Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
8818/17.9T8STB.E1
Relator: CONCEIÇÃO FERREIRA
Descritores: SEGURO OBRIGATÓRIO
DESPORTO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
Data do Acordão: 01/30/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: Embora o entendimento não seja uniforme, a jurisprudência tem reconhecido que, no âmbito do contrato de seguro desportivo, que cobre, por um lado, o pagamento de um capital por morte ou invalidez permanente, total ou parcial, e, por outro, o pagamento de despesas de tratamento, incluindo hospitalar, e de repatriamento, não distinguindo a lei entre o dano patrimonial e o dano não patrimonial, também não deve o intérprete distinguir, sob pena de subversão do espírito do legislador, sendo, por isso, nele contemplado o ressarcimento dos danos em qualquer das vertentes.
Decisão Texto Integral: Apelação nº 8818/17.9T8STB.E1 (2ª Secção Cível)






ACORDAM OS JUÍZES DA SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA

(…) instaurou ação declarativa de condenação com processo comum contra (…) Europe, Limited – Sucursal de Portugal e Associação Futebol de Setúbal, que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal (Juízo Local Cível de Setúbal - Juiz 3) peticionando a condenação da 1.ª ré, e subsidiariamente da 2.ª ré, no pagamento da quantia de € 180,00 a título de danos patrimoniais e da quantia de € 40.000,00 a título de compensação por danos não patrimoniais, em consequência de lesão sofrida enquanto atleta, decorrente de uma queda no balneário do clube desportivo onde treinava e da qual resultou uma desvalorização atribuída pela ré seguradora de 8% a título de incapacidade permanente parcial, sendo a 2.ª ré responsável civilmente pelos seus atletas amadores inscritos, em caso de eventual cláusula contratual de exclusão de pagamento de quantia indemnizatória no contrato de seguro desportivo de acidentes pessoais que contratualizou com a 1ª ré.
Citadas, as rés vieram contestar.
A 1ª ré alegou, em síntese, que a apólice de seguro contratada exclui a indemnização por invalidez permanente igual ou inferior a 10%, assim como pelos danos não patrimoniais, existindo um limite máximo previsto para os atos médicos fora da rede convencionada, concluindo que nessa medida nada mais há a ressarcir ao autor.
A 2.ª ré alegou, em síntese, ser parte ilegítima na ação, invocando que transferiu para a 1.ª ré todos os riscos decorrentes da prática desportiva dos atletas, a que acresce que o acidente descrito não se integra sequer no âmbito do conceito legal de “prática desportiva” previsto pelo DL 10/2009 e que, a existir qualquer responsabilidade, será do próprio clube desportivo em cujas instalações se deu a queda, requerendo em consequência a respetiva intervenção nos autos.
O autor respondeu às exceções, defendendo a nulidade da cláusula do contrato de seguro que exclui a indemnização de IPP inferior a 10%, assim como dos danos não patrimoniais e, se assim não se entender, é responsável a 1.ª ré por violação da obrigação de celebrar um contrato de seguro válido.
Foi determinada a intervenção principal provocada do clube de futebol, (…) Futebol Clube e nessa sequência, o autor foi convidado a aperfeiçoar a petição inicial, concretizando os factos constitutivos que fundamentam a obrigação de indemnizar por parte do interveniente principal, que não contestou a ação.
No saneador julgou-se improcedente a exceção de ilegitimidade passiva, e fixou-se o objeto do processo e os temas de prova.
Após audiência final foi proferida sentença em cujo dispositivo consta:
Pelo exposto, julgo a ação parcialmente procedente e, em consequência:
a) Condeno a ré (…) Europe, Limited – Sucursal de Portugal a pagar ao autor (…) a quantia de € 3.393,94 (três mil, trezentos e noventa e três euros e noventa e quatro cêntimos) a título de capital pela IPP, e a quantia de € 80,00 (oitenta euros) a título de reembolso das despesas de saúde, absolvendo-a do demais peticionado;
b) Absolvo a ré Associação Futebol de Setúbal e o interveniente principal (…) Futebol Clube do pedido.
Custas a cargo do autor e da 1.ª ré, na proporção do decaimento e sem prejuízo do apoio concedido ao autor”.
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Não se conformando com a decisão, interpôs dela, o autor, bem como a ré, recurso, tendo apresentado as respetivas alegações e formulado as seguintes conclusões que se transcrevem:
O autor
A) O Recorrente sofreu acidente coberto por seguro obrigatório desportivo;
B) O acidente que sofreu determinou-lhe uma Incapacidade Permanente Parcial de 8%;
C) Do mesmo resultaram-lhe diversos danos de natureza não patrimonial, dados como provados na Douta Sentença de que se recorre. Estando deste modo o Tribunal a quo em condição de fixar um quantum indemnizatório.
D) Não obstante ter-se dados como provados aqueles danos, devidamente peticionados, o Tribunal a quo concluiu que (…) pese embora os evidentes danos não patrimoniais sofridos pelo Autor e cuja existência não se põe em causa, certo é que a 1ª Ré não está obrigada, nem contratualmente nem legalmente, a garantir o pagamento de qualquer indemnização/compensação a esse título, improcedendo por isso o pedido nesta parte”.
E) Entende o Tribunal a quo que: “… o propósito legislativo subjacente à criação do seguro desportivo obrigatório também não implica que sejam, nesse âmbito, compensáveis os danos não patrimoniais sofrido pelo segurado (o que não consta no artº 5º do Dec.-Lei nº 10/2009).
F) Salvo o devido respeito, faz o Tribunal a quo uma errada interpretação da norma.
G) Os danos não patrimoniais não estão excluídos nem dos contratos nem da lei, não existe qualificação da natureza do dano indemnizável e, como tal, não existe exclusão de que o dano a cobrir seja de natureza não patrimonial.
H) O D.L. 10/2009 de 12 de Janeiro, sujeitou a cobertura dos riscos de acidentes pessoais inerentes à atividade desportiva ao regime de seguro obrigatório, aliás, sujeição que já se tinha instituído com o D.L. 146/93, de 26 de Abril.
I) Trata-se, deste modo, de um seguro de pessoas que cobre os riscos relativos à integridade física dos praticantes desportivos – não exclui que se indemnizem danos não patrimoniais, desde que estes, como refere a parte final do nº 1 do artigo 496º do CC “… pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito”.
J) A cobertura de danos não patrimoniais em sede de responsabilidade pelo risco é genericamente aceite pela doutrina, designadamente, entre outros, Mário Júlio de Almeida Costa que refere: “quanto à responsabilidade civil pelo risco, a solução logo decorre de se lhe estenderem [à responsabilidade pelo risco], na parte aplicável, as disposições respeitantes à responsabilidade por factos ilícitos (artigo 499º [do CC]” in (Direito das Obrigações, 11ª ed., revista e atualizada, Almedina, Coimbra, 2008, p. 603).
K) A cobertura prevista no artigo 5º, nº 2, al. a), do Regime Jurídico do Seguro Desportivo Obrigatório, aprovado pelo D.L. 10/2009, de 12 de Janeiro, abrange o pagamento de um capital por morte ou invalidez permanente, total ou parcial, decorrente de sinistro no âmbito de atividade desportiva.
L) O contrato de seguro desportivo cobre, por um lado, o pagamento de um capital por morte ou invalidez permanente, total ou parcial, e por outro, o pagamento de despesas de tratamento, incluindo hospitalar, e de repatriamento, não distinguindo entre o dano patrimonial e o dano não patrimonial.
M) Ora, se a lei não distingue, não pode o intérprete distinguir sob pena de subversão do espírito do legislador.
N) Até porque de uma Incapacidade Permanente não resultam tão só danos patrimoniais.
O) Nesta senda verte, precisamente, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 09/07/2014, proferido no Proc. 1118/2002.L1.2, Relator Olindo Geraldes, disponível em www.dgsi.pt que refere “… Na verdade, a lei, quanto ao contrato de seguro desportivo, que cobre, por um lado, o pagamento de um capital por morte ou invalidez permanente, total ou parcial, e por outro, o pagamento de despesas de tratamento, incluindo hospitalar e de repatriamento, não distingue entre o dano patrimonial e dano não patrimonial. Não distinguindo a lei, também o intérprete não pode distinguir, sob pena de subversão do espírito do legislador. Este quando entendeu diferenciar, fê-lo claramente, como sucedeu no âmbito das exclusões, no seguro obrigatório, ou de garantia material do fundo de Garantia Automóvel, em cujas normas se referem, especificamente, os “danos materiais” por contraposição aos danos não patrimoniais (artº 14º e 49º do D.L. nº 291/2007, de 21 de Agosto). Deste modo, contemplando o seguro desportivo também a reparação dos danos não patrimoniais, apresenta-se justa e legal a atribuição da indemnização por danos não patrimoniais, assente na responsabilidade objetiva, resultante do seguro desportivo…”
P) Neste sentido ainda, entre outros, o Acórdão da Relação do Porto de 15/11/2018, proferido no processo nº 1751/14.8TBVCD.P1, disponível em www.dgsi.pt.
Q) Os danos sofridos pelo Recorrente, e dados como provados em sede de sentença, de que se recorre, em consequência do acidente são graves e irreversíveis, comprometendo a sua qualidade de vida até aos finais dos seus dias, e bem a sim comprometeram as suas ambições de estudo e profissionais, pelo que merecem, pela sua gravidade, a tutela do direito.
R) Pelo exposto, a Douta Sentença violou as normas constantes do D.L. 10/2009, de 12 de Janeiro e os artigos 138º, nº 2 e 146º do Regime Jurídico do Contrato de Seguro (D.L. 147/2015, de 09/09), pelo que deve ser revogada quanto a essa parte e substituída por outra que condene a 1ª Ré no pagamento de indemnização pelos danos morais sofridos e devidamente provados pela Sentença Recorrida.”

A ré
I- No entender da Recorrente e Recorrida (…), a sentença posta em crise decidiu corretamente ao não atribuir qualquer para ressarcimento de um suposto dano não patrimonial sofrido pelo Autor;
II- O tribunal fez uma correta interpretação do propósito legislativo subjacente à criação do seguro desportivo obrigatório relativamente à não compensação de danos não patrimoniais sofridos pelo segurado – cfr. Dec.- Lei nº 10/2009, n.º 5;
III- Contudo, a ora Recorrente discorda da citada decisão relativamente à forma de cálculo aplicada pela Mma. Juíza para atribuição da indemnização por incapacidade permanente atribuída ao lesado;
IV- Assim o presente Recurso Subordinado tem como fundamento a incorreta interpretação da apólice de seguro e, consequentemente, o cálculo incorreto do montante a atribuir a título de indemnização por IPP;
V- Considerou o Tribunal a quo “(…) dado que a atribuição da totalidade do capital seguro (€ 28.000,00) depende da incapacidade permanente de grau igual ou superior a 66%, o quantitativo do capital a atribuir deve ser fixado em termos proporcionais, mediante cálculo aritmético que faça equivaler a IPP de 66% à totalidade do capital garantido (100%) tal como consta no contrato.”;
VI- Entendeu-se que o produto do capital e da incapacidade deverá ser dividido por 66 e não por 100, já que a apólice faz equivaler a 100% as incapacidades iguais ou superiores a 66%, fixando o valor indemnizatório fixa-se em € 3.393,94 (28.000,00 x 8 : 66);
VII- A aqui Recorrente não pode concordar com a fórmula de cálculo utilizada pelo Tribunal;
VIII- A prestação da seguradora caracteriza-se como sendo uma prestação de suportação do risco e está intimamente ligada ao interesse do credor nessa assunção;
IX- Assim, caberá à seguradora pagar o capital definido na apólice, multiplicado pela percentagem da incapacidade de que ficou a padecer o lesado;
X- Nada impede as partes (tomador e seguradora) de assim contratar, na medida em que o clausulado não é contrário à lei;
XI- Neste sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 08.09.2016 utiliza a seguinte forma de cálculo:
“Por isso, a fixação do capital devido em € 4.050 ao Autor que foi preconizada pelo acórdão recorrido não merece censura, já traduz a mera aplicação de uma regra de três simples que tem em conta o valor da totalidade do capital seguro, a falada correspondência ao grau máximo de invalidez e o grau de incapacidade de que aquele padece, apresentando-se esquematicamente da seguinte forma:
100% ________ 27.000
15%________ 4.050.”
XII- A forma de cálculo correta para determinação do valor indemnizatório no caso concreto deveria ter sido a seguinte:
€ 28.000,00 x 8% : 100 = € 2.240,00
XIII- Face ao exposto, deverá a sentença recorrida ser substituída por outra que atribua indemnização a título de incapacidade parcial permanente recorrendo ao simples cálculo aritmético de multiplicação do valor do capital previsto pela percentagem de incapacidade de que padece o lesado (€ 28 000,00 x 8% = € 2 240,00)”.


A 2ª ré apresentou alegações defendendo a manutenção do decidido. A 1º ré, também contra-alegou relativamente ao recurso interposto pelo autor concluindo pela improcedência do mesmo.

Cumpre apreciar e decidir

O objeto do recurso é delimitado pelas suas conclusões, não podendo o tribunal superior conhecer de questões que aí não constem, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento é oficioso.

Tendo por alicerce as conclusões formuladas em ambos os recursos, as questões que importa apreciar são as seguintes:
1ª – Do direito do autor ao ressarcimento por danos não patrimoniais no âmbito de cobertura do contrato de seguro.
2ª – Do montante a atribuir pelo ressarcimento dos danos sofridos pelo autor.
Na 1ª instância foram considerados provados os seguintes factos:
1 – O autor nasceu em 27.04.2000.
2 – Desde criança que o autor é jogador de futebol amador no (…) Futebol Clube, sendo que à data dos factos estava integrado no escalão de iniciados.
3 - No dia 16 de Dezembro de 2014, após o treino, o autor deslocou-se ao balneário do (…) Futebol Clube, onde tomou banho.
4 - O balneário do Clube tem cerca de vinte metros quadrados e a zona de banhos/ duches é próxima do WC, do qual dista cerca de um a dois metros.
5 - No momento dos factos, já vários atletas tinham tomado banho anteriormente e o piso do balneário encontrava-se molhado.
6 - Ao sair do duche e quando se dirigia ao WC, em circunstâncias não totalmente apuradas o autor escorregou e caiu de costas.
7 - Ao escorregar, os pés ergueram-se, tendo o autor embatido com violência com o pé direito no vidro da porta do WC.
8 - Na sequência desse embate, o pé do autor atravessou o vidro da referida porta, que se partiu, causando-lhe um corte com abundante sangramento.
9 – Os outros atletas que se encontravam no balneário, também menores de idade, começaram a gritar e saíram a correr sem prestar auxilio ao autor.
10 – O autor, ainda em estado de nudez, arrastou-se para o exterior a gritar e a pedir socorro.
11 - Alguns pais que se encontravam no campo aproximaram-se e chamaram de imediato o INEM.
12 - Com a chegada do INEM àquele local, e após prestados os primeiros socorros no sentido de tentar estancar o abundante sangramento, o autor foi encaminhado para as urgências do Hospital de S. Bernardo, em Setúbal.
13 - No serviço de urgências daquele Hospital, o autor foi sujeito a intervenção cirúrgica de urgência para suturar as zonas cortadas pelo vidro, com vista a estancar a hemorragia que já o tinha feito perder demasiado sangue.
14 - Ficando, contudo, uma zona aberta e não tendo sido extraídos todos os pedaços de vidro alojados no pé do autor.
15 - Após, foi dada alta ao autor com a prescrição apenas de medicamentação analgésica e indicação de que deveria permanecer o máximo de tempo deitado com o pé em posição superior ao corpo.
16 - Em consequência dos factos supra descritos, o autor sofreu lesão tibial posterior com desnervação total no curto flexor direito – perda total de um dos nervos e parcial de outro, e afetação do tendão de Aquiles.
17 - O autor sentiu muitas dores.
18 - Já em casa, o pé continuava a inchar e a sutura apresentava sinais de infeção.
19 - Várias vezes, ao levantar-se, o autor sentia-se mal e sentia-se a perder a consciência.
20 – A conselho da enfermeira responsável pela troca dos pensos, o autor consultou o médico de família, Dr. (…).
21 - O médico de família prescreveu-lhe antibiótico e determinou a realização de análises ao sangue.
22 - Do resultado dessas análises, veio a constatar-se grande carência de ferro, o que estava a causar os vários desmaios que o autor sofreu nesses dias.
23 - Foi-lhe então prescrito ferro bebível, com vista a combater a referida carência, o que o autor fez pelo menos durante três meses.
24 - O (…) Futebol Clube participou o sucedido à 1.ª ré.
25 - O autor passou a ser assistido e acompanhado pelos médicos da seguradora, incluindo em consultas e exames médicos especializados.
26 - Após ter recuperado da infeção e quando a sutura começou a cicatrizar, o autor iniciou tratamentos de fisioterapia através dos serviços médicos da 1.ª ré, visando a recuperação da sensibilidade do pé e a mobilidade.
27 - No dia 12.05.2016, foi-lhe dada alta médica pelos serviços médicos da 1.ª ré, com a indicação de “curado sem desvalorização”.
28 - No entanto, o autor continuava a sofrer com dores no pé e sentir variadas limitações a nível da mobilidade.
29 - Uma vez que se mantinham tais queixas e por indicação do médico de família, o autor consultou o Dr. (…), médico ortopedista.
30 - Após várias consultas e realização de exames médicos adicionais, em 30.03.2017 o Dr. (…) emitiu parecer concluindo pela existência de sequelas da lesão do nervo tibial posterior, com limitações a nível de mobilidade irreversíveis a nível do nervo periférico que deveriam ser valoradas.
31 - Nessa sequência, o autor requereu à 1ª ré a reavaliação da sua condição física e de saúde.
32 - A fim de apurar se tais sequelas decorriam do evento, a 1ª ré agendou nova consulta ao autor para o dia 10.08.2017 na Clínica do (…).
33 - Os serviços médicos da 1ª ré procederam à avaliação das sequelas, concluindo pela atribuição ao autor de uma desvalorização de 8% a título de Incapacidade Permanente Parcial.
34 - Do respetivo Boletim de Avaliação de Incapacidade em Direito Civil, junto a fls. 22/23, consta igualmente o seguinte:
- Dano Biológico - 8 pontos
- Ajuda de 3ª pessoa de 16/12/2014 a 31/12/2014
- Quantum Doloris (1-7pontos) – 4 pontos
- Dano Estético (1-7 pontos) – 2 pontos.
(…)
Repercussão de sequelas com rebate profissional:
Pretendia em termos escolares frequentar um Curso da Área do Desporto, admito que devido às sequelas resultantes do acidente já não possa frequentar. Dificuldade em correr e jogar futebol.
(…)
Períodos de Incapacidade
ITGP - de 16/12/2014 até 12/05/2016
(…)
35 – Nas semanas que se seguiram à queda, o autor não conseguia descansar devido às fortes dores que sentia e à falta de posição do corpo.
36 - Carecendo de auxílio permanente para se levantar e andar, bem como para as atividades da vida diária como a sua higiene pessoal.
37 - Inclusive, nos primeiros dias tinha que ser levantado e deslocado em braços.
38 - Durante várias semanas, foram saindo vidros da ferida aberta que ficou no pé do autor.
39 - Quando começou a conseguir colocar o pé no chão, o autor constatou que não tinha sensibilidade e que a marcha era descoordenada.
40 - Apesar de ter recuperado através da fisioterapia, ainda hoje o autor se queixa de dormência no pé e falta de sensibilidade.
41 - O que determina que, por vezes, não ande normalmente, arrastando um pouco aquele pé.
42 - Apesar de ter voltado a praticar futebol, o autor deixou de conseguir fazer um jogo completo.
43 - Atividade que mantém apenas pela grande paixão que tem pelo futebol.
44 - O autor mantém limitações em particular nos movimentos de rotação e, quando em esforço, o pé fica inchado e o autor vê-se obrigado a parar o exercício.
45 - Na escola, o autor chegou a ser dispensado pelo professor de Educação Física das suas aulas, por não considerar adequado e compatível com a sua condição física.
46 - O autor tinha ambição de prosseguir os estudos na Área do Desporto.
47 - A impossibilidade de o fazer, por não conseguir realizar vários movimentos, nem em todos os tipos de pavimento, causam grande tristeza no autor.
48 - O pé afetado apresenta cicatrizes, o que afeta a autoestima do autor.
49 - O autor usa sempre meia elástica, quer pelo conforto físico, quer para esconder aquelas marcas.
50 - O autor despendeu o montante total de € 180,00 em consultas junto do Dr. (…).
51 - A 1.ª ré celebrou com a “Associação de Futebol de Setúbal”, 2.ª ré, um contrato de seguro de grupo do ramo de acidentes pessoais desportivos, titulado pela apólice n.º (…) e mediante o qual obrigou-se a cobrir os acidentes pessoais de que fossem vítimas os praticantes desportivos amadores (pessoas seguras) dos clubes filiados na referida Associação (Tomador).
52 - Prevendo-se nas respetivas Condições Particulares o seguinte:
Risco Seguro
Risco Extra-Profissional, entendendo-se como tal o desempenho de funções inerentes à prática desportiva amadora de Futebol, exclusivamente, e nos termos estabelecidos no Decreto-Lei 10/2009, de 12 de Janeiro.
[…]
2. Actividade Segura
Prática Desportiva Amadora de Futebol.
[…]
5. Âmbito da Cobertura
Danos Corporais sofridos pelas Pessoas Seguras, até aos limites adiante indicados, em consequência de acidentes ocorridos em resultado da Actividade Segura, incluindo deslocações em qualquer meio de transporte de e para os locais onde tenham lugar as referidas actividades, desde que em representação de clubes inscritos na Federação Portuguesa de Futebol, e de acordo com os termos e condições dispostos nas Condições gerais, Especiais e Particulares aplicáveis.
6. Coberturas e Capitais Seguros
A. Morte ou Invalidez Permanente por Acidente 28.000,00 €
B. Despesas de Tratamento por Acidente 5.000,00 €
[…]
9. Restantes Termos e Condições
(…)
A Invalidez Permanente igual ou inferior a 10% não é indemnizável, no entanto, se o grau de invalidez for igual ou superior a 66% será equiparado a 100%.”
53 - À cobertura de Despesas de Tratamento aplica-se uma franquia de € 90,00 por sinistro para os escalões de petizes, traquinas, benjamins e infantis, sendo que aos restantes se aplica uma franquia de € 187,50 por sinistro (cfr. cláusula 7.ª), franquia essa que já foi deduzida ao autor sinistrado.
54 - Os prestadores a que o autor recorreu e onde efetuou as despesas acima indicadas, em consultas de Ortopedia, não se encontram protocolados com a 1.ª ré (prestadores denominados “fora da rede convencionada”).
55 – Prevendo-se na cláusula 9.ª das Condições Particulares da apólice que «No caso de uma Pessoa Segura optar por efetuar uma Cirurgia ou um outro qualquer tratamento médico, num estabelecimento que não o designado pela Seguradora, carecerá ainda assim de pré-autorização e pagamento das respetivas despesas será limitado ao valor que a mesma cirurgia custaria na Entidade designada».
56 – Mais se prevendo que as consultas de Ortopedia realizadas pelos segurados, fora da rede convencionada, ficam cobertas até ao limite de € 80,00 por sinistro, independentemente do número de consultas e exames efetuados – cfr. cláusula 11.ª / tratamento em ambulatório.

Com interesse para a decisão, não resultaram provados os seguintes factos:
1 - O autor, após o duche e ao dirigir-se ao wc, sentiu uma ligeira tontura e embateu na porta, empurrando-a contra a parede, o que fez com que se partisse o respetivo vidro que caiu em cima do pé.
2 - O piso do balneário não era antiderrapante mas sim em cerâmica normal, sendo por si só escorregadio.
3 - O vidro da porta do wc não era nem temperado nem biselado.
4 - Desde a altura do acidente, o autor começou a perder muito cabelo, o que é consequência da medicamentação e do estado de grande nervosismo e ansiedade que o acidente e as suas sequelas acarretaram.
5 - Foi também diagnosticada ao autor uma pedra na vesícula, causada pela toma prolongada de ferro.


Conhecendo da 1ª questão
Entende o recorrente que tem direito a ser indemnizado pelos danos não patrimoniais sofridos em consequência da lesão ocorrida no balneário do clube onde era jogador amador de futebol, no escalão de iniciados, pretendendo que a 1ª ré seja condenada no pagamento de indemnização pelos danos sofridos e devidamente provados na sentença.
Na sentença recorrida a Mª Juiz julgou improcedente o pedido formulado pelo autor, no que diz respeito a danos não patrimoniais, porque considerou que o contrato de seguro desportivo, nada dispondo a esse propósito, não abrange as consequências não patrimoniais sofridas pelo lesado, pois tal não consta no artº 5 do Dec.-Lei nº 10/2009.
Mais acrescenta que a indemnização baseada na apólice de seguro desportivo tem uma natureza própria de seguro de capitais, não incluindo danos não patrimoniais puros.
Reconhece os danos não patrimoniais sofridos pelo autor, os quais não são postos em causa, no entanto refere que a 1ª ré não está obrigada, nem contratual nem legalmente a garantir o pagamento de qualquer indemnização/compensação a esse título.
Vejamos, se assiste razão ao autor.
Conforme é referido na sentença recorrida, estamos no âmbito do contrato de seguro de acidentes pessoais desportivos, celebrado nos termos e para os efeitos do DL nº 10/2009, de 12/01, o qual estabelece o regime jurídico do seguro desportivo obrigatório.
Estamos perante um contrato de seguro de pessoas cujo risco seguro é o inerente à prática desportiva amadora de futebol, que tem como elemento regulador o DL. 10/2009, de 12/01, e envolve danos corporais sofridos pelas pessoas seguras, dentro de determinados limites, em que para a morte ou invalidez permanente por acidente, foi previsto o montante de € 28.000,00 (condições particulares do contrato de seguro junto aos autos). No contrato outorgado entre a ré seguradora e a Associação de Futebol de Setúbal, não foi contemplado, expressamente, o dano moral emergente do acidente desportivo. Mas isto não significa que tenha sido excluído e que não esteja previsto no artigo 5º do DL. 10/2009, de 12/01. É uma questão interpretativa do contrato e da norma.
No caso dos presentes autos, estamos perante seguro obrigatório, modelado nos seus aspetos essenciais pelo regime legal respetivo, o do DL 10/2009, de 12 de janeiro (Regime jurídico do Seguro Desportivo Obrigatório), que no seu artigo 5º, sob a epígrafe “coberturas mínimas”, dispõe que «o seguro desportivo cobre os riscos de acidentes pessoais inerentes à respetiva atividade desportiva, nomeadamente os que decorrem dos treinos, das provas desportivas e respetivas deslocações, dentro e fora do território português» (nº 1). Prevendo, entre as coberturas abrangidas pelo seguro o «pagamento de um capital por morte ou invalidez permanente, total ou parcial, por acidente decorrente da atividade desportiva» (nº 2-a). No artº 6º, acautelou-se expressamente que «as apólices de seguro desportivo não podem conter exclusões que, interpretadas individualmente ou consideradas no seu conjunto, sejam contrárias à natureza da atividade desportiva ou provoquem um esvaziamento do objeto do contrato de seguro». Preceito que se considerou estruturante, merecendo referência expressa no preâmbulo do diploma que aprovou o regime. Sendo certo que este esvaziamento do objeto só se pode reportar a estipulações que contrariem o regime que resulta daquela lei.
Relativamente à cobertura do seguro abranger ou não o ressarcimento de danos não patrimoniais, entendeu a sentença recorrida que não, mas que, quanto a nós, não tem fundamento válido.
O seguro em causa nos autos, é um seguro de pessoas, referido aos riscos relativos á integridade física dos praticantes desportivos.
Conforme provado no ponto 33, os serviços médicos da 1ª ré procederam à avaliação das sequelas, concluindo pela atribuição ao autor de uma desvalorização de 8%, a título de Incapacidade Permanente Parcial.
Da incapacidade permanente não resultam tão só danos patrimoniais, mas também danos não patrimoniais.
Embora o entendimento não seja uniforme a jurisprudência tem reconhecido que no âmbito do contrato de seguro desportivo, que cobre por um lado, o pagamento de um capital por morte ou invalidez permanente, total ou parcial, e, por outro, o pagamento de despesas de tratamento, incluindo hospitalar, e de repatriamento, não distinguindo a lei entre o dano patrimonial e o dano não patrimonial, também não deve o intérprete distinguir, sob pena de subversão do espirito do legislador, sendo, por isso nele contemplado ressarcimento dos danos em qualquer das vertentes (cfr. Ac. do STJ. 04/10/2018, no processo 4575/15.1T8BRG.G1; Ac. do STJ 09/05/2019, no proc. 1751/14.8TBVCD.P1.S1; Ac. do TRL de 09/07/2014, no proc.1118/2002.L1.2; Ac. do TRC de 23/11/2018 no processo 4285/15.0T8CBR.C1; Ac. do TRP de 24/04/2018 no processo 293/13.9TBVFR.P1; A. do TRP de 15/11/2018 no processo 1751/14.8TBVCD.P1; Ac. do TRE de 12/06/2019 no processo 945/13.8TVALR.E1; Ac. do TRG de 03/10/2019 no processo 225/17.0T8CBC.G1 e Ac. do TRG de 28/11/2019 no processo 2541/17.1T8BCL.G1, todos disponíveis em www.dgsi.pt).
Assim, devemos concluir que o contrato de seguro em causa cobre os danos sofridos pelo autor quer na vertente patrimonial, quer na vertente não patrimonial, mas tal entendimento não influirá, como pretende o autor para o efeito da contabilização do montante a fixar como ressarcimento dos danos na sua globalidade, como se irá demonstrar na apreciação da 2ª questão.


Conhecendo da 2ª questão
Embora a cobertura do seguro assegure o ressarcimento dos danos sofridos pelo autor em qualquer uma das modalidades (patrimoniados e não patrimoniais) o ressarcimento dos mesmos não pode deixar de ser efetuado em conformidade o que está pré-determinado na apólice do seguro desportivo, conforme foi o entendimento perfilhado no acórdão do STJ de 07/11/2019 no processo 654/16.6T8ABT.E1.S1, que apreciou acórdão desta Relação proferido em 11/04/2019, cuja fundamentação, a que aderimos, passamos a reproduzir parcialmente, com as alterações textuais ajustadas ao caso em apreço:
Nos termos do artigo 5.º, n.º 1 e 2, do mencionado diploma (Dec. Lei 10/2009, de 12/01), trata-se de um contrato de seguro desportivo que cobre os riscos de acidentes pessoais inerentes à respetiva atividade desportiva, abrangendo as coberturas mínimas de:
a) – Pagamento de um capital por morte ou invalidez permanente, total ou parcial, por acidente decorrente da atividade desportiva;
b) – Pagamento de despesas de tratamento, incluindo internamento hospitalar e de repatriamento.
Assim, pelo menos quanto à primeira vertente, estamos perante um “contrato de seguro de pessoas” que, nos termos conjugados dos artigos 175.º, n.º 1, e 210.º da Lei do Contrato de Seguro (LCS), aprovado pelo Dec. Lei n.º 72/2008, de 16-04, cobre o risco da verificação de lesão corporal, invalidez, temporária ou permanente, ou morte da pessoa segura, por causa súbita, externa e imprevisível.
E, conforme se dispõe o n.º 2 do indicado artigo 175.º, tal contrato pode garantir prestações de valor predeterminado não dependente do efetivo montante do dano e prestações de natureza indemnizatória.
A este propósito, Ana Brilha[1] escreve o seguinte:
«Preocupação universal das sucessivas Leis de Bases do Desporto, a institucionalização de um sistema de seguro obrigatório visa cobrir os riscos a que estão sujeitos os praticantes desportivos e os demais agentes desportivos procurando garantir a existência de meios financeiros para que aqueles possam fazer face às despesas em que tenham de incorrer com tratamentos ou facultando o pagamento de um valor relativo a morte ou invalidez permanente, total ou parcial.
Sobretudo, a institucionalização do seguro desportivo procurou regulamentar de forma adequada a proteção contra acidentes pessoais no âmbito da atividade desportiva, numa lógica de adequação aos riscos próprios da atividade em causa e aos encargos gerados.
Inserindo-se no ramo não vida, o seguro desportivo aproxima-se simultaneamente da figura do seguro de acidentes pessoais e do seguro de bens, configurando-se como um misto de seguro de pessoas e de bens, porquanto visa não só cobrir danos provocados por eventos que afetem a vida, a saúde ou a integridade física do agentes desportivos, mas também visam cobrir os riscos derivados de qualquer evento que provoque danos no património do segurado.»
A mesma Autora[2] refere que “a contratação do seguro visa primacialmente a distribuição do risco inerente a qualquer atividade suscetível de causar dano, aproximando-a do regime da responsabilidade civil objetiva.” E quanto aos riscos derivados de qualquer evento que provoque danos no património do segurado, dá como exemplo “o caso de cobertura de despesas de tratamento e internamento do agente desportivo”[3].
Também José Vasques[4] traça a distinção entre seguros de prestações convencionadas e seguros de prestações indemnizatórias nos seguintes moldes:
«Segundo esta classificação serão seguros de prestações indemnizatórias todos aqueles em que a prestação da seguradora consiste num valor a determinar a partir dos danos resultantes do sinistro e serão seguros de prestações convencionadas todos os restantes (naturalmente que, sendo clausuladas contratualmente, todas as prestações são, nesse sentido, convencionadas, pelo que o sentido que interessa ao texto é o que define as prestações convencionadas como aquelas cujo conteúdo e montante estão previamente definidos, dependendo apenas a sua realização da verificação de determinado evento):»
Sucede que o artigo 16.º do Dec. Lei n.º 10/2009, em termos diferentes do anteriormente fixado no n.º 1.º da Portaria n.º 757/93, estabelece para as coberturas previstas no respetivo artigo 5.º, n.º 2, os seguintes montantes mínimos de capital:
«a) – Morte – (euro) 25.000,00;
b) – Despesa de funeral – (euro) 2.000,00;
c) – Invalidez permanente absoluta – (euro) 25.000,00;
d) – Invalidez permanente parcial – (euro) 25.000,00, ponderado pelo grau de incapacidade fixado;
e) – Despesas de tratamento e repatriamento – (euro) 4.000,00.»
Nesta conformidade, enquanto que as coberturas previstas para as despesas de funeral (alínea b) e para as despesas de tratamento e repatriamento (alínea e) apontam para o montante dessas despesas dentro dos limites ali fixados, já as coberturas por morte (alínea a) ou por invalidez permanente (alíneas c e d) encontram-se configuradas como prestações de capital predeterminadas em função exclusiva da natureza dessas lesões, devendo ainda a invalidez permanente parcial ser ponderada pelo grau de incapacidade que for fixado (alínea d).
Significa isto que estas últimas coberturas (por morte ou por invalidez permanente) se traduzem em obrigação de prestação convencionada independente do valor do dano efetivo e não como prestação indemnizatória propriamente dita, como no caso das referidas coberturas pelas despesas de funeral e de tratamento.
Esta linha de entendimento foi seguida no acórdão do STJ de 08/09/ 2016, proferido no processo n.º 1311/11.5TJVNF.G1.S1[5], ainda no domínio de vigência do Dec. Lei n.º 146/93, de 26-04, citado no acórdão recorrido, ao considerar que, na hipótese de invalidez permanente parcial, “a determinação do quantitativo da atribuição patrimonial devida à pessoa segura em função do sinistro se acha estritamente correlacionada com o grau de invalidez de que aquela ficou a padecer em consequência desse evento” sendo este “o único fator a atender”.
E a mesma linha de entendimento foi adotada também no acórdão do STJ de 06/04/2017, proferido no processo n.º 335/10.4TTOAZ-P1.S1[6], ao concluir que não se vê “como pode ter-se por compreendida no capital por invalidez permanente, para além da estrita indemnização correspondente à percentagem da perda de capacidade aquisitiva, a indemnização por danos não patrimoniais.”
A esse propósito, no referido aresto, é feita a seguinte observação crítica:
«(…) a entender assim, teríamos de aceitar a incongruente solução de que a apólice apenas contemplaria a reparação de danos não patrimoniais em casos de menor gravidade, em que a invalidez permanente fosse de um valor percentual mais baixo, pois o valor do capital disponível para tal indemnização iria diminuindo à medida que fosse subindo o grau de desvalorização funcional permanente. E chegar- -se-ia ao absurdo de, no caso de uma incapacidade permanente absoluta para todo e qualquer trabalho, correspondente a uma IPP de 100%, ou mesmo no caso de um IPP de 66% – potencialmente determinativas de maiores danos em bens de ordem espiritual, atenta a maior gravidade do dano corporal e as maiores limitações físicas que coenvolvem –, a apólice não contemplar a indemnização por danos não patrimoniais por não haver já capital disponível para o efeito.»
Não se ignora, no entanto, a jurisprudência que admite a reparação dos danos não patrimoniais, em caso de invalidez permanente, no âmbito do contrato de seguro desportivo obrigatório, tal como foi entendido, nomeadamente no acórdão do STJ, de 04/10/2018, proferido no processo n.º 4575/15.1 T8BRG.G1[7] (num caso de contrato de seguro relativo a atividade desportiva explorada pela tomadora de seguro nas infraestruturas desportivas de acesso público) e no mais recente acórdão também do STJ, de 09/05/2019, proferido no processo n.º 1751/14.8TBVCD.P1.S1[8], a considerar que a alínea d) do artigo 16.º do Dec. Lei n.º 10/2009, de 12/01, deve ser interpretada no sentido de determinar tão-só o montante máximo de capital devido pela seguradora, devendo, dentro deste limite, ser atendidos tanto os danos patrimoniais como os danos não patrimoniais, considerando nulas as cláusulas que excluam tal atendimento por aplicação conjugada do artigo 6.º do Dec. Lei n.º 10/2009 e do artigo 294.º do CC.
Porém, salvo o devido respeito, uma tal solução não se afigura compatível com a natureza do contrato de seguro desportivo obrigatório por acidentes pessoais tal como se encontra parametrizado em sede de coberturas mínimas no artigo 16.º do referido Dec. Lei n.º 10/2009, ao prever uma prestação de capital pré-determinada, mormente para a invalidez permanente, total ou parcial, sem qualquer consideração pelo valor do dano efetivo.
De salientar que o artigo 5.º, n.º 2, alínea a), do Dec. Lei n.º 10/2009, de 12-01, tal como o artigo 4.º, n.º 1, alínea a), do antecedente Dec. Lei n.º 146/93, de 26-04, estabelece a cobertura mínima abrangida pelo seguro desportivo para o pagamento de um capital (sublinhado nosso) por morte ou invalidez permanente, total ou parcial, por acidente decorrente da atividade desportiva, o que se afigura não equivaler, juridicamente, a pagamento de indemnização propriamente dita em função do dano efetivo ainda que limitada àquele capital.
Poderá discutir-se, de jure condendo, se não seria mais adequado ou justo atender ao dano efetivo como fator complementar na fixação da prestação devida, mas o certo é que este fator não foi erigido como critério legal, nem era imperioso que o fosse, tanto mais que o contrato de seguro de pessoas pode garantir prestações de valor predeterminado não dependente do efetivo montante do dano, como se preconiza no artigo 175.º, n.º 2, da LCS.
De resto, uma solução que se pautasse, sem mais, pelo atendimento do dano efetivo poderia levar até a que a “indemnização” por invalidez permanente ficasse aquém do valor do capital garantido, caso o montante daquele dano fosse porventura inferior a este capital.
Acresce que atender ao valor do dano efetivo, incluindo dos danos não patrimoniais, poderá eclipsar a diferenciação da atribuição patrimonial devida por invalidez permanente absoluta e a devida por invalidez permanente parcial e, no âmbito desta, a que for devida em função dos graus de incapacidade fixados, diferenciação essa, de cariz objetivo, que se encontra bem patente no artigo 16.º, alíneas c) e d) do Dec. Lei n.º 10/2009.
Não parece, por isso, que as exclusões previstas no artigo 6.º desse diploma devam ter um alcance tal que conduzam à obliteração dessa diferenciação legal.
Em suma, a garantia do capital mínimo pela cobertura do contrato de seguro desportivo obrigatório para os casos de invalidez permanente do sinistrado, absoluta ou parcial, estabelecida nas alíneas c) e d) do artigo 16.º do Dec. Lei n.º 10/2009, de forma taxativa, com a ponderação ainda do grau de incapacidade fixado, no caso de invalidez parcial, insere-se perfeitamente no quadro do contrato de seguro de acidentes pessoais na modalidade de prestações de valor predeterminado não dependente do montante efetivo do dano, de modo a proporcionar um ressarcimento do sinistrado a forfait, seja este dano superior ou inferior àquele valor.
Por outro lado, visando-se cobrir o risco de lesões corporais determinativas de invalidez permanente inerentes a acidente em atividades desportivas, nem sequer necessariamente associado à prática de ilícito civil no domínio da responsabilidade extracontratual, não se mostra imperioso que a prestação devida pelo segurador seja aferível pelo dano efetivo ou esteja limitada a este, segundo o princípio indemnizatório consagrado no artigo 128.º da LCS para o contrato de seguro de danos.
Nessa conformidade, não se afigura que a “indemnização” desse modo pré-determinada nas apólices de seguro desportivo sejam, sem mais, contrárias à natureza da atividade desportiva ou provoquem um esvaziamento do objeto do contrato de seguro nos termos e para os efeitos do artigo 6.º do Dec. Lei n.º 10/2009, de 12/01.
No caso vertente, o contrato de seguro desportivo celebrado entre a Seguradora e a Associação de Futebol, titulado pela apólice n.º (…), tendo o A. como beneficiário aderente, garante, no caso de invalidez permanente, a cobertura de € 28.000,00, por acidente, em função do grau de desvalorização sofrido pelo sinistrado, de acordo com a Tabela Nacional para Avaliação de Incapacidades Permanentes em Direito Civil, o que condiz com o critério objetivo imperativamente consagrado no artigo 16.º, alínea d), do Dec. Lei n.º 10/2009.
Assim sendo, atendendo a que o contrato ajuizado, tal como é afirmado na decisão recorrida e não é posto em causa pelas partes, foi celebrado no âmbito deste referido Dec.-Lei o qual estabelece o regime jurídico do seguro desportivo obrigatório, em face do disposto no artigo 8.º, n.º 1 e 3, deste diploma, é de considerar o mesmo equiparado ao contrato de seguro de grupo desportivo obrigatório.
Nessa base, independentemente da natureza patrimonial ou não patrimonial dos danos sofridos pelo A. em consequência do acidente desportivo em causa e do reflexo, no âmbito da sua vida pessoal ou profissional, do défice funcional referente a uma desvalorização de 8% a título de IPP impõe-se arbitrar uma indemnização na proporção desse grau de incapacidade sobre o valor do capital garantido, o que equivale a € 2.240,00 [€ 28.000,00 x 8%].
Nestes termos, é de revogar a sentença recorrida na qual se arbitrou ao autor quantia de € 3.393,94 a título de capital pela IPP, na qual não seguiu a regra de que se 100% de incapacidade corresponde a € 28.000,00, 8% corresponderá a x), passando, assim, tal quantitativo, efetuada a operação aritmética, a ser, como se indicou, no montante de € 2.240,00.

DECISÃO
Pelo exposto, decide-se julgar improcedente o recurso do autor e procedente o recurso da ré e, em consequência, revoga-se a decisão recorrida condenando-se a ré seguradora a pagar ao autor a quantia de € 2.240,00 a título do capital devido pela invalidez permanente de 8 pontos, sofrida em consequência do acidente desportivo em causa.
Sem custas, atendendo a que está apenas em causa o segmento referente às custas de parte e o autor que seria o responsável beneficia de apoio judiciário.
Évora, 30 de janeiro de 2020
Maria da Conceição Ferreira
Rui Manuel Duarte Amorim Machado e Moura
Maria Eduarda Mira Branquinho Canas Mendes



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[1] - Artigo doutrinário intitulado O Novo Regime do Seguro Desportivo – Verdade Inovação?, publicado na Revista Jurídica do Desporto “Desporto e Direito”, Ano VI, Janeiro/Abril 2009, pp 293 e segs..
[2] - Artigo citado, nota 4, p. 293.
[3] - Artigo citado, nota 6, p. 294.
[4] -
In Contrato de Seguro, Coimbra Editora, 1999, p. 47.
[5] - Relatado pelo Cons. Orlando Afonso, disponível na Internet – http://www.dgsi.pt/jstj.ns.
[6] - Relatado pelo Cons. Gonçalves Rocha, disponível na Internet – http://www.dgsi.pt/jstj.ns.
[7] - Relatado pelo Cons. Paulo Sá, disponível na Internet – http://www.dgsi.pt/jstj.ns.
[8] - Relatado pelo Cons. Nuno Oliveira, disponível na Internet – http://www.dgsi.pt/jstj.ns.