Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
124/10.6ZRFAR.E1
Relator: ANA BARATA DE BRITO
Descritores: ARQUIVAMENTO DO INQUÉRITO
ACUSAÇÃO
PROVA DE FACTOS
AUXÍLIO À IMIGRAÇÃO ILEGAL
CO-AUTORIA
Data do Acordão: 09/22/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: 1. Tendo o MP proferido, findo o inquérito, um despacho simultaneamente de arquivamento e de acusação, os factos e as provas dos factos pelos quais o MP arquivou, não podem sustentar depois, em julgamento, a prova (como factos instrumentais dos factos principais) dos factos da acusação e justificar então a condenação do arguido pelo crime da acusação.
2. Age como co-autor e, não, como cúmplice (do crime de auxílio à emigração ilegal do artº 183º, nº 1 e 2 da Lei nº 23/07), o arguido que requer e obtém, nas Finanças a atribuição de NIF a cidadãos estrangeiros, mas que o faz conhecendo e querendo toda a actividade desenvolvida pelos restantes arguidos (de elaboração e uso de contratos de trabalho falsos e de inscrição desses cidadãos na Segurança Social), na prossecução de um objectivo comum visado e querido também por todos, com a intenção concretizada de facilitar e favorecer a permanência (ilegal) de cidadãos estrangeiros em Portugal.
Decisão Texto Integral:


Acordam na Secção Criminal:
1. No Processo nº 124/10.6ZRFARda Comarca de F (A) foi proferido acórdão em que se decidiu: “Condenar a arguida SP pela prática, em concurso real e forma consumada e continuada, de um crime de auxílio à emigração ilegal, p. e p. pelo artº 183º, nº 1 e 2 da Lei nº 23/07 de 04.07, na pena de 3 anos e 6 meses de prisão e um crime de falsificação de documentos, p. e p. pelo artº 256º, nº 1, als. a), d) e e) do CP na pena de 2 anos e 6 meses de prisão; Fixando em 5 anos a pena única que se suspende na execução, sujeitando-se a suspensão a regime de prova que consista em plano de readaptação social a elaborar pela DGRS e a homologar aqui;
Condenar os arguidos JB e LO pela prática, em concurso real, de forma consumada e continuada, de um crime de auxílio à emigração ilegal, p. e p. pelo artº 183º, nº 1 e 2 da Lei nº 23/07 de 04.07, na pena, cada um, de 2 anos e 6 meses de prisão e um crime de falsificação de documentos, p. e p. pelo artº 256º, nº 1, als. a), d) e e) do CP na pena, cada um destes dois arguidos, de 2 anos de prisão; Fixando em 4 anos a pena única de prisão aos arguidos JBe LO que se suspende na execução, sujeitando-se a suspensão a regime de prova que consista em plano de readaptação social a elaborar pela DGRS e a homologar aqui;
Condenar o arguido MB pela prática, em concurso real, de forma consumada e continuada, de um crime de auxílio à emigração ilegal, p. e p. pelo artº 183º, nº 1 e 2 da Lei nº 23/07 de 04.07, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão, que se suspende na execução, sujeitando-se a suspensão a regime de prova nos mesmos termos”.
Inconformado com o decidido, recorreu o arguido MB, concluindo:
“I- A decisão recorrida condenou o ora recorrente/ arguido da prática em concurso real, de forma consumada e continuada, de um crime de auxílio à imigração ilegal, p. e p. pelo artigo 183, nº 1 e 2 da Lei nº 23/07 de 04.07, na pena, de 2 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução, sujeitando-se a suspensão a regime de prova que consista em plano de readaptação social a elaborar pela DGRS.
II- É nula a decisão recorrida, nos termos do disposto no art. 374º nº 2 e 379º al. a) nº 1 do C.P.P. .
III- No douto acórdão não foi feita qualquer conexão que liga cada uma das provas aos correspondentes factos dados como provados na acusação.
IV- O Tribunal “ a quo” não disse como considerou provado os factos da acusação que se referem ao arguido, ora recorrente, assim como nada disse da sua motivação quanto aos factos dados como não provados.
V- Como resulta da disposição legal supra citada, haverá que indicar, sempre, a fundamentação da convicção do julgador relativamente aos factos dados como provados e aos factos dados como não provados. Impunha-se explicar como se comprovaram os factos, importava para tanto ter analisado os documentos e apreciar a versão apresentada pelo arguido, ora recorrente explanando as razões do seu crédito ou descrédito.
VI- Se o Tribunal diz que, quanto ao arguido MB releva também a documentação de fls. 697 a 739, que são contratos de trabalho em que ele figura como entidade patronal e que nunca houve qualquer relação de trabalho com esses cidadãos, e que foram apresentadas na segurança social para inscrição desses cidadãos, deveria o Tribunal ter apreciado a versão do arguido, que disse ter tido conhecimento desses factos quando a Segurança Social o procurou e lhe exibiu esses contratos, que não conhecia os contratos, não foi ele que os assinou, nem conhecia as pessoas que aí constavam como trabalhadores por sua conta. Após, o que o recorrente, foi ao SEF denunciar tal situação, conforme a testemunha M, Inspector do SEF, confirmou tal facto. Mais, relativamente a essa situação e documentação (contratos de trabalho) foi proferido despacho de arquivamento, conforme pág. 11 a 14 do despacho de arquivamento e acusação.
VII- A acusação que foi proferida contra o ora recorrente refere-se a duas situações, de obtenção de NIF para duas cidadãs estrangeiras, figurando como seu representante fiscal.
VIII- A motivação da matéria de facto deve ser de molde a não suscitar dúvidas sobre os meios de prova e as razões que criaram a convicção do Tribunal, relativamente aos factos dados como provados e não provados, o que no caso concreto, não está minimamente retratado.
IX- O exame critico da prova exige, a indicação dos meios de prova que serviram para formar a sua convicção, mas também os elementos que em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos constituem o substrato racional que conduziu a que a convicção do Tribunal se formasse em determinado sentido, ou valorasse de determinada forma os diversos meios de prova apresentados, o que foi omitido.
X- O objecto do processo é delimitado pela acusação ou pelo despacho de pronúncia, quando o haja. Tal é a consequência da estrutura acusatória do processo penal e do princípio do contraditório, relacionando-se com as garantias de defesa do arguido que assim se vê protegido contra o alargamento do objecto do processo, sendo capaz de organizar a respectiva defesa perante os factos de que é acusado, assim o estatuiu o nº 5 do art. 32 da Constituição da Republica Portuguesa e o nº 3 do art. 6 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
XI- No que ao recorrente diz respeito, o Tribunal “ a quo” valorou a listagem de contribuintes representados por si e ainda a documentação de fls. 697 a 739, que constituem contratos de trabalho em que figura como entidade patronal.
XII- Relativamente a essa documentação, contratos de trabalho, o processo foi arquivado pelo Ministério Público, conforme pág. 11 a 14 do despacho de arquivamento e acusação. Sendo aí referido que o arguido MB veio afirmar que nesses documentos juntos aos autos as respectivas assinaturas não são suas e que alguém as falsificou.
XIII- Foi também arquivado, a denúncia referente a outros cidadãos, cujos nomes constam do douto despacho, e outros aí não identificados, que tinham como representantes fiscais alguns dos arguidos, mais concretamente o arguido ora recorrente e MT, por nada mais se ter apurado em relação a essas pessoas, desconhecendo os factos e a sua natureza, pág. 29 do douto despacho de arquivamento.
XIV- Da acusação que foi deduzida esses factos e documentação ficaram excluídos. Pelo que a valoração de tais provas pelo Tribunal constitui violação do disposto no art. 355, 125, 356, 374, 277, 283 do Código de Processo Penal, assim como violação do princípio do acusatório e do contraditório. Para além do que tal prova não foi lida nem examinada em sede de audiência de julgamento. Se tais provas não constituíram indícios suficientes para deduzir acusação contra o ora recorrente, muito menos podem ser valoradas para o condenar.
XV- Assim como o teor da denúncia, de fls. 3, não podia ser valorado no âmbito do processo. (aliás da denúncia nenhuma referência é feita ao arguido ora recorrente).
XVI- O arguido, ora recorrente, foi acusado relativamente a duas situações concretas, quanto à sua alegada participação na legalização ilícita de cidadãos estrangeiros, de ter requerido a solicitação da arguida, NIF para duas cidadãs estrangeiras, (MLC e EC) ficando como seu representante fiscal.
XVII- Está documentado nos autos que o arguido ora recorrente, requereu a atribuição de NIF a essas duas cidadãs estrangeiras, tendo ficado seu representante fiscal. Por essas cidadãs residirem no estrangeiro e para terem NIF em Portugal, é que é exigido um representante fiscal. Daí ficar a constar do pedido do NIF a morada da cidadã no estrangeiro, o que significa que, o que terá de ser exibido é um documento da cidadã que prove a sua morada no estrangeiro e não um atestado da Junta de Freguesia de A, a atestar que reside em A, se assim fosse, não seria necessário ter representante fiscal.
XVIII- Jamais tal situação de ser representante fiscal de cidadãos que não residem em Portugal, poderá configurar a prática de qualquer ilícito, aliás o próprio Inspector do SEF, M, ouvido em Tribunal afirmou tal situação.
XIX- Nem o acto de ser representante fiscal de cidadãos não residentes pode configurar como um dos actos necessários para a prática do crime de legalização ilícita de cidadãos estrangeiros, antes pelo contrário, ao ser representante fiscal está a atestar que o seu representado não é residente.
XX- Nada mais se apurou no processo, a não ser que o arguido ora recorrente requereu a atribuição de NIF dessas duas cidadãs estrangeiras ficando como seu representante fiscal. As cidadãs em causa não foram ouvidas em julgamento. Um dos arguidos foi julgado na ausência e os outros dois arguidos remeteram-se ao silêncio.
XXI- Toda a restante documentação indicada na prova, incluindo relatórios de diligência etc, não se referem ao arguido ora recorrente.
XXII- Nenhuma prova se fez que o arguido tenha comparticipado em qualquer crime, pelo que o arguido deve ser necessariamente absolvido.
XXIII- Não existe, nem o Tribunal o refere na análise crítica da prova, qualquer outra prova, para além daquela que não podia ser valorada, conforme supra exposto.
XXIV- Por outro lado a aplicação das regras da experiencia comum como critério auxiliar à livre apreciação da prova está limitado ao principio da presunção da inocência.
XXV- Ao dar como provados os factos indicados sob os nrs.3, 8, 9, 11, 16, 17, 18, 30, 31, 90, 92, 98, 99 e 100, no que ao arguido ora recorrente concerne, da matéria de facto dada como provada, e não provados os factos 2,3 e 4 da matéria de facto não provada, no que ao arguido concerne, a douta decisão recorrida violou, além das disposições legais supra citadas, o principio da legalidade, da livre apreciação da prova (art. 127º do C.P.P., bem como o artigo 32º nº 1 da Lei Fundamental).
XXVI- Por outro lado, a ser condenado o arguido, o que não se aceita mas se expõe por mero dever de prudente patrocínio, nunca poderia ser como co-autor, mas sim como cúmplice, e nunca podia ser condenado pelo nº2 do art. 183º da Lei 23/07 de 04.07, por não se verificar os seus elementos.
XXVII- A moldura penal abstracta para o crime de auxílio à imigração ilegal é de pena de prisão até 3 anos, nº 1 do art. 183 da Lei nº 23/07 de 04.07, e no seu nº 2, com pena de prisão de um a quatro anos. A Lei nº 29/2012, de 09/08, veio dar nova redacção ao nº 2 do art. 183, passando a pena de prisão de um a cinco anos.
XXVIII- A redacção do art. 183, aplicável nos autos é a redacção dada pela Lei nº 23/07 de 04.07, por ser o regime mais favorável, de acordo com o estabelecido no nº 2 do C.Penal, e não o aplicado pela douta decisão recorrida, que terá aplicado a pena prevista no art. 183, nº 2, na sua actual redacção, dada pela Lei 29/2012.
XXIX- A decisão recorrida violou os princípios da adequação e proporcionalidade da pena, sendo a pena aplicada exagerada, desproporcional e desajustada face às circunstâncias do caso. Uma pena excessiva não cumpre as finalidades de prevenção geral porque intolerável comunitariamente, não realiza as funções de prevenção especial porque o agente não a aceita e tem-na por injusta, não exercendo uma função de emenda cívica, tornando-se um puro desperdício.
XXX- À culpa nos termos dos artigos 40º e 71º do Código Penal, não cabe fornecer a medida da pena, mas o limite máximo que, em caso algum pode exceder, funcionando como antagonista da prevenção pois que, quaisquer que sejam as necessidades de prevenção, jamais estas poderão superar a medida da culpa.
XXXI- Considerando a condição social, pessoal e económica, sempre se mostraria adequada à culpa do arguido e suficiente para realizar a tutela dos bens jurídicos protegidos a aplicação de uma pena de prisão em medida não superior a seis meses, suspensa na sua execução.
XXXII- A decisão recorrida não é justa de direito, foi violado o disposto nos artigos 374º nº 2, 379, 125, 127, 355, 356, 277, 283, do Código de Processo Penal e art. 32º nº 1 da Lei Fundamental, bem como violou os princípios do acusatório e do contraditório e os princípios básicos de determinação da medida da pena, ao arrepio dos critérios previstos nos artigos 2º, 27º, 71º, 40º e 41º do Código Penal.”
O Ministério Público respondeu ao recurso, pronunciando-se desenvolvidamente sobre as questões suscitadas. Pugnou pela improcedência de todas, à excepção da decisão sobre a pena aplicada ao recorrente. Em seu entender, o recurso merece provimento nesta parte, pois o tribunal não procedeu à ponderação da lei penal no tempo.
Neste Tribunal, o Sr. Procurador-geral Adjunto remeteu para a resposta do MP em 1ª instância, nada acrescentando.
Colhidos os Vistos, teve lugar a conferência.

2. No acórdão consideraram-se os seguintes factos provados:
“A arguida SP decidiu, em data não concretamente apurada mas ainda no ano de 2009, que se iria dedicar ao aconselhamento, recolha de documentação e organização dos processos com vista a requerer ao SEF a regularização da permanência em território nacional de cidadãos estrangeiros que a contactassem para o efeito e cuja situação fosse irregular, de forma a receber quantias em dinheiro em troca dessa actividade.
Assim, decidiu que iria requerer a legalização dos cidadãos estrangeiros que a contactassem para o efeito, diligenciando pela obtenção de contratos de trabalho fictícios, números de contribuinte, contas bancárias, morada fiscal e registo na Segurança Social em nome de tais cidadãos estrangeiros, bem como pelo cumprimento de todos os requisitos legalmente exigidos para tal efeito.
Para auferir maiores lucros com tal actividade, a arguida decidiu que seria ela a obter tais elementos, por si ou através da colaboração pessoas das suas relações, nomeadamente os arguidos MB, JB e LO.
Os documentos designados como “contratos de trabalho”, a inscrição dos cidadãos estrangeiros na Segurança Social e a atribuição de número de contribuinte não consubstanciavam qualquer prestação de serviço efectivo ou relação de trabalho, permanente ou esporádico, entre esses cidadãos estrangeiros e as alegadas entidades patronais.
De facto, em tais casos, a arguida obtinha tais elementos e os documentos designados como “contrato de trabalho”, sendo certo que, em todos estes casos, nunca existiu qualquer contrato de trabalho real entre estas pessoas e a entidade patronal indicada nesses documentos.
Não existia qualquer relação de trabalho, não existindo, nomeadamente, o pagamento de qualquer remuneração ou o cumprimento de qualquer horário de trabalho, tratando-se apenas de um estratagema para tentar legalizar a situação de permanência em território português e/ou europeu de alguns dos cidadãos estrangeiros, uma vez que todos conheciam o facto de tais permanências não se encontrarem regularizadas ou autorizadas nos termos legais.
Nestes casos, a arguida exigia ao cidadão que a procurava para o efeito o pagamento de quantia monetária, que nos últimos vezes variavam entre os 150€ e os 500€, ficando o mesmo cidadão obrigado a entregar todas as prestações que fossem exigidas pela Segurança Social, ou por qualquer outra entidade pública.
Deste modo, a arguida receberia como pagamento pelo estratagema para conseguir a legalização do cidadão estrangeiro em situação irregular e com a colaboração dos restantes arguidos das quantias monetárias supra referidas, assim beneficiando de vantagens patrimoniais ilegítimas.
Essas pessoas não se encontravam com a situação devidamente regularizada em território português ou europeu, sendo certo que os arguidos sabiam que, nessas condições, os mesmos não poderiam exercer qualquer actividade profissional e nem estavam autorizados a contratar essa mão-de-obra.
Aos cidadãos estrangeiros que procuraram a arguida era dado a assinar um documento designado como “contrato de trabalho”, no qual a contraparte seria, na qualidade de entidade patronal, o arguido LO ou algum familiar da arguida SP, nomeadamente os seus irmãos JV e TV.
Para o mesmo efeito, os arguidos JB e MB dirigiram-se a Repartições de Finanças situadas em A e em T, onde requeriam a atribuição de um número de contribuinte aos cidadãos estrangeiros que pretendessem a sua situação regularizada.
No seguimento de tal actividade, a partir de data não concretamente apurada, a arguida passou a ser contactada regularmente por cidadãos estrangeiros em situação irregular no território nacional e europeu, que pretendiam regularizar a sua situação no âmbito da Lei nº 23/2007, de 4/7, nos seus artigos 88º nº 2 e 89º nº 2, a qual permitia uma situação especial para legalização de cidadãos estrangeiros, desde que os mesmos fossem titulares de um contrato de trabalho válido para os trabalhadores dependentes, número de contribuinte e a inscrição na Segurança Social, sendo ainda necessária a indicação de endereço de residência em território português e número de contacto telefónico.
Assim, em dia não concretamente apurado de Julho de 2009, MLC, que se encontrava na Holanda desde data não concretamente apurada, e em situação irregular, teve conhecimento de que a arguida SP conseguiria a regularização da sua permanência em território europeu.
Contactada para o efeito a referida arguida, ficou combinada a deslocação da cidadã MLC a Portugal, a qual ocorreu efectivamente em dia não apurado de Setembro de 2009.
Nessa data, MLC abriu uma conta bancária no B x (doravante BX) e combinou com a arguida SP que esta trataria de conseguir os demais e necessários documentos para dar entrada do requerimento para a sua regularização em território nacional.
A arguida solicitou ao arguido MB que se deslocasse a uma repartição de finanças, o que este fez, e requeresse que fosse atribuído um número de contribuinte fiscal a MLC, tendo-o este feito e tendo sido atribuído o NIF 268100110 como sendo o número fiscal da mesma.
Para além disso, o referido arguido adquiriu um livro de recibos verdes em nome da referida MLC.
Para o conseguir, foi exibido um documento emitido pela Junta de Freguesia de A que atestava que a cidadã MLC residia na Praceta das Flores, lote 51, r/c direito, em A.
Esse documento foi emitido em face das declarações da arguida SP e de declarações da sua filha TP.
Sabia a arguida SP que tal declaração de residência não correspondia à realidade, uma vez que MLC não residia nem nunca tinha residido nessa morada.
Com tais elementos na sua posse, a arguida SP procedeu à inscrição na Segurança Social e à entrega da declaração de rendimentos da MLC, referente ao ano fiscal de 2009, no regime simplificado de tributação para trabalhadores independentes.
Para regularização da sua situação na Segurança Social, MLC entregou à arguida SP quantias de valor não concretamente apuradas para esse efeito.
Realizadas todas as referidas diligências, a arguida SP procedeu ao registo da “manifestação de interesse” de MLC, através da internet, alegando o cumprimento de todos os requisitos para a regularização da permanência da referida pessoa em território europeu e particularmente em território português.
MLC pagou à arguida SP a quantia de 350€ pelos serviços desta, acrescentando ainda mais 800€ de despesas pela documentação a entregar e pela renda da casa onde permaneceu no período de 17 de Junho de 2010 a 27 do mesmo mês e ano.
Sabia a arguida SP que a declaração de rendimento de 2009 que preencheu e entregou nas Finanças em nome de MLC e o atestado de residência desta cidadã brasileira que exibiu não correspondiam à realidade.
MLC teve conhecimento do parecer negativo dos serviços competentes para a regularização da sua situação em território português.
No dia 29-08-2009, entrou em território português em situação irregular EC, já com o contacto da arguida SP e com a informação de que esta trataria da regularização da sua permanência em território português.
Contactada a arguida SP, ficou combinado um encontro entre ambas, o qual teve lugar em data não concretamente apurada.
Nessa mesma data, EC abriu uma conta bancária no BX e combinou com a arguida SP que esta trataria de conseguir os demais e necessários documentos para dar entrada do requerimento para a sua regularização.
Assim, a arguida SP solicitou ao arguido MB que se deslocasse a uma repartição de finanças para requerer número fiscal de EC, ficando como seu representante fiscal, o que este fez, tendo sido atribuído à mesma o NIF 268795126 como número fiscal.
Para além disso, o arguido MB adquiriu um livro de recibos verdes em nome de EC.
Para tal efeito a arguida SP exibiu um documento emitido pela Junta de Freguesia de A atestando que EC residia na Rua (...), sendo que esta morada é a da própria arguida.
Esse documento foi emitido em face das declarações da arguida SP e de declarações da sua filha TP.
Sabia a arguida SP que tal declaração de residência não correspondia à realidade, uma vez que EC não residia e nem nunca tinha residido nessa morada.
Com tais elementos na sua posse, a arguida SP procedeu à inscrição na Segurança Social e à entrega da declaração de rendimentos de EC, e que esta assinou, referente ao ano fiscal de 2009, no regime simplificado de tributação para trabalhadores independentes.
Para regularização da sua situação perante a Segurança Social, EC entregou à arguida SP quantias de valor não concretamente apuradas, por transferências bancárias para a conta com o NIB00(...) e da qual a referida é a única titular e que terão servido efectivamente para esse efeito.
Realizadas todas as referidas diligências, a arguida SP procedeu ao registo da “manifestação de interesse” de EC, através da internet, alegando o cumprimento de todos os requisitos para a regularização da permanência da referida pessoa em território europeu e particularmente em território português.
A referida cidadã pagou à arguida SP a quantia de 350€ pelos serviços desta.
Sabia a arguida SP que a declaração de rendimento de 2009 que preencheu e entregou nas Finanças em nome de EC e o atestado de residência desta cidadã brasileira que exibiu não correspondiam à realidade.
Tal requerimento teve parecer negativo dos serviços competentes para a regularização da situação de estrangeiros ilegais em território português.
O cidadão do Nepal SBB entrou em território português em data não concretamente apurada, mas anteriormente ao ano de 2011, e aqui permaneceu em situação irregular.
Também em data não concretamente apurada, o referido cidadão foi informado de que a arguida S se dedicava à regularização de cidadãos estrangeiros cuja permanência em território português não estivesse devidamente regularizada.
Assim, ainda em data não concretamente apurada, mas no início do ano de 2011, SBB entrou em contacto com a referida arguida e ficou combinado um encontro entre ambos, o qual teve lugar em data não concretamente apurada.
Nessa data, ficou combinado com a arguida que esta trataria de conseguir os demais e necessários documentos para dar entrada do requerimento para a sua regularização.
Assim, a arguida solicitou a pessoa não concretamente identificada que se deslocasse a uma repartição de finanças, onde foi requerida a atribuição de um número de contribuinte e onde foi atribuído o NIF 270629602 como sendo o número fiscal de tal cidadão.
Para tais efeitos, a arguida exibiu um documento emitido pela Junta de Freguesia de A, no qual era atestado que o cidadão SBB, residia na rua dos (…).
Esse documento foi emitido em face das declarações de (…).
Sabia a arguida que tal declaração de residência não correspondia à realidade, uma vez que SBB não residia nem nunca tinha residido nessa morada e que as testemunhas supra referidas não prestaram as pretendidas declarações.
Para além disso, a referida arguida exibiu um documento designado como “Contrato de trabalho”, para que o cidadão o assinasse, no qual ficaria a constar uma relação de trabalho, na qual seria entidade patronal JV.
Nunca existiu qualquer relação profissional entre as partes, não existindo, nomeadamente, prestação de trabalho subordinado, vencimento regular ou horário de trabalho permanente, visando a outorga de tal documento fictício apenas a regularização da situação de permanência em território português da referida pessoa perante as autoridades competentes.
Não foi apurada a identidade da pessoa que apôs o carimbo e a assinatura da alegada entidade patronal.
A arguida sabia que o teor do referido documento não correspondia à verdade.
Com tais elementos na sua posse, a arguida SP procedeu à inscrição na Segurança Social do referido cidadão, passando este a entregar àquela os valores mensais de 150€ a título de prestações sociais.
Realizadas todas as referidas diligências, a arguida SP procedeu ao registo da “manifestação de interesse” do SBB, via internet, alegando o cumprimento de todos os requisitos para a regularização da permanência da referida pessoa em território europeu e particularmente em território português.
O referido cidadão pagou à arguida SP a quantia de 300€ pelos serviços desta.
Em dia não concretamente apurado de Fevereiro de 2010, SKB, entrou em território português em situação irregular, não dispondo de qualquer visto para o efeito.
Em Abril desse ano, teve conhecimento de que a arguida diligenciaria pela regularização da sua permanência em território europeu.
Contactada a referida arguida, ficou combinado um encontro entre ambas, o qual teve lugar em dia não apurado de Abril de 2010.
Nessa data, a referida cidadã entregou à arguida a quantia de 300€ pelos serviços desta, que trataria de conseguir os demais e necessários documentos para dar entrada do requerimento ao SEF para a sua regularização.
Assim, a arguida solicitou ao arguido JRB que se deslocasse a uma repartição de finanças, tendo este ficado como representante fiscal e onde este requereu que fosse atribuído um número de contribuinte à referida cidadão, tendo-lhe sido atribuído efectivamente o NIF 269839208.
Para tais efeitos os arguidos declararam como domicílio fiscal de SKB a Rua (…), residência essa que era efectivamente a do arguido JRB.
Sabiam ambos os arguidos que tal declaração de residência fiscal não correspondia à realidade, uma vez que SKB não residia nem nunca tinha residido nessa morada.
Com tais elementos na sua posse, a arguida SP procedeu à inscrição daquela na Segurança Social e à entrega da declaração de início de actividade de prestação de serviços para trabalhadores independentes.
Para regularização da sua situação perante a Segurança Social, SKB entregou à arguida SP quantias de valor não concretamente apurado.
Realizadas todas as referidas diligências, a arguida SP procedeu ao registo da “manifestação de interesse” de SKB, via internet, alegando o cumprimento de todos os requisitos para a regularização da permanência da referida pessoa em território europeu e particularmente em território português.
A referida cidadã pagou à arguida SP a quantia de 300€ pelos serviços desta.
O cidadão do Nepal NND entrou em território português em data não concretamente apurada do ano de 2006 e aqui permaneceu em situação irregular.
Também em data não concretamente apurada, mas no ano de 2007 veio para A, onde vive e trabalha até hoje, sendo certo que a sua permanência em território português está actualmente regularizada.
No início do ano de 2011 o referido cidadão foi informado de que a arguida SP se dedicava à regularização de cidadãos estrangeiros cuja permanência em território português não estivesse devidamente regularizada.
Assim, ainda em data não concretamente apurada mas no início deste ano de 2011, NND entrou em contacto com a referida arguida e ficou combinado um encontro entre ambos, o qual teve lugar também em data não concretamente apurada.
Nesse encontro ficou combinado que a arguida trataria de conseguir os necessários documentos para dar entrada do requerimento de reagrupamento familiar e assim que fosse autorizada a entrada em Portugal da sua mulher que se encontrava ainda a viver no Nepal.
Assim, a arguida solicitou a pessoa não concretamente identificada que outorgasse um documento designado como “Contrato de trabalho”, para que o cidadão o assinasse, no qual ficaria a constar uma relação de trabalho e na qual seria a entidade patronal JV.
Nunca existiu qualquer relação profissional entre as partes, não existindo, nomeadamente, prestação de trabalho subordinado, vencimento regular ou horário de trabalho permanente, visando a outorga de tal documento fictício comprovar apenas a existência de meios de subsistência do cidadão, requisito necessário para a autorização do designado reagrupamento familiar com a sua mulher e a regularização da situação de entrada e permanência em território português da referida pessoa perante as autoridades competentes.
Não foi apurada a identidade da pessoa que apôs o carimbo e a assinatura da alegada entidade patronal.
A arguida sabia que o teor do referido documento não correspondia à verdade.
Com tais elementos na sua posse, a comprovar os seus meios de subsistência, NND remeteu os mesmos para a Embaixada portuguesa competente para que fosse autorizada a deslocação da mulher para Portugal.
NND pagou à arguida SP a quantia de 200€ pelos serviços desta.
No dia 31-3-2011, o cidadão brasileiro EGC, entrou em território português proveniente da Bélgica, na companhia do seu irmão ELGC.
Ambos foram informados, por pessoas conhecidas e cuja identidade não foi concretamente apurada, de que em Portugal seria fácil conseguir contratos de trabalho que permitissem regularizar a presença de ambos em território europeu.
Assim que chegaram, contactaram o arguido LO, cujo contacto lhes tinha sido fornecido na Bélgica.
Este apresentou ambos à arguida SP como sendo a pessoa que iria tratar de toda a documentação dos irmãos para a regularização da permanência de ambos em território português.
Nessa data, ficou combinado com a arguida que esta trataria de conseguir os demais e necessários documentos para dar entrada dos requerimentos para as respectivas regularizações.
Assim, a arguida solicitou a pessoa não concretamente identificada, apenas indicada como TC, que se deslocasse a uma repartição de finanças, onde esta requereu a atribuição dos números de contribuinte aos referidos cidadãos estrangeiros e onde lhes foi atribuído, respectivamente, o NIF XXX e o NIF vvv.
Para além disso, o arguido LO outorgou dois documentos a E e EL, designados pelas partes como sendo “contratos de trabalho” que ambos assinaram na qualidade fictícia de prestadores do trabalho, no qual ficaria a constar uma relação de trabalho, em que seria entidade patronal o referido arguido LO.
Nunca existiu qualquer relação profissional entre tais partes, não existindo, nomeadamente, prestação de trabalho subordinado, vencimento regular ou horário de trabalho permanente, visando a outorga de tal documento fictício apenas a regularização da situação de permanência em território português das referidas pessoas perante as autoridades competentes.
A arguida sabia que o teor do referido documento não correspondia à verdade.
Com tais elementos na sua posse, a arguida S procedeu à inscrição na Segurança Social dos referidos cidadãos, passando estes a entregar ao arguido LL valores mensais a título de prestações sociais.
Realizadas todas as referidas diligências, a arguida SP procedeu ao registo da “manifestação de interesse” de EGC e de ELGC, via internet, alegando o cumprimento de todos os requisitos para a regularização da permanência das referidas pessoas em território europeu e particularmente em território português.
Os referidos cidadãos pagaram à arguida SP a quantia de 50€ cada um, pelos serviços desta, comprometendo-se a entregar posteriormente mais 100€.
A arguida SP inscreveu todos os supra referidos cidadãos na Segurança Social, após os arguidos MB e JAVB terem requerido na Finanças e obtido a atribuição do NIF a alguns dos cidadãos, constando alguns como trabalhadores independentes e outros como trabalhadores dependentes, constando nos documentos designados de “contratos de trabalho” dessas pessoas como entidade patronal quer o arguido LO quer JV, bem sabendo que todas as referidas declarações não correspondiam à verdade.
Os cidadãos estrangeiros, contra-partes nestes documentos designados como “contratos de trabalho”, não tinham direito a dias de folga e nunca existiu qualquer relação profissional, não existindo, nomeadamente, prestação de trabalho subordinado, vencimento regular ou horário de trabalho permanente, visando a outorga de tais documentos fictícios apenas a regularização da situação de permanência em território português das referidas pessoas perante as autoridades competentes.
Ao actuar das formas acima descritas, quer na elaboração de tais declarações, quer no uso da mesmas, todos os arguidos fizeram-no com intenção de facilitar e favorecer a permanência e o trânsito em território nacional de cidadãos estrangeiros em situação irregular na Europa, desde logo em Portugal, de forma a introduzi-los no mercado de trabalho e dessa forma obterem, os arguidos, para si, lucros ilegítimos, que obtiveram com os valores que os cidadãos estrangeiros lhes pagavam pelos documentos que emitiam e procedimentos para a regularização da sua situação perante as autoridades portuguesas.
Ao actuar da forma como actuou, o arguido LO, ao outorgar um documento designado como “contrato de trabalho” aos referidos cidadãos E e EL , que sabia encontrarem-se em situação de permanência ilegal em território nacional, fê-lo com intenção de facilitar e favorecer a permanência e o trânsito em território nacional de cidadãos estrangeiros, cuja permanência em Portugal era ilegal, de forma a introduzi-los no mercado de trabalho e a conseguir as respectivas regularizações.
Do mesmo modo, a arguida SP utilizou tais documentos na legalização das situações irregulares dos cidadãos estrangeiros em território português com o mesmo objectivo.
Bem sabiam os arguidos que tais documentos não correspondiam à verdade e que não existia qualquer relação de trabalho concreta e permanente entre os referidos cidadãos estrangeiros e a alegadas “entidades patronais”, não existindo, nomeadamente, prestação de trabalho subordinado regular, vencimento regular, nem horário de trabalho, apesar de tais elementos constarem do referido documento.
Desta forma, agiram com intenção de causar prejuízo ao Estado, cujas autoridades foram induzidas em erro sobre a verdade da situação dos imigrantes estrangeiros em Portugal, com a apresentação de tais documentos, nos quais fizeram constar falsamente factos juridicamente relevantes, obtendo ainda para si e para os referidos imigrantes um beneficio que sabiam ilegítimo.
Mais causaram prejuízos aos imigrantes, convencendo-os de que a prática de tais factos seriam a única forma de verem a sua situação em território português e europeu devidamente regularizada, aproveitando-se e beneficiando da situação precária, vulnerável e irregular em que estes se encontravam.
Sabiam todos que os cidadãos referidos, não dispunham de visto de trabalho ou contrato de trabalho, nem autorização de residência ou permanência, pelo que não estavam autorizados a exercer qualquer actividade profissional no nosso País.
Bem sabendo ainda que, com as suas condutas, facilitavam e favoreciam a permanência ilegal de cidadãos estrangeiros em território nacional e europeu.
Os arguidos agiram sempre, de forma livre, deliberada e consciente, com intenção lucrativa, conhecendo o carácter reprovável das suas condutas, que sabiam proibidas e punidas pela lei criminal.
Resultou ainda apurado que,
A arguida SP não tem antecedentes criminais averbados no CRC.
De acordo com o apurado em sede de condições pessoais: vem de um agregado familiar numerosos, marcado por uma boa dinâmica interelacional, de condição económica mediana, tendo regressado o agregado de Moçambique para Portugal marcado por alguma dificuldade de readaptação; aos 19 anos casou mas o casamento foi marcado pelos problemas de alcoolismo do marido, tendo terminado com a separação do casal e deixando-se os filhos menores ao cuidado da arguida; de outra relação também disfuncional nasceu o terceiro filho, cuja vida também ficou a cargo da arguida após a separação do casal; trabalhou desde os 22 anos de idade em limpezas tendo recorrido ao apoio social, frequentando curso de cozinha/pastelaria que lhe deu equivalência ao 9º ano de escolaridade; à data dos factos frequentava curso de formação que lhe deu equivalência ao 12º ano de escolaridade; mantém o agregado familiar, com os três filhos e agora com um neto, num quadro de alguma contenção de despesas, uma vez que apenas o filho mais velho está empregado; a arguida recebe duas pensões sociais, num total de cerca de 800€ mensais; revela dificuldades em manter uma postura crítica em face do comportamento aqui denunciado.
O arguido JAVB não tem antecedentes criminais averbados no CRC.
De acordo com o apurado em sede de condições pessoais: vem de um agregado familiar modesto mas funcional, tendo abandonado os estudos para trabalhar findo o 1º ciclo, iniciando actividade profissional de electricista; há cerca de 15 anos veio para o Algarve trabalhar na restauração; casou há vários anos tendo o casal um filho de 19 anos de idade dependente dos progenitores; tal como a arguida S, reside em habitação camarária, tendo trabalhado por tempo não apurado como operador de caixa até Setembro de 2011, quando passou a desempregado e está a candidatar-se a rendimento social, uma vez que é o único suporte económico da família; assume perante os técnicos da reinserção social os factos, muito embora os desvalorize como acidente de percurso na sua vida.
O arguido LO não tem antecedentes criminais averbados ao seu CRC.
Apesar das inúmeras diligências efectuadas pela DGRS, não foi possível elaborar relatório social por o arguido não ter correspondido às convocatórias enviadas.
O arguido MB tem antecedentes criminais averbados no CRC, constando do mesmo condenações por crime de roubo e condução sob feito do alcool.
De acordo com o apurado em sede de condições pessoais: vem de um agregado familiar cujo relacionamento se desenvolveu e forma equilibrada e coeso num contexto de emigração; concluiu o 10 ano de escolaridade em França de onde regressou aos 20 anos de idade, integrando o mercado de trabalho de forma indiferenciada na restauração, jardinagem e construção; face a problemas com as finanças que lhe descontavam parte do vencimento para pagamento de dívidas, deixou o emprego em 2009 na ETAR de A, passando a desenvolver trabalhos pontuais na construção e jardinagem; teve relacionamento afectivo com a mãe dos dois filhos de 7 e 4 anos de idade, filha da arguida S, tendo reintegrado o seu agregado de origem já após o início deste processo, vivendo com os pais até agora; verbaliza incompreensão em face dos factos deste processo perante as técnicas de reinserção social.
O arguido LO foi julgado na ausência.
Os arguidos SP e JAVB não prestaram declarações em julgamento.
O arguido MB prestou declarações, não confessando os factos da acusação..”
Foram também consignados os factos não provados seguintes:
“O valor das prestações sociais mensais que EL e irmão, E, passaram a entregar ao arguido LL a fim de serem pagas à Segurança Social.
Que algum dos arguidos desconhecesse o carácter ilegal dos seus comportamentos ou estivesse nesta actividade sem saber a que se destinava.
Que os arguidos, todos ou alguns deles, deixassem de receber provento económico desta actividade.
Que o arguido MB desconhecesse a actividade a que se dedicava a arguida SP, coadjuvada pela filha, desde logo que não tivesse disponibilizado assinaturas para contratos de trabalho que sabia não serem verdadeiros, não tendo colaborado com a mesma arguida na representação fiscal de vários dos cidadãos estrangeiros identificados nos autos e que não receBXse proventos também dessa actividade.”
No acórdão, motivou-se a matéria de facto como se segue:
“Elementos de prova indicados no processo, tendo sido todos ponderados, merecendo embora alguns deles uma referência adicional adiante.
Atendeu-se às declarações das testemunhas E e EL , ambos ouvidos para memória futura nos autos de fls. 1419, cujas declarações se reproduziram em julgamento.
Quanto às declarações para memória futura, importa ponderar três questões fundamentais.
Em primeiro lugar, o facto que nos parece ser incontroverso, de que as declarações para futura memória constituem uma antecipação de prova de modo a garantir que os depoentes, por qualquer das razões enunciadas na respectiva norma de previsão legal, sejam ouvidos no tempo mais próximo dos factos e sempre que estejam em causa motivos de ordem pessoal ou processual atendíveis. Não havendo margem para discricionariedade, pode dizer-se que a preocupação fundamental do Juiz será a ponderação de duas razões fundamentais - a natureza dos factos em causa e as repercussões deles na vida e vivência dos inquiridos; o tempo dos factos e o intervalo previsível para a audiência de julgamento, sendo também atendível o facto de o(s) inquiridos, expostos à natureza dos factos sob investigação (ou à simples necessidade de regressarem ao seu País ou a País terceiro) terem domicílio fora de Portugal, não se mostrando desde logo adequado fazê-los regressar sempre que se sinta necessidade de os ouvir.
Os depoimentos recolhidos, por outro lado, respeitam os requisitos de forma e substância, tendo sido assegurados todos os direitos de defesa dos arguidos.
Em segundo lugar, tendo em conta a natureza dos mesmos factos e a natureza do papel do inquiridos neles, parece de consenso concluir que estes, colocados nas exactas circunstâncias que se deparavam à investigação, são fonte privilegiada de informação, já que as circunstâncias de facto denunciavam que, além deles, as únicas pessoas que teriam assistido aos acontecimentos estariam todas na posição de arguidos. Pelo que, ao salvaguardar as suas declarações para memória futura, obviou-se a que estas pudessem, decorrido o tempo, produzido o desgaste na memória, até pela actuação dos respectivos mecanismos de defesa, ser esquecidas pelos inquiridos.
Por último, e em terceiro lugar, agora atendo-nos a elementos de natureza mais formal, para deixar esclarecido que, como parece óbvio, as declarações para memória futura são ponderadas na sua integralidade. E quando dizemos que isto nos parece óbvio, estamos a refutar peremptoriamente o entendimento segundo o qual são de ponderar apenas as declarações resumidas para auto, quando este exista. Parece-nos óbvio que, a favor deste nosso entendimento militam razões de legalidade de prova, de integridade de prova e de lealdade processual.
O princípio da imediação, que tende a esquecer-se com facilidade nos dias que correm, implica que os depoimentos sejam prestados em discurso directo, ponderados como depoimentos directos, só assim se podendo ajuizar verdadeiramente da sua importância para vincular o juízo probatório.
Não estando em causa o princípio da imediação pelo simples facto de a produção dessa prova ter sido antecipada, uma vez que essa antecipação visa acautelar precisamente a integridade das declarações face à proximidade dos acontecimentos, e encontrando-se, como tem de encontrar-se, no processo, em suporte audio, essas declarações, pensamos que é de elementar respeito pela legalidade que possam, Tribunal e demais intervenientes, ponderá-las em si mesmas e não os seus resumos, razão pela qual se optou pela sua reprodução em audiência.
A integridade do sistema judiciário só está garantida, em nossa opinião, quando, estando disponíveis as declarações directas, sejam estas a ter em conta. Daí que, como adiantámos logo em audiência, tenha este Tribunal ponderado também as declarações gravadas destes depoentes.
Quanto à ponderação dos Relatórios de Diligência Externa (RDEs).
Muito se tem dito e escrito sobre a ponderação, para o processo decisório, dos RDEs.
Próprias de jovens Democracias em que os direitos de cidadania ainda não encontraram bem o seu lugar e muitas vezes se confundem com direitos de arguidos, estas discussões parecem estéreis sempre que não estejam em causa atropelos à legalidade processual.
De facto, excluir da ponderação do Tribunal os RDEs - e apenas quando eles não sirvam os interesses dos arguidos, como se vem pretendendo - é o mesmo que dizer que a presunção vigente é a de que as polícias, as investigações são suspeitas nas suas funções, ao mesmo tempo que se deixa a aparência de que o processo penal é gracioso até ao despacho do artº 311º do CPP e judicial a partir daí. Não fosse esta já uma conclusão pelo absurdo, ainda serviria o argumento para pôr em causa a responsabilidade e poderes de investigação das autoridades policiais e, em última instância, a autonomia e credibilidade de quem dirige a investigação.
Ao contrário, um sistema penal que conviva bem com o facto de, ao abrigo do princípio da lealdade processual, especialmente preponderante no processo penal, poderem ser aceites e ponderados, com as reservas necessárias e que não refutamos, todos os mecanismos probandos que não seja proibidos por lei, é um sistema assente no princípio do respeito mútuo e das regras democráticas que verteram para o Texto Fundamental os limites da ponderação dos mecanismos de recolha de prova com vista à decisão ajustada.
Muito embora nestes autos a questão não mereça grande controvérsia, até porque as Defesas aproveitaram dos relatos juntos aos autos, confrontando com algumas das diligências ali documentadas as testemunhas, convém deixar esclarecido que este Tribunal tem o entendimento de que os RDEs são sempre de ponderar, na medida em que coadjuvem os restantes elementos de prova, desde logo enquanto colocam os investigadores nas diligências, documentem o desenvolvimento delas e atestem o cumprimento da legalidade nos procedimentos de investigação. Além disto, os elementos de prova essenciais são os produzidos em fase de julgamento.
Assim, como sempre faz, o Tribunal ponderou os RDEs juntos aos autos, aqueles com cujo teor foram confrontadas as testemunhas, e os restantes, na medida em que sirvam para servir de suporte documentado das diligências realizadas e do esforço investigatório que resulte dos mesmos depoimentos testemunhais.
Quanto a informações de serviço e trocas de correspondência e cooperação com autoridades congéneres na Europa e fora dela.
Suscitam sempre algumas reservas à Defesa as informações trazidas ao processo no âmbito da cooperação policial em espaço europeu. E começamos mesmo por aqui.
O processo tem um manancial de informação enorme, diluído em muitos volumes e, sobretudo, contando com muita informação que, mercê das circunstâncias que estiveram em causa (eventual legalização de cidadãos não europeus e, com isso, a devassa de todas as fronteiras europeias) foram necessariamente recolhidos com a celeridade que se impunha, sendo que seria de todo descabido, como se percebe, aguardar pelos instrumentos institucionais de cooperação entre Autoridades Judiciárias.
Por mais celeridade que se imprimisse, estes mecanismos são, pela sua própria natureza, mais demorados. Pelo que, estando no horizonte a possibilidade de se fiscalizar a violação de espaço europeu por eventuais mecanismos de legalização em fraude à lei, bem andou a investigação ao antecipar, aligeirar e mostrar exequíveis os mecanismos que tinha ao seu dispor.
Isto, sem prejuízo, como parece evidente, de nem todas as diligências efectuadas poderem ser ponderadas pelo Tribunal nesta sede, por razões que têm que ver exclusivamente com a prova atendível para efeitos de julgamento e decisão final no nosso sistema de processo penal.
Quanto às informações consignadas nos autos, o Tribunal ponderará aquelas que demonstrem relevância quer para a acusação quer para a defesa, uma vez que muitas foram objecto de análise e confronto em sede de depoimentos testemunhais e outras juntam informação recolhida durante a investigação.
Elementos de prova no processo, designadamente:
* Autos de denúncia de fls. 3, 28;
* Documentos recolhidos aos cidadãos referidos ou em seu nome recolhidos no SEF e outras instituições públicas a fls. (…);
* Informações e cotas a fls. 35, 70, 48, 49, 71, 54, 763, 1028 a 1037, 1055, 1139, 1377, 1429;
* Relatos de Diligência/vigilância Externa de 20.09.10, 21.05.10. 08.10.10, 18.10.10, 25.10.10, 06.05.11, 14.06.11, 15.06.11;
* Informações de instituições de fls. 54, 129, 332 (BX), 696 (ISS), 750 a 761 (DRA), 765 a 790 (DGSSS), 895 a 908 (IRN), 924 a 927 (Junta de Freguesia de A), 928 a 931 (Money Gram), 1061 a 1065, 1355 (Sistema SIENA), 1357 a 1370 (CTT/Western Union);
* Buscas e Apreensões de fls. 565, 590, 592, 594, 600;
* Reportagens Fotográficas dispersas;
* Exames Directos e outros a fls. 601, 662, 795, 909, 951 a 957 a 1012, 1272 a 1277;
* Recolha de Autógrafos a fls. 859;
Foram, ainda, tomados em consideração os relatórios sociais dos arguidos e o CRC de cada um deles.
Prova por declarações dos arguidos,
O arguido LO foi julgado na ausência.
Os arguidos SP e JAVB informaram o Tribunal, no início do julgamento, de que não queriam prestar declarações sobre os factos que lhes estavam imputados.
Prestou declarações o arguido MB que não confessou os factos constantes da acusação. Pelo contrário, este arguido negou qualquer conhecimento da actividade imputada e qualquer envolvimento com essa actividade. Que teve conhecimento de alguns factos quando o SEF o procurou e lhe exibiu documentos (contratos de trabalho) que não conhecia e nem às pessoas que aí constavam como trabalhadores por sua conta; que há 2 ou 3 anos anuiu em ser representante fiscal de umas pessoas porque lhe pediram mas nunca os contratou ou deu o nome da sua empresa para nada, desconhecendo como aparece o seu nome nos referidos contratos, muito embora pense dever-se ao facto de ter vivido com a filha da arguida SP que tinha acesso à sua documenação.
Foram ouvidas as testemunhas de acusação.
Nas primeiras, podemos encontrar um lote uniforme de depoimentos: os dos inspectores do SEF que fizeram toda a recolha de prova documental, seguimentos, vigilâncias, abordagens e apreensões.
Neste lote de testemunhas pudemos contar com depoimentos muito pormenorizados das testemunhas (…). Quando se mostrou necessário foram as testemunhas confrontadas com elementos físicos do processo, esclarecendo autos, fotografias, desde logo, relatórios de diligências, informações policiais e outros.
Estas testemunhas vieram esclarecer os factos pontuais em que intervieram, como foi o caso da (…)
A documentação de fls. 809 e seguintes também é exemplo que esclarece o envolvimento do arguido Baltazar quer na documentação das finanças, sendo também evidentes as demonstrações resultantes das listagens de fls. 924 e seguintes, de fls. 960 e seguintes; como a documentação junta a fls. 1221 e seguintes, por exemplo, esclarece a participação neste enredo do arguido LL que figurava, como os irmão da arguida ou o arguido MB como empregadores sem terem qualquer empresa ou negócio de cidadãos estrangeiros com o único fito de facilitarem a sua emigração para Portugal e Europa (fls. 1221 e seguintes, 1265 e seguintes, bem como nas vigilâncias documentadas a fls. 1398).
Dos elementos todos, que são em demasia para estar a elencar e nomear individualmente aqui, resulta, como tal, que os arguidos, todos eles, e outras pessoas que o Ministério Público considerou por bem - no âmbito dos seus poderes e do princípio da oportunidade - não incluir ou não manter na acusação, desenvolviam uma actividade coordenada primordialmente pela arguida SP, que dominava espaços, procedimentos e contactos e conhecia a engrenagem da burocracia e a sabia contornar, de legalização de estrangeiros ao abrigo das normas excepcionais dos arts. 88º e 89º.
Nesta actividade que, muito embora coordenasse, a arguida não se destacava senão pela iniciativa e métodos expeditos e organizados de agir, uma vez que não resultam elementos que apontem para uma hierarquização de funções dentro do grupo que possa evidenciar sinais de associativismo para a prática de crimes.
Neste contexto, que se desconhece se era exclusivo desta zona e deste grupo de pessoas, actuavam todos quando fosse necessário, ora dando moradas, ora assinando contratos de trabalho, ora dando o seu nome para representação fiscal, ora recebendo cartas, todas estas actividades isoladas faziam parte de um todo que funcionava e que, de acordo com os indícios resultantes da apreensão de correspondência a uma testemunha, terá continuado a funcionar mesmo após a acusação e início de julgamento.
O arguido MB, entre muitas outras actuações que ficam documentadas no processo, era representante fiscal de 128 pessoas, cuja morada facultou para esses termos e o arguido Baltazar era representante fiscal de 9 pessoas nos mesmos termos e a arguida S de 55.
As vigilâncias colocam a arguida SP em inúmeros encontros com cidadãos requerentes da legalização, documentam diversas trocas de documentos, recolhem-se centenas de documentos em sua casa, desde logo que atestam o montante de transferências bancárias de que beneficiou com esta actividade.
Todos estes elementos estão documentados no processo.
A actividade dos arguidos, uns em maior e outros em menor medida, consistia em providenciarem contactos de indivíduos estrangeiros que se queriam legalizar, angariando-o (como o arguido LL), de cuja documentação tratavam (arguida S), desde a abertura de contas, à obtenção de números fiscais e inscrição na segurança social (arguidos MB, Baltazar e S), desde logo declarando ou fazendo terceiros declarar factos na junta de freguesia que sabiam não ser verdade para conseguirem declarações de residência (arguidos S e Baltazar), criando mesmo postos de trabalho fictícios que não existiram nunca (arguido MB) com vista a criarem um quadro de normalidade aparente de que beneficiavam pessoas que trabalhavam em Países da Europa e aí se não conseguiam legalizar e que, a partir daí, andariam por espaço europeu com documentação cuja legalização estava demonstrada por entidade oficial. Para isto, forjaram informações que fizeram contar falsamente de documentos oficiais do Estado (vistos, inscrições nas finanças e segurança social), e outra documentação que lhe serviu de base, como os contratos de trabalho.
O papel de todos os arguidos foi igualmente fundamental para esta actividade em que participavam, não sem que, no entanto, se destaque ainda no todo global o papel da arguida SP, quer na iniciativa e expediente de acção, como nos lucros obtidos que, como resulta da prova, seriam encaminhados para si que os distribuía, como decorre das regras de experiência de vida e normalidade das coisas.
Aliás, quanto a este aspecto, enfatiza-se que as transferências bancárias estão documentadas em grande parte, sendo de todo normal que os pagamentos se fizessem apenas a uma pessoa, que dava a iniciativa e era o contacto destes emigrantes, sendo depois distribuído, como é comum, como resulta da também documentada falta de ocupação regular e diária profissional dos restantes arguidos.”

3. Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo do conhecimento oficioso dos vícios do art. 410º, nº 2 do Código de Processo Penal (AFJ de 19.10.95), as questões a apreciar são as seguintes: (a) nulidades do acórdão – previstas na al. b) e na al. c) do art. 379º do CPP; (b) erro de subsunção – autoria e cumplicidade; (c) medida da pena.

(a) Das nulidades do acórdão previstas na al. b) e na al. c) do art. 379º do CPP
Começa o recorrente por invocar duas nulidades de acórdão, ambas situadas na decisão sobre a matéria de facto, mais concretamente na motivação.
Proceder-se-á a tratamento conjunto, pois as duas situações, em concreto, encontram-se interligadas.
Resumidamente, na alegação do arguido, não se encontraria no acórdão qualquer conexão que ligasse os factos às provas produzidas em audiência, não explicando o tribunal como considerara provados os factos respeitantes ao recorrente, não estando sequer motivados os factos não provados.
O Tribunal não teria ainda apreciado a versão do recorrente no que respeita aos contratos de trabalho nos quais figuraria como entidade patronal.
Por tudo, estaria muito incompleta a fundamentação de facto, do acórdão.
Numa segunda arguição, o tribunal teria valorado extensa documentação que servira de suporte ao despacho de arquivamento do inquérito, ou seja, reportada a factos pelos quais o MP se abstivera de acusar, pelo que tais documentos nunca poderiam ter sido apreciados pelo tribunal para condenar o arguido.
Esta prova não teria sequer sido examinada em audiência de julgamento, o que traduziria ainda violação do disposto nos artigos 355°, 125°, 356°. 374°, 277° e 283°, todos do CPP.
Procedendo à apreciação das nulidades pela ordem da prejudicialidade, o conhecimento da nulidade consistente no excesso de pronúncia implica a análise do despacho de encerramento do inquérito.
Na verdade, o inquérito decorreu contra várias pessoas que foram constituídas como arguidas, mas que não vieram a ser acusadas por insuficiência de provas da sua responsabilidade e culpa.
Por outro lado, alguns dos arguidos acusados viram também muitos dos factos, inicialmente indiciados contra si, ser incluídos no despacho de encerramento do inquérito na parte do arquivamento. Assim sucedeu relativamente à pessoa do recorrente.
Na verdade, grande parte da factualidade inicialmente indiciada contra ele veio a integrar a decisão de arquivamento. Tal aconteceu com a matéria relativa aos contratos de trabalho “falsos”.
Pode ler-se no despacho do MP, a dado passo (e cingimo-nos aqui apenas à parte respeitante ao recorrente):
“(…) O arguido MB, embora admita a sua intervenção nalguns dos factos ora em causa… que teria outorgado documentos designados como “contratos de trabalho” sem que existisse qualquer relação profissional entre os outorgantes, o certo é que vem afirmar que em alguns dos documentos juntos aos autos, as respectivas assinaturas não são suas e que alguém as falsificou. Mais refere que a suspeita de tais falsificações será a arguida SP e que pretende procedimento criminal contra a mesma… Embora a versão deste arguido de que a sua assinatura foi falsificada possa afastar da sua pessoa o respectivo crime que tais declarações falsas poderiam consubstanciar, o certo é que não foram recolhidos indícios suficientes acerca dos seus agentes e da existência do crime, de forma a imputar tais falsificações a quem quer que seja (…)”
É claro e evidente que toda a matéria relativa a uma suspeita de intervenção do recorrente na elaboração de contratos de trabalho “falsos”, que se encontram nos autos (mais precisamente, nos apensos de documentos) integrou o despacho de arquivamento, inexistindo acusação por esses factos.
Da estrutura acusatória do processo, com assento constitucional (art. 32º, nº5 da CRP) decorre que impende sobre o acusador a exposição total do facto que imputa ao arguido.
É ao acusador, e só a ele, que cabe a iniciativa da definição do objecto duma acusação e do processo.
Nesta tarefa solitária, o Ministério Público não pode ser nem censurado, nem ajudado, pelo juiz de julgamento que, a fazê-lo, se desviaria do lugar de terceiro imparcial e supra-partes, na tríade acusador-arguido-julgador.
A estrutura acusatória do processo pressupõe a existência de uma entidade investigadora e acusadora, por um lado, e de uma entidade julgadora, pelo outro. É à primeira que compete dirigir o inquérito, investigando autonomamente a existência de um crime, determinando quem foram os seus agentes e a responsabilidade que lhes cabe, pronunciando-se a final pelo arquivamento e/ou pela acusação. Na promoção do processo, na direcção do inquérito, na elaboração da acusação, nestas matérias, o juiz não pode intervir, nem directa, nem indirectamente.
No caso presente, o Ministério Público exerceu, no inquérito, os seus poderes de forma autónoma, sem quebra da separação funcional e institucional entre o Ministério Público e o julgador. Mas esta separação deve perdurar ao longo do processo, reflectindo-se na decisão que o decide definitivamente – a sentença.
O recorrente alega que o colectivo de juízes se teria socorrido de matéria (provas) do despacho de arquivamento para agora o condenar pelos crimes da acusação.
Consigna-se que o recorrente não impugnou a matéria de facto, nem por via do recurso com acesso à prova gravada (art. 412º, nº3 do CPP), nem por via da arguição de vício de texto (art. 410º, nº 2 do CPP). Questiona, porém, o juízo sobre a factualidade por via de uma deficiente fundamentação da matéria de facto, nos termos já enunciados.
E a análise do exame crítico da prova, no confronto com o despacho de arquivamento do MP, leva realmente à detecção do cometimento da nulidade apontada (de excesso de pronúncia) que, a manter-se, desrespeitaria o princípio do acusatório.
Assim, releia-se a motivação da matéria de facto, transcrita agora na parte em que se identifica uma alusão indevida aos contratos de trabalho pretensamente subscritos pelo recorrente (o que o MP, repete-se, já considerara ser, em seu critério, impossível de determinar com o grau de certeza exigido para acusar).
Assim, diz-se no acórdão: “… Concretizando e entrecruzando a prova, … figurava, o arguido MB como empregador sem ter qualquer empresa ou negócio de cidadãos estrangeiros com o único fito de facilitarem a sua emigração para Portugal e Europa, … , criando mesmo postos de trabalho fictícios que não existiram nunca (arguido MB) com vista a criarem um quadro de normalidade aparente…”
O julgador serviu-se, pois, de prova de factos (de documentos) que não integram, nem podem integrar, o objecto do processo.
É certo que se trata de meios de prova não proibida, que entrou validamente no processo e que, em abstracto, nada obstaria a que pudesse ser valorada. Assim decorreria dos princípios da aquisição processual das provas e da livre apreciação. É também certo que os factos “do arquivamento” nãos constam dos factos provados do acórdão. Mas a questão não se esgota nesta linearidade.
Na verdade, se o MP arquivou por considerar que não era possível determinar a identidade do subscritor dos contratos de trabalho (falsos) em causa, ou seja, se essa pessoa era o recorrente ou algum dos outros arguidos - daí não o ter acusado da prática do crime de falsificação desses documentos, contrariamente ao que sucedeu relativamente aos co-arguidos -, tal meio de prova torna-se, consequentemente, irremediavelmente imprestável para fazer prova e contribuir para a condenação do arguido pelos outros crimes. Pois a sua valoração positiva passaria sempre pela aceitação de que fora afinal o recorrente o subscritor de tais contratos de trabalho.
O acórdão, do modo como se apresenta redigido, integra, pois, a alegada nulidade por excesso de pronúncia que, concretamente, ainda subverte o acusatório.
Encontra-se, no entanto, este Tribunal da Relação em condições de proceder ao suprimento da nulidade, eliminando as referidas passagens do acórdão (ou seja, retirando da fundamentação todas as alusões aos contratos de trabalho alegadamente subscritos pelo recorrente), assim se repondo igualmente a observância do acusatório.
Aqui chegados, restará apreciar se a motivação da matéria de facto, agora corrigida no seu sentido e no seu texto, continua a explicar suficientemente a decisão sobre a factualidade. E se o faz, tanto em relação aos factos provados como aos não provados, como sempre se impõe.
Refere o recorrente que estes últimos (factos não provados) não se encontram fundamentados, que não lhes é feita qualquer referência no exame crítico das provas. Esta última asserção, no seu sentido mais imediato, é verdadeira.
Olhando primeiramente os enunciados linguísticos descritos no acórdão como factos não provados, e na sequência das razões acabadas de expor, cumpre começar por eliminar um dos factos ali inseridos, no acórdão.
Ou seja, a expressão “que o arguido não tivesse disponibilizado assinaturas para contratos de trabalho que sabia não serem verdadeiros”, deixará de constar dos factos não provados, pois esta matéria não integra(va) já o objecto do processo.
Assim, os factos não provados a considerar agora serão os seguintes: “Que o arguido MB desconhecesse a actividade a que se dedicava a arguida SP, coadjuvada pela filha, não tendo colaborado com a mesma arguida na representação fiscal de vários dos cidadãos estrangeiros identificados nos autos e que não receBXse proventos também dessa actividade.”
Da leitura destes, no contexto global da decisão da matéria de facto (que inclui os factos e a sua justificação com base nas provas), resulta evidente a desnecessidade de fundamentação própria. Pois estes factos (não provados) são a formulação negativa daquilo que se considerara já como matéria provada (e suficientemente fundamentada, como se verá). Daí ser duvidosa até a necessidade de consignação específica destes enunciados, como factos não provados.
A fundamentação da matéria de facto encontra-se supra transcrita (em 2.), sendo agora de considerar apenas na parte já sanada.
E da análise deste texto do acórdão resulta logo que a afirmação de que os factos provados relativos à pessoa do recorrente não se encontrariam suficientemente explicados com base nas provas produzidas e examinadas em audiência não corresponde à realidade.
Na verdade, o exame crítico da prova é claro e exaustivo no que respeita à explicação da convicção relativa à totalidade dos factos provados, imputados ao recorrente. Quanto a todos eles, o tribunal, após enunciar as provas produzidas, procede no acórdão, adequadamente, a uma sua análise detalhada e individual e, depois, ao exame global das provas, como sempre se impõe.
Assim, mostram-se particularmente bem avaliadas a prova pessoal e a prova documental.
A primeira incluiu as declarações do arguido, e no acórdão explica-se por que razão a negativa deste não fragilizou a prova da acusação. O arguido não contestou ter diligenciado pela obtenção dos números de contribuinte constantes dos factos provados, pelo que a deficiente fundamentação do acórdão se reportaria apenas aos factos do tipo subjectivo, ou seja, ao saber e querer os factos do tipo objectivo. Estes pressupunham o conhecimento sobre a finalidade a que se destinavam os referidos documentos e a actividade desenvolvida pelos restantes arguidos.
Estes factos mereceram devida análise no contexto das restantes provas, tudo de acordo com regras de lógica e de experiência de vida, justificando-se clara e detalhadamente por que razão o alegado “desconhecimento” verberado pelo arguido não convenceu. As suas declarações esbarraram com os sinais fortes e claros de provas de sentido contrário que, pari passu, se foram avaliando na sentença.
Dispensamo-nos de repetir aqui um percurso de análise que se mostra claro e coerente, sem saltos ou incongruências, e que não sai minimamente abalado por se ter apenas afirmado aqui (agora em recurso), contra tudo o que se evidencia com clareza no acórdão, que a matéria de facto não se encontra suficientemente motivada.
Esta alegação – inverídica e, logo, inconsequente – não dispensa a relação de sindicar a decisão recorrida, mas não coloca o tribunal de recurso na posição de ter de repetir a justificação dos factos efectuada em 1ª instância, sendo certo que a conduta imputada ao arguido se conexiona com outras, e que a acção dos senhores inspectores (testemunhas de acusação) se desenvolveu no quadro de uma investigação que abarcou uma actividade global muito mais ampla e complexa e que abrangeu muitos outros arguidos. Daí que a questão da suficiência da prova, especialmente aqui ou muito menos num caso como o presente, não possa ser observada de um modo secto e descontextualizado. A actuação do arguido, como se verá melhor no ponto seguinte - a propósito do enquadramento jurídico dos factos provados -, liga-se à conduta dos seus co-arguidos, o que exige uma interligação das provas e uma sua avaliação global ainda mais acentuada.
Dos depoimentos das testemunhas inspectores do SEF, de toda a documentação apreendida (e referimo-nos agora apenas aos pedidos de números de contribuinte), das declarações do próprio pai do arguido, tudo avaliado do modo (já transcrito) como depois se particulariza no acórdão, resulta claro e evidente que o arguido não podia ter deixado de saber e de querer, não só todos os concretos actos que objectivamente praticou, como a ligação destes aos demais actos praticados pelos co-arguidos.
E se assim sucede, se tal resulta claro da motivação do acórdão, inexiste também a arguida nulidade da al. b) do art. 379º do CPP.

(b) Do erro de subsunção – autoria e cumplicidade
No que respeita à decisão em matéria de direito, o recorrente impugna a subsunção dos factos dados como provados que lhe diziam respeito e a determinação da pena que lhe foi aplicada.
Começando pelo primeiro ponto, situou o erro de subsunção ao nível da co-autoria.
Considera o recorrente que nunca poderia ser condenado como co-autor, mas tão só como cúmplice, por apenas se ter demonstrado que “ajudou o autor” a praticar a acção típica.
No acórdão justificou-se a co-autoria da forma seguinte:
“O artº 26º CP caracteriza a autoria como forma de execução do crime. Estamos, in casu, perante uma imputação de co-autoria dos arguidos.
É consensual o entendimento de que, quando o artº 26º CP se refere à autoria como o poder de decidir pela execução do facto ou de executar o próprio facto.
Determina o CP que:
Artigo 26º - Autoria
É punível como autor quem executar o facto, por si mesmo ou por intermédio de outrem, ou tomar parte directa na sua execução, por acordo ou juntamente com outro ou outros, e ainda quem, dolosamente, determinar outra pessoa à prática do facto, desde que haja execução ou começo de execução.
A actuação dos arguidos, inscreve-se neste contexto geral em que cada um, relativamente às circunstâncias para que é solicitada a sua intervenção, tem efectivamente o domínio do facto, podendo determinar o seu desfecho e o sucesso maior ou menor da actuação conjunta.
É autor do crime quem dá causa à sua realização, em termos de causalidade adequada. É ainda autor quem determina outrem dolosamente ao seu cometimento (a chamada autoria mediata ou moral).
Quando a realização do crime envolve uma pluralidade de pessoas (ou, pelo menos, duas), cada uma delas é co-autora, se tomar parte directa na sua execução, por acordo, ou se actuar juntamente com outro ou outros.
É uma forma de comparticipação na realização do facto típico.
Podemos dizer que a co-autoria pressupõe uma execução conjunta, traduzida numa participação directa do co-autor, ou seja, numa participação co-decisiva, em que o seu contributo seja tido como essencial ou determinante para a produção do facto (teoria do domínio funcional do facto), mas não é imprescindível que o co-autor realize todos os elementos do tipo. Basta que a sua participação seja decisiva para a produção do facto na sua totalidade, encaixando-se a sua parcela de actividade na dos restantes co-autores, de modo a, ajustadamente e conforme combinado entre eles, se chegar à realização do facto típico ilícito. Daí que a cada um dos intervenientes seja imputada a parcela de actividade dos restantes, como se se tratasse de acção própria.
A nossa melhor Jurisprudência vai esclarecendo ainda que essa forma de comparticipação distingue-se da cumplicidade, que é outra forma de comparticipação, porque a co-autoria supõe a acção conjunta de dar causa ao crime (e, portanto, a comparticipação decisiva ou essencial do co-autor), enquanto que, na comparticipação por cumplicidade, o cúmplice desenvolve uma actividade que não é essencial ou decisiva para a prática do crime. Na co-autoria, a acção de todos, agindo concertadamente e dando causa ao crime, torna todos responsáveis por ele, como se cada qual fosse autor singular.
De facto, na cumplicidade, a participação do cúmplice, não sendo essencial e decisiva, seria prescindível, no sentido de que o crime teria sido realizado na mesma, só que por modo, em tempo, lugar ou circunstâncias diversos, segundo a formulação clássica, que vem de Farinacio e Feurbach.
Todos eles, enquanto comparticipantes, concorrem para a prática do facto, só que o modo como cada um deles coopera é que é substancialmente diverso, sendo decisiva (ou co-decisiva) a comparticipação dos co-autores e acessória ou incidental a dos cúmplices. Daí que a cumplicidade esteja numa relação de subalternização em relação à autoria, traduzindo-se numa causalidade não essencial , ou seja, num mero auxílio à prática do crime, sem domínio do facto típico - um auxílio doloso, consistente tanto numa ajuda material como moral, mas, em todo o caso, não determinante da vontade do autor ou da execução do crime e posicionando-se apenas como o favorecimento do cúmplice num facto alheio, e daí a sua menor gravidade objectiva, apesar de se configurar como concausa do crime.
A factualidade aponta, no caso da arguida SP, para a autoria (depois veremos se partilhada, ou não) em crimes de auxílio à emigração ilegal e falsificação de documentos.
Em todas estas circunstâncias esta arguida, como demonstra a prova, interveio na qualidade de autor material e moral. Em todas as acções em que teve intervenção foi o elemento preponderante, mesmo sem que o carácter organizativo deste grupo de pessoas se tenha provado, que controlava os acontecimentos (de que é paradigmático o controlo das operações para localização, angariação de pessoas com vista a uma legalização fácil e de recolha, guarda e apresentação de documentação em nome delas, da sua inscrição nas finanças e segurança social, na abertura de contas bancárias), assumia até a iniciativa em alturas chave de alguma exposição pessoal (de que é demonstrativo o facto de ir pessoalmente às repartições, à Junta ou mesmo estando à espera destas pessoas junto ao SEF ou Loja do Cidadão, providenciando pela sua recolha e transporte, vendo-se as trocas frequentes de documentação, ou mesmo no caso de Alba Cerqueira, que fornece ao SEF a cópia da página inicial da caderneta bancária da arguida, dada por esta para que depositasse aí o dinheiro que devia pagar-lhe a fls. 124), investia o risco, ainda que auxiliado por terceiros, nas operações que podiam mais facilmente ser descobertas (como no caso das idas ao SEF e Loja do Cidadão, dizendo alguns Inspectores que lhes era referenciado que a arguida se apresentava mesmo como advogada), como mantinha um relacionamento cordato com todos (a quem disponibilizava moradas até de vizinhos que movia para este enredo), deixando-lhes no entanto, a cada um dos colaboradores directos como os co-arguidos, o poder de decisão de muitas das circunstâncias de que não pedia também contas (recordamos que, de acordo com a prova recolhida pelo SEF e listagens juntas, havia 38 domiciliados na Rua das (…)).
O que também se verifica no caso do arguido MB, do arguido Baltazar e do arguido LL, (o primeiro apenas quanto ao auxílio à emigração ilegal) este último mais dado à angariação e servindo-se para isso da igreja que frequentava e era frequentada por grande parte da comunidade brasileira, todos eles deram nome, ou morada, ou contacto, ou serviram de representantes fiscais ou domiciliadores de morada e empregadores para cidadãos nestes condições, todos eles com conhecimento do que faziam, colaborando nesta actividade por tempo que rondará 4 anos, ao que se apura.
Afinal, praticando factos conjuntamente com outros, exercendo os actos de execução partilhadamente, ainda que, porventura por características de personalidade, revelando a arguida SP um perfil mais dinâmico e destemido.
Estamos, como tal, num caso nítido de co-autoria, sendo determinante a actividade de todos nesta engrenagem e sobrevivendo a actividade precisamente por via dessa interacção, desse suporte recíproco e apoio de todos.
Vejamos no mais.
A intervenção da arguida S perpassa toda a factualidade apurada, em toda ela actua com igual iniciativa (ainda que partilhada), revela ter ideias próprias e autonomia de vontade, sem hesitações.
Neste caso, também cada uma das condutas imputadas a cada um dos arguidos, em todos os crimes cuja factualidade procede e lhes venha imputada, é uma actuação conjunta com as outras dos restantes arguidos. Estando estabelecida inequivocamente a actuação como co-autores dos arguidos, com maior ou menor colaboração de outro indivíduo identificado nos autos, como vizinhos ou motorista, quanto ao crime de auxílio à emigração ilegal.
Nem se argumente que algum dos arguidos tinha nisto um papel menor, pois que isso resulta terminantemente afastado pela prova, já que resulta demonstrado à saciedade que este conjunto, ainda que com a preponderância do papel da arguida, funcionava num todo compacto, interdependente, sabendo todos, até pela natureza dos actos em que intervieram, exactamente a que se destina esta actuação de conjunto.
Por outro lado, dos factos resulta também uma autonomia das vontades, embora num propósito comum que era assegurado e controlado em conjunto. E das buscas resulta o mesmo, documentação diversa, dirigida aos mesmos fins, com responsáveis fiscais e moradas comuns, contactos telefónicos, etc, cada um sabendo exactamente que tarefas lhe competiam.
Quando se fala em tarefas, também não se está a deixar a janela aberta ao associativismo para efeitos de associação criminosa.
Sendo o auxílio à emigração ilegal por excelência uma actividade desdobrada em múltiplas, podem estar uns dos comparticipantes afectos a umas e outros a outras, sem que isso dependa de uma vontade estruturante e estratificante.
(…)
Assim, quanto a estes crimes, a procedência da co-autoria está demonstrada quanto aos arguidos como vinha imputada.”
Como se vê, o tribunal interpretou o art. 26º do CP (que trata da autoria), segundo a teoria do domínio do facto, desenvolvida por Roxin (em Täterschaft und Tatherrschaft) e, no direito nacional, entre outros autores, por Figueiredo Dias (em Direito Penal, Parte Geral - Tomo I, 2ª ed.,pp 757-854).
A teoria do domínio do facto tem vindo a ser seguida pelos tribunais portugueses, constituindo hoje jurisprudência consolidada.
Não deixa, no entanto, de ser objecto de reflexão crítica, tanto por parte da doutrina estrangeira (assim, Günther Jakobs, Crítica à Teoria do Domínio do Facto, 2003) como nacional (assim, Helena Morão, Autoria e Execução Comparticipadas, 2014).
O tribunal procedeu a desenvolvida justificação do juízo subsuntivo dos factos na figura da co-autoria, seguindo a teoria do domínio do facto de modo a não merecer aqui reparo, tal decisão.
Na verdade, contrariamente ao que o recorrente afirma em recurso, não pode considerar-se que a sua actividade se esgotou num mero “auxílio” á actividade desenvolvida pelos restantes arguidos.
Como resulta dos factos provados, à sua “parcela de actuação” – o requerer nas Finanças e o obter a atribuição do NIF a alguns dos cidadãos estrangeiros – seguiu-se a actividade dos restantes - a inscrição desses cidadãos na Segurança Social, alguns como trabalhadores independentes e outros como trabalhadores dependentes, mediante elaboração e uso de “contratos de trabalho” falsos, dessas pessoas e tendo como entidade patronal outros co-arguidos. Todos estes passos visavam, e prosseguiram, um objectivo comum.
Os actos pessoalmente praticados pelo recorrente são já actos de execução, que se interligam com outros e integram numa actividade global, de facilitação e favorecimento da permanência e trânsito de cidadãos estrangeiros em território nacional (estrangeiros esses em situação irregular em Portugal), de modo a introduzi-los no mercado de trabalho, e dessa forma obterem, todos os arguidos, lucros ilegítimos.
É manifesta a essencialidade do papel do recorrente.
Demonstrados ficaram também os factos do tipo subjectivo, na vertente da co-autoria.
O arguido sabia e quis, não só os actos que directamente praticou, como os actos dos restantes arguidos no seu conjunto. Conhecia a essencialidade do seu papel no âmbito dessa actuação conjunta. Ou seja, actuou consciente da sua colaboração no seio de uma actividade conjunta.
Na lógica Roxiniana, é de reconhecer que a tarefa executada pelo arguido se inseriu num plano global executado por todos, e em que cada um desempenhou a sua parte. Pode afirmar-se, sempre com Roxin, o domínio do facto conjunto, no sentido de que o “acontecimento global” pode ser imputado a cada um dos autores, incluindo o recorrente, em que cada acção que cada um deles, segundo o plano do facto, realiza, é, simultaneamente, uma acção de execução de todos.
Os factos (objectivos) provados, praticados pelo recorrente, não são pois meros actos de auxílio, mas sim, claramente, actos de execução do crime, também na definição do art. 22º do CP (única norma penal onde se encontra uma definição de “actos de execução”). Mesmo que se considerasse como discutível o seu enquadramento na al. a) do nº 1 (“são actos de execução os que preenchem um elemento constitutivo de um tipo de crime”) – o que, atenta a concreta formulação do tipo de crime em causa, cremos logo ocorrer -, sempre se enquadrariam, aí ainda mais claramente, na al. c) do mesmo nº 1 (“são actos de execução os que, segundo a experiência comum e salvo circunstâncias imprevisíveis, forem de natureza a fazer esperar que se lhes sigam actos das espécies indicadas nas alíneas anteriores”).
Falece, por tudo, a pretensão do recorrente e improcede o recurso, também nesta parte.

(c) Da medida da pena
O recorrente impugna o acórdão na parte relativa à determinação da pena com base em dois fundamentos: por violação do art. 2º, nº 4 do CP e por violação dos arts 71º, 40º e 41º do CP.
Começa por alegar que o tribunal aplicou norma incriminadora que não estava em vigor na data da prática dos factos e que não era a mais favorável ao arguido. Ou seja, aplicou a redacção do artigo 183°, nº 2 da Lei 23/2007, na versão dada pela Lei nº 29/2012.
Acrescenta que a pena aplicada é também exagerada, desproporcional e desajustada face às circunstâncias apuradas e que não cumpre as funções de prevenção geral e especial.
Considera justa uma pena de prisão em medida superior a 6 meses e suspensa na execução.



Como bem refere o MP na resposta ao recurso, “no que concerne ao enquadramento legal dos focos provados, o tribunal fez apelo à norma contida nos nºs 1 e 2 do artigo 183º da Lei 23/2007, de 4 de Julho.
Fê-lo, contudo, à luz da redacção conferida pela Lei 29/2012, de 9 de Agosto, como se constata do teor de fls. 41 do acórdão recorrido.
À data da prática doa factos - 2009 - a redacção aplicável era, de facto, a da Lei 23/2007, como alega o recorrente, a qual é em tudo semelhante, excepto quanto à pena abstracta aplicável ao crime agravado, pois dela resulta ser a pena de prisão entre 1 e 4 anos.
A norma aplicada pelo colectivo foi a que vingou após a alteração operada pela Lei 29/2012, a 9 de Agosto, segundo a qual a pena abstractamente aplicável à conduta descrita no n° 2 foi agravada no seu limite máximo, sendo actualmente de prisão de 1 a 5 anos.
Por isso, nesta parte, tem, em nossa opinião, razão o recorrente, pois, nos termos do artigo 2°, n° 2 e 4 do Código Penal, a lei aplicável é a vigente á data da prática dos factos e, "Quando as disposições penais vigentes no momento da prática do facto punível forem diferentes das estabelecidas em leis posteriores, é sempre aplicado o regime que concretamente se mostrar mais favorável ao agente… "
Tendo em conta que o colectivo decidiu fixar a pena concreta entre o máximo das molduras de cúmulo e os seus mínimos, existe diferença no que respeita ao primeiro, matéria que se abordará de seguida.”
As observações desenvolvidas pelo MP vêm ao encontro da primeira linha de argumentação desenvolvida pelo recorrente, que é de proceder.
Na verdade, o tribunal incorreu em erro de direito ao ter desrespeitado os princípios legais (art. 2º, nº 1 do CP) e constitucionais (art. 29º, nºs 1 e 4 da CRP) da não retroactividade da lei penal e da aplicação da lei penal mais favorável.
Devia, pois, ter mantido a aplicação da lei em vigor à data da prática dos factos (critério da conduta – art. 3º do CP), uma vez que inexistia razão para a afastar.
Impõe-se, assim, a correcção o acórdão nessa parte.
Daí não irá, no entanto, resultar, concretamente, a necessidade de uma modificação da pena concreta determinada no acórdão.
Na verdade, a moldura penal abstracta permanece inalterada no seu mínimo, tendo sido apenas um pouco elevada no seu máximo. A pena concreta fixada no acórdão ocupa agora o meio da moldura abstracta “corrigida”. Esta pena, porém, continua a revelar-se ajustada, no sentido de ser a requerida pelas concretas exigências de prevenção geral (que no acórdão detalhadamente se destacam) e especial (ali também desenvolvidas), respeitando ainda o limite da culpa.
Dito de outro modo, a pena continua a revelar-se ajustada dentro de uma moldura abstracta mais comprimida (porque de máximo inferior), razão pela qual, procedendo-se embora à correcção da pena abstracta nos moldes referidos se manterá a pena concreta da condenação.
No acórdão fundamenta-se a pena, na parte que interessa ao recurso, da forma seguinte:
“Em face da manifesta e até de impossível adjectivação da gravidade destes factos, todos e cada um deles, na medida em que interferiram cada um dos arguidos, atenta a natureza dos bens jurídicos lesados que são os fundamentais e dizem respeito à integridade do Estado, à segurança das pessoas, fronteiras e nação, e da Sociedade que toma cada pessoa como reflexo e projecção de direitos fundamentais, tendo em conta as consequências absolutamente gravosas decorrentes destes comportamentos - quer sejam os gerais de segurança e paz social, ou da integridade formal e substancial do espaço nacional e europeu, da natureza e função dos documentos atestados por Autoridade pública, as consequências para a Sociedade destes comportamentos -, são de considerar elevadíssimas as exigências de prevenção geral.
Por outro lado, tendo em conta aquelas características e, ainda, as que decorrem da própria natureza de cada um destes crimes, de cada uma destas actuações, do desprezo revelado pela vida em sociedade e pelas instituições nacionais e europeias, pelas políticas sociais de integração e protecção humanas, seja em que dimensão ela se pense, e a predisposição destes arguidos para os cometer, a absoluta interiorização de sentimentos marcados de impunidade assumida por todos, a personalidade retorcida, reveladora de baixeza de carácter de quem ganha dinheiro à custa das desgraças alheias e das vulnerabilidades de terceiros, seja o planeamento das operações, os meios intelectuais até sofisticados com que eram pensadas e organizadas as coisas, o aliciamento constante a novos e potenciais clientes que resulta dos documentos, quanto a tudo isto não podemos descurar as exigências de prevenção especial que no caso se fazem sentir, na medida em que, pese embora os arguidos não tenham passado criminal (excepto o arguido MB) documentado pelas autoridades portuguesas, o facto é que, como se percebe, são inequívocos os sinais de que estes arguidos estariam já familiarizados com comportamentos ilícitos e práticas fraudulentas junto das entidades oficiais.
Assim, pelo exposto, com vista à promoção de uma consciência ética social, sendo inequívoca a necessidade de lhes aplicar pena de prisão, a todos e por todos os crimes indicados, há que determinar o quantum das mesmas.
Atribui-se à culpa a função única de determinar o limite máximo e inultrapassável da pena, e à prevenção geral a função de fornecer uma moldura de prevenção, cujo limite máximo é dado pela medida óptima da tutela dos bens jurídicos, dentro do que é considerado pela culpa, e cujo limite mínimo é fornecido pelas exigências de defesa do ordenamento jurídico; e à prevenção especial a função de encontrar o quantum exacto da pena, dentro da referida moldura de prevenção, e que melhor sirva as exigências de socialização do agente.
Na determinação da medida concreta da pena, há que ponderar factores:
A ilicitude dos factos, que se revela, o mínimo é dizer-se, especialmente acentuada. Tendo em conta o acima exposto, quanto ao auxílio à emigração ilegal, o facto de ser uma actividade que estimula a circulação de estrangeiros na Europa com documentação falsa, escapando por isso ao controlo das autoridades, falseando realidade das suas vidas e das comunidades em que vivem e trabalham, entre o mais, ao invés de gerar riqueza social, contribui fortemente para a miséria social, para a insegurança; quanto ao crime de falsificação de documentos, o facto de, em rigor e de uma maneira ou outra, se poder concluir que todos eles (na parte em que actuaram), todos eles repete-se, conviveram bem com o facto de providenciarem elementos falsos que foram determinantes para o processo de legalização de pessoas em espaço nacional e europeu, que provocaram ou ajudaram a provocar ou manter.
As consequências dos ilícitos, que assumem especial e acentuada gravidade, plasmada nos autos, a natureza insubstituível dos bens jurídicos atingidos de paz e ordem pública, de autenticidade das decisões oficiais entre o mais, que afectam irremediavelmente a sociedade no seu todo.
O grau da culpa que, mercê disso mesmo, se mostra acentuadíssimo em termos de nocividade social destas condutas, de todas elas, tendo em conta que os arguidos agiram sempre com dolo directo, todos eles e em qualquer das circunstâncias em que actuaram, sem que houvesse qualquer causa próxima ou remota para as suas actuações que justificasse, excluísse a culpa.
No entanto, num contexto de continuação criminosa, como se disse, beneficiando os arguidos de um certo laxismo na fiscalização, da autenticidade que se perde nas voltas de um sistema apenas burocrático e sem controlo efectivo, enfim, um conjunto de circunstâncias externas aos arguidos que, no conjunto, facilitaram, contribuíram e até incentivaram a continuação deste tipo de actividade a que se vinham dedicando.
Tudo isto associado às condições de vida dos arguidos - sem carências económicas ou sociais a qualquer nível como fica claro, que os impedisse de trabalharem como pessoas responsáveis e decentes - e à falta de confissão integral e sem reservas dos factos, a falta total também de arrependimento relevante de qualquer deles, pelo contrário, revelando a postura em julgamento que muito pouco lhes dizem os valores protegidos pelas normas que, insistente e repetidamente, violaram.
Tudo isto ponderado, tudo isto sopesado, avaliado de acordo com o leque comum do sentimento social dominante, afigura-se-nos ajustado concluir que a nenhum dos arguidos se deve negar a aplicação de pena de prisão por qualquer dos crimes em causa, quer atentas as respectivas molduras penais, quer atenta a total ausência de arrependimento por parte deles sobre que pudesse pretender fazer-se um juízo de prognose favorável, considerando-se adequado fixar as penas concretas como se condensa adiante.”
Como factos pessoais relativos á pessoa do recorrente, há ainda a considerar os seguintes:
“O arguido MB tem antecedentes criminais averbados no CRC, constando do mesmo condenações por crime de roubo e condução sob feito do álcool.
De acordo com o apurado em sede de condições pessoais: vem de um agregado familiar cujo relacionamento se desenvolveu e forma equilibrada e coeso num contexto de emigração; concluiu o 10º ano de escolaridade em França de onde regressou aos 20 anos de idade, integrando o mercado de trabalho de forma indiferenciada na restauração, jardinagem e construção; face a problemas com as finanças que lhe descontavam parte do vencimento para pagamento de dívidas, deixou o emprego em 2009 na ETAR de A, passando a desenvolver trabalhos pontuais na construção e jardinagem; teve relacionamento afectivo com a mãe dos dois filhos de 7 e 4 anos de idade, filha da arguida S, tendo reintegrado o seu agregado de origem já após o início deste processo, vivendo com os pais até agora; verbaliza incompreensão em face dos factos deste processo perante as técnicas de reinserção social.”
Relativamente à consignação dos antecedentes criminais do arguido, o acórdão merece novo reparo. No entanto, a insuficiência, que não deixará de se assinalar, não compromete a sentença, nem prejudica o conhecimento do recurso.
Assim, a fundamentação de facto da pena deveria ter envolvido, para além da enunciação dos factos pessoais do agente, presentes no acórdão, a descrição completa dos seus antecedentes criminais, que assumidamente (e acertadamente) se elegeram como informação relevante para a decisão.
Concretizando, não basta enunciar nos factos provados que o recorrente “tem antecedentes criminais averbados no CRC, constando do mesmo condenações por crime de roubo e condução sob feito do álcool”, sem se especificar em que datas e em que penas concretas.
O juízo sobre a pena envolve a identificação casuística das exigências de prevenção especial, à qual não é alheia a avaliação sobre os efeitos ou resultados das condenações anteriores no comportamento do condenado.
Ou seja, em casos de arguidos não primários, cumpre saber das concretas sanções criminais anteriormente experimentadas, aquilatar do seu maior ou menor sucesso, da resposta que ainda possam ou não oferecer para o caso concreto, sobretudo quando a nova pena, a proferir, é a de prisão.
Tendo presente que a decisão sobre a pena assenta sempre num juízo de prognose, configurando “necessariamente uma estrutura probabilística” e não podendo “senão concretizar-se por aproximações” (assim, Anabela Rodrigues, A Determinação da Medida da Pena Privativa da Liberdade, p. 27), há que dotar a sentença de todos os factos necessários e possíveis. Esses factos, que acrescem aos factos relativos à culpabilidade, são essencialmente os que se relacionam com a personalidade do arguido e com o seu comportamento anterior e posterior aos factos, incluindo os antecedentes criminais.
Os juízos de prognose não devem resultar de uma mera “intuição” assente na “experiência da profissão”. Antes pressupõem “um trabalho teórico-prático de recolha e valoração de dados e informações acerca das pessoas e dos factos em causa”, o que implica um “alargamento da base da decisão” de modo a incluir os factos relativos à pessoa do condenado e aos seus antecedentes criminais (assim, Anabela Rodrigues, loc. cit., p. 28-30).
Acresce que a sentença é uma peça processual que deve ser auto-suficiente e dispensar remissões ou consultas de outras folhas do processo para sua integral compreensão, não valendo como argumento que o certificado de registo criminal do arguido sempre constaria dos autos.
Do acórdão, completado agora com a informação dada pelo certificado de registo criminal, resulta que o arguido foi condenado:
- Em 20.04.2006, na pena de 2 anos e 4 meses de prisão suspensa por três anos, por crime de roubo tentado cometido em 28.05.2005;
- Em 01.06.2006, na pena de 40 dias de multa a 5€/dia, por crime de condução de veículo em estado de embriaguez praticado em 03.09.2004;
- Em 20.06.2011, na pena de 110 dias de multa a 6€/dia, por crime de condução de veículo em estado de embriaguez praticado em 10.06.2011.
Estas condenações evidenciam também exigências de prevenção especial que vêm igualmente ao encontro da pena concreta fixada.
Consigna-se, por último, que se justificam também as observações desenvolvidas na resposta ao recurso a propósito do processo de determinação da pena na continuação criminosa, e do tratamento que mereceu no acórdão.
Como o MP bem refere, tratou-se aqui de uma fundamentação formalmente deficiente, não resultando embora que tenha sido materialmente desrespeitado o disposto no art. 79º do CP.
Acompanha-se a resposta ao recurso na parte em que aí se refere:
Ao arguido MB vinha imputada a prática de dois crimes de auxílio à emigração ilegal, pp. e pp. pelo artigo 183°, nº 1 e 2 da Lei 23/2007, de 4 de Julho, crime este que é punível com uma pena de 1 a 4 anos de prisão, conforme referimos. O colectivo entendeu que se estava perante uma continuação criminosa, facto que não foi contraditado pelo aqui recorrente.
Dispõe o Código Penal, no artigo 79°, que "o crime continuado é punível com a pena aplicável à conduta mais grave que integra a continuação."
Tendo em conta que o regime sancionatório abstracto é o mesmo para ambas as condutas imputadas ao arguido e demonstradas em julgamento, teria que encontrar-se a medida concreta da pena para cada um dos ilícitos integradores da continuação.
Apesar da deficiente redacção, entendemos que considerou o tribunal que a pena concreta para cada um daqueles crimes seria a de 2 anos e 6 meses de prisão, sendo esta a punição.
A circunstância de não estar perfeitamente delineado o raciocínio do tribunal no que respeita à determinação da medida concreta de cada um dos crimes que integram a continuação criminosa, não deve ser considerada nulidade, pois que foram ponderadas todas as circunstâncias de que depende a operação de graduação das penas, assim se mostrando cumprido o normativo legal.
Quanto à justeza e proporção da pena aplicada ao arguido, entendemos que o tribunal atendeu e sopesou adequadamente as finalidades impostas pelo artigo 40° do Código Penal, ou seja, a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade", sem que tenha ultrapassado "a medida da culpa", tendo equacionado profusamente todas as questões de prevenção geral e especial.”
No acórdão não se procedeu, com o detalhe que se impunha, à determinação/explicação da pena da “continuação criminosa”, o que se exigiria, uma vez que o processo de aplicação da pena concreta é uma actividade judicialmente vinculada.
É no entanto perceptível que a pena de 2 anos e 6 meses de prisão foi a pena aplicada a cada um dos dois crimes que integram a continuação, sendo, por isso e consequentemente, a pena (a única pena) aplicada por força do art. 79º, nº1 do CP.
Na resposta ao recurso, o MP acabou por não se opor a uma redução da pena (se bem que longe da pretendida pelo recorrente), na sequência da correcção da pena abstracta, o que, porém, se considera não ser de acolher, pelas razões que se deixaram expressas.

Uma nota final, face ao disposto no art. 403º, nº 3 do CPP.
Dispõe este preceito que “a limitação do recurso a uma parte da decisão não prejudica o dever de retirar da procedência daquele as consequências legalmente impostas relativamente a toda a decisão recorrida”.
Assim, a consignação, já efectuada nos autos, do trânsito em julgado do acórdão relativamente a todos os arguidos à excepção do recorrente, não impediria aqui a reapreciação das penas respectivas, face à detecção, agora, de um erro de direito quanto à definição da moldura abstracta prevista para o crime de auxílio á emigração ilegal. Crimes dos quais todos os arguidos são co-autores.
No entanto, da análise do acórdão nessa parte, a que se procedeu em obediência ao preceito legal referido, resulta que, também quanto aos condenados não recorrentes, as penas concretas aplicadas se continuam a revelar proporcionais às exigências de prevenção geral e especial concretamente diagnosticadas e contidas ainda nos limites das respectivas culpas.
Por tudo se considera que não se justifica agora, concretamente, quanto a eles, uma intervenção oficiosa à luz do nº 3 do art. 403º do CPP.

4. Face ao exposto, acordam na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em:
Julgar improcedente o recurso, confirmando-se o acórdão, mas procedendo-se à sanação da nulidade referida em (a) e à correcção do erro de direito mencionado em (c).
Custas pelo recorrente que se fixam em 5UC (arts 513º /1 e 514º/1 CPP e 8º/5 e Tab. III RCP).

Évora, 22.09.2015
(Ana Maria Barata de Brito)
(Maria Leonor Vasconcelos Esteves)