Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
9667/15.4T8STB.E1
Relator: PAULO AMARAL
Descritores: DOCUMENTO AUTENTICADO
REQUISITOS DE FORMA
ADVOGADO
Data do Acordão: 02/22/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I - O termo de autenticação referido no artigo 151.º do Código do Notariado, deve ser assinado apenas pelo notário, ou por quem tenha competência para o acto, nos termos do artigo 38.º do Decreto-lei n.º 76-A/2006.
II - Não é necessária, para a validade do termo de autenticação, a assinatura dos autores do negócio jurídico confirmado perante o notário.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 9667/15.4T8STB.E1
Acordam no Tribunal da Relação de Évora


(…) propôs acção declarativa constitutiva, sob a forma de processo comum, contra (…) – Comércio e Reparação de Automóveis, Lda., peticionando:
a. A declaração de nulidade do documento particular identificado na petição inicial;
b. Em consequência, a declaração de nulidade do destaque e da compra e venda nele vertidos;
c. O cancelamento do respectivo registo predial de aquisição sobre o prédio destacado, descrito na Conservatória do Registo Predial de Sesimbra sob o nº (…) da freguesia de Sesimbra (Castelo) e todos os subsequentes;
d. O cancelamento do respectivo registo predial de destaque, sobre o prédio primitivo, descrito na Conservatória do Registo Predial de Sesimbra sob o nº (…) da freguesia de Sesimbra (Castelo), anexado e, consequentemente, a eliminação da descrição do prédio destacado;
e. A anulação da inscrição na matriz predial urbana do prédio destacado, inscrito actualmente sob o artigo (…) da freguesia de Sesimbra (Castelo);
f. A anexação na matriz predial rústica do prédio primitivo, inscrito sob o artigo (…) da Secção F1, da freguesia de Sesimbra (Castelo), a área destacada de 2.887 m2;
g. Que seja vedada à Ré qualquer acto que obste à posse do imóvel por parte da Autora e restantes comproprietários.
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Citada, a R. não contestou.
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Foi proferida sentença que julgou a acção improcedente.
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Desta sentença recorre a A. defendendo que ela deve ser revogada e substituída por outra que condene a R. no pedido.
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Foram colhidos os vistos.
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A matéria de facto é a seguinte:
A. Em 09 de Junho de 2010, a Autora e os restantes comproprietários do prédio rústico sito na Rua das (…), no lugar da (…), da freguesia de Sesimbra (Castelo), concelho de Sesimbra, descrito na Conservatória do Registo Predial de Sesimbra sob o nº (…), inscrito na matriz predial rustica da referida freguesia sob o artigo (…) da secção F1, celebraram com a Ré um documento particular de destaque e compra e venda.
B. Pelo referido documento particular destacaram os proprietários do prédio referido em A. uma parcela de terreno com a área total de 2.887 m2, que veio a compor o prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Sesimbra sob o nº (…), da freguesia de Sesimbra (Castelo), sendo inscrito sob o artigo provisório (…) da referida freguesia.
C. Nos termos do referido documento particular os comproprietários da parcela destacada declararam vender e a Ré a comprar a referida parcela.
D. O referido documento particular foi executado e registado em 09.06.2010 no registo online dos actos dos advogados da respectiva Ordem como “autenticação de documentos particulares”, pelo Advogado que inseriu o registo, Dr. (…).
E. Nas observações do referido registo ficou a constar: “Nos termos e para os devidos efeitos, certifico que as assinaturas no instrumento designado por \”Destaque e Compra e Venda por Documento Particular\”, que antecede, correspondem integral e fielmente às dos interessados identificados, (…), contribuinte fiscal n.º (…); em seu próprio nome e em representação de (…), contribuinte fiscal n.º (…), poderes que confirmei pela procuração exibida e que imediatamente restituí; (…), contribuinte fiscal n.º (…); (…), contribuinte fiscal n.º (…); e de (…), contribuinte fiscal n.º (…), e, (…), contribuinte fiscal n.º (…), estes dois últimos, na qualidade de legais representantes com poderes para obrigar a sociedade comercial por quotas designada por “(…) – Comércio e Reparação de Automóveis, Lda., pessoa colectiva n.º (…) e matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Sesimbra sob o mesmo número, que corresponde à anterior matrícula n.º (…), qualidade em que intervêm e que verifiquei por exibição do registo comercial da referida sociedade, válido, e que imediatamente restituí, sendo que, os demais documentos me foram igualmente nesta data exibidos e apresentados, os quais, após conferir, imediatamente restituí aos respectivos titulares, que, neste mesmo acto e na minha presença, depois de lido e explicado o teor e alcance do referido instrumento contratual, por mim e a todos simultaneamente e em voz alta, expressaram ser essa a sua livre e esclarecida vontade, ali firmando pelo próprio punho, à excepção de (…), que, por não saber assinar, apôs o indicador direito sobre todas as folhas, tendo por testemunhas que assinaram a rogo, (…), titular do cartão de cidadão n.º (…), válido até 10/11/2014, e (…), titular do Bilhete de Identidade n.º (…), emitido em 03/04/2006, pelo SICC de Lisboa, documentos estes que igualmente me foram exibidos e que após confirmar, restituí aos respectivos titulares.”.
F. O documento que consubstancia o registo foi assinado pelo referido Advogado, tendo aposto o seu carimbo profissional.
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A recorrente termina as suas alegações nestes termos:
Os actos sujeitos a registo predial, como o caso em apreço da compra e venda, deverão ser titulados por escritura pública ou documento particular autenticado.
Pretendeu o advogado que exarou o termo dar a este instrumento a figura de um documento particular autenticado, previsto no artigo 22º do D.L. nº 116/2008, de 4 de Julho.
Para tanto, deveria conter os requisitos legais a que estão sujeitos os negócios jurídicos sobre imóveis, previstos nos artigos 377º do Código Civil e 150º do Código do Notariado, nomeadamente, os requisitos previstos no artigo 151º do Código do Notariado, para os termos de autenticação. Entre outros, a assinatura dos outorgantes que possam e saibam assinar, bem como de todos os intervenientes e da entidade autenticadora, nos termos do número 1 do artigo 46º do referido diploma. E bem assim a declaração das partes de que já leram o documento ou estão perfeitamente inteiradas do conteúdo e que este exprime a sua vontade.
No caso em questão, não existe, de facto, termo de autenticação, mas tão só o registo online de actos de advogados.
Ou, ainda que assim não se entendesse, não existe termo de autenticação, devidamente lavrado nos termos legais.
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A sentença recorrida considerou que o «termo tem como finalidade a confirmação da declaração de vontades constante de documento particular, este sim contendo as assinaturas de todos quantos nele intervieram. No entanto, no que tange ao termo, este é lavrado pelo terceiro perante o qual o instrumento lavrado foi confirmado, pelo que apenas a este cabe subscrever o termo de autenticação».
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Nos termos do art.º 150.º, n.º 1, Cód. Notariado, são documentos autenticados os documentos particulares cujo conteúdo seja confirmado pelas partes perante o notário. O notário, perante isto, perante esta confirmação pelas partes, deve reduzir a termo a autenticação (n.º 2).
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O art.º 38.º, Decreto-Lei n.º 76-A/2006 (que tem por objecto, entre outros, medidas de simplificação e eliminação de actos e procedimentos notariais e registrais), tem o seguinte teor:
1- Sem prejuízo da competência atribuída a outras entidades, as câmaras de comércio e indústria, reconhecidas nos termos do Decreto-Lei n.º 244/92, de 29 de Outubro, os conservadores, os oficiais de registo, os advogados e os solicitadores podem fazer reconhecimentos simples e com menções especiais, presenciais e por semelhança, autenticar documentos particulares, certificar, ou fazer e certificar, traduções de documentos nos termos previstos na lei notarial.
2- Os reconhecimentos, as autenticações e as certificações efectuados pelas entidades previstas nos números anteriores conferem ao documento a mesma força probatória que teria se tais actos tivessem sido realizados com intervenção notarial.
Resulta inequivocamente que o advogado tem uma competência igual à do notário no que diz respeito à autenticação de documentos particulares.
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Nos termos do art.º 151.º, n.º 1, Cód. Notariado, o termo deve «satisfazer, na parte aplicável e com as necessárias adaptações, o disposto nas alíneas a) a n) do n.º 1 do artigo 46.º». Mas isto não dispensa a declaração confirmatória uma vez que é esta, e só esta, que fundamente o pedido de autenticação. Significa outrossim que, tal como se escreve na sentença, «apenas devem constar do mesmo [do termo] as menções que tenham por finalidade a inequívoca identificação do acto, os intervenientes e a declaração de compreensão dos intervenientes relativamente ao instrumento acabado de lavrar».
E isto mesmo se verifica pela leitura do termo aqui em questão que cobre todas as alíneas do art.º 46.º, n.º 1, Cód. Notariado, salvo as als. m) e n), que se referem às assinaturas dos outorgantes; e não contém este elemento porque, como se disse já, o termo é assinado por uma pessoa só.
Importa notar o que foi confirmado:
- certifico que as assinaturas no instrumento designado por \”Destaque e Compra e Venda por Documento Particular\”, que antecede, correspondem integral e fielmente às dos interessados identificados
- neste mesmo acto e na minha presença, depois de lido e explicado o teor e alcance do referido instrumento contratual, por mim e a todos simultaneamente e em voz alta, expressaram ser essa a sua livre e esclarecida vontade.
No mais, constam do termo a identificação das pessoas, a leitura do negócio exarada no documento a autenticar, etc..
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Mas é precisamente quanto a esta questão [das als. m) e n) citadas] que a recorrente defende que as assinaturas dos outorgantes devem constar do termo pois que um documento particular, sem o termo devidamente lavrado, de acordo com todos os requisitos constantes do artigo 46.º do Código de Notariado, não passa de uma mero documento particular e não de um documento autenticado. E que o “instrumento notarial”, a que se refere o artigo 46.º do Código de Notariado, é inequivocamente, neste caso, o termo de autenticação.
Concordamos com a primeira afirmação mas não com a segunda.
O termo de autenticação é feito por uma pessoa só (a que o subscreve) mas não é feito isoladamente; é feito com base numa declaração confirmatória do conteúdo do documento cuja autenticação se requer, declaração essa feita pelas partes perante o subscritor do termo. É isto o que a lei exige não sendo necessária a assinatura dos intervenientes no termo. Este é da responsabilidade única do notário ou de quem exerce igual competência.
Por outro lado, as menções indicadas no art.º 46.º apenas se aplicarão ao termo de autenticação com as devidas adaptações, o que logo inculca a ideia de que nem todas dele deverão constar. Em terceiro lugar, cumprir o que a recorrente entende ser o devido equivaleria à realização de uma escritura, esta sim, um acto notarial a que aplica na totalidade o art.º 46.º. Coisa para que, aliás, um advogado não dispõe de competência, face ao disposto no art.º 38.º, do Decreto-Lei n.º 76-A/2006.
Com efeito, não obstante a força probatória dos documentos autênticos apenas incidir sobre os factos que neles se referem «como praticados pela autoridade ou oficial público respectivo, assim como dos factos que que neles são atestados com base nas percepções da entidade documentadora» (art.º 371.º, n.º 1, Cód. Civil), é exigida a assinatura dos intervenientes (os que proferem as declarações registadas) na escritura pública porque se trata da própria realização do negócio jurídico; e este tem os seus autores o que é atestado com as suas assinaturas.
No termo, o seu subscritor não recolhe quaisquer declarações constitutivas do negócio jurídico mas apenas a declaração confirmatória.
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Em sentido contrário, a recorrente invoca um parecer do Instituto dos Registos e Notariado a que dá o n.º C.P. 81/209 SJC-CT. Admitindo que o número 209 quer indicar o ano 2009, o certo é que na página do referido Instituto tal parecer não se encontra — nem naquele ano nem nos anteriores.
Em todo o caso, e utilizando a citação que consta das alegações, o parecer afirma o seguinte:
«… o documento particular autenticado deve conter duas manifestações de vontade humanas expressas (exteriorizadas): a declaração de vontade negocial exteriorizada com a assinatura do documento pelas partes; e a declaração de vontade confirmatória do conteúdo deste documento exteriorizada com a outorga, juntamente com a entidade autenticadora, do “termo de autenticação” pelas partes».
Do facto de estas duas declarações terem de ser expressas não resulta que ambas tenham de ser assinadas pelos declarantes: a primeira sim porque cria o negócio querido pelas partes; a terceira não porque nada cria substantivamente, limitando-se a ser recolhida pelo notário ou por quem exerce a sua competência. E a força probatória tem exactamente por efeito ser verdade que as partes declararam confirmar o negócio incorporado no documento particular autenticado.
Aliás, está fora de dúvida (a recorrente não levanta a questão) que a declaração confirmatória foi proferida.
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Assim não vemos que o termo de autenticação seja inválido.
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Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso.
Custas pela recorrente.
Évora, 22 de Fevereiro de 2018
Paulo Amaral
Francisco Matos
José Tomé de Carvalho