Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
90/22.5GCLLE.E1
Relator: LAURA GOULART MAURÍCIO
Descritores: ESCOLHA DA PENA
ESPÉCIE DE PENA
Data do Acordão: 05/09/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I. Um dos vetores da escolha da espécie da pena é a proteção dos bens jurídicos violados e, naturalmente, a proteção da própria vítima e da sociedade em relação aos agentes do crime, de modo que, responsabilizando suficientemente estes últimos, se possa esperar que os mesmos não venham a adotar novas condutas desviantes (função de prevenção especial defensiva ou negativa).
II. Na proteção dos bens jurídicos, será igualmente de destacar que a reação penal a aplicar deve, tanto quanto possível, neutralizar o efeito do delito, passando este a surgir, sem sombra de dúvidas, como um exemplo negativo para a comunidade e contribuindo, ao mesmo tempo, para fortalecer a consciência jurídica da mesma (função de prevenção geral).
III. No caso, há que considerar elevadas quer as exigências de prevenção geral, quer as exigências de prevenção especial, porquanto o arguido sofreu já anteriormente três condenações, todas por crimes rodoviários, associados, como é sabido, ao elevado índice de sinistralidade rodoviária, e todas em pena de multa que, face à prática dos factos destes autos, se verifica não terem servido de suficiente advertência ao arguido para que não voltasse a cometer infrações.
IV. Assim, considerando a atuação do arguido, com dolo direto, a culpa, elevada atenta a intensidade do dolo revelada, bem como a ilicitude dos factos, que assume grau elevado, face aos bens jurídicos protegidos e à sua posição na hierarquia axiológico-normativa da tutela penal, mostra-se plenamente justificada a opção pela pena de prisão.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora

Relatório

No Tribunal Judicial da Comarca ..., Juízo Local Criminal ..., foi o arguido AA submetido a julgamento em Processo Abreviador, tendo o Tribunal, por sentença de 14 de dezembro de 2022, decidido:

- Condenar o arguido pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de desobediência, p. e p. pelos arts. 348.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal e 152.º, n.º 1, alínea a) e n.º 3 do Código da Estrada, na pena de 3 (três) meses de prisão.

- Suspender a execução da pena de 3 (três) meses de prisão pelo período de 1 (um) ano, ao abrigo do disposto no art. 50º do Código Penal.

- Condenar o arguido na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 12 (doze) meses, nos termos do art. 69.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal.

*

Inconformado com a decisão, o arguido interpôs recurso, extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões:

1ºVem o presente recurso interposto exclusivamente sobre a pena principal e a medida da pena acessoì ria a que o recorrente foi condenado no processo abreviado que correu termos junto do Juýzìo Local Criminal de ... (...) mais precisamente quanto aÌ pena de prisaÞo de 3 meses suspensa na sua execuçaÞo pelo período de um ano e na pena acessoìria de proibiçaÞo de conduzir veículos com motor pelo período de 12 meses tendo este sido condenado pela praìtica de um crime de desobediência, pp. pelo artigo 348º, nº1, al.a) e 69º, nº1 c) ambos do Coìdigo Penal.

2ºOra, no que concerne aÌ pena principal, entende o recorrente que, naÞo obstante os seus antecedentes criminais, se justificava ainda a sua condenaçaÞo em pena de multa, jaì que, salvo melhor opinião, a mesma ainda realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da puniçaÞo.

3º Na verdade, se o recorrente anteriormente aÌ praìtica dos factos dos presentes autos, jaì havia sofrido três condenaçoÞes em penas de multa, importa ter em consideraçaÞo, o tempo que mediou entre a praìtica dos referidos crimes (o primeiro em 2011) sendo que nenhum deles foi por crime idêntico ao dos presentes autos.

4ºEntende assim, o recorrente que a culpa e as necessidades de prevençaÞo geral e especial saÞo medianas.

5ºTendo o Tribunal a quo, ao ter decidido pela aplicaçaÞo da pena de prisaÞo, apesar de suspensa, ultrapassado as necessidades de ressocializaçaÞo do recorrente, constituindo um sacrifício que vai aleìm da culpa, inadequado ao que o presente caso requer.

6ºNaÞo tendo tido em consideraçaÞo o criteìrio geral orientador da seleçaÞo da pena concreta, estabelecido no art.70º, do Coìdigo Penal, nos termos do qual, no caso de ao crime ser aplicaìvel pena privativa ou naÞo privativa da liberdade, o tribunal deve dar preferência aÌ segunda sempre que esta realize de forma adequada e suiciente as inalidades da puniçaÞo, isto eì, ”a proteçaÞo dos bens jurýdìicos e a reintegraçaÞo do agente na sociedade” -artigo 40º, nº1 do Coìdigo Penal

7ºDevendo a escolha da pena ser perspetivada em funçaÞo da adequaçaÞo, proporçaÞo e potencialidade para atingir os objectivos estipulados no mencionado artigo 40º do Coìdigo Penal

8ºTambeìm a pena acessoìria de proibiçaÞo de conduzir veýìculos com motor resultante da praìtica do crime de desobediência, pelo período de doze meses eì exagerada e ultrapassa, tambeìm ela, o grau de culpa e as necessidades de prevençaÞo geral e especial que o presente caso requer.

9ºJaì que tambeìm aqui deveraì atender-se aos mesmos criteìrios que regem para a pena principal.

10ºDevendo a mesma ser reduzida para nove meses de forma a naÞo exceder a medida da culpa e mostrar-se a mesma adequada e proporcional aÌs exigências de prevençaÞo.

11ºDevendo assim sentença ser revogada e substituýdìa, por se mostrar inadequada e desproporcionada, ao ter optado por pena de multa em vez de pena de prisaÞo e por ter aplicado uma pena acessoì ria inadequada, tendo feito uma errada interpretaçaÞo e aplicaçaÞo dos artigos 40º, 71º 348º. nº1,a), e 69º, nº1 todos do Coìdigo Penal.

Termos em que nos demais de direito, deve ser dado provimento ao recurso e por via dele, ser revogada a sentença quanto aÌ pena principal e quanto aÌ medida da pena acessoìria nos termos acima descritos, tudo com as legais consequências

Com o que se faraì a acostumada JUSTIÇA

*

O Ministério Público respondeu ao recurso interposto nos seguintes termos:

“(…)

1.º QUESTÃO – DA PENA PRINCIPAL

Entende o arguido, ora recorrente, que “naÞo obstante os seus antecedentes criminais se justificava ainda a sua condenação em pena de multa já que, salvo melhor opinião, a mesma ainda realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da puniçaÞo”.

Para fundamentar a sua posição alega o arguido, ora recorrente no que toca às condenações já sofridas “o tempo que mediou entre a pratica dos referidos crimes” e que “nenhum deles foi por crime idêntico ao dos presentes autos”.

Salvo o devido respeito, não lhe assiste razão.

Resulta do artigo 40º do Código Penal que a aplicação das penas e medidas de segurança, visa a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade. Está aqui consagrada a ideia de que o fundamento das penas é a prevenção geral e especial positivas, que têm como limite o princípio da culpa.

A prevenção geral pode ser positiva ou negativa. A primeira significa que a pena aplicada ao agente mantém e reforça a confiança na validade e eficácia das normas jurídico-penais como instrumentos de tutela de bens jurídicos. A segunda significa que a pena aplicada ao infractor intimida as demais pessoas a não cometer crimes.

A prevenção especial pode ser positiva ou negativa. Na primeira situação, a pena tem como finalidade reinserir socialmente o agente através da sua adesão a valores da comunidade, evitando cometer novos crimes. No segundo caso, a pena tem como objectivo neutralizar a perigosidade social do agente, exercendo sobre ele um efeito retroactivo.

A pena não pode, em caso algum ultrapassar a medida da culpa. A culpa consiste num juízo de censura dirigido ao agente que, tendo podido actuar segundo o dever e a lei, optou por agir ilicitamente evidenciando uma atitude contrária ao direito. Assim, como refere Anabela Miranda Rodrigues, “Em primeiro lugar a medida da pena eì fornecida pela medida da necessidade de tutela de bens jurídicos, isto é, pelas exigências de prevenção geral (moldura de prevenção). Depois, no âmbito desta moldura, a medida concreta da pena é encontrada em função das necessidades de prevenção especial de socialização do agente ou, sendo essas inexistentes, das necessidades de intimidação e de segurança individuais. Finalmente, a culpa fornece a medida da pena, mas indica o limite máximo da pena que em caso algum pode ser ultrapassado em nome das exigências preventivas” (in, O Modelo de Prevenção na Determinação da Medida Concreta da Pena, RPCC 12, 2002, p. 181/182).

O artigo 71º do Código Penal, refere igualmente que a determinação da medida da pena tem de ser feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção. O n º 2 do referido artigo 71º do Código Penal estabelece que na determinação da medida concreta da pena se deve atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, assumem relevância, quer para favorecer, quer para desfavorecer o arguido.

Dando aqui por reproduzido todos os argumentos constantes da douta decisão recorrente, considerando as circunstâncias descritas na sua globalidade, a pena mostra-se perfeitamente adequada.

Na verdade, foram adequadamente ponderadas as exigências de prevenção geral e as exigências de prevenção especial.

Sobre o crime de desobediência em causa nos autos, bem jurídico protegido e determinação das penas veja-se os Acórdãos do Tribunal da Relação de Évora de 08-06-2021, processo 81/20.0GGSTC.E1 e de 08-02-2022, processo 161/21.5GABNV.E1 com cuja posição e argumentos concordamos na integra.

Pode-se ler neste ultimo processo relativamente à determinação da pena principal e da pena acessória:

“Pena principal:

De acordo com o art.º 71.º, n.º 1 do C. Penal, a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.

''A redacção dada ao nº 1 harmonizou esta norma com a do novo art.º 40.º: o texto anterior podia sugerir que se atribuía à culpa um papel preponderante na determinação da medida da pena, possibilitaria mesmo, contra a filosofia que era já a do Código, uma leitura que apontasse no sentido da afirmação da retribuição como fim das penas; poderia ser entendido como atribuindo às exigências de prevenção um papel secundário, meramente adjuvante, naquela determinação, que não é, de modo algum, o que agora expressamente se lhes assinala.”(6)

Deste modo, resulta expressamente do normativo citado a necessidade da consideração da díade culpa / prevenção na determinação do quantum punitivo.

Relativamente à culpa, entende-se como inequívoco que se trata de um conceito chave do Código Penal de 1982, constando do ponto 2 do respectivo preâmbulo que “toda a pena tem como suporte axiológico-normativo uma culpa concreta”. A eleiçaÞo legal de um verdadeiro princípio da culpa cinde-se em duas realidades diferentes, a saber, a culpa como fundamento da pena e a culpa como fundamento da medida da pena (7), sendo desta última que agora nos ocuparemos.

De que forma pode a culpa determinar a medida concreta da pena, articulando-se harmoniosamente nessa função com as citadas exigências de prevenção?

A jurisprudência alemaÞ (8) desenvolveu a chamada “teoria do espaço livre”: segundo esta, não é possível determinar-se de modo exato uma pena adequada à culpa, sendo apenas possível delimitar uma zona dentro da qual deve situar-se a pena para que não possa falhar a sua função de levar a cabo uma justa compensação da culpabilidade do autor; esta relação imprecisa entre a culpa e a pena pode ser aproveitada pelo tribunal para a prevençaÞo especial, fixando a sançaÞo entre o limite inferior e superior do “espaço livre” da culpa, de acordo com os efeitos que possam esperar-se daquela para a integração social do autor do ilícito. (9)

Para Jorge de Figueiredo Dias (10), a finalidade primordial visada pela pena há-de ser a da tutela necessária dos bens jurídico-penais no caso concreto; e esta há-de ser também por conseguinte a ideia mestra do modelo de medida da pena. Tutela dos bens jurídicos não, obviamente, num sentido retrospetivo, face a um crime já verificado, mas com um significado prospetivo, corretamente traduzido pela necessidade de tutela das expectativas da comunidade na manutenção da vigência da norma violada (prevenção geral positiva ou prevenção de integração). Esta ideia traduz a convicção de que existe uma medida ótima de tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias que a pena visa alcançar.

Poreìm, tal como na anteriormente aludida “teoria do espaço livre”, esta medida oìtima de prevenção geral positiva também não fornece ao juiz um quantum exato de pena. Assim, de acordo com este entendimento é a prevenção geral positiva (não a culpa) que fornece uma moldura de prevenção dentro de cujos limites podem e devem atuar considerações de prevenção especial de socialização.

Neste crime de desobediência e quanto à determinação da pena, importa assegurar um equilíbrio (complexo) entre as circunstâncias (conhecidas) previstas no art.º 71.º, n.º 2 do CP, ou seja, as circunstâncias que devem ser levadas em conta para a determinação da medida da pena (principal e acessória) e a circunstância desconhecida da taxa de alcoolemia (TA) que o agente tinha (ou poderia ter) quando evidenciou a conduta desobediente (mantendo-a, dolosamente, desconhecida): por um lado, existe a possibilidade de, sobrevalorizando as circunstâncias conhecidas atenuantes, desvalorizar a possibilidade de sancionar o agente relativamente a uma TA que pode ser elevada ou mesmo elevadíssima; por outro lado, seguindo o percurso inverso, sancionar o agente de forma desproporcionada, precisamente atento o desconhecimento da TA.

A este respeito, importa sublinhar que o “que eì missaÞo do juiz eì individualizar, ajustar a sanção a todas as particularidades do caso singular, na medida em que elas possam ser tomadas em linha de conta para o valor a combater penalmente, conforme aos fundamentos político-sistemaìticos da lei.” (11)

Importa, assim, indagar dos aludidos “fundamentos político-sistemaìticos da lei”, para, de seguida, articular a relevância do “caso singular” na sua essencial qualidade contraditoìria (e respetiva medida), em concreto, com aqueles fundamentos.

O bem jurídico protegido pelo crime de desobediência é, em termos matriciais, a autonomia intencional do funcionário. (12)

Porém, o crime de desobediência p. e p. pelos artigos 348.º, n.º 1, al. a) (e 69.º, n.º 1 alínea c)) do Código Penal e 152.º, n.º 3 do Código da Estrada também protege outro bem jurídico, ou seja, é um crime de desobediência impuro. (13) Segundo o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 418/2013 (14), “a intervençaÞo nos (...) direitos fundamentais (15) dirige-se à salvaguarda da eficácia da pretensão punitiva do Estado, relativamente a normas sancionatórias criadas como garantia de efectiva tutela material de outros direitos fundamentais valiosos - a vida, a integridade física, a propriedade privada – abarcados pela protecção da segurança da circulaçaÞo rodoviária.”

Por estarem em causa, complementarmente ao bem jurídico matricial, os mencionados bens jurídicos eì que este crime “deve ser havido (...) como crime cometido no exercício da conduçaÞo (em sentido lato...) traduzindo a sua prática uma grave grosseira e perigosa violação de regras do trânsito rodoviaìrio, de rigor estabelecidas no Coìdigo da Estrada (...)”, importando que “se faça tudo para razoavelmente se desincentivar e impedir, a todo o custo, a circulação de veículos cujos condutores se encontrem sob a influência do álcool (...) aleìm do mais atraveìs de uma melhor adequaçaÞo ao facto em causa.” (16)

Não é ilegítimo deduzir que o arguido se recusou fazer qualquer teste de pesquisa de álcool no sangue para escapar ao sancionamento pelo crime de condução sob influência do álcool.

Devemos levar em conta, a favor do arguido, o facto de ser primário e estar, aparentemente, integrado, social e familiarmente.

Procurando o acima mencionado equilíbrio entre as circunstâncias (conhecidas) previstas no art.º 71.º, n.º 2 do CP (a que aludimos imediatamente supra) e o nuclear desconhecimento de uma eventual TA que é visado pela desobediência e a inerente necessidade de assegurar a efetividade da norma incriminatória, e as suas funções preventivas gerais e especiais, entendemos que a fixação da pena deve deve, por imperativo legal, de afastar-se robustamente do mínimo, não se afigurando ser de modo nenhum excessiva uma fixação que se situa acima do ponto médio da respectiva moldura punitiva. A fixação de uma pena acessória inferior à determinada na decisão recorrida seria a tradução sancionatória, no nosso entendimento, de uma atitude premial face a um comportamento de desadequação normativa consubstanciador de um determinado perigo para bens jurídicos fundamentais (17).

Pelo exposto, nenhuma censura merece a fixação da pena efetuada, que, assim, se manterá.

Pena acessória:

Sobre a pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados, diz-nos Figueiredo Dias (18): “Se, como se acentuou, pressuposto material de aplicação desta pena deve ser que o exercício da condução se tenha revelado, no caso, especialmente censurável, então essa circunstância vai elevar o limite da culpa do (ou pelo) facto. Por isso, à proibição de conduzir deve também assinalar-se (e pedir-se) um efeito de prevenção geral de intimidação, que não terá em si nada de ilegítimo porque só pode funcionar dentro do limite da culpa (...). Por fim, mas não por último, deve esperar-se desta pena acessória que contribua, em medida significativa, para a emenda cívica do condutor imprudente ou leviano.”

Do exposto flui que a determinação da pena acessória obedece, assim, aos mesmos elementos que determinam a pena principal, referidos no art.º 71.º do CP. (19)

Atento o acima exposto quanto à pena principal e considerando que a pena acessória poderia ter sido fixada num período até 3 anos, nenhuma censura merece a fixação da pena acessória efectuada (que ateì se poderaì considerar benevolente), que, assim, se manteraì.”

Entende o recorrente que a condenação em pena de multa ainda satisfaz as exigências de prevenção, não obstante as condenações já sofridas pelo arguido, tendo em conta nomeadamente, o lapso de tempo já decorrido desde a pratica dos referidos crimes e bem assim que nenhum foi por crime idêntico ao dos presentes autos.

Salvo o devido respeito não podemos concordar.

Do certificado de registro criminal do arguido resulta que o arguido tem averbadas três condenações.

O arguido foi condenado pela prática 30.03.2011 de um crime de condução sem habilitação legal p. e p. pelo DL 2/98 de 3 de Janeiro numa pena de 60 dias de multa. A sentença transitou em 10.12.2012

Mais foi o arguido condenado pela pratica em 01.10.2015 pela pratica de um crime de condução em estado de embriaguez p. e p. pelos artigos 292.º e 69.º do CP numa pena de 105 dias de multa e numa pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 5 meses. A sentença transitou em 22.11.2015.

O arguido foi ainda condenado pela prática em 23.07.2019 pela pratica de um crime de condução em estado de embriaguez p. e p. pelos artigos 292.º e 69.º do CP numa pena de 90 dias de multa e numa pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 7 meses. A sentença transitou em 28.02.2020.

Salvo o devido respeito entendemos que o tribunal não podia optar pela aplicação de uma pena de multa atentas as anteriores condenações do arguido em penas de multa, na medida em tal foi insuficiente para afastar o arguido da prática de novos ilícitos.

Acresce que o crime de condução em estado de embriaguez e o crime de desobediência por recusa de submissão às provas legalmente estabelecidas para detecção de condução de veículo sob efeito de álcool são ambos crimes rodoviários que se destinam a garantir o bem jurídico da segurança na circulação rodoviária e a vida, saúde e integridade física do próprio e de terceiros.

Face ao exposto concordamos integralmente com os critérios utilizados pelo Tribunal, mostrando-se a pena em concreto principal aplicada ajustada aos factos e à culpa do arguido, sendo que é nosso entendimento que a pena aplicada in casu é ajustada, adequada e proporcional, tendo a sua determinação sido correcta e de acordo com os critérios legais plasmados nos artigos 40º e 71º do Código Penal.

*

2.º QUESTÃO - DA PENA ACESSÓRIA

Como resulta das conclusões do arguido, ora recorrente aquele também não se conforma com a sentença condenatória proferida, na parte correspondente à condenação na pena acessória, porquanto, em seu entender, aquela pena ser excessiva e que devia ser reduzida para 9 meses.

Para tal alega que o a pena acessoìria de “doze meses eì exagerada e e ultrapassa, tambeìm ela, o grau da culpa e as necessidades de prevençaÞo geral e especial”

Salvo melhor entendimento e o devido respeito entendemos que não assiste razão ao arguido.

Em conformidade com o disposto no artigo 69.º n.º 1 do Coìdigo Penal “É condenado na proibiçaÞo de conduzir veículos com motor por um período fixado entre três meses e três anos quem for punido: a) Por crimes de homicídio ou de ofensa à integridade física cometidos no exercício da condução de veículo motorizado com violação das regras de trânsito rodoviário e por crimes previstos nos artigos 291.º e 292.º; b) Por crime cometido com utilização de veículo e cuja execução tiver sido por este facilitada de forma relevante; ou c) Por crime de desobediência cometido mediante recusa de submissão às provas legalmente estabelecidas para detecção de condução de veículo sob efeito de álcool, estupefacientes, substâncias psicotroìpicas ou produtos com efeito anaìlogo.”

*

Sobre a natureza da pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor prevista no artigo 69.º do Código Penal pode-se ler na fundamentação do Acórdão de Fixação de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça n.º 3/2023 de 13 de Fevereiro, publicado no DR n.º 31/2023, Serie I de 13.02.2023, psgs. 79-90

“A resposta aÌ questaÞo de direito que importa solucionar pressupoÞe, em primeiro lugar, que se caraterize ou define a natureza da pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor prevista no artigo 69.º do Código Penal.

Como sabido, esta pena acessória tem um determinado período de duração (entre 3 meses e 3 anos), sendo aplicável, por referência a determinados tipos legais de crime, a pessoas individuais, no circunstancialismo definido no seu artigo 69.º, do Código Penal.

Aliás, em termos sistemáticos, insere-se na parte geral do Código Penal, no Título III Das consequências jurídicas do facto, Capítulo III Penas acessórias e efeitos das penas, estando a execução das penas acessórias prevista no Código de Processo Penal, no Livro X das Execuções, Título III Da execução das penas não privativas de liberdade, Capítulo IV Da execução das penas acessórias.

Como sintetiza Maria João Antunes(2), «As penas acessórias aplicam-se por referência ao conteúdo do ilícito típico; ligam-se, necessariamente, à culpa do agente, que é o seu pressuposto e limite; justificam-se de um ponto de vista preventivo; e são determinadas concretamente em função dos critérios gerais de determinação da medida da pena prevista no artigo 71.º do CP, a partir de uma moldura que estabelece os seus limites (mínimo e máximo) de duração. Neste sentido, há penas que o legislador denomina de "acessórias" que, em bom rigor, o não são.»

Como resulta do n.º 1 do próprio artigo 69.º, do Código Penal, esta pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor depende da aplicação de uma pena principal, ou de uma pena de substituição, na sentença condenatória(3).

Olhando, em geral, para o leque das reações penais previstas no Código Penal, podemos confirmar que, na lei penal fundamental se preveem penas principais (que são a pena de prisão e a pena de multa), penas de substituição (que, em resumo, são aquelas que vão sendo previstas para substituir ou ser aplicadas em vez das penas principais, verificados determinados pressupostos) e penas acessórias (que são penas adjuvantes das penas principais).

O que, apesar das sucessivas alterações do Código Penal (que não tem sido pródigo a nível da previsão de uma maior variedade de reações penais em geral), ainda se conforma com os ensinamentos de Jorge de Figueiredo Dias(4), quando afirma que "O estudo institucional das penas abrange as penas principais (a pena privativa da liberdade ou pena de prisão e a pena pecuniária ou pena de multa) e as penas acessórias (isto é, aquelas que não podem ser cominadas na sentença condenatória sem que simultaneamente tenha sido aplicada uma pena principal)" e ainda as "chamadas penas de substituição. Nelas se trata de penas que são concretamente aplicadas em vez das penas principais legalmente previstas para os crimes da PE do CP (máxime, das penas de prisão)."

E, como "pena" também foi tratada por Jorge de Figueiredo Dias(5), em reunião de 29 de Maio de 1989 da Comissão Revisora que, teve por base de trabalho o Anteprojeto de Revisão do Código Penal (Ministério da Justiça - Julho de 1987), quando discutiram a norma da "proibição de conduzir veículos motorizados" prevista no artigo 68.º-A, salientando o mesmo Professor que se tratava de uma "uma necessidade político-criminal, correspondendo, com algumas alterações, à formulação proposta no Anteprojeto" do Código Penal que então se discutia.

Apesar das diferentes penas acessórias hoje previstas no Código Penal, também, entre outras, quanto a esta concreta pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor (art. 69.º), Maria João Antunes(6), não tem dúvidas em a classificar como uma "verdadeira pena", precisamente pelas suas caraterísticas, tão próximas das penas principais.

E, no mesmo sentido vai Germano Marques da Silva(7), quando a propósito da pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados refere que "é sempre aplicada cumulativamente com a pena principal aplicada aos crimes enumerados no art. 69.º, n.º 1.

Neste caso a pena acessória tem mais a natureza de pena cumulativa já que a sua aplicação depende tão-só da condenação pela prática dos crimes previstos no art. 69.º, n.º1."

Acrescenta o mesmo Autor(8) (ob. cit., p. 222), que "O procedimento para a execução das penas acessórias está estabelecido nos arts. 499.º e 500.º do Código de Processo Penal, sendo que a regra é a de que, para além dos casos expressamente dispostos naqueles artigos, o tribunal ordena as providências necessárias para a execução da pena acessória (n.º 6 do art. 499.º do CPP). Esta regra é muito importante porque além das penas acessórias previstas no Código Penal há muitas outras previstas por legislação avulsa e normalmente nada se dispõe sobre o modo da sua execução."

Aliás, Germano Marques da Silva(9), realça a natureza penal da sanção acessória de proibição de conduzir veículos motorizados (art. 69.º do CP), quando a distingue da sanção de natureza administrativa prevista no Código da Estrada (então prevista no art.141.º, hoje correspondente ao art. 147.º do CE) de inibição de conduzir.

De resto, como bem esclarece Maria da Conceição Ferreira da Cunha(10), «as penas acessórias, para serem verdadeiras penas e não efeitos das penas (ou, então, efeitos crimes) "disfarçados" de penas acessórias, por uma "burla de etiquetas", deverão ter por limite a culpa do agente, e perseguir finalidades preventivas, sendo determinadas, em concreto, pelos mesmos critérios que orientam a determinação das penas principais.

Terão um efeito preventivo adjuvante destas, não deixando de ser penas, o que pressupõe, desde logo, a sua intransmissibilidade, a sua ligação à censurabilidade pessoal do agente, e a existência de limites mínimos e máximos para a sua duração, claramente determinados na lei. Cremos que, sendo penas, se deverão relacionar com o conteúdo dos ilícitos criminais e não com o quantum da pena principal, podendo, no entanto, relacionar-se ainda com ambos os aspetos.»

A mesma Autora(11), a propósito desta concreta pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, também lhe atribui a natureza de uma pena, atenta as suas caraterísticas (igualmente assinaladas por Maria João Antunes), chamando à atenção que "é também subsidiária (art. 69.º, n.º 7) face à medida de segurança do art. 101.º (cassação do título e interdição da concessão do título de condução de veículo com motor)" e, notando, adiante, "parece fazer sentido que, para casos menos graves se aplique a pena acessória (ancorada na culpa do agente) e, para casos mais graves (de verdadeira perigosidade), se aplique a medida de segurança."

Portanto, em geral, entre a doutrina, podemos afirmar que esta concreta pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, prevista no artigo 69.º do Código Penal, assume natureza (usando as palavras de Maria João Antunes) de uma "verdadeira pena".

Posição essa que é seguida pela maior parte, senão praticamente por toda a jurisprudência(12), desde que esta pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, foi introduzida e clarificada no Código Penal, com a revisão aprovada pelo DL n.º 48/95, de 15.03, desde logo tendo em atenção as suas características, a sua distinção em relação aos efeitos das penas(13) e também quanto à medida de inibição de conduzir prevista no Código da Estrada.

E, estando a sua aplicação dependente da condenação na pena principal(14), tendo uma "função preventiva adjuvante da pena principal", a pena acessória não é "automática" (arts. 65.º do CP e 30.º, n.º 4, da CRP), tratando-se de «uma "sanção [penal]" (ainda que acessória, mas submetida aos princípios gerais da pena, como os da legalidade, proporcionalidade, jurisdicionalidade), de duração variável, em função da gravidade do crime e/ou do fundamento que justifica a privação do direito»(15).

Portanto, a pena acessória (com a sua moldura abstrata) é uma (ao lado da pena principal) das consequências penais que o legislador previu para determinados crimes que sejam cometidos pelos condenados.”

Assim as penas acessórias pressupõem a condenação do arguido numa pena principal, seja ela de prisão ou de multa, e são verdadeiras penas criminais e, por esse motivo, também elas estão ligadas à culpa do agente e são justificadas pelas exigências de prevenção.

Por esta razão, para a determinação das penas acessórias, são de aplicar os critérios legais de determinação das penas principais, o que equivale dizer que, em regra, deve ser observada uma certa proporcionalidade entre a medida concreta da pena principal e a medida concreta da pena acessória, não esquecendo, contudo, que a finalidade a atingir com esta última é mais restrita, pois visa, essencialmente, prevenir a perigosidade do agente.

Entendemos que a pena acessória aplicada, em conformidade com a matéria de facto dada como provada é perfeitamente adequada. Senão vejamos.

Dando aqui por reproduzido tudo o que supra se referiu relativamente às finalidades da punição e determinação da medida, designadamente, o disposto nos artigos 40.º e 71.º do CP e bem assim todos os argumentos supra referidos e constantes da douta decisão recorrida, considerando as circunstâncias descritas na sua globalidade, sopesando as circunstâncias agravantes e atenuantes, a aplicação ao arguido da pena acessória mostra-se adequada.

Em conformidade com a matéria de facto dada como provada, a qual não merece qualquer repara, nem o recorrente a põe em causa, entendemos que se mostra adequada a pena acessória aplicada.

Na verdade, foram adequadamente ponderadas as elevadas exigências de prevenção geral (designadamente relacionadas com a necessidade de garantir o cumprimento de ordens emanadas por autoridades policiais e o cumprimento de regras destinadas a garantir a segurança rodoviária) e bem assim as elevadas exigências de prevenção especial (nomeadamente, relacionadas com os antecedentes criminais do arguido).

Em suma, concordamos integralmente com os critérios utilizados pelo Tribunal, mostrando-se a pena acessória em concreto aplicada ajustada aos factos e à culpa do arguido, sendo que é nosso entendimento que a pena acessória aplicada in casu é ajustada, adequada e proporcional, tendo a sua determinação sido correcta e de acordo com os critérios legais plasmados nos artigos 40º e 71º do Código Penal.

*

Face a todo o exposto, não nos merece, qualquer crítica a douta decisão recorrida.

Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, a decisão recorrida não é passível de censura e deverá ser mantida.”

*

No Tribunal da Relação a Exmª Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

*

Cumprido o disposto no art.417º, nº2, do CPP, não foi apresentada resposta.

*

Realizado o exame preliminar e colhidos os vistos, foram os autos à conferência.

*

Cumpre decidir

Fundamentação

Delimitação do objeto do recurso

O âmbito do recurso é delimitado em função do teor das conclusões extraídas pelo recorrente da motivação apresentada, só sendo lícito ao Tribunal ad quem apreciar as questões desse modo sintetizadas, sem prejuízo das que importe conhecer oficiosamente, como são os vícios da sentença previstos no artigo 410º, nº2, do CPP, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito (cfr.Ac. do Plenário das Secções Criminais do STJ de 19/10/1995, DR I-A Série, de 28/12/1995 e artigos 403º, nº1 e 412º, nºs 1 e 2, ambos do CPP).

No caso sub judice as questões suscitadas pelo recorrente são:

- espécie da pena;

- medida da pena acessória.

*

Ouvida a gravação da audiência, onde consta a sentença oralmente proferida, constata-se que o Tribunal “a quo” considerou como provados os seguintes factos:

- Em 21 de Agosto de 2022, pelas 05H50, o arguido conduzia o veículo automóvel ligeiro de passageiros com a matrícula ..-OH-.., na Estrada ..., em ..., área desta comarca, quando foi abordado e fiscalizado por uma patrulha da GUARDA NACIONAL REPUBLICANA, que o instou a efectuar o exame quantitativo de pesquisa de álcool no sangue.

- Antes de ser dado início ao referido exame, foi o arguido esclarecido da forma como este se realizava e do modo de funcionamento do aparelho, tendo recusado fazê-lo.

- Bem sabia, o arguido, que se encontrava obrigado a realizar o exame de pesquisa de álcool no sangue, porém, querendo evitar a realização do mesmo e a obtenção de um resultado, não o efectuou.

- O arguido agiu sempre de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e puníveis por lei penal.

- O arguido foi já condenado:

- no Processo nº737/11...., por sentença de 20/11/2012, pela prática, em 30/03/2011, de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, na pena de 60 dias de multa à taxa diária de 5,00€;

- no Processo nº709/15...., por sentença de 13/10/2015, pela prática, em 01/10/2015, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de 105 dias de multa à taxa diária de 5,00€, e na pena acessoìria de proibiçaÞo de conduzir veículos com motor pelo período de 5 meses;

- no Processo nº280/19...., por sentença de 28/01/2020, pela prática, em 23/07/2019, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de 90 dias de multa à taxa diária de 6,00€; e na pena acessoìria de proibiçaÞo de conduzir veículos com motor pelo período de 7 meses.

*

Apreciando

- Da espécie da pena

Alega o recorrente na conclusão 2 : “No que concerne aÌ pena principal, entende o recorrente que, naÞo obstante os seus antecedentes criminais, se justificava ainda a sua condenaçaÞo em pena de multa, jaì que, salvo melhor opinião, a mesma ainda realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da puniçaÞo.”

O recorrente dirige assim a sua discordância para a espécie de pena aplicada.

Vejamos

O arguido mostra-se condenado pela prática de um crime de desobediência, p. e p. pelos art. 348.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal, que dispoÞe que ” 1 - Quem faltar à obediência devida a ordem ou a mandado legítimos, regularmente comunicados e emanados de autoridade ou funcionário competente, é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias se:

a) Uma disposiçaÞo legal cominar, no caso, a puniçaÞo da desobediência simples”.

Prevê assim este artigo 348º, nº1, al.a), do Código Penal, a aplicação ao agente, em alternativa, de pena privativa e pena não privativa de liberdade.

Deste modo, importa optar por uma delas, de acordo com o princípio orientador expresso no art.70º do Código Penal, que impõe a preferência pelas penas não detentivas, desde que se mostrem suficientes para realizar de forma adequada as finalidades da punição nos termos do art.40º, nº1, do Código Penal, que tem em vista a "proteção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade".

Quando existem penas alternativas ou de substituição, a escolha pela pena de prisão ou pela pena de multa é algo que não tem diretamente a ver com o grau de culpa, mas com as finalidades da punição. "Quer dizer, a escolha entre a pena de prisão e a alternativa ou de substituição depende unicamente de considerações de prevenção geral e especial"- Maia Gonçalves, em anotação ao art.70º do Código Penal.

A primeira questão a resolver, perante a alternativa proposta pelo preceito punitivo, é, pois, a da escolha da pena, aplicando-se os critérios definidos no artº 70º do Código Penal.

Assim, se ao crime forem aplicáveis pena privativa ou pena não privativa da liberdade, deve o Tribunal dar preferência fundamentada à segunda sempre ela se mostre suficiente para promover a recuperação social do delinquente e satisfaça as exigências de reprovação e de prevenção do crime.

Significa, pois, que são finalidades exclusivamente preventivas, de prevenção especial e de prevenção geral, que justificam e impõem a pena não detentiva.

Com efeito, com a referência feita às exigências de reprovação quis-se apenas individualizar o limite mínimo de prevenção geral constituído pela defesa irrenunciável do ordenamento jurídico, isto é, chamou-se a atenção para que uma pena alternativa não poderá ser aplicada, se com ela sofrer inapelavelmente, o sentimento de reprovação social do crime.

Prevalência decisiva não pode deixar de ser atribuída a considerações de prevenção especial de socialização, por serem sobretudo elas que justificam, na perspetiva político-criminal, todo o movimento de luta contra a pena de prisão.

Assim, o Tribunal só deixará de aplicar uma pena não detentiva quando a execução da prisão se revele, do ponto de vista da prevenção especial de socialização, necessária ou mais conveniente, o que só raramente sucede, atento o carácter criminógeno da prisão, em especial, da pena de prisão de curta duração.

A prevenção geral constitui, por seu lado, um limite à atuação das exigências de prevenção especial de socialização. Deste modo, desde que imposta ou aconselhada à luz de exigências de socialização, a pena não detentiva só não será aplicada se a execução da pena de prisão se mostrar indispensável para que não sejam irremediavelmente postas em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias, isto é, a defesa do ordenamento jurídico.

Em suma, a escolha da pena terá assim de ser perspetivada em função da adequação, proporção e potencialidade para atingir os objetivos estipulados no artigo 40º do Código Penal.

Assim, como referido na sentença recorrida, bem como na resposta do Ministério Público ao recurso interposto, há que considerar elevadas quer as exigências de prevenção geral, quer as exigências de prevenção especial, porquanto o arguido sofreu já anteriormente três condenações, todas por crimes rodoviários, associados, como é sabido, ao elevado índice de sinistralidade rodoviária, e todas em pena de multa que, face à prática dos factos destes autos, se verifica não terem servido de suficiente advertência ao arguido para que não voltasse a cometer infrações.

Ora, um dos vetores da escolha da espécie da pena é a proteção dos bens jurídicos violados e, naturalmente, a proteção da própria vítima e da sociedade em relação aos agentes do crime, de modo que, responsabilizando suficientemente estes últimos, se possa esperar que os mesmos não venham a adotar novas condutas desviantes (função de prevenção especial defensiva ou negativa).

Na proteção dos bens jurídicos, será igualmente de destacar que a reação penal a aplicar deve, tanto quanto possível, neutralizar o efeito do delito, passando este a surgir, sem sombra de dúvidas, como um exemplo negativo para a comunidade e contribuindo, ao mesmo tempo, para fortalecer a consciência jurídica da mesma (função de prevenção geral).

Pretende-se, assim, dar satisfação ao sentimento de justiça do mundo circundante que rodeia o arguido, através do mínimo de prevenção geral de defesa da ordem jurídica [Ac. STJ de 2007/Set./26, (Recurso n.º 2579/07), acessível em www.colectaneadejurisprudência.com].

Daí que, muitas vezes, e sobrepondo-se à ressocialização, seja necessária a aplicação de pena detentiva para defesa do ordenamento jurídico, designadamente quando o comportamento desviante for revelador de uma atitude generalizada e consequente de não se tomar a sério o desvalor de certas condutas relevantemente ofensivas da vida comunitária, de acordo com os princípios constitucionais relevantes de um Estado de Direito Democrático.

Assim, considerando a atuação do arguido, com dolo direto, a culpa, elevada atenta a intensidade do dolo revelada, bem como a ilicitude dos factos, que assume grau elevado, face aos bens jurídicos protegidos e à sua posição na hierarquia axiológico-normativa da tutela penal, mostra-se plenamente justificada a opção pela pena de prisão.

Com efeito, tudo ponderado, não é possível neste caso fazer um juízo de prognose favorável relativo ao comportamento do arguido no sentido de que a aplicação de uma pena não detentiva, designadamente pena de multa, como o mesmo propugna, satisfaria as finalidades da punição.

Deste modo, ponderando os factos na sua globalidade e considerando o tipo de criminalidade a que nos atemos, entendemos que as expectativas comunitárias não serão plenamente reafirmadas através da aplicação de pena de multa, havendo especiais necessidades de ressocialização a atender, pelo que a opção pela pena não detentiva não surgiria como capaz de se justificar do ponto de vista das exigências de prevenção geral e especial, o que impede a aplicação ao arguido de pena não privativa de liberdade.

*

- Da medida da pena acessória

Vem o recorrente, em síntese, alegar que a pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor que lhe foi imposta é excessiva e desajustada.

A pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, prevista no art. 69º, nº 1 do Código Penal, apresenta uma moldura variável entre um limite mínimo e um limite máximo (período fixado entre três meses e três anos), tendo um sentido e um conteúdo não apenas de intimidação, mas de defesa contra a perigosidade individual.

E, naÞo obstante a sua aplicaçaÞo depender da condenaçaÞo na pena principal, tendo uma “funçaÞo preventiva adjuvante da pena principal, a mesma está submetida aos princípios gerais da pena, como os da legalidade, proporcionalidade, jurisdicionalidade, tendo duração variável, em função da gravidade do crime e/ou do fundamento que justifica a privação do direito.

Daí que na determinação da medida da pena acessória nos termos do art. 69º do Código Penal, se impõe a observância do disposto no art. 71º do mesmo Código, cabendo ao juiz fixa-la em função das circunstâncias do caso concreto e da culpa do agente.

Ora, atentando na decisão recorrida é manifesto que a medida da pena acessória imposta ao arguido se mostra sustentada nos mesmos argumentos aduzidos pelo tribunal a quo na determinação da pena principal, para os quais, aliás, remeteu.

E, considerando a gravidade dos factos apurados, a culpa do arguido e as exigências de prevenção, mostra-se objetivamente justificada a medida de doze meses da pena acessória de proibição de conduzir aplicada pelo tribunal da 1ª instância.

Na alínea c) do Dispositivo da sentença recorrida verifica-se um lapso de escrita na identificação do arguido.

Assim, nos termos do disposto no art.380º, nºs 1, al.b) e 2, do Código de Processo Penal, procede-se aÌ correçaÞo de tal lapso, pelo que onde se lê “Pedo Gonçalo Pinto Costa” deve ler-se “ Miguel Jacinto Ferreira Reis”.

*

Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em:

- Julgar improcedente o recurso interposto pelo arguido, mantendo-se a sentença recorrida, com a ressalva do lapso de escrita supra corrigido.

- Condenar o recorrente no pagamento das custas, fixando-se a taxa de justiça em 3 Ucs.

*

Elaborado e revisto pela primeira signatária

Évora, 9 de maio de 2023


Laura Goulart Maurício

Maria Filomena Soares

J. F. Moreira das Neves