Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
838/15.4T9STC-A.E1
Relator: SÉRGIO CORVACHO
Descritores: TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES
PRISÃO PREVENTIVA
PERIGO DE CONTINUAÇÃO DA ACTIVIDADE CRIMINOSA
Data do Acordão: 07/12/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário:
I – O perigo de reiteração da actividade criminosa é quase conatural do crime de tráfico de estupefacientes na modalidade típica da venda a terceiros, «por conta própria», dada a sua natureza de actividade lucrativa.

II - Depois da evolução dos meios de comunicação, que se verificou nas últimas duas décadas, a possibilidade de se levar a efeito uma actividade de venda de estupefacientes a terceiros, sem se sair da residência, tornou-se uma possibilidade cada vez mais viável.

III - A medida de coacção de obrigação de permanência na habitação com vigilância electrónica não se revela adequada e suficiente à prevenção da continuação da actividade criminosa, por parte do arguido.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NA SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA

I. Relatório
No inquérito nº 838/15.4T9STC, distribuído, para o efeito das competências judiciais inerentes a essa fase do processo, ao Tribunal da Comarca de Setúbal, Instância Local de Santiago do Cacém, Secção de Competência Genérica, pela Exmº Juiz titular dos autos foi proferido, em 3/3/16, um despacho com o seguinte teor:

«A detenção dos arguidos foi legal.
Ademais, capturados foram apresentados em juízo no prazo previsto nos artigos 28º da Constituição da República Portuguesa e 141º do Código de Processo Penal, tendo sido feita a comunicação a que se refere o artigo 58º, número 2, do mesmo diploma, pelo que vão validadas as supra aludidas detenções, (artigo 256º e 257º, nº 1 do Código de Processo Penal).

Tendo em conta, conjugadamente:
a) Documentos:
- os integrantes nos processos apensos por linha (traslado do processo sumário nº --/15.6GASTC, inquérito nº ---/15.9GHSTC, inquérito nº 6--16.8GASTC e inquérito nº ---/15.6GHSTC);
- certidões de fls. 2 a 61 e 66 a 250, 300 a 319, 476-506, e CD de intercepções telefónicas de fls. 251;
- cópia de sentença de fls. 762 e ss;
- autos de notícia, aditamentos, autos de ocorrência e relatórios intercalares de fls. 25-27, 33, 36-38, 53, 263, 296-297, 346, 349, 350, 353, 429, 480-482, 556, 588, 589 e 651-656;
- transcrições e relatórios de intercepções telefónicas de fls. 233-251, 344, 345, 382, 423-425, 447, 452, 453, 509-512, 518-519, 551, 553, 555, 586, 750-751 e CD’s com as respectivas sessões gravadas e transcrições juntas no apenso I;
- relatórios de vigilância externa: fls. 103-108, 255-259, 262, 291-293, 380, 381, 407-419, 657-672 e respectivos CD’s com imagens gravadas;
- autos de busca e apreensão, fotografias, autos de pesagem e testes rápidos: fls. 30-32, 287-295, 327, 347-348, 351, 352, 678-682, 690-694, 702, 732-733;
- informações de fls. 34-35, 261, 284, 357-359, 557, 705, ;
- CRC’s de fls. 753, 754 .
c) Testemunhas:
- Todos os militares da GNR intervenientes nas diligências de vigilância externas, detenções e buscas;
- JH, melhor id. a fls. 28 e ss;
- DT, melhor id. a fls. 39 e ss;
- DG, melhor id. a fls. 41 e ss;
- HC, melhor id. a fls. 51 e ss;
- RG, melhor id. a fls. 281 e ss;
- PS, melhor id. a fls. 285 e ss;
- JS, melhor id. a fls. 622 e ss;
- LS, melhor id. a fls. 706 e ss;
- HG, melhor id. a fls. 719 e ss;
- JF melhor id. a fls. 722 e ss.; e
- Declarações ora prestadas pelos arguidos quanto à situação socioeconómica considera-se fortemente indiciado que:

1.Desde Junho do ano de 2014, o arguido G, também conhecido por “Fefa”, dedicou-se à venda de cocaína e heroína em vários pontos da na zona da Barbuda, próxima do complexo industrial, da ponte, da linha férrea desactivada, no meio do mato e junto da “Casa da Madeira”, pertencente ao concelho de Sines, locais onde desde há vários anos dezenas de toxicodependentes e pequenos traficantes se deslocam diariamente para comprar tais produtos estupefacientes, vindos de todos os municípios do Litoral Alentejano e de vários municípios do distrito de Beja, pagando no mínimo 10€ por cada pacotinho de droga.

2. No desempenho dessa actividade, o arguido G contou com a ajuda dos outros indivíduos, designadamente do irmão, o suspeito SB, seu “braço direito”, e do arguido EF, os quais geralmente vendiam estupefacientes na zona da Barbuda em regime de rotatividade, e da arguida MJ, que lhes dava todo o apoio logístico de que aqueles careciam.

3. Para concretizar as vendas de estupefacientes, além do contacto presencial com os adquirentes nos referidos pontos de venda, por vezes era primeiro estabelecido um contacto telefónico entre os consumidores de estupefacientes e os arguidos combinando encontro, durante o qual os arguidos faziam a entrega do produto estupefaciente e recebiam o respectivo pagamento.

4. Para o efeito, os arguidos utilizaram vários cartões e equipamentos telefónicos, que passavam de mão em mão conforme a pessoa que no dia se encontrasse a vender estupefacientes na Barbuda, designadamente os seguintes:

- cartão nº 966….. (alvo 79054040) e IMEI ---- (alvo 9054050)
- IMEI ---- (alvo 79056050) que esteve associado a vários cartões telefónicos;
- cartão nº 917---- (alvo 79055040) que esteve associado ao IMEI ---- (alvo 79055050)
- cartão nº 964.664.500 (Alvo 79589040) que esteve associado ao IMEI 35279407235912 (Alvo 79289050)
- cartão nº 964---- (alvo 80206040)
- IMEI ------ (alvo 80207080)
- IMEI ----- (alvo 79588050)
- cartão nº 926.---- (Alvo 79588040)
- cartão nº 926.----
- cartão nº 964.-----
- cartão nº (nº 961.---- ( alvo 79057040) que esteve associado ao IMEI ----- (alvo 79057050)
- cartão nº 968---- (alvo 80743040) que esteve associado ao IMEI ---- (alvo 80743050).

5. Desde Junho de 2014 até 01.03.2016, por várias vezes, os arguidos G e SB combinaram e realizaram encontros, dos próprios e de outros indivíduos que operavam como seus “homens de mão”, com vários outros traficantes e consumidores, entre os quais as seguintes pessoas a quem venderam produtos estupefacientes:

- MA (cfr. certidão de fls. 2 a 61 e 66 a 250);
- JH (cfr. fls. 28 a 35, 109 e 240-241), a quem o arguido G vendeu estupefacientes, designadamente no dia 06.11.2014, vendeu-lhe 3,3 g de heroína, a qual foi apreendida;
- DT (cfr. fls. 39 e ss);
- DG (cfr. fls. 41 e ss);
- HC (cfr. fls. 51 e ss);
- LG, designadamente no dia 17.09.2015 (cfr. fls. 255);
- RB, designadamente nos dias 17.09.2015, 22.09.2015 (cfr. fls. 255, 256 e processo apenso por linha nº ---/15.6GHSTC)
- NF, designadamente nos dias 22.09.2015 (cfr. fls. 256 e processo apenso por linha nº ---/15.6GHSTC);
- SA, designadamente nos dias 22.09.2015 (cfr. fls. 256 e processo apenso por linha nº ---/15.6GHSTC);
- RG (cfr. fls. 281 e ss)
- PS, designadamente no dia 11.11.2015, o arguido GILSON BRITO vendeu-lhe cocaína, a qual foi apreendida (cfr. fls. 285 a 288);
- LM, designadamente no dia 24.11.2015 (cfr. fls. 345 a 348)
- DC, designadamente no dia 24.11.2015 e no dia 16.12.2015 (cfr. fls. 349, 408)
- MM, designadamente no dia 24.11.2015 (cfr. fls. 350 a 352);
- JS (cfr. fls. 622);
- LS (fls. 706 e ss);
- HG (fls. 719 e ss);
- JF (fls. 722 e ss).
6. No dia 11.11.2015, o arguido G encontrava-se na zona da Barbuda a vender heroína e cocaína, sendo que o mesmo logrou a fuga quando os militares da GNR tentaram detê-lo. Durante a fuga, o arguido deixou cair um embrulho azul que continha:

- 37,3 g de heroína, dividida em 5 panfletos cada um com cerca de 0,3g, 3 panfletos cada um com cerca de 1,4g, 6 panfletos com cerca de 2 g cada um e 9 panfletos com cerca de 2,5g cada um;

- 8,3 g de cocaína, dividida em 39 pequenos panfletos cada um com cerca de 0,1g e um embrulho com 4,3g;

- vários recortes plásticos, tudo o que foi apreendido (cfr. fls. 285 a 299 e 327)

7. Nessa mesma ocasião foram detidos e apresentados a julgamento seis indivíduos no âmbito do Processo Sumário nº ---/15.6GASTC (cfr. traslado apenso). No dia seguinte, após terminar o interrogatório judicial a que tais indivíduos foram sujeitos no JIC de Setúbal, o arguido SB levou-os para casa no seu veículo automóvel de matrícula ----SP (cfr. fls. 296 e ss).

8. Nos dias 16, 17 e 18 de Dezembro de 2015, o suspeito SB vendeu heroína e cocaína a vários indivíduos na zona da Barbuda, designadamente a LG, Luís “Cramalheira”, DC, BG, BB, MO, TB, JG, BS, HM, MM, MP, JP (cfr. fls. 407 a 419, 423 a 425 e 476 e ss).

9. No dia 10.02.2016, cerca das 14H, numa zona da Barbuda conhecida por “Casa da Madeira”, o arguido G encontrava-se, acompanhado de outros indivíduos, a vender estupefacientes a quem ali os procurasse. Nessa ocasião o arguido vendeu a AA, 13,3 g de heroína e 0,1g de cocaína, e a JP, 2,6g de heroína e 0,1g de cocaína, tudo o que foi apreendido no âmbito do inquérito nº --/16.8GASTC (cfr. inquérito apenso por linha).

10. No dia 01.03.2016, cerca das 12H, o arguido G encontrava-se numa zona da Barbuda, conhecida por “Casa da Madeira”, acompanhado do arguido EP, sendo que ambos se encontravam a vender heroína e cocaína a quem ali os procurava, tendo sido detidos em flagrante delito.

11. Então, os arguidos G e EP tinham na sua posse os seguintes bens colocados ao serviço do narcotráfico e adquiridos com os proveitos de tal actividade, os quais foram apreendidos:

a) O arguido GB tinha consigo:
i. 205,10g de heroína, dividida em :
- 24 pacotes de heroína, com o peso total de 31,30 g;
- 35 pacotes de heroína, com o peso total de 27,30 g;
- 86 pacotes, com o peso total de 146,50 g;
ii. 41.10g de cocaína, dividida em:
- 125 pacotes de cocaína, com o peso total de 12.8grs
- 15 pacotes de cocaína, com o peso total de 8.40grs
- 159 pacotes de cocaína, com o peso de 19.90grs
iii. 465 euros em notas do Banco Central Europeu.
iv. Uma balança.
v. Um telemóvel de marca LG de cor preto com o imei ----- e cartão 963----.
vi. Um telemóvel de marca Samsung com o imei ---- sob o alvo 81422050 e cartão n. 960---- sem alvo atribuído.

b) O arguido EP tinha consigo:
- 6 (seis) notas de dez euros;
- 1 (uma) nota de cinco euros;
- 1 (um) telemóvel de marca Samsung GT-S7390, com ecrã tátil, com PIN 7331 e código de desbloqueio de teclado 199321;
- 2 (dois) telemóvel marca Samsung, de cor preta. Um com contato telefónico 925---, cujo pin desconhece e o outro sem cartão e com Imei ----- (danificado); e
-1 (uma) bolsa de cintura, cinzenta e preta, marca Deeply.

12. De seguida, realizaram-se buscas na casa dos arguidos, que tinham na sua posse os seguintes bens colocados ao serviço do narcotráfico e adquiridos com os proveitos de tal actividade, os quais foram apreendidos:

a) Na casa dos arguidos G e SB sita na Rua -----, em Agualva-Cacém: os objectos melhor descritos a fls. 690 e 691;

b) No quarto da casa da arguida MJ sita Rua ----- Santiago do Cacém;

- Um (1) telemóvel de marca Samsung de cor preta com o cartão telefónico 961----, o qual se encontrava sob intercepção Alvo 79057040.

- Um (1) telemóvel de marca Nokia de cor cinza com o cartão telefónico 968----, o qual se encontrava sob intercepção Alvo 80743040.

13. A arguida MJ desde o início da actividade dos arguidos G e SB ajudou-os no início da mesma, fazendo o transporte dos mesmos entre a Barbuda e a cidade de Santiago do Cacém, levando-lhes comida quando os mesmos se encontravam na Barbuda, indicando aos consumidores a localização dos arguidos na Barbuda, servindo de intermediária entre os arguidos e os consumidores e vigiando o local, advertindo os arguidos e os outros traficantes sempre que elementos da GNR se aproximavam do local, sendo que por várias vezes inviabilizou e dificultou operações da GNR no local com vista à detenção dos traficantes e apreensão de drogas.

14. O único meio de sustento de G e SB, provém do tráfico de estupefacientes, cujos avultados lucros, que se estimam entre os 500€ e os 1.000€ por dia e que lhes permitem fazer uma vida desafogada financeiramente.

15. Todos os arguidos conheciam a natureza estupefaciente das substâncias que guardavam consigo, que já tinham vendido e ajudavam a vender a terceiros e pretendiam continuar a fazê-lo, em comunhão de esforços e vontades.

16. Todos os arguidos agiram sempre de forma deliberada, livre e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.

17. O suspeito SB encontra-se acusado no âmbito do inquérito nº ---/13.1GHSTC, pela prática desde o ano de 2013 e até 21.11.2013, de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade (cfr. fls. 300 a 322).

18. O título de residência do arguido EP encontra-se caducado.

Tais factos indiciados são susceptíveis de configurar a prática, por parte de todos os arguidos de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artº 21º, nº 1 do DL 15/93, de 22-01, e tabelas I-A e 1-B, anexas ao mesmo diploma legal.

Na verdade, decorre desde logo da detenção em flagrante delito no que se refere aos arguidos G e EP a prática dos factos descritos no ponto 10 e 11.

Mais resulta a prática de tal ilícito por parte dos três arguidos hoje presentes a interrogatório da conjugação de toda a prova acima referida onde se salienta com relevo os relatórios de vigilância mencionados, os depoimentos dos consumidores a quem foi apreendida a cocaína vendida, desta feita pelos arguidos G e o suspeito S, autos de busca e apreensão, depoimentos dos militares da GNR que foram intervenientes nas diligências probatórias e ainda os autos de transcrição do Apenso 1 referentes às intercepções telefónicas (de onde se extraem as combinações para a entrega da droga, nomeadamente pela arguida MJ e arguido G “Fefa” nos termos factualmente descritos).

Os arguidos não prestaram declarações, o que não os podendo prejudicar, nada adiantou ao conhecimento do tribunal da detenção da droga que o arguido G tinha em seu poder nem dos montantes em numerário detidos pelo arguido E e demais objectos apreendidos, justificando assim de alguma forma a sua detenção.
De salientar aqui que, mesmo que o arguido G não tivesse sido visto a transaccionar, a mera detenção do produto estupefaciente, nas quantidades referidas no ponto 11 – já consideradas elevadas atento as características do produto estupefaciente apreendido (cocaína e heroína) - configuraria por si só a prática do crime de que se encontra indiciado.

O mesmo se dirá relativamente ao arguido Ernestino, que independentemente de não estar na posse do produto estupefaciente foi detido em flagrante delito no local descrito nos factos e com individuo com quem tem exercido a actividade da venda de cocaína e heroína na zona da Barbuda.

Acresce que não é a detenção do arguido no dia 01 de Março o único meio de prova de onde se extraí a sua ligação com o arguido G e S, tal como acima referido. O arguido estava na posse de um total de 65€, que não sendo uma quantia elevada estava dividida em seis notas de 10 e uma de 5, sendo montantes consentâneos com o valor da venda por pacote descrita em 1.

E que outra razão teria o arguido para estar na companhia do co-arguido G num local sobejamente conhecido à venda directa aos consumidores, como bem foi referido pelo mandatário do arguido G sendo os vendedores na sua grande maioria de nacionalidade cabo-verdiana com residências fora dos municípios de Sines e Santiago do Cacém, mas sim nas áreas de residência como as do arguido G e E.

Adianta-se ainda que a droga apreendida já se encontrava dividida em doses individuais, tendo consigo o arguido G uma balança para proceder, certamente à divisão de outras doses.

Salienta-se, que os objectos apreendidos designadamente a balança são geralmente utilizados para a divisão de produto estupefaciente, resultando das regras da experiência comum tal ilação, tal como resulta também das mesmas regras, que quem destina o produto estupefaciente apenas ao consumo não tem necessidade de deter tais objectos e muito menos as quantidades que foram encontradas na posse do arguido G.

Mais se acrescenta quanto a este que o mesmo tinha em seu puder 465 € em notas do BCE, essa sim quantia já elevada para um indivíduo que não exerce qualquer actividade profissional não podendo deixar de ter outra proveniência que não a da venda de cocaína e heroína, fazendo disso a sua forma de sustento.

Adianta-se ainda que o crime de tráfico de estupefacientes sendo um crime plurisisistente, que no caso perdura no tempo tem que se atentar não só às quantidades de droga apreendidas mas às quantidades que vão sendo transaccionadas durante tal período.

Concorda-se aqui com o Digno Procurador da República quando se refere que a predominância da actividade é exercida pelo arguido G que mesmo não sendo o topo da pirâmide relativamente aos demais arguidos e mesmo ao suspeito S, o será.

Vale isto por dizer que a actividade quer do arguido EP quer da arguida MJ depende do arguido G, assumindo aqueles o referido “papel secundário”.

Nenhum dos arguidos tem actividade profissional sendo inexistente o seu rendimento mensal e extremamente parcos os rendimentos dos seus agregados familiares.

Os arguidos G e MA não têm antecedentes criminais, não sendo conhecidos por não se encontrar junto o registo doa arguido E a situação do mesmo.

Os arguidos estão relativamente inseridos familiarmente.

Todavia o facto dos arguidos estarem nessa situação e de não terem antecedentes criminais é neste tipo de crimes pouco relevante no que concerne ao cessar dos perigos existentes e que decorrem da própria actividade que a seguir se descriminarão.

O ilícito que se encontra indiciado nos autos reveste gravidade e tais factos pela sua natureza determinam, desde logo, perigo de perturbação da ordem e tranquilidade pública e grande alarme social o que aqui está plenamente evidenciado e concretizado pela prova acima referida.

Do mesmo modo, se entende em crimes desta natureza que se verifica em concreto o perigo de perturbação do inquérito, nomeadamente, para aquisição e conservação ou veracidade da prova no que concerne à influência que podem exercer nos consumidores e, nomeadamente, nas testemunhas que ainda irão depor e a quem foi apreendido produto estupefaciente referido nos factos .

Os arguidos G e E são de nacionalidade cabo-verdiana, aqui se concordando e dando por reproduzidos os argumentos expendidos pelo Digno Procurador da República quanto ao perigo concreto de fuga.
Por fim verifica-se o perigo de continuação da actividade criminosa sendo que o proveito da venda do produto estupefaciente é elevado considerando-se lucro fácil.

Estão assim relativamente a todos os arguidos factualmente concretizados os perigos referidos nas als. b) e c) do art. 204º, do CPP e ainda da al. a) quanto aos arguidos G e E.

Como é sabido nos termos do artº 204º do CPP, nenhuma medida de coacção pode ser aplicada se em concreto senão se verificarem fuga ou perigo de fuga, perigo de perturbação do inquérito ou instrução, incluindo perigo para aquisição ou conservação de provas, perigo de continuação da actividade criminosa e ainda perturbação da ordem e tranquilidade públicas. A aplicação de medidas de coacção depende ainda da observância dos princípios da legalidade, necessidade, adequação e proporcionalidade.

De acordo com o disposto no art. 193º, do CPP as medidas de coacção de garantia patrimonial devem ser necessárias e adequadas às exigências cautelares que o caso requer e proporcionais à gravidade do crime e às sanções que previsivelmente venham a ser aplicadas.

Considerando a moldura abstractamente aplicável ao ilícito em questão é previsível que venha a ser aplicada pena de prisão.

Desta forma, concordando-se no mais com a promoção que antecede entende-se que nesta fase se mostram, necessárias, adequadas e proporcionais às exigências cautelares que o caso requer e à gravidade do crime, a medida privativa da liberdade quanto ao G, pois só esta poderá fazer com que o mesmo deixe de praticar a actividade que se tem dedicado e a cessar os demais perigos, e as demais medidas promovidas quanto aos arguidos E e M.

Salienta-se que, no caso a medida de coacção de obrigação de permanência na habitação sob vigilância electrónica não seria suficiente para obstar à venda do produto por parte do arguido G podendo-o fazer na ou através da própria residência alterando apenas o local de venda.

No que concerne aos arguidos E e M, e porque os perigos ficam mitigados com a medida de coacção aplicada ao arguido G, e a crer-se que aqueles sem a presença destes não praticarão a venda de produto estupefaciente, entende-se ser suficiente a obrigação de apresentação periódica, bissemanal, a que acresce a proibição de contactos com os co-arguidos e da ausência para o estrangeiro por parte do arguido E.

Em face do supra exposto, decide-se sujeitar os arguidos às seguintes medidas de coacção:
G
- TIR, já prestado;
- prisão preventiva (arts. 191º, 192º, 193º, 196º, 202º, nº 1, al. a) e c) e 204º, als. a), b) e c), todos do CPP.
Passe os competentes mandados de condução dos arguidos ao Estabelecimento prisional competente
Cumpra o disposto no art. 194º, nº 10, do CPP

MA,
- TIR, já prestado;
- obrigação de apresentações bissemanais, junto do OPC mais próximo da residência indicada no TIR,
- proibição de frequentar a zona da Barbuda descrita no artigo 1º dos factos imputados aos arguidos e
- proibição de contactar com os demais co-arguidos e com o suspeito SB; e

EP,
- TIR, já prestado;
- obrigação de apresentações bissemanais, junto do OPC mais próximo da residência indicada no TIR,
- proibição de se deslocar e de permanecer na área dos municípios de Sines e Santiago de Cacém,
- proibição de contactar com os demais co-arguidos e com o suspeito SB e
- proibição de se ausentar para o estrangeiro, procedendo de imediato à entrega, caso possua semelhante documento, do seu passaporte,

Tudo nos termos dos artigos 191.º a 193.º, 196º, 198.º, 200º, nºs. 1, als. a), b) e d) e 3, 202º, nº 1 als. a) e c) , e 204.º, als. a), b) e c), todos do C. P. Penal.

Comunique à PSP, GNR, PJ e SEF e aos aeroportos nacionais

Restitua os arguidos E e MA à liberdade.
Notifique, e, de seguida, remetam-se os autos ao Ministério Publico, para prosseguimento do inquérito».

Do despacho transcrito o arguido G interpôs recurso, devidamente motivado, tendo formulado as seguintes conclusões:

a) Emerge o presente recurso do despacho, douto aliás, que determinou que o arguido aguardasse os ulteriores termos do processo em prisão preventiva;

b) aquele despacho peca por errada apreciação dos elementos dos autos e, consequentemente, errada interpretação e aplicação dos artºs 193º, 201º, 202º, 204º e, bem assim, do artº 21º do D.L. 15/93, de 22 de Janeiro;

c) As razões que estiveram na génese da aplicação da prisão preventiva ao arguido foram a convicção da existência de fortes indícios da prática pelo mesmo do crime p.p. artº 21º do D.L. 15/93, de 22 de Janeiro e, bem assim, o entendimento de que se verificam os perigos das als. a), b) e c) do artº 204º do C.P.P.

d) A verdade é que aquele despacho peca por errada apreciação dos elementos dos autos e, consequentemente, errada interpretação e aplicação dos artºs 191º, 192º, 193º, 196º, 201º, 202º, 204º e, bem assim, do artº 21º e 54º do D.L. nº 15/93, de 22 de Janeiro.

e) O despacho recorrido julgou assim verificados todos os perigos do artº 204º do C.P.P. f) No entanto, ao contrário do que se decidiu no despacho recorrido, a prisão preventiva não é a única medida adequada a acautelar tais perigos.

g) O tribunal a quo entendeu que a medida de coacção de obrigação de permanência na habitação com sujeição a vigilância electrónica não seria suficiente para obstar à venda do produto por parte do recorrente, podendo ele fazê-lo através da própria residência, alterando apensa o local de venda;

h) No entanto, em face dos elementos dos autos não é possível concluir nesse sentido de modo nenhum, antes pelo contrário;

i) Com efeito, os autos indiciam a prática por parte do recorrente de actos de tráfico nos concelhos de Sines e Santiago do Cacém, e só;

j) Como disse, reside em Agualva-Cacém, no concelho de Sintra e na busca feita à sua residência nada de relevante para os autos foi apreendido;

k) dos factos indiciados consta justamente que o recorrente, a exemplo de outros, só se desloca aos concelhos de Sines e Santiago do Cacém para a prática dos factos indiciados nos autos;

l) e que os eventuais adquirentes de estupefacientes ao arguidos erem exclusivamente dos municípios do Litoral Alentejano e vários municípios do distrito de Beja (Cfr. Factos indiciados sob o nº 1);

m) Razão pela qual surge, absolutamente desapoiada de qualquer prova indiciária a conclusão de existir perigo, por mais ténue que seja, dele vir a praticar os mesmos factos a partir da sua residência, apenas alterando o local da venda.
n) Por isso mesmo verifica-se que no caso é possível acautelar os aventados perigos através da sua sujeição a OPHVE;

o) Neste quadro, deve revogar-se imediatamente a medida de prisão preventiva aplicada ao arguido em virtude do carácter absolutamente excepcional da sua aplicação e substituir-lha pela medida prevista no artº 201º do C.P.P. eventualmente com sujeição a vigilância electrónica, pois é, em qualquer circunstância, mais adequada às circunstâncias verificadas nos autos;

p) Tal é o que, presentemente, aconselham os elementos dos autos e uma boa e sã administração da justiça;

q) Coisa que o despacho recorrido não fez, pelo que se impõe a sua substituição por decisão que, fazendo uma correcta interpretação das normas legais invocadas e a melhor apreciação dos elementos dos autos, decida no sentido pugnado pelo recorrente

PELO EXPOSTO DEVE O DESPACHO RECORRIDO SER REVOGADO E SUBSTITUÍDO POR OUTRO QUE FAZENDO UMA CORRECTA INTERPRETAÇÃO DAS NORMAS LEGAIS INVOCADAS E A MELHOR APRECIAÇÃO DOS ELEMENTOS DOS AUTOS SUBSTITUA A MEDIDA DE PRISÃO PREVENTIVA A QUE O ARGUIDO ESTÁ SUJEITO PELA DO ARTº 201º DO C.P.P. COM SUJEIÇÃO A VIGILÂNCIA ELECTRÓNICA.

O recurso interposto foi admitido com subida imediata, em separado, e efeito devolutivo.

O MP respondeu à motivação do recorrente, pugnando pela improcedência do recurso e a manutenção do decidido, sem formular conclusões.

O Digno Procurador-Geral Adjunto junto desta Relação emitiu parecer sobre o mérito do recurso, no sentido da respectiva improcedência, o qual foi notificado ao recorrente, a fim de se pronunciar, não tendo ele exercido o seu direito de resposta.

Foram colhidos os vistos legais e procedeu-se à conferência.

II.Fundamentação
Nos recursos penais, o «thema decidendum» é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente, as quais deixámos enunciadas supra.

A sindicância do despacho recorrido pretendida pelo recorrente, tal como transparece das conclusões por ele formuladas, resume-se ao pedido de aplicação, no lugar da prisão preventiva imposta pelo Tribunal «a quo», da medida de coacção de obrigação de permanência na habitação com vigilância, por entender esta adequada e suficiente à prevenção de qualquer perigo de continuação da actividade criminosa, que possa existir por parte do arguido G.

Os pressupostos da decretação de medidas coactivas encontram-se assim definidos pelo art. 204º do CPP:

Nenhuma medida de coacção, à excepção da prevista no artigo 196º, pode ser aplicada se em concreto se não verificar, no momento da aplicação da medida:
a) Fuga ou perigo de fuga;
b) Perigo de perturbação do inquérito ou da instrução do processo e, nomeadamente, perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova; ou
c) Perigo, em razão da natureza e das circunstâncias do crime ou da personalidade do arguido, de que este continue a actividade criminosa ou perturbe gravemente a ordem e a tranquilidade públicas.

Por seu turno, o nº 1 do art. 202º estabelece os requisitos específicos da aplicação da prisão preventiva, na parte que pode interessar ao caso em apreço:

Se considerar inadequadas ou insuficientes, no caso, as medidas referidas nos artigos anteriores, o juiz pode impor ao arguido a prisão preventiva quando:

a) Houver fortes indícios da prática de crime doloso punível com prisão de máximo superior a 5 anos.

O recorrente pretende lhe seja aplicada, em vez da prisão preventiva, a que se encontra sujeito, a medida de coacção de obrigação de permanência na habitação, com vigilância electrónica, cujo regime de aplicação é definido pelo art. 201º do CPP:

1 - Se considerar inadequadas ou insuficientes, no caso, as medidas referidas nos artigos anteriores, o juiz pode impor ao arguido a obrigação de não se ausentar, ou de não se ausentar sem autorização, da habitação própria ou de outra em que de momento resida ou, nomeadamente, quando tal se justifique, em instituição adequada a prestar-lhe apoio social e de saúde, se houver fortes indícios de prática de crime doloso punível com pena de prisão de máximo superior a 3 anos.

2 - A obrigação de permanência na habitação é cumulável com a obrigação de não contactar, por qualquer meio, com determinadas pessoas.

3 - Para fiscalização do cumprimento das obrigações referidas nos números anteriores podem ser utilizados meios técnicos de controlo à distância, nos termos previstos na lei.

A aplicação de medidas coactivas, em geral, rege-se pelos princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade, assim definidos pelo art. 193º do CPP:

1 – As medidas de coacção e garantia patrimonial a aplicar em concreto devem ser necessárias e adequadas às exigências cautelares que o caso requer e proporcionais à gravidade do crime e às sanções que previsivelmente venham a ser aplicadas.

2 – A prisão preventiva e a obrigação de permanência na habitação só podem ser aplicadas quando se revelarem inadequadas e insuficientes as outras medidas de coacção.

3 – Quando couber ao caso medida de coacção privativa da liberdade nos termos do número anterior, deve ser dada preferência à obrigação de permanência na habitação sempre que ela se revele suficiente para satisfazer as exigências cautelares.

4 – A execução das medidas de coacção e de garantia patrimonial não deve prejudicar o exercício de direitos fundamentais que não forem incompatíveis com as exigências cautelares que caso requer.

Importa recapitular os seguintes aspectos do despacho recorrido, com relevo para a questão a dirimir:

a) Foi julgada fortemente indiciada a prática pelo arguido G de factos integradores de um crime de tráfico de estupefaciente p. e p+. pelo art. 21º nº 1 do DSL nº 15/93 de 22/1;

b) Concretamente, imputa-se ao mesmo arguido o ter ele, desde Junho de 2014 até à sua detenção ocorrida em 1/3/16, levado a efeito uma actividade de venda a terceiros de heroína e cocaína, na zona da Barbuda, com o concurso de, pelo menos, três pessoas, tendo-lhe sido apreendidas nesse contexto, as quantidades globais de 251,6 gramas de heroína e 49,6 gramas de cocaína;

c) Mais se julgou fortemente indiciado que, ao tempo dos factos, o arguido G não dispunha de qualquer meio de sustento, a não ser a venda de heroína e cocaína da qual auferia um lucro diário entre € 500 a € 1.000;

d) Para o efeito previsto no art. 204º do CPP, julgou-se verificado, em relação ao arguido G, os perigos de fuga, perturbação da ordem e da tranquilidade públicas, perturbação do inquérito e continuação da actividade criminosa.

Embora o despacho recorrido tenha considerado a verificação na pessoa do arguido G de quase todas as modalidades de exigências cautelares enumeradas nas alíneas do art. 204º do CPP, a argumentação desenvolvida pelo mesmo arguido, em apoio da pretensão recursiva por si deduzida, centra-se de forma a bem dizer exclusiva na demonstração da suficiência da medida de obrigação de permanência na habitação, com vigilância electrónica, em ordem à prevenção do perigo de continuação da actividade criminosa, nada referindo sobre a sua eventual aptidão a prevenir os restantes perigos detectados pela Exª Juiz de Instrução.

De todo o modo, especificamente acerca do perigo de reiteração da actividade criminosa, oferece-se-nos dizer que o mesmo é quase conatural do crime de tráfico de estupefacientes na modalidade típica da venda a terceiros, «por conta própria», dada a sua natureza de actividade lucrativa, a qual também se mostra espelhada na matéria de facto julgada fortemente indiciada no despacho recorrido.

Na sua experiência profissional, o relator do presente acórdão teve ocasião de contactar, num período histórico anterior à generalização do uso de telemóveis e de meios informáticos (finais da década de 80 do séc. XX), com situações em que pessoas sujeitas a severas restrições na sua mobilidade conseguiram levar à prática uma actividade de venda de estupefacientes a terceiros, sem saírem de casa, com o concurso de familiares com quem coabitavam.

Depois da evolução dos meios de comunicação, que se verificou nas últimas duas décadas, a possibilidade de se levar a efeito uma actividade de venda de estupefacientes a terceiros, sem se sair da residência, tornou-se uma possibilidade cada vez mais viável.

No presente recurso, o arguido G argumenta que tal hipótese é, relativamente a ele, de descartar, já que, antes de ser detido, vendia estupefacientes na zona da Barbuda a pessoas residentes no litoral alentejano ou no Distrito de Beja, enquanto a residência a que ficaria confinado, no caso de vir a ser-lhe aplicada a medida coactiva que propugna, se situa na área do concelho de Sintra.

Contudo, semelhante argumento não nos impressiona, porquanto, por um lado, nada garante que os anteriores adquirentes das drogas que o arguido comercializava não estivessem dispostos a deslocar-se do Alentejo à periferia de Lisboa, a fim de se abastecerem desses produtos, tudo dependendo das condições concretas do «mercado», e, por outro lado, é óbvio que o arguido não ficaria impossibilitado de constituir uma nova «carteira de clientes», sedeados mais próximo do local da sua futura residência.

Nesta conformidade, importa concluir que, ao contrário do que sustenta o arguido recorrente, a medida de coacção de obrigação de permanência na habitação com vigilância electrónica não se revela adequada e suficiente à prevenção da continuação da actividade criminosa, por parte dele.

Como tal, mostra-se justificada, à luz das normas aplicáveis, a imposição ao recorrente da mais gravosa das medidas de coacção, decidida no despacho recorrido, estando recurso votado à improcedência.

III.Decisão
Pelo exposto, acordam os Juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em negar provimento ao recurso e manter o despacho recorrido.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 2 UC.
Notifique.
Évora, 12/7/16 (processado e revisto pelo relator)

(Sérgio Bruno Povoas Corvacho)

(João Manuel Monteiro Amaro)