Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1466/17.5T8OLH-B.E1
Relator: JOSÉ MANUEL BARATA
Descritores: IMPUGNAÇÃO DA RESOLUÇÃO EM BENEFÍCIO DA MASSA
REQUISITOS
PREJUÍZO PARA OS CREDORES
Data do Acordão: 11/19/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I.- A resolução prevista no artº 120º do CIRE contempla um requisito de temporalidade – ato praticado nos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência – um requisito de prejudicialidade – o ato tem de ser prejudicial aos interesses dos credores na satisfação do seu crédito, na medida em que diminui a massa insolvente e a má-fé do terceiro que beneficiou do negócio.
II.- A resolução pode ainda ser condicional (nº 2 do artº 120º), ou incondicional nos casos tipificados no artigo 121º, em que a má-fé do terceiro se presume de forma inilidível (iuris et de iuri), ou seja, não se admite prova em sentido contrário (artº 350º/2, in fine, do CC).
III.- A má-fé a que alude o artº 120º beneficia apenas de uma presunção iuris tantum – admite prova em contrário – e revela-se sempre que o terceiro sabia que o devedor se encontrava já em situação de insolvência aquando da prática do ato; ou sabia que o ato é prejudicial ao seu património e o devedor se encontrava em situação iminente de insolvência ou, ainda, sabia que já se havia iniciado o processo de insolvência (nº 5).
IV.- Se a insolvente confessou uma dívida inexistente e deu em pagamento dessa dívida um bem imóvel que integrava o seu património, negócio celebrado nos dois anos anteriores à apresentação à insolvência, sabendo o terceiro da situação económica da insolvente, prejudicando, assim, a massa insolvente no valor da confissão e da dação, verificam-se todos os requisitos de que depende a resolução do negócio pelo sr. AI.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Procº 1466/17.5T8OLH-B.E1


Acordam os Juízes da 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora


Recorrente: (…)


Recorrido: Massa Insolvente de (…)

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No Tribunal Judicial da Comarca de Faro, Juízo Comercial de Lagoa – Juiz 1, foi proposta por (…), ação declarativa para impugnação da resolução de doação contra Massa Insolvente de (…), tendo, após julgamento, sido proferida a seguinte sentença:
Pelo exposto, julgo a presente ação improcedente por não provada, e, em consequência, absolvo a ré do pedido, julgando válida a resolução do negócio de confissão de divida e dação em pagamento do direito a um terço indiviso da fração autónoma designada pela letra “K”, correspondente ao apartamento B da Cave um, do prédio urbano designado por “Edifício (…)” sito na Rua Projetada à Avenida (…), na (…), Portimão, descrito na Conservatória do Registo Predial de Portimão, sob o nº (…) da freguesia de Portimão, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Portimão, sob o artigo (…), outorgado por escritura de 8 de Novembro de 2016.
Custas pela autora – artigo 527º, n.º 1 e 2, do Código de Processo Civil.

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Não se conformando com o decidido, (…) recorreu da sentença, formulando as seguintes conclusões, que delimitam o objeto do recurso, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, artigos 608º/2, 609º, 635º/4, 639º e 663º/2, do CPC:

1. Vem o presente recurso de apelação interposto da sentença proferida pelo Tribunal a quo que decidiu: “Julgar a acção improcedente por não provada, e, em consequência, absolver a ré do pedido, julgando válida a resolução do negócio de confissão de divida e dação em pagamento (…)”.

2. Impugnando a recorrente a matéria de facto e de direito.

3. Assim, impugnou a recorrente o facto não provado “que (…) tenha entregue à autora o valor de € 40.000,00, e que esta tenha assumido a obrigação de lhe restituir esse valor”;

4. Impugnou a recorrente o facto provado 20) que “Em 8.11.2016, (…) conhecia a situação económica da autora”.

5. A recorrente assentou, então, quanto ao primeiro facto impugnado os meios probatórios que impõem decisão diversa sobre a matéria de facto incorretamente julgada provada, reapreciando a prova gravada quanto às declarações de parte prestadas pela recorrente testemunha (…); ademais (…) e pela, complementando com os documentos juntos em 25.6.2020 pela insolvente (transferências bancárias entre 2014 e 2016); e a escritura pública datada de 8.11.2016 junta com a resolução do Senhor Administrador de Insolvência:

6. E, a recorrente assentou, então, quanto ao segundo facto impugnado os meios probatórios que impõem decisão diversa sobre a matéria de facto incorretamente julgada provada, reapreciando a prova gravada quanto às declarações de parte prestadas pela recorrente (…) e pela testemunha (…);

7. Sendo que, quanto à reapreciação da prova gravada se remete para as alegações prestadas anteriormente, cujo teor se dá por reproduzido.

8. Sendo que, no entender da recorrente, quanto ao primeiro facto impugnado;

9. Ficou demonstrado nas declarações de parte prestadas pela recorrente que (…) lhe emprestou a quantia de 40.000,00 Euros, que talvez até fosse mais, que se obrigou a devolver a este, tais montantes e para lhe pagar esses montantes, que não conseguiu devolver em dinheiro, por meio de dação em pagamento ocorrida em 8 de Novembro de 2016, onde entregou a sua meação (1/3) no imóvel indicado no ponto 4º dos factos provados da sentença recorrida.

10. Tendo ainda declarado aquela – Autora – que a quantia acima indicada foi feita através das transferências que se comprovaram nos autos e que constam no requerimento datado de 26.6.2020, num total de cerca de € 22.450,00 e o remanescente em dinheiro, num total de € 40.000,00, que tal ocorreu ao longo de 2014 e até principio de 2016, sendo emprestado à mesma tais valores.

11. Por sua vez, face às declarações prestadas por (…) confirmou o empréstimo e o modo de fazer os mesmos e, ainda, confirmou que, por acordo com a Autora, aceitou receber a meação do apartamento da mesma, com vista ao pagamento por aquela dos montantes que este lhe emprestou.

12. Tendo em sede de prova oral tanto a Autora como (…) declarado inequivocamente nos autos que realizaram a escritura pública constante do facto provado nº 3 da sentença recorrida declarava o que entre eles havia ocorrido.

13. Acrescendo, ainda, que a escritura pública confirmada no ponto 3º dos factos provados, da sentença recorrida, em momento algum tenha sido posta em crise pelas partes ou pelo Tribunal a quo, resultando, pois que aquela e o seu conteúdo constitua de per si prova plena atento o art. 371º, nº 1, do CC, nomeadamente, o reconhecimento pela autora que (…) lhe emprestou o montante de € 40.000,00 e que, para extinção dessa obrigação, lhe entregou em dação em pagamento a sua meação no imóvel constante no ponto 4º dos factos provados indicados na sentença recorrida.

14. E cumpria assim à parte R o ónus da prova, contraditória, que os factos atestados em documento autêntico – escritura – seriam falsos.

15. O que, diga-se, em momento algum ocorreu nos presentes autos, nos termos do art. 344º, nº 1, do CC, como era exigido à Recorrida.

16. Devendo, portanto, dar-se como provado que (…) entregou à Autora a quantia de € 40.000,00, e que esta assumiu a obrigação de lhe restituir tal valor.

17. Sendo que, no entender da recorrente, quanto ao segundo facto impugnado:

18. Resultou demonstrado que, apesar da relação amorosa entre a A e o terceiro (…), aquando do negócio resolvido, não se encontravam numa situação de união de facto o que só iria ocorrer em Fevereiro de 2018.

19. E, quanto ao requisito de má-fé, essencial à resolução do negócio tem cariz legal e presuntivo, cabendo então à Autora o ónus de afastar tal presunção, o que se crê ter realizado!

20. E entende a Autora que logrou demonstrar que, in casu, a presunção legal estabelecida no art. 120º, nº 4, do CIRE, ou seja, o requisito de má-fé presumido estabelecido a favor do terceiro (…) não se verificou, porquanto:

- Em sede de declarações de parte produzida pela Autora, a mesma, em conformidade com a prova gravada, atestou que o terceiro (…) nunca teve conhecimento concreto da sua situação económica, da sua capacidade financeira, de quem eram os seus credores e montante das dívidas, sendo que;

- O único que logrou informar era a necessidade de obter empréstimo para fazer face a despesas pessoais suas;

- Por outro lado a mesma confirmou ainda que não pretendia que o (…), actual companheiro, soubesse em concreto a sua situação financeira real, uma vez que entende que o mesmo não ia gostar;

- Por outro lado, o terceiro (…) não detém residência em Portugal, pelo que sempre lhe seria mais difícil uma apreensão real da situação financeira da insolvente autora;

- O terceiro (…), também frisa que não detinha conhecimento de que a devedora se encontrava em situação de insolvência, nem sequer que o negócio resolvido era prejudicial ao acto, bem como, a A se encontrava à data em situação de insolvência iminente;

Ademais,

21. Atento ainda os documentos de transferências bancárias várias feitas a favor da A pelo (…), bem como, atento a própria escritura (negócio resolvido) constante nos autos, acrescido de que, a contraparte Ré não logrou em momento algum aduzir, refutando, a produção de prova que contrapõe a posição declarativa emanada pelas declarações de parte produzidas pela Autora e pela testemunha (…).

Por conseguinte,

22. Logrou a recorrente demonstrar que o terceiro (…) desconhecia in totum os factos que constituem o requisito de má-fé estabelecido nos nº 4 e 5 do art. 120º do CIRE pelo terceiro (…).

23. Não se verificando, pois, o requisito de má-fé por parte de (…) aquando da realização do negócio resolvido e melhor id. nos presentes autos.

24. Entende a recorrente, que, in casu, mal andou o Tribunal a quo ao dar como provado o facto provado nº 20, devendo, a final, tal facto ser dado como não provado.

Venerandos Julgadores,

25. Considerando, pois, que este Venerando Tribunal venha a consignar dar como não provado o requisito de má-fé estabelecido sobre o terceiro (…), quanto à realização do negócio resolvido e melhor id. no ponto 3º dos factos provados da sentença recorrida;

26. Entende a recorrente que no caso concreto, revista a matéria de facto impugnada em atenção à posição da recorrente, viola a sentença recorrida o disposto no art. 120º, nº 4, do CIRE.

27. Devendo esta ser revogada e substituída por outra que determine a revogação da resolução do negócio id. no art. 3º dos factos provados constantes na sentença impugnada.

Nestes termos e nos melhores de direito, com o douto suprimento de V. Exas., deve o presente recurso proceder, por provado, e, em consequência:

A) Ser alterada a matéria de facto impugnada, em conformidade com os argumentos expendidos nas presentes alegações e conclusões de recurso;

B) E, em conformidade com a impugnação da matéria de facto e de direito ora em apreço na presente apelação, ser a sentença recorrida revogada e substituída por outra que, a final, condene a R nos termos do pedido da recorrente;


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Foram dispensados os vistos.

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As questões que importa decidir são:
1.- Saber se deve ser alterada a matéria de facto como preconizado pela recorrente.
2.- Saber se deve ser revogada a sentença e substituída por outra que determine a revogação da resolução do negócio.
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A impugnação da matéria de facto.
A recorrente impugna a matéria de facto fixada no tribunal a quo, designadamente, que o ponto 20º dos factos dados como provados deve ser considerado não provado.
O ponto 20º consagra a seguinte matéria: Em 8 de Novembro de 2016, (…) conhecia a situação económica da autora.
Para fundamentar a sua pretensão a recorrente afirma que, ouvidas as suas declarações de parte e as declarações da testemunha (…), a conclusão a retirar é a de que este não conhecia a sua situação económica em 08-11-2016.
Vejamos.
A recorrente foi ouvida e, quanto à matéria em questão afirmou que iniciou namoro com o atual companheiro em agosto de 2013 e os empréstimos deste iniciaram-se logo em novembro desse ano.
O que quer dizer ter a recorrente a sua situação económica já deteriorada quando conheceu o atual companheiro, o que se compagina com a afirmação da recorrente de que a sua situação económica ficou muito difícil em consequência da crise económica iniciada em 2012 e que nunca mais melhorou.
Afirmou ainda a recorrente que foi viver com o companheiro (…) para a Holanda, país natal deste, entre 2015 e 2016, tendo nascido um filho do casal em 2018.
A testemunha (…) foi ouvida e disse que era ele quem pagava as contas do casal quando a recorrente foi morar consigo.
Mais esclareceu a recorrente que o (…) sabia que existia em processo em tribunal acerca de dívidas.
A testemunha (…), acerca destas questões, esclareceu que emprestou diversas quantias à recorrente com a intenção de a ajudar, mas não sabe qual o montante total e que a ideia era que ela pagasse quando pudesse.
Neste ponto os depoimentos complementam-se: nenhum deles sabe qual o montante das entradas de dinheiro na conta da recorrente nem quais as quantias que (…) lhe entregou em numerário.
Esta asserção deixa sem explicação como foi encontrado o valor de € 40.000,00, que consta do documento dos autos intitulado “Confissão de Dívida e Dação em Pagamento”.
Ora, a única explicação plausível é a de que o documento foi elaborado entre a recorrente e o seu já então companheiro … (em novembro de 2016 já viviam maritalmente na Holanda) com a única finalidade de subtrair o valor do imóvel, que veio a ser vendido posteriormente, ao acervo da massa insolvente.
Conclusão que encontra respaldo na circunstância de a testemunha (…) ter iniciado a entrega de dinheiro à recorrente 3 meses após se terem conhecido, o que lhe deu logo o quadro da insuficiência económica da sua futura companheira desde o início da relação – era incapaz de pagar as suas obrigações e prover ao seu sustento.
O que nos leva a entender, tal como muito bem entendeu o tribunal a quo, que, “Em 8 de Novembro de 2016, (…) conhecia a situação económica da autora”, o que implica improcederem as conclusões nesta parte.
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Pretende também a recorrente que deve ser dada como provada a seguinte matéria: (…) entregou à A a quantia de € 40.000,00, e esta assumiu a obrigação de lhe restituir tal valor.
Fazendo apelo aos depoimentos acima analisados, não podemos dar como provada tal factualidade.
Com efeito, como acima se referiu, nem a recorrente nem a testemunha (…), seu companheiro, foram precisos, com um mínimo de segurança, acerca de qual a quantia total que foi sendo entregue ao longo dos anos à recorrente.
E que a recorrente nunca teve intenção e/ou possibilidade de devolver as quantias que lhe foram entregues, nem o seu atual companheiro a esperança de as receber.
Veja-se que, segundo a recorrente (ver o seu depoimento) as quantias eram utilizadas para pagar despesas correntes, como a prestação da casa, pagar dívidas à segurança social, adquirir um veículo automóvel e mesmo, dar algum dinheiro ao seu irmão.
Este é o comportamento típico de quem está a constituir uma família, em que os objetivos de vida se vão tornando cada vez mais coincidentes, como o comprova o evoluir da vida da recorrente e da testemunha (…), com a vivência na Holanda em união de facto, união de que nasceu já o primeiro filho.
Acresce que a escritura pública em que a recorrente se confessa devedora de € 40.000,00 ao seu já então companheiro de vida, foi celebrado em novembro de 2016, momento em que a vida em comum era já efetiva, o que está em contradição com a normalidade da vida; este ato só se compreenderia se houvesse intenção de ambos ou algum dos celebrantes pretender terminar a vida em comum.
Mas não foi isto que aconteceu, os contraentes continuaram a viver maritalmente e esta vivência vêm-se consolidando desde então, como o demonstra o nascimento de um filho do casal em 2018, o que reforça a convicção de que o ato teve como finalidade subtrair um bem à futura massa insolvente.
A recorrente retira conclusões opostas deste circunstancialismo, o que é comum quando somos parte interessada numa questão. Contudo, o que deve prevalecer é a apreciação que é feita e as conclusões a que chega o órgão jurisdicional porque imparcial e independente de interesses, como o é o tribunal.
Na mesma linha de raciocínio, deve considerar-se ainda que, as declarações de parte a que alude o artº 466º do CPC, ou o depoimento de um interessado na procedência da causa, não podem valer como prova de factos favoráveis a essa procedência se não forem corroborados por qualquer outro elemento de prova, o que no caso em apreço, não foi logrado.
Daqui se conclui não poder ser dada como provada a matéria de facto nos termos pretendidos pela recorrente – se é certo que a testemunha (…) entregou dinheiro à recorrente, não está demonstrado que as quantias entregues atingiram o valor de € 40.000,00 e, sobretudo, que a recorrente e o seu companheiro assumiram os valores entregues como dívida, com a inerente obrigação de restituição.
Improcedem, em consequência, as conclusões também nesta parte.
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Assim sendo, a matéria de facto a considerar é a fixada na 1ª instância é a seguinte:
Factos provados:
1. A autora apresentou-se à insolvência a 26 de dezembro de 2017 alegando não ter bens e ter dívidas ao condomínio do edifício Urbanização (…), Lote C-10 no valor de € 515,00, ao Instituto de Segurança Social IP, no valor de € 8.500,00; e ao Novo Banco S.A. o valor de € 30.627,00;
2. A autora foi declarada insolvente por sentença proferida a 10 de janeiro de 2018, no do processo n.º 1466/17.5T8OLH de que este é apenso;
3. Em 8 de Novembro de 2016, por escritura pública lavrada a fls. 76 a 78 do Livro de escrituras diversas n.º (…) do Cartório Notarial de Portimão de (…), a autora declarou-se devedora da quantia de € 40.000,00 a (…) relativa a um contrato de mútuo gratuito celebrado a 31 de dezembro de 2014 e com prazo de reembolso de um ano;
4. Nessa mesma escritura, a autora declarou dar em pagamento dessa dívida a (…) o direito a um terço indiviso da fração autónoma designada pela letra “K”, correspondente ao apartamento B da Cave um, do prédio urbano designado por “Edifício (…)” sito na Rua Projetada à Avenida (…), na (…), Portimão, descrito na Conservatória do Registo Predial de Portimão, sob o nº (…), da freguesia de Portimão, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Portimão, sob o artigo (…), com o valor tributável de € 135.880,00;
5. O Administrador da Insolvência tomou conhecimento dessa dação em pagamento a 22 de janeiro de 2018;
6. Por carta datada de 20 de julho de 2018, o Administrador da insolvência comunicou à autora e a (…) a resolução do negócio de “Confissão de divida e dação em pagamento” referido em 4, supra;
7. A autora avalizou uma Livrança no montante de € 26.342,91, que se venceu a 8 de junho de 2012;
8. Tal livrança não foi paga na data de vencimento nem posteriormente, motivo porque foi instaurada ação executiva contra a aqui autora que correu termos no 3º Juízo Cível do Tribunal de Portimão sob o n.º 3216/12.3TBPTM, instaurada pelo Banco (…), S.A. a 8 de março de 2012;
9. Nessa execução foi penhorada a 17 de abril de 2014, fração autónoma designada pela letra G, do prédio sito na freguesia de Portimão, registado na Conservatória do Registo Predial de Portimão sob o n.º (…), de que a autora era proprietária;
10. A aqui autora foi citada nessa execução a 30 de abril de 2014;
11. A fração referida em 9, supra, viria a ser adjudicada, a 13 de junho de 2017, ao Banco (…), S.A.;
12. A autora é titular da conta n.º (…), junto do … Banco (anterior …), a qual, desde de setembro de 2011, mantém um saldo negativo de € 23,05;
13. A autora é devedora da Segurança Social de contribuições relativas aos anos de 2013 e janeiro de 2016;
14. A autora declarou à Autoridade Tributária os seguintes rendimentos:
Relativos ao ano de 2014, € 21.476,30;
Relativos ao ano de 2015, € 7.678,01;
Relativos ao ano de 2016, € 8.889,10;
15. No processo de insolvência da autora foram reclamados os seguintes créditos:
- Banco (…), S.A. no valor de € 12.423,47;
- Condomínio Edifício (…), Lote C-10, no valor de € 758,03;
- Instituto de Segurança Social IP, no valor de e 3.333,32;
- (…) Banco, S.A., no valor de € 49.275,43;
16. Na Assembleia de apreciação do relatório que teve lugar no dia 13.3.2018, o Administrador da insolvência manifestou intenção de resolver o negócio referido em 4 supra;
17. A autora tem uma relação amorosa com (…) desde o ano de 2013;
18. E vivem na Holanda como se de marido e mulher se tratassem, desde fevereiro de 2016;
19. Por escritura pública lavrada a 23 de abril de 2018, (…) juntamente com os demais comproprietários venderam o imóvel referido em 4 supra a terceiros pelo preço de € 143.000,00;
20. Em 8 de novembro de 2016, (…) conhecia a situação económica da autora.
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Factos não provados:
1. (…) tenha entregue à autora o valor de € 40.000,00, e que esta tenha assumido a obrigação de lhe restituir esse valor.
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Conhecendo.
Está em causa nos autos a revogação ou manutenção da decisão do sr. Administrador da Insolvência de proceder à resolução, em benefício da massa insolvente, de um negócio jurídico de constituição de uma obrigação de pagamento e alienação praticado pela recorrente/insolvente e um terceiro, relativamente a um bem imóvel que integrava a sua esfera jurídica patrimonial, dois anos antes do início do processo de insolvência.
O legislador sabe que a ordem jurídica permite a realização de atos e negócios jurídicos de variadíssima espécie, estando ao alcance dos devedores praticarem atos e negócios com potencialidade para frustrarem os interesses dos credores, nos casos em que o devedor se encontra impossibilitado de cumprir as suas obrigações; por isso, o sistema contemplou uma válvula de escape com força bastante para destruir a validade desses negócios – a possibilidade de resolver os atos e negócios jurídicos praticados em prejuízo da massa insolvente.
Esta constatação é assinalada no ponto 41 do Preâmbulo do Dec. Lei 53/2004, 18-03 (CIRE): “A finalidade do processo de insolvência – o pagamento na maior medida possível, dos credores da insolvência – poderia ser facilmente frustrada através da prática pelo devedor, anteriormente ao processo ou no decurso deste, de atos de dissipação da garantia comum dos credores: o património do devedor ou, uma vez declarada a insolvência, a massa insolvente. Importa, portanto, apreender para a massa insolvente não só aqueles bens que se mantenham ainda na titularidade do insolvente, como aqueles que nela se manteriam caso não houvessem sido por eles praticados ou omitidos aqueles atos, que se mostram prejudiciais para a massa.”
É esta a ratio legis e a teleologia do regime legal constante do artº 120º do CIRE:
1 - Podem ser resolvidos em benefício da massa insolvente os atos prejudiciais à massa praticados dentro dos dois anos anteriores à data do início do processo de insolvência.
2 - Consideram-se prejudiciais à massa os actos que diminuam, frustrem, dificultem, ponham em perigo ou retardem a satisfação dos credores da insolvência.
3 - Presumem-se prejudiciais à massa, sem admissão de prova em contrário, os actos de qualquer dos tipos referidos no artigo seguinte, ainda que praticados ou omitidos fora dos prazos aí contemplados.
4 - Salvo nos casos a que respeita o artigo seguinte, a resolução pressupõe a má fé do terceiro, a qual se presume quanto a actos cuja prática ou omissão tenha ocorrido dentro dos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência e em que tenha participado ou de que tenha aproveitado pessoa especialmente relacionada com o insolvente, ainda que a relação especial não existisse a essa data.
5 - Entende-se por má fé o conhecimento, à data do acto, de qualquer das seguintes circunstâncias:
a) De que o devedor se encontrava em situação de insolvência;
b) Do carácter prejudicial do acto e de que o devedor se encontrava à data em situação de insolvência iminente;
c) Do início do processo de insolvência.

Como decorre do regime legal, a resolução contempla um requisito de temporalidade – ato praticado nos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência – e um requisito de prejudicialidade – o ato tem de ser prejudicial aos interesses dos credores na satisfação do seu crédito, na medida em que diminui a massa insolvente.
A resolução pode ainda ser condicional (nos termos descritos no nº 2 acima referido), ou incondicional nos casos tipificados no artigo 121º, em que a má-fé do terceiro se presume de forma inilidível (iuris et de iuri), ou seja, não se admite prova em sentido contrário (artº 350º/2 in fine do CC).
A resolução que nos ocupa é a condicional e pressupõe, assim, a verificação dos requisitos da temporalidade, da prejudicialidade e a má-fé do terceiro.
Esta má-fé revela-se sempre que o terceiro sabia que o devedor se encontrava já em situação de insolvência aquando da prática do ato; ou sabia que o ato é prejudicial ao seu património e o devedor se encontrava em situação iminente de insolvência ou, ainda, sabia que já se havia iniciado o processo de insolvência (nº 5).
Má-fé que beneficia de uma presunção iuris tantum (admite prova em contrário) quando os atos foram praticados dentro dos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência e em que tenha participado ou de que tenha beneficiado pessoa relacionada com o insolvente, ainda que a relação especial não existisse nessa data (nº 4).
Ora, esta presunção dispensa aquele que a tem a seu favor – a massa insolvente – de provar o facto que a ela conduz, mas permite que seja ilidida mediante prova em contrário.
Esta prova, cabe, como é evidente, à parte contrária, ou seja, à recorrente, e esta prova não foi efetuada como resulta da matéria de facto provada, tendo ficado provado o inverso, i.e. que, em 8 de novembro de 2016, (…) conhecia a situação económica da autora (facto provado 20).
Logo, o terceiro conhecia a situação de insolvência da recorrente, uma vez que a sua estabilidade económica aquando a realização do negócio resolvido dependia em grande parte do financiamento mensal e regular que a testemunha … (o terceiro) proporcionava à sua companheira desde há cerca de 3 anos, o que nos leva a concluir que a presunção não foi ilidida – a recorrente confessou uma dívida inexistente.
Quanto à temporalidade, está provado que o negócio resolvido foi celebrado em 08 de novembro de 2016 e a recorrente apresentou-se à insolvência em 26 de dezembro de 2017, o que significar ter o ato resolvido sido praticado dentro do período de dois anos anteriores à data do início do processo de insolvência (facto provado 1), mostrando-se provado o requisito.
Resta apreciar o requisito da prejudicialidade, cuja demonstração incumbe ao sr. Administrador Judicial.
Da matéria de facto provada não resulta que as quantias entregues pela testemunha (…) à recorrente foram entregues a título de mútuo, o que impede classificar como contraprestação a confissão de dívida e a dação em pagamento objeto da resolução.
Por outro lado, o facto de nem a recorrente nem a testemunha saberem em concreto qual o valor total das quantias entregues, deixa sem sustentação o argumento de que tal valor é o que foi consignado na escritura de confissão de dívida e dação em pagamento, indicando os elementos dos autos que a quantia total entregue é inferior a € 40.000,00.
Para além disso, o imóvel foi vendido posteriormente pelo valor de € 143.000,00, pelo que, 1/3 do mesmo (a quota dada em pagamento), atinge o valor de € 47.666,66.
O que significa ter sido subtraído à massa insolvente a quantia de € 47.666,66 – em face da inexistência da dívida confessada – ou, mesmo que tal dívida existisse, a quantia de € 7.666,66.
O prejuízo para a massa insolvente é evidente.
Assim sendo, mostram-se reunidos todos os requisitos de que depende a resolução do ato jurídico celebrado em 08 de novembro de 2016, o que significa a confirmação da decisão recorrida e a improcedência da apelação.

No mesmo sentido, Ac. TRC de 30-11-2017, Pedro Damião e Cunha, Procº 90/14.9T8VLN-D.G2TRC:
“I. As declarações de parte (art. 466º do CPC), ou o depoimento de um interessado na procedência da causa, não podem valer como prova de factos favoráveis a essa procedência se não tiverem o mínimo de corroboração por um qualquer outro elemento de prova.
II. A resolução em benefício da massa insolvente é um instituto específico do processo de Insolvência que permite, de uma forma expedita e eficaz, a destruição de actos prejudiciais à massa insolvente, com vista a apreender para ela, não só aquele bens que se mantenham na titularidade do insolvente, como aqueles outros que nela se manteriam caso não houvessem sido por ele praticados ou omitidos aqueles actos prejudiciais para a massa insolvente. Esta resolução pode ser condicional (art.º 120º do CIRE) ou incondicional (art.º 121º do CIRE);
III. No caso da resolução condicional, os requisitos gerais previstos no art. 120º do CIRE, são os seguintes: a) Realização pelo devedor de actos ou omissões; b) Prejudicialidade do acto ou omissão em relação à massa insolvente; c) Verificação desse acto ou omissão nos dois anos anteriores à data do início do processo de insolvência; d) Existência de má-fé do terceiro.
IV. Quanto a este último requisito, a lei estabeleceu no nº 4 do art.º 120.º do CIRE, uma presunção, juris tantum, da má-fé do terceiro, “quanto a actos cuja prática ou omissão tenha ocorrido dentro dos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência e em que tenha participado ou de que tenha aproveitado pessoa especialmente relacionada com o insolvente, ainda que a relação especial não existisse a essa data” (cfr. art. 49º do CIRE), pelo que, neste caso, o ónus de ilisão de tal presunção recai sobre o Impugnante da resolução operada pelo Sr. Administrador de Insolvência.”
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Sumário:

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DECISÃO.

Em face do exposto, a 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora julga a apelação improcedente e confirma a sentença recorrida.

Custas pela recorrente – Artigo 527.º CPC
Notifique.

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Évora, 19-11-2020

José Manuel Barata (relator)

Conceição Ferreira

Emília Ramos Costa