Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
421/08-1
Relator: JOÃO GOMES DE SOUSA
Descritores: JOGO DE FORTUNA E AZAR
Data do Acordão: 06/03/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário:
Existe fundamento ético-social para o sancionamento penal do jogo de azar.
Os critérios da “sorte” (que deve ser restritivamente interpretado) e da “oferta ao público” não servem para a delimitação dos tipos penal e contra-ordenacional de jogo.
O que está em causa nos “jogos de fortuna ou azar” é a aposta, o ganho, o prémio. A perspectiva de, apostando pouco, ganhar muito. Por isso se chamam “jogos de fortuna ou azar”. Fortuna para o ganho (existência de prémio). Azar para a perda (ausência de prémio).
A distinção entre os ilícitos deve fazer-se com recurso aos critérios da “natureza do prémio” atribuído ou atribuível e, também, da “natureza do jogo” praticado.
A natureza da máquina utilizada é irrelevante enquanto critério jurídico distintivo e reduz-se à sua natureza de “facto” determinante para apurar da natureza do prémio atribuído ou atribuível e para saber se o tema por ela desenvolvido se insere na previsão do artigo 4º do diploma, isto é, para apurar os factos pertinentes ao critério da natureza do jogo.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:



A - Relatório:
Nos autos de Inquérito que correu termos no Tribunal Judicial de … com o n°…, por despacho lavrado em 03 de Dezembro de 2007, a Mmª. Juíza, ao abrigo do disposto no art. 311º n.º 2 al. a) e n.º 3 al. d) do C. Processo Penal, por considerar que os factos imputados aos arguidos A. e B. não constituem crime, rejeitou a acusação deduzida pelo Ministério Público que lhes havia imputado a prática, a cada um deles, de um crime de material de jogo, p. e p. pelo art. 115º do Dec. Lei n.º 422/89, de 02.12, na redacção que lhe foi dada pelo Dec-Lei n.º 10/95, de 19.01.
*
Inconformado com uma tal decisão, dela interpôs a Digna Magistrada do Ministério Público junto da comarca de … o presente recurso, pedindo a sua procedência pela revogação do despacho recorrido - que no seu entender violou o disposto nos artigos 1º e 4º, n.º 1, alínea g) do DL n.º 422/89, de 2 de Dezembro, na redacção que lhe foi dada pelo DL n.º 10/95, de 19 de Janeiro - que deverá ser substituído por outro que receba a acusação deduzida contra os arguidos pela prática de 1 (um) crime de material de jogo, com as seguintes conclusões:

1. O Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro, que entrou em vigor no dia 1 de Janeiro de 1990, dispôs no seu artigo 1º que os jogos de fortuna ou azar são precisamente “aqueles cujo resultado é contingente por assentar exclusiva ou fundamentalmente na sorte”;
2. Nesta medida, não estão excluídos, à partida, jogos que dependam, em certa medida, da perícia ou habilidade do jogador, pelo que tudo está em que o resultado (o ganhar ou perder) de tais jogos seja decidido, ou dependa em última instância, de algo que apenas a sorte pode ditar e que a perícia, a inteligência ou a habilidade do jogador não pode controlar;
3. Além desta noção geral consagrada no artigo 1º, o artigo 4º, n.º 1 do mesmo diploma legal prevê um enunciado, de carácter não taxativo, de tipos de jogos de fortuna ou azar, neles incluindo, por exemplo, “jogos em máquinas que, não pagando directamente prémios em fichas ou moedas, desenvolvam temas próprios dos jogos de fortuna ou azar ou apresentem como resultado pontuações dependentes exclusiva ou fundamentalmente da sorte” [cfr. alínea g) deste normativo];
4. Prescrevendo-se, ainda, como regra geral que todos esses jogos somente podem ser explorados nos casinos existentes em zonas de jogo permanente ou temporário, ou noutros locais especialmente autorizados, mediante concessão do Governo a empresas constituídas sob a forma de sociedades anónimas, já que o direito de explorar esses jogos é legalmente reservado ao Estado (cfr. artigos 3º, 6º, 8º e 9º do DL n.º 422/89);
5. O DL n.º 10/95, de 19 de Janeiro, que veio alterar o DL n.º 422/89, passou a incluir a regulamentação de toda a matéria relativa a modalidades afins de jogos de fortuna ou azar, revogando totalmente o DL n.º 48.912;
6. Deste modo, perante o que passou a prescrever o artigo 159º, n.º 1 do DL n.º 422/89, reformulado pelo citado DL n.º 10/95, “modalidades afins dos jogos de fortuna ou azar são as operações oferecidas ao público em que a esperança de ganho reside conjuntamente na sorte e perícia do jogador, ou somente na sorte, e que atribuem como prémios coisas com valor económico”, acrescentando o n.º 2 que são abrangidos pelo número anterior, nomeadamente, “rifas, tômbolas, sorteios, concursos publicitários, concursos de conhecimentos e passatempos”;
7. A exploração de tais modalidades afins depende de autorização (artigo 160º), sob pena de ser punida com coima, a título de contra-ordenação (artigo 163º), estando vedada, em princípio, a entidades com fins lucrativos (artigo 161º, n.º 1);
8. Não pode deixar de se salientar que, de acordo com o que passou a estabelecer o artigo 161º, n.º 3, as modalidades afins não podem desenvolver temas característicos dos jogos de fortuna ou azar, exemplificando-se, além do mais, com os casos do póquer, roleta, dados, bingo, lotaria, totobola e totoloto;
9. Nesta medida, dispõe o artigo 108.º do DL 422/89, de 2 de Dezembro, na redacção que lhe foi dada pelo DL n.º 10/95, de 19 de Janeiro que: “1. Quem, por qualquer forma, fizer a exploração de jogos de fortuna ou azar fora dos locais legalmente autorizados será punido com pena de prisão até dois anos e multa até 200 dias. 2. Será punido com a pena prevista no número anterior quem for encarregado da direcção do jogo, mesmo que não a exerça habitualmente, bem como os administradores, directores, gerentes, empregados e agentes da entidade exploradora”;
10. Por sua vez, dispõe o artigo 115º do mesmo diploma legal que “quem, sem autorização da Inspecção-Geral de Jogos, fabricar, publicitar, importar, transportar, transaccionar, expuser ou divulgar material e utensílios que sejam caracterizadamente destinados à prática dos jogos de fortuna ou azar será punido com prisão até 2 anos e multa até 200 dias”;
11. Ora, para estarmos perante um jogo de fortuna ou azar não é necessário que o jogador tenha ganho ou perda de natureza económica consoante o resultado do jogo, porquanto o legislador quis prevenir o mero perigo de isso se poder verificar (cfr. Acórdão da Relação do Porto, de 24 de Maio de 1995);
12. Sendo contingente o resultado, quer na exploração de jogos de fortuna ou azar, quer nas modalidades afins, por depender, principal ou exclusivamente, da sorte, conclui-se não ser a aleatoriedade do resultado o que permite distinguir estes jogos;
13. O critério de “prémios previamente fixados” nas modalidades afins de jogos de fortuna ou azar e “prémios não previamente fixados” nos jogos de fortuna ou azar, podendo ser tendencialmente correcto, não é exacto, na medida em que há jogos de fortuna ou azar que não pagam prémios em fichas ou moedas e nem por isso deixam de ser classificados como tais, não se podendo, assim, falar de prémios previamente fixados, nem de prémios não previamente fixados;
14. De resto, o verdadeiro elemento diferenciador radica nas “operações oferecidas ao público”, existentes nas modalidades afins e inexistentes no jogo de fortuna ou azar propriamente dito;
15. Fazendo apelo aos critérios delimitadores do conceito de jogo de fortuna ou azar é por demais evidente que os factos suficientemente indiciados nos autos se subsumem a esta figura e não à das suas modalidades afins;
16. É que a obtenção dos prémios da máquina de jogo em apreço depende exclusivamente da sorte, muito embora bastasse que a mesma dependesse fundamentalmente da sorte (cfr. artigo 1º do DL n.º 422/89, na redacção dada pelo DL n.º 10/95);
17. Nesta medida, também a alínea g) do n.º 1 do artigo 4º do mesmo diploma legal se encontra preenchida, na medida em que este jogo era desenvolvido por uma máquina que, como já se disse, apresentava como resultado a obtenção de um prémio exclusivamente dependente da sorte;
18. E, salvo o devido respeito, não se vê com que fundamento a Mma. Juiz a quo sustentou a sua decisão, nomeadamente, na necessidade de ter de se fazer apelo ao critério de máquina, considerando que a dos autos por depender “apenas da energia do utilizador-jogador” não pode enquadrar o conceito de máquina automática tal como é definido na Portaria n.º 817/2005, de 13 de Setembro;
19. É certo que as máquinas de jogo de fortuna ou azar exploradas no casino são máquinas automáticas, contudo nada na lei refere que apenas estas máquinas – as automáticas – integram a previsão do crime de exploração ilícita de jogo, ao que acresce o facto do referido artigo 4º do DL n.º 422/89 conter um elenco meramente exemplificativo dos jogos que podem ser considerados como de fortuna ou azar;
20. Finalmente, a relevância dada pela Mma. Juiz a quo ao elemento que, quanto a nós, é determinante para fazer a delimitação do conceito de jogo de fortuna ou azar não foi, salvo o devido respeito, a mais precisa e rigorosa, pois ao limitar-se a afirmar que “a oferta de operações não carece de ser feita através de publicidade, podendo resultar da colocação do jogo em “lugar visível” de um qualquer estabelecimento comercial”, fez uma interpretação deste critério ao arrepio da construção jurisprudencial que tem vindo a ser defendida pelos nossos Tribunais Superiores e que nós perfilhamos, que entende que as operações oferecidas ao público pressupõem “sempre a procura e oferta ao público pelas respectivas promotoras” não bastando “a mera colocação dos jogos em estabelecimentos para o efeito, em que o público aí se dirige para a respectiva prática”;
21. Nesta conformidade, cremos que a máquina em questão desenvolve um jogo de fortuna ou azar, tal como o mesmo se encontra definido na alínea g) do n.º 1 do artigo 4º do DL n.º 422/89, de 2 de Dezembro, na redacção que lhe foi dada pelo DL n.º 10/95;
22. Termos em que, por ter violado o disposto nos artigos 1º e 4º, n.º 1, alínea g) do DL n.º 422/89, de 2 de Dezembro, na redacção que lhe foi dada pelo DL n.º 10/95, de 19 de Janeiro, deverá o despacho recorrido ser revogado e substituído por outro que receba a acusação deduzida contra os arguidos pela prática de 1 (um) crime de material de jogo.
*
Os arguidos não responderam.
Nesta Relação, a Exmª Procuradora-geral Adjunta, emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.
Foi observado o disposto no n" 2 do art. 417° do Código de Processo Penal, não foi apresentada resposta
Colhidos os vistos, o processo foi à conferência.
******
B - Fundamentação:
B.1 - São estes os elementos de facto relevantes e decorrentes do processo:
Nos autos de Inquérito que correu termos no Tribunal Judicial de… com o n° ….., por despacho lavrado em 03 de Dezembro de 2007, a Mmª. Juíza, por considerar que os factos imputados aos arguidos A. … e B. … não constituem crime, rejeitou a acusação deduzida pelo Ministério Público que lhes havia imputado a prática, a cada um deles, de um crime de material de jogo, p. e p. pelo art. 115º do Dec. Lei n.º 422/89, de 02.12, na redacção que lhe foi dada pelo Dec. Lei n.º 10/95, de 19.01.
É o seguinte o teor do despacho recorrido:

O Ministério Público deduziu acusação contra A. .. e B. .., imputando-lhes a prática, a cada um deles, de um crime de material de jogo, p. e p. pelo art. 115º do Dec. Lei n.º 422/89, de 02.12, na redacção que lhe foi dada pelo Dec. Lei n.º 10/95, de 19.01.
Dispõe o referido preceito legal que:
“Quem, sem autorização da Inspecção-Geral de Jogos, fabricar, publicitar, importar, transportar, transaccionar, expuser ou divulgar material e utensílios que sejam caracterizadamente destinados à prática dos jogos de fortuna ou azar será punido com prisão até 2 anos e multa até 200 dias”.
Para que o tipo de crime em causa se verifique é pois necessário que o material em causa seja destinado à prática de jogos de fortuna ou azar.
Postula o artigo 1.º do diploma supra referenciado, sob a epígrafe de “Jogos de fortuna ou de azar” que “Jogos de fortuna ou de azar são aqueles cujo resultado é contingente por assentar exclusiva ou fundamentalmente na sorte.”
Resulta, por seu turno, da redacção dos artigos 3.º, n.º 1 e 4.º, n.º 1, alínea g) que a exploração dos jogos de fortuna ou azar só é permitida nos casinos.
A jurisprudência mais recente de que são exemplos, entre outros, o Acórdão da Relação de Évora de 11 de Julho de 2006 (em que é relator o Sr. Desembargador, Dr. Fernando Cardoso - Recurso n.º 1254/06, texto não disponível); o Acórdão da Relação de Lisboa, de 26 de Outubro de 2005 (em que é relator o Sr. Desembargador, Dr. Carlos Almeida - Processo n.º 7610/2005-3, disponível em www.dgsi.pt) e o Acórdão da Relação do Porto de 14 de Julho de 1999 (em que é relator o Sr. Desembargador, Dr. Correia de Paiva - N.º Convencional JTRP00025552, disponível em www.dgsi.pt), veio delimitar o conceito de jogos de fortuna ou azar das modalidades afins e, após análise e ponderação da mesma, determinou um entendimento diferente por parte deste tribunal relativamente a tal questão.
Conforme resulta do primeiro dos Acórdãos referenciados, da delimitação do conceito de jogo de fortuna ou azar resultará a qualificação como ilícito criminal ou como ilícito contra-ordenacional, p. e p. pelos artigo 159.º, 160.º, n.º 1, 161.º, n.º3 e 163.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 422/89.
A interpretação dos preceitos legais vigentes - redacção actualmente conferida ao Decreto-lei n.º 422/89 - e da evolução legislativa efectuada desde o Decreto-Lei n.º 48.912, encontra-se efectuada no Acórdão da Relação de Lisboa, de 26 de Outubro de 2005, nos seguintes termos: “No artigo 1° desse diploma [Decreto-Lei n.° 48.912] definia-se o jogo de fortuna e azar como aquele «cujos resultados são contingentes, por dependerem exclusivamente da sorte». Por contraposição, as modalidades afins eram definidas como «as operações oferecidas ao público em que a esperança de ganho reside essencialmente na sorte» (artigo 43°). Existia, portanto, uma linha clara de distinção entre estes dois conceitos: os resultados dos jogos de fortuna ou azar dependiam exclusivamente da sorte ao passo que os das operações consideradas como modalidades afins dependiam essencialmente da sorte. Os que explorassem jogos de fortuna ou azar, incluindo máquinas automáticas de fichas ou moedas, exercessem actividade na respectiva exploração ou fabricassem, importassem, transportassem, expusessem ou vendessem materiais ou utensílios exclusivamente destinados a jogos de fortuna e azar eram punidos com prisão de 6 meses a 2 anos (e demissão, isto se fossem funcionários públicos – artigo 56°).(…) A clareza desta distinção e regime foi, porém, abalada logo com a publicação da versão originária do Decreto-Lei n.° 422/89, de 2 de Dezembro.
Na verdade, este diploma (que, através do seu artigo 160°, revogou o Decreto-Lei n.° 48.912, mas manteve em vigor as normas que regulavam - Capítulo VI - e sancionavam a exploração ilícita das modalidades afins - artigo 59°) definiu os jogos de fortuna ou azar como «aqueles cujo resultado é contingente por assentar exclusiva ou fundamentalmente na sorte».
Quer isto dizer que o conceito foi alargado em termos de abranger parte das modalidades afins, pelo menos aquelas que podiam ser consideradas como jogos.
A situação complicou-se ainda mais com a redacção dada a este diploma pelo Decreto-Lei n.° 10/95, de 19 de Janeiro. Tendo-se optado pela regulação das modalidades afins dos jogos de fortuna ou azar no âmbito do Decreto-Lei n.° 422/89, de 2 de Dezembro, revogou-se integralmente o Decreto-Lei n.° 48.912, de 18 de Março de 1969. Porém, definiu-se, no n.° 1 do artigo 159°, esse conceito dizendo que modalidades afins dos jogos de fortuna ou azar eram «as operações oferecidas ao público em que a esperança de ganho reside conjuntamente na sorte e perícia do jogador, ou somente na sorte, e que atribuem como prémio coisas com valor económico».”
Conforme resulta do trecho transcrito, a distinção entre os conceitos de jogo de fortuna ou azar ou de modalidades afins deixou de assentar na relevância da sorte ou do azar para o resultado, na medida em ambas as situações a contingência do resultado podia derivar apenas da sorte.
Existe jurisprudência que considera que o único elemento diferenciador dos jogos de fortuna e azar propriamente ditos e as modalidades afins resulta das palavras “operações oferecidas ao público” que a lei inclui na definição das “modalidades afins” [acórdãos da Relação do Porto de 1997-02-07 e 1997-07-09, publicados in CJ, ano XXII, tomo 1, pago 249 e tomo IV, pago 234, respectivamente, de 17-02-99 e 2000-01-05, acessíveis in www.dgsi.ptljtrp, entre outros].
Contudo, e conforme é referido no Acórdão da Relação de Évora de 11 de Julho de 2006, relativamente à mesma questão, “nestas as respectivas promotoras oferecem os jogos ao público, isto é, promovem o produto junto do público, há uma interpelação directa ao público, e nos jogos de fortuna e azar propriamente ditos, limitam-se a colocá-los em estabelecimentos pré-determinados, aos quais o público se dirige para os praticar, não havendo uma oferta ao público da operação do jogo, à parte da ocasional publicidade na comunicação social que, todavia, não pode ser considerada como oferta ao público de operações de jogo.”
É também considerado pela jurisprudência como elemento distintivo do campo de aplicação das incriminações previstas nos artigos 108° a 111° e 115° das condutas que integram os ilícitos de mera ordenação social (artigos 160° a 163°), a natureza dos prémios atribuídos, já que quando estes consistissem em dinheiro estar-se-ia perante um crime, conquanto a atribuição de prémios de outra natureza caracterizaria o ilícito como de mera ordenação social.
Este critério foi todavia criticado pelos Acórdãos da Relação de Évora e da Relação de Lisboa, de 11 de Julho de 2006 e 26 de Outubro de 2005, respectivamente, por três ordens de ideias: 1.ª) “a lei, em caso algum, se refere a ele para distinguir os jogos de fortuna e azar das modalidades afins”; 2.ª) “de entre as modalidades de jogos de fortuna ou azar especificamente previstas no artigo 4° há algumas em que os prémios podem consistir, pelo menos imediatamente, em fichas e o resultado ser apresentado como pontuações”e 3.ª) “Constitui contra-ordenação, nos termos do n.° 3 do artigo 161.º e do n.º 1 do artigo 163º, a substituição por dinheiro ou fichas dos prémios atribuídos pelas modalidades afins dos jogos de fortuna ou azar”, residindo a solução na distinção formal das duas actividades, “sendo para o efeito considerados jogos de fortuna ou azar apenas aqueles cuja exploração, nos termos dos n.°s 1 e 3 do artigo 4.º da actual redacção do Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro, é autorizada nos casinos.” (sublinhado do autor).
Face a tal solução, impõe-se pois precisar o conceito de máquina.
Uma máquina é todo o dispositivo mecânico ou orgânico que executa ou ajudar no desempenho das tarefas precisando para isso de uma fonte de energia, podendo ser divididas em automáticas e não-automáticas ou manuais: As máquinas não automáticas ou manuais são todas as máquinas que precisam da energia do operador para executar o trabalho.
As máquinas de jogos de fortuna ou azar exploradas nos casinos são máquinas automáticas, como resulta da Portaria n.º 817/2005.
Passando à análise dos factos constantes da acusação, tendo por base as considerações supra tecidas, verifica-se que, salvo o devido respeito por opinião diversa, as máquinas descritas na acusação não se enquadram no conceito de máquina automática.
Com efeito, tratam-se de máquinas em que o jogador introduz uma moeda na ranhura própria, roda o manípulo no sentido dos ponteiros do relógio, sai uma bola plástica, contendo no seu interior uma senha, sendo cada senha corresponde a um determinado prémio mencionado no plano de prémios, sendo que o resultado é independentemente da perícia do jogador.
Assim, o funcionamento das referidas máquinas depende apenas da energia do utilizador-jogador, aproximando-se mais das operações oferecidas ao público através de rifas, em que há um ou vários prémios previamente definidos, determinados ou “oferecidos”, a que concorre um número indeterminado de interessados., sendo certo que é sempre atribuído um prémio.
Além disso, a oferta de operações não carece de ser feita através de publicidade, podendo resultar da colocação do jogo em “lugar visível” de um qualquer estabelecimento comercial.
Assim, considero que as máquinas em causa não se destinam à prática de jogos de fortuna ou azar, mas sim de modalidades afins, integrando pois a actuação dos arguidos a prática de uma contra-ordenação.
***
Face ao exposto, e ao abrigo do disposto no art. 311º n.º 2 al. a) e n.º 3 al. d) do C. Processo Penal, por entender que os factos imputados aos arguidos não constituem crime, rejeito a acusação deduzida pelo Ministério Público.
Notifique”.
*
B.2 - Cumpre apreciar e decidir.
O objecto do recurso penal é delimitado pelas conclusões da respectiva motivação – art.º 403, nº1, e 412º, n.º 1, do Código de Processo Penal.
A questão abordada no recurso, reconduz-se a apurar se os factos imputados ao arguido constituem crime ou modalidade afim dos jogos de fortuna ou azar com a consequente posição a tomar quanto aos destinos dos autos.
*
B.3 – A insatisfação do recorrente está, assim, limitada à análise de uma questão de direito.
Esta reconduz-se à aparentemente fácil distinção entre crime e contra-ordenação. Fácil na medida em que é suposto que o tipo penal o seja, isto é, que se abrigue à sombra do princípio da “tipicidade” dos ilícitos penais, permitindo ao aplicador do direito e à generalidade dos cidadãos a percepção imediata do ilícito e seus elementos componentes.
Ora este, no que ao caso interessa, reza assim no artigo 1º do Decreto-Lei n.º 422/89, de 02 de Dezembro :
Jogos de fortuna ou azar são aqueles cujo resultado é contingente por assentar exclusiva ou fundamentalmente na sorte”.
O que se pode dizer deste tipo penal é que é suficientemente abrangente para abranger (quase) tudo o que à sorte diz respeito e pouco diz quanto à pretensão de definição do que seja um jogo de fortuna ou azar.
Por esta definição, até um inocente jogo de cartas – que também assenta na sorte quanto à distribuição das cartas – é abrangido. Esperemos, pois, não chegar ao fim do acórdão a afirmar a ilicitude penal do jogo da “sueca” ou do “king”, mesmo o da “bisca”.
Naturalmente que balizas conceptuais deveriam surgir desde logo com o que se pretende definir: o conceito de jogo.
Mas reduzir o tipo penal a este conjunto de conceitos onde se inclui o conceito a definir também não constitui grande ajuda. Nesse esforço inglório ficaria assim definido o conceito de jogo de fortuna ou azar: “Jogos de fortuna ou azar são os jogos cujo resultado é contingente por assentar exclusiva ou fundamentalmente na sorte”.
Sequer o direito civil nos dá ajuda de préstimo, pois que o capítulo XV do Título II do Livro II do Código Civil relativo ao Jogo e Aposta (artigos 1.245º a 1.247º) omite qualquer definição de jogo, afirma a invalidade contratual do jogo e da aposta e se fica pela afirmação de uma obrigação natural, ressalvada a existência de legislação especial, a que ora analisamos.
Da respectiva doutrina podemos retirar que se trata de um contrato aleatório com várias modalidades, nominadas ou inominadas (Galvão Teles – “Contratos Civis”, pag. 80, citado por Lima/Varela, em anotação ao artigo 1.245º do CCAnotado, Vol. II) ou, mais especificamente, contratos consensuais, sinalagmáticos, onerosos e aleatórios (cf. Mota Pinto, Pinto Monteiro e Calvão da Silva, “Jogo e Aposta”, 1982, p. 8), em que “o risco assumido pelas partes não preexiste como noutros contratos aleatórios mas é criado pelas partes”.
Se a isto acrescentarmos o entendimento do Prof. Antunes Varela de que o jogo é juridicamente irrelevante e o determinante será o conceito de “aposta”, concluímos ser de melhor entendimento ver o conceito de “jogo” como um misto das realidades “jogo” e “aposta”.
Esta asserção, parecendo inócua, terá o seu relevo na análise da natureza do prémio.
Se a lei e a doutrina cível não são de grande ajuda e o artigo 1.247º remete para a existência de legislação especial esta oferece-nos, como vimos, um tipo penal suficientemente aberto para tudo abarcar.
No entanto o Tribunal Constitucional já por diversas vezes afirmou a conformidade constitucional dos artigos 1º e 108º do Decreto-Lei n.º 422/89, de 02 de Dezembro. Isto não só quanto ao princípio da tipicidade, também quanto aos princípios da proporcionalidade e da necessidade das penas. [1]
Esta jurisprudência constitucional tem, igualmente, o mérito de realçar aspectos éticos relativos à criminalização da conduta, habitualmente camuflados pela figura do monopólio estatal e consequente concessão de zonas de jogo, como destaca o acórdão nº 99/2002 do TC:
*
A punição penal da exploração de jogos de fortuna ou azar não autorizados não se destina primacialmente a impedir a prática de uma actividade - o jogo - considerada moralmente reprovável. Com efeito, o fundamento ético-social do sancionamento penal do jogo de azar não se encontra tanto na necessidade de proteger o jogador contra as inclinações, gostos ou vícios que lhe podem - e normalmente são - prejudiciais, quanto na necessidade de reprimir a prática de uma actividade que constitui objecto de uma significativa reprovação social, do ponto de vista ético, tendo em conta os males e prejuízos para a própria sociedade que se considera encontrarem-se-lhe associados - por exemplo, acréscimo de burlas, usuras e fraudes, bem como de litígios e violências, facilitando o alastramento do crime organizado; significativa perturbação da vida familiar dos jogadores, com repercussão na capacidade de manutenção e educação dos filhos; ou, ainda, possibilidade de incidência negativa no domínio das relações laborais ou económicas dos jogadores.
Ora, o que é certo é que em todas estas possíveis situações se encontrarão afectados interesses constitucionalmente protegidos - a segurança dos cidadãos, o respeito da legalidade democrática, a protecção da infância e da juventude, a estabilidade da vida social e económica. E, consequentemente, não se vê que o legislador, ao criminalizar a exploração do jogo, pudesse estar a violar o princípio da necessidade da pena, procedendo a uma opção manifestamente arbitrária ou excessiva”.
Razões que estarão na base do monopólio estatal e a razão de ser da concessão restritiva:

Por um lado, ao criar zonas de jogo, que fiscaliza, e ao estabelecer o monopólio da exploração de outros jogos em favor de certas entidades idóneas, o Estado, ao mesmo tempo que possibilita a satisfação de uma tendência natural do homem, fá-lo ainda por saber que serão observadas certas condições por ele impostas, as quais contribuem para atenuar os efeitos negativos do jogo (por ex., condições de entrada em casinos restritas a uma certa idade, profissão, etc.).
Assim, ao mesmo tempo que permite que o homem satisfaça o seu desejo de jogar, o Estado encaminha a sua prática para instituições onde são dadas garantias de seriedade e isenção aos jogadores - instituições que o Estado controla e fiscaliza -, reduzindo, ou anulando mesmo, o interesse pelo jogo clandestino, ilícito e particularmente perigoso, em si mesmo e no ambiente marginal que o rodeia”. [2]


O que vai citado justifica a ampla criminalização da conduta.
Assente a (renitente) conformidade constitucional e a ressonância ética da criminalização, importará enfrentar a questão posta no recurso.

*
B.4 – Sendo o objecto do recurso a distinção entre a previsão legal do crime de “exploração ilícita de jogo de fortuna ou azar” contido nos artigos 1º e 108º do citado diploma e a contra-ordenação do artigo 159º do mesmo diploma (prática de “modalidades afins do jogo de fortuna ou azar e outras formas de jogo”) haverá que apurar se entre os preceitos citados são fornecidos ao aplicador critérios distintivos das duas diferentes figuras.
Isso passará por apurar as diferenças entre as normas supracitadas, com acentuadas características de generalidade, os artigos 1º e 159º do Decreto-Lei n.º 422/89, de 02 de Dezembro.
Se a primeira afirma “Jogos de fortuna ou azar são aqueles cujo resultado é contingente por assentar exclusiva ou fundamentalmente na sorte”, a segunda dispõe no universo contra-ordenacional:
“1 - Modalidades afins dos jogos de fortuna ou azar são as operações oferecidas ao público em que a esperança de ganho reside conjuntamente na sorte e perícia do jogador, ou somente na sorte, e que atribuem como prémios coisas com valor económico.
2 - São abrangidos pelo disposto no número anterior, nomeadamente, rifas, tômbolas, sorteios, concursos publicitários, concursos de conhecimentos e passatempos”.
Destes dois “tipos” se pode retirar, com segurança, que o elemento objectivo “sorte” não serve para qualquer definição ou esclarecimento distintivo.
Em breve: se a “sorte” tudo caracteriza, mesmo o que é diferente, nada distingue.
O número um do preceito “contra-ordenacional” confia-nos, por outro lado, os critérios gerais de distinção, já que a previsão do crime, de tão genérica e apenas assente na sorte, não serve para a distinção.
*
B.5 – Aqui, há que reconhecer, a jurisprudência tem encontrado extremas dificuldades para apurar o critério distintivo entre o crime e a contra-ordenação.
Sem pretender ousar ser exaustivo, quer-nos parecer que se perfilam nos tribunais da Relação os seguintes entendimentos principais:
a) – O critério da oferta ao público.
O elemento diferenciador dos jogos de fortuna ou azar relativamente às modalidades afins destes reside na "oferta ao público", que existe nas segundas, mas não nos primeiros; isto é, nas modalidades afins pressupõe-se sempre a oferta ao público pelas respectivas promotoras e não a mera colocação dos jogos em estabelecimentos em que o público aí se dirige para a respectiva prática”.
È a posição defendida pelos acórdãos da Relação do Porto de 24.5.1995, in CJ T3 ANOXX PAG259, 7.2.1997, in CJ T1 ANOXXII PAG249, de 9.7.1997, Proc. 9740461, (relator Teixeira Pinto) IN CJ T4 ANOXXII PAG234, de 17.2.1999, Proc. 9841137 (relator Neves Magalhães), de 05-01-2000, Proc. 9940170 (relator Veiga Reis) – também o acórdão da Relação de Évora de 06.11.1990, in CJ T5 ANOXV PAG276.
b) – O critério da distinção formal.
Actualmente, não existe qualquer distinção material entre os conceitos de jogo de fortuna ou azar e de modalidades afins, por isso, o tribunal, para a delimitação dos tipos descritos nos artigos 108º a 111º e 115º do Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro, tem de partir de um conceito formal de jogo de fortuna ou azar, considerando como tal apenas aqueles jogos cuja prática, nos termos dos n.ºs 1 e 3 do artigo 4º daquele diploma, é autorizada nos casinos”.
É a posição expressa no acórdão da Lisboa de 26-10-2005 (Proc 7610/2005-3, sendo relator Carlos Almeida). É a posição igualmente defendida pelo acórdão da mesma Relação de 5.4.2006 (relatora Teresa Féria) e pelo acórdão desta Relação de Évora de 11 de Julho de 2006 (Recurso 1.254/06, relator Fernando Cardoso, não publicado).
c) – O critério da natureza do prémio.
A distinção é feita em função da natureza dos prémios. É a posição defendida no acórdão da Relação de Lisboa de 05-11-2003 (Processo 5660/03-3, relator Cotrim Mendes).
No acórdão da Relação de Lisboa 02-11-2006 afirma-se expressamente: “O que distingue as modalidades 'afins':- 1ª- é que nestas o resultado não depende exclusiva ou fundamentalmente da sorte, mas ainda da perícia, habilidade ou inteligência do jogador; 2ª- nos jogos de fortuna ou de azar o prémio é pago em dinheiro e nos jogos 'afins é em objectos com valor económico; 3ª- e enquanto aqueles são colocados em estabelecimento para aí serem procurados pelo público, os 'jogos afins' caracterizam-se por serem operações oferecidas ao público”. (Proc. 7066/06-9ª, relator Rui Rangel).
d) – O critério misto da oferta ao público e da natureza do prémio.
Aqui a distinção para além de atender aos exemplos legais, tem em conta um critério misto, acolhendo como critérios distintivos a natureza do prémio e o “oferecimento ao público” da operação. Neste sentido o acórdão da Relação do Porto de 27-02-2008 (proc. 0716981, relator Francisco Marcolino), com adequado historial legislativo e de intenção legislativa.
e) – O critério da natureza do prémio e do tema do jogo.
Aqui a distinção em função da natureza dos prémios conjuga-se com o tema desenvolvido pelo jogo. É a posição assumida no recurso nº 2.515/07 pelo acórdão de 13 de Fevereiro de 2007 desta Relação de Évora (C.J. I, 258, relatora Pilar Oliveira).
*
B.6 – Temos, assim, que a questão está em encontrar elementos diferenciadores no tipo contra-ordenacional, já que é o único a permitir a destrinça, dada a abrangência do tipo penal. Isto é, o tipo contra-ordenacional funcionará como “limite inferior” do tipo penal, excluindo este.
Entendemos que esse critério existe mas não nos parece que seja apenas um e que a distinção completa se fique apenas por esta previsão genérica.
Assim, o primeiro ponto a analisar será a previsão geral do tipo: “Modalidades afins dos jogos de fortuna ou azar são as operações oferecidas ao público em que a esperança de ganho reside conjuntamente na sorte e perícia do jogador, ou somente na sorte, e que atribuem como prémios coisas com valor económico”.
A expressão “operações oferecidas ao público” se nos parece ajudar à delimitação do tipo contra-ordenacional (para o excluir nas actividades de índole privada ou familiar, ou seja, qualquer um a que o público não tenha acesso, definindo por aí a licitude da conduta), não nos parece que sirva outro objectivo.
A totalidade da expressão serve para realçar que a sua prática se supõe exercida no exterior das zonas reservadas das concessões e para atender à natureza de algumas das modalidades praticadas, designadamente “concursos de conhecimentos”, “tômbolas”, ”rifas”, “concursos publicitários”, “passatempos”, etc., não só de difícil – ou indesejada – realização nessas zonas, como também para atender a tradições populares (tômbolas e rifas), como a realidades sociais e económicas não inseríveis nos habituais parâmetros das concessões de jogo, como os concursos televisivos (concursos de conhecimentos, publicitários, passatempos).
Mas convém não esquecer que o tipo contra-ordenacional não prevê apenas “modalidades afins”, também “outros jogos” (artigos 159º e 160º do diploma).
Como consequência, a dita expressão não serve para excluir a prática de modalidades “afins” ou “outros jogos” através de “máquinas” de jogo, desde que não classificadas como “jogos de fortuna ou azar”. As máquinas não podem ficar excluídas da possibilidade de serem qualificadas como contendo modalidades afins dos jogos (Quer-nos parecer que a seguir o critério do “oferecimento ao público”, estas nunca poderiam desenvolver modalidades afins).
Não só porquanto é jurisprudência aceite que esse “oferecimento”, a consumação do crime, se basta com a mera colocação da máquina “em local a que o público tenha acesso e em condições de funcionamento”, [3] também porque não nos parece que o termo “operação” possa excluir o uso de máquinas nas modalidades “afins” ou servir de critério distintivo entre os dois tipos de ilícitos.
Isto é, qualquer das condutas, a contra-ordenacional e a penal, é, de uma forma ou de outra, oferecida ao público, não se encontrando na expressão qualquer elemento distintivo que caracterize uma ou outra actividade.
Se, por exemplo, uma máquina é colocada em estabelecimento de zona não concessionada para que o público a ela aceda, isso não deixa de ser um “oferecimento ao público”, não sendo exigível que esta figura exija pregões à porta do estabelecimento. Mas também o estão os jogos de “fortuna ou azar”. Estes também são “oferecidos ao público” na medida em que estão em local a que o público, excepto algumas categorias de pessoas, pode aceder e o facto de ser uma zona concessionada não altera a situação do ponto de vista do acesso do público.
Por outro lado, numa acepção mais lata de “oferecimento ao público”, no sentido propagandístico ou publicitário, o Código da Publicidade (Decreto-Lei n.º 330/90, de 23 de Outubro – já com a redacção dada pelo DL n.º 224/2004, de 04 de Dezembro) estabelece no seu artigo 21.º, sob a epígrafe “jogos de fortuna ou azar”, que não “podem ser objecto de publicidade os jogos de fortuna ou azar enquanto objecto essencial da mensagem” (com a excepção dos jogos promovidos pela Santa Casa da Misericórdia de Lisboa).
Ou seja, este será o ponto de chegada da delimitação de conceitos e não o seu ponto de partida, pois que o oferecimento, neste sentido amplo, supõe a definição cabal do que sejam “jogos de fortuna ou azar”, isto é, supõe a perfeita distinção do ilícito contra-ordenacional, para o qual a proibição não é válida.
Ora, se o conceito lato (publicitário) de “oferecimento” não é critério distintivo e se a consumação do crime, se basta com a mera colocação da máquina “em local a que o público tenha acesso e em condições de funcionamento”, não podem os ilícitos ser distinguidos pela “oferta ao público”, já que este se basta com a mera colocação da “máquina” de jogos em estabelecimento a que o público tenha acesso.
Esta realidade tanto tem lugar nas zonas reservadas (concessionadas) como em qualquer estabelecimento não concessionado. É que o público dirige-se a ambas com a mesma finalidade: jogar. Se jogo de fortuna ou azar ou modalidade afim, essa é a questão para a qual estamos a tentar encontrar critério distintivo.
Ambas as zonas (concessionada e não concessionada) “oferecem” o jogo ao público, já que ambas estão acessíveis ao público. E tanto basta para o “oferecimento”.
E ambas prescindem, ou podem prescindir, de qualquer tipo de “promoção”: as concessionadas porquanto proibidas da publicidade; as não concessionadas porque a prática judicial nos diz que a grande maioria dos casos presentes a tribunal revela a colocação em locais em que a “promoção” não existe e se fica pela simples aposição de papel, cartão ou letreiro junto à “máquina” com a indicação das características do jogo, algo que é ultrapassado pelo anúncio vistoso de qualquer “zona de jogo” ou casino.
Por outro lado, para a grande maioria dos casos, não se vê que “oferta ao público pelas respectivas promotoras” se pode fazer de uma máquina mecânica ou eléctrica que dá chocolates ou canivetes como prémios numa sociedade recreativa.
Assim, o critério da oferta ao público não serve, já que se reduz à delimitação de zonas de prática. Estas são outro ponto de chegada após delimitação de conceitos, que não critérios definidores.
Se o critério serve para “concursos” ou “passatempos”, não serve para os jogos executados em máquinas.
Só servirá se partir do princípio que o ilícito contra-ordenacional se limita - com exclusão das máquinas - às modalidades previstas no nº 2 do artigo 159º do diploma – concursos de conhecimentos”, “tômbolas”, ”rifas”, “concursos publicitários”, “passatempos” – supondo que todas essas modalidades exigem uma espécie de especial promoção, publicidade, campanha ou pregão que integre uma especial forma de “oferecimento ao público” (o que será difícil de imaginar para as “tômbolas” e ”rifas” de uma qualquer festa popular).
Naturalmente que, nesse caso, teriam que ser repensados os elementos objectivos do tipo e a forma de consumação do ilícito.
*
B.7 – Antes de prosseguir impõe-se uma precisão.
Quer-nos parecer que a definição do tipo penal não está contida apenas nos dois citados preceitos, os artigos 1º e 108º, pois que também o artigo 4º contém parte da definição do crime em presença, numa técnica que podemos apelidar de mista, já que se os dois primeiros contêm uma previsão genérica, o último desce à definição concreta de exemplos-padrão, não exaustivos (o “nomeadamente”) e não obstante contidos numa norma que autoriza os jogos (mera decorrência da previsão do artigo 3º), nos dá um amplo catálogo de jogos ilícitos contidos na previsão lata de jogo de fortuna ou azar penalmente tutelado.
Esta técnica dos exemplos padrão dá-nos, portanto, um acervo de jogos de fortuna ou azar ilícitos previstos no seu nº 1, a saber:
Jogos bancados em bancas simples ou duplas: bacará ponto e banca, banca francesa, boule, cussec, écarté bancado, roleta francesa e roleta americana com um zero;
Jogos bancados em bancas simples: black jack/21, chukluck e trinta e quarenta;
Jogos bancados em bancas duplas: bacará de banca limitada e craps;
Jogo bancado: keno;
Jogos não bancados: bacará chemin de fer, bacará de banca aberta, écarté e bingo;
Jogos em máquinas pagando directamente prémios em fichas ou moedas;
Jogos em máquinas que, não pagando directamente prémios em fichas ou moedas, desenvolvam temas próprios dos jogos de fortuna ou azar ou apresentem como resultado pontuações dependentes exclusiva ou fundamentalmente da sorte.
Se as primeiras alíneas nos dão um acervo exemplificativo muito extenso de “jogos de fortuna ou azar”, deve notar-se que as duas últimas alíneas, não obstante “exemplos padrão”, apresentam uma natureza tão ampla na sua previsão, no que às máquinas de jogo diz respeito, que servem como elemento distintivo relativamente ao tipo contra-ordenacional.
Se as primeiras remetem para específicos jogos (logo, o critério é o da natureza do jogo), as duas últimas apelam para a natureza do jogo (a última) e para a natureza dos prémios (as duas últimas).
Ou seja, estes critérios tanto podem funcionar isolada como conjuntamente.
Assim, se a previsão do artigo 4º do diploma nos dá um patamar superior na previsão concreta de tipos de jogos de fortuna ou azar, o número dois do artigo 159º do Decreto-Lei n.º 422/89, de 02 de Dezembro oferece-nos, num patamar inferior, um acervo de jogos tipicamente contra-ordenacionais, as “rifas, tômbolas, sorteios, concursos publicitários, concursos de conhecimentos e passatempos”.
Com outro elemento caracterizador, o prémio consistir em coisa com valor económico, já que o número dois não prescinde (como mero concretizador da previsão genérica do número um) da natureza do prémio.
Ou seja, os critérios só funcionam em conjunto. Melhor dito, os critérios podem funcionar em conjunto e o critério da natureza do prémio é imprescindível.
Temos pois, que estes dois critérios serão essenciais para a delimitação dos dois tipos de ilícitos nos tipos (penal e contra-ordenacional) que utilizam a técnica dos exemplos-padrão.
*
B.8 – Voltando às expressões que constam do tipo contra-ordenacional genérico, estas devem ler-se como estatuindo duas hipóteses de modalidades afins, ambas abarcando a natureza do prémio, como resulta da sua simples leitura. Devem, pois, ler-se da seguinte forma:
a) - Operações oferecidas ao público em que a esperança de ganho reside conjuntamente na sorte e perícia do jogador ……. e que atribuem como prémios coisas com valor económico”.
b) - Operações oferecidas ao público em que a esperança de ganho reside ………. somente na sorte, e que atribuem como prémios coisas com valor económico”.
Indubitavelmente, o elemento que é comum a ambas e é diferenciador dos jogos de fortuna ou azar, porque ausente deste conceito, é a natureza do prémio.
A perícia do jogador, por si só, não serve como critério pois que na segunda hipótese se admite a “sorte” como elemento exclusivo da distinção. Ou seja, se este critério da sorte fosse determinante, nada distinguiria um ilícito penal de um contra-ordenacional: a sorte caracterizaria ambos.
Daí que se imponha uma interpretação restritiva do papel atribuível ao critério “sorte”.
Uma aparente perplexidade ressalta desta leitura: porquê distinguir duas hipóteses contra-ordenacionais, ambas prevendo a “sorte” como elemento diferenciador? Se ambas as hipóteses assentam, com maior ou menor peso, na sorte, não será inútil a distinção?
Tal aparente perplexidade só é entendível se tivermos presente que a distinção a operar na totalidade do ordenamento jurídico do jogo deve acautelar, igualmente, a existência das “máquinas de diversão”, previstas e definidas – de forma muito mais precisa - no Decreto-Lei nº 310/2002, de 18 de Dezembro.
Neste diploma atribuíram-se às Câmaras Municipais competências em matéria de licenciamento de actividades diversas – artigo 1º do diploma – nas quais se inclui o regime jurídico do licenciamento do exercício e da fiscalização da actividade de exploração de máquinas de diversão automáticas, mecânicas, eléctricas e electrónicas [al. e)], definidas como sendo (artigo 19º, nº 1, als. a) e b) do diploma):

“a) Aquelas que, não pagando prémios em dinheiro, fichas ou coisas com valor económico, desenvolvem jogos cujos resultados dependem exclusiva ou fundamentalmente da perícia do utilizador, sendo permitido que ao utilizador seja concedido o prolongamento da utilização gratuita da máquina face à pontuação obtida;
b) Aquelas que, tendo as características definidas na alínea anterior, permitem apreensão de objectos cujo valor económico não exceda três vezes a importância despendida pelo utilizador”.

E o nº 2 do citado artigo 19º vem esclarecer que “as máquinas que, não pagando directamente prémios em fichas ou moedas, desenvolvam temas próprios dos jogos de fortuna ou azar ou apresentem como resultado pontuações dependentes exclusiva ou fundamentalmente da sorte são reguladas pelo Decreto-Lei nº 422/89, de 2 de Dezembro, e diplomas regulamentares”.
Isto é, a legislação considerada na sua totalidade permite antever um escalonamento de jogos, encarados agora e apenas na sua vertente “máquinas”, que se torna perceptível em função do papel da perícia do jogador e da sorte (fiquemo-nos, por ora, apenas pela análise destes dois critérios).
A máquina será qualificada como de diversão se assentar “fundamentalmente” na perícia (não se exclui a sorte, portanto); será modalidade afim se depender “conjuntamente da sorte e perícia ou só da sorte”; será de fortuna ou azar se depender “exclusiva ou fundamentalmente” da sorte.
Mas, como se extrai deste texto, tal critério é insuficiente. É que em todas as situações a classificação depende, em maior ou menor grau, da sorte!
Aliás, dizer “insuficiente” é dizer pouco O critério da sorte é inadequado, não é critério que distinga os dois tipos de ilícitos, pois que apresenta zonas de sobreposição. A sorte caracteriza todos os ilícitos, o penal e o contra-ordenacional, pelo que só servirá para excluir as “máquinas de diversão” e apenas parcialmente.
Daí que, para todas as situações, para todos os três escalões, existe um critério que é “conjunto”. Não apenas suplementar: conjunto! Sem esse critério conjunto é impossível distinguir qualquer das modalidades de jogo em máquinas. E esse critério faz apelo à natureza do prémio atribuído pelas máquinas e à natureza do jogo.
Senão vejamos.
As “máquinas de diversão” – só são aquelas que não pagam prémios em dinheiro, fichas ou coisas com valor económico, permitem que ao utilizador seja concedido o prolongamento da utilização gratuita da máquina face à pontuação obtida ou permitem a apreensão de objectos cujo valor económico não exceda três vezes a importância despendida pelo utilizador (e dependam exclusiva ou fundamentalmente da perícia do utilizador).
Mesmo as máquinas que não paguem directamente prémios em fichas ou moedas mas desenvolvam temas próprios dos jogos de fortuna ou azar ou apresentem como resultado pontuações dependentes exclusiva ou fundamentalmente da sorte são reguladas pelo Decreto-Lei nº 422/89, de 2 de Dezembro.
Ou seja, a natureza do prémio – a inexistência deste, para além do prolongamento do uso e da atribuição como prémio dos “objectos” de valor económico limitado - revela-se elemento essencial (apenas sendo temperado pelo papel distintivo, quase residual, atribuído à perícia e à sorte) para a afirmação, pela positiva, do que é uma “máquina de diversão”.
E o critério do prémio só é excluído nesta análise pela supremacia atribuída ao critério da “natureza do jogo” (“temas próprios dos jogos de fortuna ou azar”).
As “modalidades afins” (através de máquinas ou não) – São aquelas que atribuem como prémios coisas com valor económico. A sorte e a perícia, como se vê, apenas servem para a distinção com as “máquinas de diversão”, já que o elemento “sorte” isolado da segunda hipótese não serve para a distinção quanto aos jogos de fortuna ou azar.
Os jogos de fortuna ou azar – Estes jogos abarcarão, portanto, todos os jogos (máquinas, no que ora nos interessa, mas também todos os outros) que paguem directamente prémios em fichas ou moedas ou que, não pagando directamente prémios em fichas ou moedas, desenvolvam “temas próprios dos jogos de fortuna ou azar” ou apresentem como resultado pontuações dependentes exclusiva ou fundamentalmente da sorte (que, como se viu já, nada define).
Assim, como cremos que se vê, a natureza do prémio atribuído (em conjunto com a natureza do jogo) assume peso imprescindível na distinção entre os vários tipos de máquinas e jogos desenvolvidos, permitindo a distinção entre a actividade lícita e os ilícitos penal e contra-odenacional.
Aliás, cremos ser a natureza do prémio o critério prioritário na distinção, surgindo a “sorte” e a “perícia” como critérios adjuvantes numa metodologia de análise. Sem a natureza do prémio nada é possível distinguir. A sorte é madrasta quer como critério determinante da natureza dos lícitos/ilícitos, quer como princípio de análise.
Assim, será de concluir que a distinção entre os ilícitos se fará com recurso à natureza do prémio, mas também à natureza do jogo praticado, visto o disposto no artigo 161º, nº 3 do Decreto-Lei n.º 422/89, de 02 de Dezembro (As modalidades afins do jogo de fortuna ou azar e outras formas de jogo referidas no artigo 159.º não podem desenvolver temas característicos dos jogos de fortuna ou azar, nomeadamente o póquer, frutos, campainhas, roleta, dados, bingo, lotaria de números ou instantânea, totobola e totoloto, nem substituir por dinheiro ou fichas os prémios atribuídos”). [4]
O critério da perícia do jogador e da sorte será critério secundário – visto o disposto no nº 1 do artigo 159º do diploma e artigo 19º do Decreto-Lei nº 310/2002, de 18 de Dezembro (máquinas de diversão) – para os casos concretos que o justifiquem.
De qualquer forma haverá que interpretar restritivamente o “critério da sorte”, pois que uma interpretação literal da “sorte” como critério único ou determinante implicará a impossibilidade de distinção entre os ilícitos penal e contra-ordenacional e apenas permitirá distinguir os jogos de fortuna ou azar dos jogos praticados em máquinas de diversão.
No fundo o critério da “sorte” apenas servirá para constatar que a conduta pode ser lícita (o que dependerá do papel da perícia), ou é ilícita (no caso de preponderância da sorte), seja penal, seja contra-ordenacional.
*
B.9 – Ora, encontrados critérios materiais para a distinção entre o ilícito criminal e o ilícito contra-ordenacional, é inútil recorrermos a um critério formal. Assim como é desaconselhável – porque inútil e inadequado – o recurso ao critério da “oferta ao público”.
Mas três críticas são adiantadas ao critério da natureza do prémio. Tais críticas, salvo melhor opinião, não têm razão de ser.
a) - A primeira assenta no considerando que a lei, em lugar algum, se refere a tal critério para distinguir os dois tipos de ilícitos.
Tal asserção parece ser desmentida pelo artigo 159º do Decreto-Lei n.º 422/89, de 02 de Dezembro que expressamente o menciona quando se refere às modalidades “que atribuem como prémios coisas com valor económico”.
Também parece ser contrariado pela previsão dos artigos 161º, nº 3, 162º e pelas alíneas f) e g) do artigo 4º do referido diploma.
A importância da natureza do prémio também se revela na proibição, contida na parte final do nº 3 do artigo 161º da lei do jogo, de substituição dos prémios (de valor económico) por dinheiro ou fichas.
Como se viu já, o próprio artigo 4º do mesmo diploma, nas alíneas f) e g), se refere às fichas e às moedas e o diploma relativo às máquinas de diversão também atribui relevo suficiente à natureza do prémio.
b) - Opõe-se também a circunstância de nas modalidades de jogos de fortuna ou azar previstas no artigo 4°, haver algumas em que os prémios podem consistir, pelo menos imediatamente, em fichas e o resultado ser apresentado como pontuações.
Tal objecção não releva na medida em que a natureza do prémio é a mesma: o dinheiro. Mais candidamente, tal como dito pelo legislador; “moedas”. Se essas “moedas”, antes de “trocadas”, se expressam em pontuações ou fichas é mera semântica. Ninguém vai ao casino para ganhar pontuações ou fichas. O que é relevante é o que se traz no bolso depois de sair a porta do casino ou, mais diplomaticamente, zona de jogo concessionada. Razão pela qual o legislador faz sempre acompanhar a realidade “moedas” das equivalentes “fichas”.
Mas a ideia essencial a reter tem a ver com a natureza do que aqui se discute.
Como supra se referiu, era entendimento do Prof. Antunes Varela que o jogo é juridicamente irrelevante e o determinante será o conceito de “aposta”. O que nos levou a concluir ser de melhor entendimento ver o conceito de “jogo” como um misto das realidades “jogo” e “aposta”. Ora, esta afirmação não é inócua na análise da natureza do prémio.
Porque, exceptuados os casos de pura diversão – a incluir no conceito de “máquinas de diversão” ou de convívio pessoal, familiar ou social (ou seja, fora da esfera “pública”) – o que está em causa nos “jogos de fortuna ou azar” é a aposta, o ganho, o prémio. A perspectiva de, apostando pouco, ganhar muito. Por isso se chamam “jogos de fortuna ou azar”. Fortuna para o ganho (existência de prémio). Azar para a perda (ausência de prémio).
Não é, pois, compaginável um “jogo de fortuna ou azar” sem que se perspective a possibilidade de ganho. Este só tem significado se reportado à natureza do prémio. Sem o prémio não há apelo à aposta e ao jogo.
c) - Finalmente o critério da natureza do prémio não seria atendível na medida em que constitui contra-ordenação, nos termos do n.° 3 do artigo 161° e do n.° 1 do artigo 163°, a substituição por dinheiro ou fichas dos prémios atribuídos pelas modalidades afins dos jogos de fortuna ou azar.
Concordando-se com a afirmação, até se dirá mais. A substituição dos prémios de valor económico por dinheiro ou fichas altera a própria natureza do ilícito, como se extrai da leitura das alíneas f) e g) do art 4º e 161º, nº 1 do Decreto-Lei n.º 422/89, de 02 de Dezembro.
Portanto, se as máquinas pagam “directamente” em fichas ou moedas não são “modalidades afins”.
Questão diversa será o de as máquinas pagarem “directamente” em prémio de valor económico e, após, tal prémio (indirectamente) vier a ser substituído por dinheiro ou fichas. Essa realidade “indirecta” (a substituição) é que constituirá contra-ordenação nos termos do n.° 3 do artigo 161° e do n.° 1 do artigo 163°. Ou seja, o jogo, na sua origem, é uma modalidade afim atendendo à natureza do prémio. Será a alteração da “natureza do prémio” já após o jogo e o ganho do prémio que constituirá uma contra-ordenação.
Ao invés, se o jogo proceder ao pagamento em dinheiro ou fichas terá a natureza de “jogo de fortuna ou azar”, atendendo à previsão do artigo 4º do diploma.
Portanto, também esta objecção não procede.
d) - Por último, a natureza da máquina é irrelevante enquanto critério jurídico distintivo.
Reduz-se à sua natureza de “facto” determinante para apurar da natureza do prémio atribuído ou atribuível e do peso da sorte ou perícia do jogador. Servirá, igualmente, para apurar se o tema por ela desenvolvido se insere na previsão do artigo 4º do diploma, isto é, para apurar os factos pertinentes ao critério da natureza do jogo.
Não tem qualquer outro préstimo.
*
B.10 – Ora, que nos diz o caso concreto?
Não obstante a decisão recorrida e as conclusões do recurso não referirem os factos necessários à qualificação jurídica do jogo, resulta do relatório pericial à máquina (fls. 133) que esta funciona da seguinte forma:
A extracção de cápsulas efectua-se da seguinte forma:
Introduz-se uma moeda de 1,00 no mecanismo de introdução de moedas;
Dá-se uma volta completa com o manípulo rotativo situado no mesmo mecanismo, até ao ponto de bloqueio;
Depois de introduzida a moeda, extraída a cápsula com uma senha no seu interior e desdobrada essa mesma senha, apenas temos um resultado possível:
Verifica-se sempre uma correspondência entre a letra inscrita na senha e um dos objectos/prémios expostos num cartaz ou depositados numa caixa, e o jogador tem direito ao respectivo prémio, não podendo, com a sua perícia ou por qualquer outra forma, influenciar o resultado do mesmo”.

Quanto à natureza do prémio, não obstante não referidos, verifica-se – e o relatório não põe em causa a sua existência e natureza – que são atribuíveis, sempre:
Máquinas de calcular; Fitas de clubes; Chaves Umbrak; Baralho de cartas; Pulseitras de borracha; Isqueiros normais; Lenços de cabeça; Fita métrica; Isqueiros a gasolina; Pulseiras de clubes”.
Daqui resulta que o prémio tem valor económico, entendido este como o valor atribuível a um objecto pela generalidade das pessoas como correspondente a uma determinada utilidade, mesmo que subjectiva, e pode ser expresso em valor monetário correspondente.
Por outro lado, o jogo não tem a natureza de um dos jogos previstos no artigo 4º nº 1 do Decreto-Lei n.º 422/89, de 02 de Dezembro (“jogos de fortuna ou azar”).
Assim, a análise a fazer com apelo aos dois critérios distintivos, a natureza do prémio e a natureza do jogo, indica que se trata de uma “modalidade afim de jogo de fortuna ou azar e outras formas de jogo”. Como tal corresponde a um ilícito contra-ordenacional, p. e p. pelo artigo 159º do Decreto-Lei n.º 422/89, de 02 de Dezembro.
Assim, não obstante por razões diversas, concorda-se com a decisão do tribunal recorrido que concluiu que as máquinas em causa não se destinam à prática de jogos de fortuna ou azar, mas sim de modalidades afins, integrando pois a actuação dos arguidos a prática de uma contra-ordenação.
Por isso o recurso deve improceder.
*
C - Dispositivo:
Assim, em face do exposto, acordam os Juízes que compõem a Secção Criminal deste tribunal – não obstante por razões diferentes das que sustentaram a decisão recorrida - em negar provimento ao recurso interposto e, consequentemente, confirmam a decisão recorrida.
Notifique.
Sem custas.
Évora, 3 de Junho de 2008
(Processado e revisto pelo relator)

João Gomes de Sousa

Notas:
Cfr:
Acórdão do STJ de 28/11/2007 em www.dgsi.pt/stj nº =7P3186;
Acórdão do TRE de 11/07/2006, agora, em www.dgsi.pt/tre Proc. nº 1254/06-1
Acórdão do TRE de 13/02/2007, em CJ ano XXXII, 2007, tomo I, pág.258;
Acórdão do TRE de 19/10/1999, CJ XXIV- 1999, tomo IV pág 296;
Acórdão do TRL de 21/03/06 CJ XXXI, 2006, tomo II, pág. 120;
Acórdão do TRL de 26/10/2005, CJ ano XXX, 2005, tomo IV, pág. 147;
Acórdão do TRL de 10/02/2005, CJ XXX, 2005, tomo I, pág 141;
Acórdão do TRL de 21/05/2002, CJ XXVII, 2002, tomo III, pág 12;
Acórdão do TRP de 07/02/07, CJ XXXII, 2007, tomo I, pág 209.
Chambel Mourisco




_____________________________

[1] - V. gratia os acórdãos 93/01, 99/02 e 161/02.
[2] - Carlos Alberto da Mota Pinto, “Jogo e Aposta - Subsídios de Fundamentação Ética e Histórico-Jurídica”, Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, 1982, págs. 30-31 e 36) citado pelo acórdão do TC nº 633/06.
[3] - Acórdão da Relação do Porto de 25-09-2002, no proc. 0210716, relator Clemente Lima.
[4] - No que secundamos, com ligeira diferença terminológica, o já decidido pelo acórdão de 13 de Fevereiro de 2007 desta Relação de Évora (recurso nº 2.515/07 - C.J. I, 258, relatora Pilar Oliveira).