.
Custas pelo arguido com 4 (quatro) Ucs. de taxa de justiça.
Notifique.
Évora, 09 de Maio de 2023
(Processado e revisto pelo relator)
João Gomes de Sousa
Carlos Campos Lobo
Ana Bacelar

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[1] - In “Direito Penal – As Consequências Jurídicas do Crime”, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, pag. 358.
[2] - “As alíneas não são cumuláveis, mas a condição vale para ambas” - V. g. Prof. Fig. Dias, in “Código Penal – Actas e projecto da Comissão de Revisão”, pag. 66. Ministério da Justiça, 1993.
[3] - In “Actas da Comissão Revisora do Código Penal – Parte Geral, vol I e II”, pags. 70/71. AAFDL.