Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
2351/20.9T8PTM.E1
Relator: MARIA ADELAIDE DOMINGOS
Descritores: PRIVAÇÃO DE USO DE IMÓVEL
INDEMNIZAÇÃO
Data do Acordão: 06/15/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
O valor da indemnização pela privação do uso de um imóvel corresponde ao valor locatício (destinando-se o imóvel a esse fim) ou ao valor do uso da coisa (se for outro o seu destino).
(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Integral:
Acordam na 1.ª Secção do Tribunal da Relação de Évora

I – RELATÓRIO
AA, CC e mulher, DD, em 02-11-2020, vieram intentar ação comum, contra BB e mulher, EE, e FF, formulando os seguintes pedidos:
a) Serem os Réus condenados a reconhecer os Autores, como únicos e legítimos proprietários do prédio urbano sito nas ..., ... Tunes, descrito na Conservatória do Registo Predial de Silves com o n.º ...70 da freguesia de Tunes e inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo ...97, da União das Freguesias de Algoz e Tunes;
b) Serem os Réus condenados a restituir o supra identificado prédio aos Autores;
c) Serem os Réus condenados a indemnizar os Autores no valor dos arrendamentos sazonais que os mesmos deixaram de auferir nos Verões de 2019 e 2020 em virtude da ocupação do prédio, no valor de €51.810,00;
d) Serem os Réus condenados a indemnizar os Autores pela privação de uso do referido prédio urbano, à razão de €1.500,00 mensais, desde a data da citação até integral e efetiva restituição do imóvel;
e) Serem os Réus condenados a indemnizar os Autores no valor correspondente à reparação integral dos danos provocados na propriedade, que vier a apurar-se em sede de perícia.

Para fundamentarem os pedidos, alegaram, em síntese, que os Réus ocupam abusivamente o imóvel, causando-lhe danos/prejuízos, decorrentes não só da atuação diretamente exercida sobre a coisa, mas também decorrentes da impossibilidade dos Autores explorarem turisticamente o imóvel.

Os Réus contestaram alegando serem proprietários do imóvel e não existir qualquer ocupação abusiva da sua parte, antes sendo os Autores quem pretende apropriar-se de coisa sua, causando-lhes danos não patrimoniais com a sua conduta.
Concluíram pela improcedência da ação e deduziram reconvenção, peticionando o seguinte:
b) Que a reconvenção seja julgada procedente, decretando-se que os 1.ºs Réus são os únicos e legítimos proprietários das parcelas de terreno rústico inscrito na matriz predial sob o art.º ...43, da secção X, com área de 2.200m2 e a parcela de terreno urbano, inscrito na matriz predial urbana sob o art.º ...95, da freguesia de Tunes, Concelho de Silves, com área de 1.500m2, (ilegalmente extinto pelo Serviço de Finanças de Silves) conforme Doc. nº 4 junto com a contestação;
c) Serem os Autores condenados a restituir a posse efetiva aos 1.ºs Réus das parcelas de terreno rústico inscrito na matriz predial sob o art.º ...43, da secção X, com área de 2.200m2 e a parcela de terreno urbano, inscrito na matriz predial urbana sob o art.º ...95, da freguesia de Tunes, Concelho de Silves, com área de 1.500m2, (ilegalmente extinto pelo Serviço de Finanças de Silves) conforme Doc. nº 4 junto com a contestação;
d) Ser o Serviço de Finanças de Silves notificado para repor o artigo matricial indevidamente eliminado conforme Doc. nº 4 junto com a contestação.
e) Serem os Autores condenados a indemnizar os Réus a título de danos não patrimoniais no valor de €20.000,00.

Os Autores replicaram, mantendo o por si alegado na p.i. e pugnando pela improcedência da reconvenção. Mais pediram a condenação dos Réus como litigantes de má-fé em multa e indemnização a favor dos Autores no valor de todas as despesas incorridas com o presente processo, designadamente os honorários de advogado.
Realizou-se audiência prévia e foi proferido despacho saneador.
Foi admitida a reconvenção.
Foi admitida a realização de uma perícia (requerida pelos Autores) e de um levantamento topográfico (requerido pelos Réus).
O Relatório do levantamento topográfico foi junto aos autos em 15-10-2021 e o Relatório da perícia em 18-10-2021.
Os Réus, em 02-11-2021, apresentaram reclamação contra o Relatório pericial, nos termos do artigo 485.º, n.º 2, do CPC, requerendo que fossem fundamentados os valores ali mencionados.
Os Autores, por requerimento de 02-11-2021, aceitaram «como bom» o valor da reparação do portão (€750,00) e o da substituição do respetivo automatismo (€2.100,00) referidos naquele Relatório.
Por requerimento de 02-11-2021, na sequência do Relatório pericial, e remetendo para um outro requerimento datado de 15-10-2021, os Autores vieram concretizar o pedido formulado na alínea e) do petitório em €36.262,16.
Após esclarecimento prestados pelos Autores, em 02-12-2021, no sentido do valor agora concretizado ser devido pela reparação dos danos no exterior do imóvel e verificados na peritagem, não correspondendo a uma alteração da causa de pedir, mas apenas a uma ampliação do pedido decorrente do desenvolvimento ou consequência do pedido primitivo, em 20-12-2021, foi proferido o seguinte despacho: «admite-se a concretização do montante do pedido feita pelos A.A., a qual constituiu desenvolvimento do já inicialmente peticionado, nos termos do artº 265º do CPC.»
A audiência final realizou-se nos dias 21-12-2021 e 10-02-2022.
Em 01-02-2023 foi proferida sentença, cuja parte dispositiva veio a ser retificada por despacho que a integra proferido em 07-02-2023, tendo a ação sido julgada nos seguintes termos:
«Pelo exposto, o tribunal julga a presente ação parcialmente procedente e
- São os RR. condenados a reconhecer os AA. como únicos e legítimos proprietários do prédio urbano sito nas ..., ... Tunes, descrito na Conservatória do Registo Predial de Silves com o n.º ...70 da freguesia de Tunes e inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo ...97, da União das Freguesias de Algoz e Tunes.
- São os RR. condenados a restituir o supra identificado prédio aos AA.;
- São os RR. condenados a indemnizar os AA. no valor de €41.215 (quarenta e um mil, duzentos e quinze euros);
- São os RR. condenados a indemnizar os AA. no valor correspondente à reparação integral dos danos provocados no interior da moradia existente na propriedade, que vierem a apurar-se em sede de liquidação nos termos do artº 704º, nº 6 do Código de Processo Civil.
Absolvem-se os RR. do demais contra os mesmos peticionado, incluindo do pedido de condenação por litigância de má-fé (sem relevo tributário).
Mais se julga o pedido reconvencional improcedente, absolvendo-se os AA. do mesmo.
Custas da ação por AA. e RR., na proporção do respetivo decaimento, que se fixa em 25% para os AA. e 75% para os RR., e da reconvenção pelos RR..»

Inconformados, apelaram os Autores defendendo a revogação da sentença na parte impugnada, apresentando as seguintes CONCLUSÕES:
«1.ª A douta decisão recorrida condenou do R.R., aqui Recorridos, a indemnizar os A.A., ora Recorrentes, em valores muito inferiores aos peticionados.

2.ª Não foram consideradas todas as provas carreadas para os autos, designadamente no que toca à prova dos danos, apenas conhecidos após o acesso parcial à propriedade, que permitiu concretizar em parte, a alínea e) do pedido dos A.A.

3.ª Designadamente não foram consideradas as fotografias juntas aos autos por requerimento datado de 27/09/2021, com a referência electrónica 39951037, nem os orçamentos juntos aos autos por requerimento datado de 15/10/2021, com a referência electrónica 40153889, nem as fotos do imóvel antes da ocupação juntos aos autos por requerimento datado de 19/07/2021, com a referência electrónica 39500295.

4.ª Igualmente, não foi considerado o depoimento da testemunha GG, a qual confirmou grande parte dos danos.

5.ª Acresce que regularmente notificados os R.R. dos requerimentos identificados em 3.ª supra, não foram os mesmos, ou as fotos e orçamentos a eles anexos, impugnados, ou sequer objecto de qualquer reacção, pelo que, tal como decorre do disposto no art. 574.º do CPC, deveriam os danos e os respectivos valores de reparação ter sido dados como provados.

6.ª Designadamente, deveriam ter sido dados como provados, além dos danos referidos em 5 e 7 do elenco dos factos provados, no valor de € 2.905,00, ainda os seguintes danos peticionados e não contestados:

a) Danos no muro de sustentação do portão;

b) O painel de azulejos com indicação do nome da casa (...) foi destruído e substituído por uma indicação referente à entrada construída pêlos R.R., a Poente do prédio;

c) A piscina encontra-se quase vazia, repleta de lixo e sapos, bem como todo o equipamento (designadamente skimmers, ralo de fundo, sistema de bombagem e electrolizador de sal, totalmente destruídos);

d) Todo o sistema eléctrico, de abastecimento de água e de rega do jardim foi danificado, com destruição do quadro eléctrico, remoção de disjuntores e cabos, bem como corte e remoção dos tubos de água e rega e restantes equipamentos, os quais foram deixados ao abandono, espalhados pelo jardim e zona da piscina;

e) O jardim está totalmente destruído, seco e sem relva;

f) O trampolim existente no jardim foi totalmente destruído, propositadamente (com pedras que forçaram a zona elástica até que a mesma se rebentasse);

g) Vários objectos de decoração, utilitários e brinquedos dos A.A., que estavam no interior da casa, foram depositados pelos R.R. junto ao portão Sul, à chuva e ao sol, sem qualquer tipo de protecção, o que ditou a sua destruição total.
Mais deveria ter sido dado como provado que:
h) Os valores das correspondentes reparações (conforme orçamentos apresentados e não impugnados), importam no valor de € 33.412,16.

7.ª Existe, assim, uma omissão de julgamento quanto a factos essenciais, os quais determinariam, em conjugação com os restantes factos provados, uma solução jurídica diferente.

8.ª Pelo que deverá a douta decisão do Tribunal a quo ser substituída por outra que condene os Recorridos no pagamento de indemnização aos Recorrentes, correspondente ao valor da reparação integral dos danos provocados na parte exterior do imóvel ilegitimamente ocupado, no valor total de € 36.317,16

9.ª Nos termos do art. 483.º do C.C. têm os Recorrentes o direito a ser indemnizados pelos Recorridos, designadamente, e conforme decorre dos arts. 562.º e 564.º, não só pelos danos provocados no imóvel, como pelos benefícios que deixaram de obter em consequência da ocupação ilegítima do mesmo.

10.ª Porquanto, face à matéria dada como provada, e como bem refere a decisão a quo, “estando provado que os RR. ocupam sem título a parcela de terreno (e a casa) dos AA., deve ser arbitrada uma reparação, destinada a compensar os AA. do prejuízo tido com a não entrega do imóvel pelos RR (...).”

11.ª A esse título, peticionaram os A.A., ora Recorrentes, uma indemnização no valor dos arrendamentos sazonais que os mesmos deixaram de auferir nos Verões de 2019 e 2020, no valor de € 51.810,00, correspondente a uma renda semanal de € 2.250,00, cujo cálculo o Mm.º Juiz a quo considerou correcto.

12.ª Não obstante, foi determinado na douta sentença recorrida que o referido valor semanal deveria apenas ser considerado em 2/3 desse valor, quando os próprios Recorridos não contestaram o valor do arrendamento indicado pelos Recorrentes (e que veio a ser dado, e bem, como provado).

13.ª Estando provado o efectivo prejuízo decorrente da impossibilidade de arrendamento turístico (durante os Verões de 2019 e 2020), já verificado à data da entrada da acção (02/11/2020), não se justifica o recurso a juízos de equidade
quando o mesmo apenas deverá ocorrer “quando não puder ser averiguado o valor exacto dos danos” (art. 566.º/3) do C.C., o que não se verifica.

14.ª Assim, também nesta parte deverá a douta decisão recorrida ser alterada, condenando-se os Recorridos no pagamento da quantia integral peticionada para indemnização dos valores dos arrendamentos sazonais que os Recorrentes deixaram de auferir nos Verões de 2019 e 2020, no montante de € 51.810,00.

15.ª Mais peticionaram os Recorrentes, a condenação dos Recorridos no pagamento de indemnização aos A.A. pela privação de uso do imóvel, à razão de € 1.500,00 mensais, desde a data da citação até integral e efectiva restituição do imóvel, valor de renda que, novamente, o Mm.º Juiz a quo deu como provado (n.º 17 da matéria provada).

16.ª Não obstante, foram os Recorridos absolvidos da totalidade deste pedido, em virtude de ter a douta decisão recorrida considerado que o mesmo consubstanciava uma sanção pecuniária compulsória e, nessa medida, negou aos Recorrentes o respectivo pagamento, por entender que os mesmos podem exigir a entrega do imóvel mediante execução da sentença que a determinou.

17.ª O pedido indemnizatório dos Recorrentes, de € 1.500,00 por mês, desde a data da citação até integral e efectiva restituição do imóvel, visou apenas e só a compensação decorrente da privação do uso e não a constituição de qualquer sanção pecuniária compulsória, interpretação, aliás, que não tem qualquer correspondência com a factualidade alegada ou com o direito invocado pelos Recorrentes.

18.ª O pedido tendo por base o valor de renda mensal, afigura-se mais equitativo e justo, até porque permite compensar os Recorrentes durante todo o ano, seja Verão ou Inverno.

19.ª Absolver os Recorridos do pagamento de toda e qualquer quantia desde a citação até entrega efectiva do imóvel, quando já decorreram desde então mais
de dois anos, é premiar a conduta ilícita daqueles, em detrimento dos mais elementares direitos dos Recorrentes e dos princípios basilares de um Estado de Direito.

20.ª Recorde-se que os Recorridos invadiram o imóvel dos Recorrentes e lá permanecem desde 2019, sem um único documento que os legitime, sendo certo que nunca acataram sequer as ordem do Tribunal, negando o acesso ao imóvel para realização de perícia.

21.ª Ocupação essa totalmente ilícita, em consequência da qual deixaram os Recorrentes de dispor e gozar livremente do seu bem imóvel, nos termos consagrados no art.º 1305º do Código Civil, com violação do respectivo direito de propriedade, pelo que têm os mesmos direito a serem ressarcidos em conformidade.

22.ª Pelo que, também quanto a este aspecto, deverá a douta sentença recorrida ser substituída por outra que condene os Recorridos no pagamento de indemnização aos Recorrentes, no montante de € 1.500,00 mensais, pela privação de uso do seu prédio, desde a data da citação até integral e efectiva restituição do imóvel.

Nestes termos,
E nos demais de direito que Vs. Exas. doutamente suprirão, deverá a douta sentença recorrida ser revogada na parte objecto deste recurso, sendo substituída por outra que condene os R.R., ora Recorridos a indemnizar os A.A. aqui Recorrentes, nos termos peticionados de:
€ 51.810,00, correspondente ao valor dos arrendamentos sazonais que os Recorrentes
deixaram de auferir nos Verões de 2019 e 2020 em virtude da ocupação ilícita do prédio;
€ 1.500,00 mensais, pela privação de uso do referido prédio, desde a data da citação até integral e efectiva restituição do imóvel;
€ 36.317,16, correspondente à reparação integral dos danos provocados no exterior da propriedade, sem prejuízo dos que vierem a apurar-se em liquidação de sentença, após acesso ao interior da moradia. »

Não foi apresentada resposta ao recurso.


II- FUNDAMENTAÇÃO
A- Objeto do Recurso
Considerando as conclusões das alegações, as quais delimitam o objeto do recurso, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso e daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras (artigos 635.º, n.ºs 3 e 4, 639.º, n.º 1 e 608.º, n.º 2, do CPC), não estando o tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito (artigo 5.º, n.º 3, do CPC), no caso, impõe-se apreciar:
- Aditamento à decisão de facto;
- Indemnização pelos prejuízos.

B- De Facto
A 1.ª instância deu como provada a seguinte matéria de facto:
Factos Provados:
«1- Os AA. têm inscrita a seu favor a propriedade do prédio urbano sito nas ..., ... Tunes, descrito na Conservatória do Registo Predial de Silves com o n.º ...70 da freguesia de Tunes e inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo ...97, da União das Freguesias de Algoz e Tunes (resposta aos artºs 1º da p.i. e 7º da réplica).
2- Em finais de junho de 2019, os RR., ocuparam uma parte do imóvel referido em 1, onde se encontra uma moradia, sendo que tal parte do imóvel se encontrava totalmente vedada (resposta ao artº 2º da p.i.).
3- Para o efeito, forçaram o mecanismo do portão automático da propriedade, danificando-o, o qual apenas deveria funcionar mediante o uso de comando, e acederam ao seu interior, lá estacionando uma autocaravana (resposta ao artº 3º da p.i.).
4- Bem como colocaram uma corrente no portão, impedindo o acesso à propriedade (resposta ao artº 4º da p.i.).
5- Os RR. procederam ainda a:
• Destruição de parte da vedação, designadamente onde a mesma confronta com o prédio dos RR.;
• Esvaziamento total da piscina, custando € 55 o seu reenchimento;
• Corte de eletricidade;
• Arrombamento da fechadura da porta de acesso ao anexo onde se encontra instalado o sistema de abastecimento de água (resposta ao artº 5º da p.i.).
6- E estabeleceram ligações de água e eletricidade entre a propriedade dos AA. e a autocaravana que estacionaram no terreno vizinho, de que os 1.ºs Réus são proprietários (resposta ao artº 6º da p.i.).
7- E em novembro de 2019, soldagem do portão de acesso à propriedade, impedindo o acesso à mesma, sendo que o conserto do portão importa em €750 e do automatismo de abertura e fecho do portão em €2.100 (resposta ao artº 7º da p.i.).
8- Face ao comportamento dos RR., em 04/07/2019, os AA. participaram dos mesmos criminalmente, o que deu origem ao NUIPC n.º 256/19.5T9SLV, o qual corre termos pelo DIAP de Silves (resposta aos artºs 8º e 9º da p.i.).
9- No dia 02/03/2020, os AA. tiveram conhecimento que os RR. passaram a ocupar, a título permanente a parte que haviam ocupado do imóvel referido em 1, como se de proprietários se tratassem, impedindo a entrada dos A.A. ou de terceiros, incluindo os militares da GNR, os quais no referido dia 2 de março de 2020, chamados ao local, foram impedidos de aceder à propriedade (resposta aos artºs 10º e 11º da p.i.).
10- Os RR. foram instados pelos AA. a abandonar o local, contudo, sem sucesso (resposta ao artº 12º da p.i.).
11- Os RR. não estão autorizados pelos AA. a permanecer no local, tendo-lhes sido expressamente dito que abandonassem o mesmo, o que recusam fazer (resposta aos artºs 13º e 14º da p.i.).
12- Os R.R. insistem em ali permanecer, arrogando-se titulares de um direito sobre o imóvel (resposta ao artº 15º da p.i.).
13- O prédio era habitualmente usado pelos AA., familiares e amigos durante os períodos de férias, bem como rentabilizado durante o Verão, mediante arrendamento para férias a terceiros (resposta ao artº 16º da p.i.).
14- Em junho de 2019, os AA. já tinham reservas de arrendamento no valor de €11.310,00, as quais foram forçados a cancelar, sendo que esse valor respeitava apenas a reservas da segunda quinzena de julho, 10 dias de agosto e 9 dias de outubro (resposta aos artºs 17º a 19º e 24º da p.i.).
15- Desde finais de junho de 2019 que os AA. estão impedidos de usar a sua casa, com todo o conforto e comodidades com que a apetrecharam por forma a nela poderem usufruir dos seus dias de férias, com família e amigos (resposta ao artº 23º da p.i.).
16- Tendo sido impedidos de rentabilizar o imóvel durante o Verão de 2020, impedimento que se mantém, uma vez que os RR. se recusam a sair do local (resposta ao artº 25º da p.i.).
17- Face às características do prédio (moradia unifamiliar com jardim e piscina) a renda mensal do mesmo, ainda que numa perspetiva de arrendamento ao ano, não seria inferior a €1.500,00 mensais (resposta ao artº 28º da p.i.).
18- Em 1990 a sociedade S..., representada pelo 1º Réu comprou um terreno sito nas ..., freguesia de Tunes, concelho de Silves, inscrito sob artigo matricial ...5 da freguesia de Tunes (resposta ao artº 6º da contestação).
19- Tendo sido declarado no contrato promessa de compra e venda celebrado com os anteriores proprietários que do mesmo era desanexada uma parcela de terreno urbano com área de 2500m2, pelo que ficava o imóvel nº ...5 com a área de 15.460m2, passando, com o tempo, a constar da matriz 3 parcelas:
- Uma parcela de terreno de 11.760m2 inscrita sob a matriz predial do art.º ...00 da freguesia de Tunes, concelho de Silves, que foi vendida pelos Réus a terceiros;
- Uma segunda parcela de terreno rústico inscrito na matriz predial sob o art.º ...43, da secção X, com área de 2.200m2;
- E uma terceira parcela de terreno urbano inscrito na matriz predial urbana sob o art.º ...95, da freguesia de Tunes, Concelho de Silves, com área de 1.500m2, esta inscrita na matriz apenas em 2012 (resposta aos artºs 7º e 8º da contestação).
20- Em 1995 a parcela urbana que fora desanexada do prédio supra referido (artº 95, secção X) com área declarada de 2.500m2, veio a ser adquirida por HH e II, passando a confrontar com a propriedade dos 1ºs Réus e passando II e HH a ocupar igualmente a parcela de 1.500m2 referida no nº anterior destes factos provados, como integrando a propriedade por si adquirida, e construíram uma moradia (resposta aos artºs 9º a 11º da contestação).
21- Os RR. opuseram-se a que os antecessores dos AA. ocupassem a parcela referida de 1.500m2, porque os RR. a consideravam e consideram sua, ao passo que os antecessores dos AA. a consideravam deles, tal como os AA. (resposta aos artºs 12º a 14º da contestação).
22- Os aqui 1ºs Réus e HH e II celebraram em 1998, , um contrato promessa de compra e venda verbal de um prédio rústico sito no ..., freguesia de Tunes, concelho de Silves com uma área de 2.200m2 inscrito na matriz sob o artigo ...43 da Secção X e descrito na conservatória do registo predial de Silves, sob o nº ...94, pelo preço total de €110.000,00 (cento e dez mil euros), sendo que pagariam em prestações mensais a título de sinal o montante total de € 11.023,43 (onze mil e vinte e três euros e quarenta e três cêntimos) (resposta ao artº 15º da contestação).
23- Os promitentes compradores entre novembro de 1998 e junho de 2000 liquidaram aos 1ºs Réus a quantia acordada a título de sinal e tomaram posse imediata do terreno, ficando em dívida, o restante do preço, no montante de €99.210,90 (noventa e nove mil duzentos e dez euros e noventa cêntimos), que deveria ser pago aquando da escritura pública de compra e venda (resposta aos artºs 16º e 17º da contestação).
24- Embora os 1ºs Réus tivessem interpelado os promitentes compradores para a realização da escritura pública, tal não veio a acontecer (resposta aos artºs 18º e 19º da contestação).
25- Os 1ºs Réus escreveram aos promitentes compradores com o intuito de os mesmos lhes devolverem a posse da parcela rústica com área de 2.200m2 que estavam a ocupar sem ter pago a totalidade do preço acordado, sendo que estes deixaram de viver em Portugal e outorgaram uma procuração a favor de JJ, para vender a propriedade em questão (resposta aos artºs 20º e 21º da contestação).
26- Em 11 de novembro de 2008 JJ escreveu uma carta aos 1ºs Réus a propor a compra da parcela rústica de 2.200m2 pelo preço de €20.000,00 (vinte mil euros), que estes não aceitaram (resposta ao artº 22º da contestação).
27- O prédio que era pertença da referida II foi entretanto alienado a uma sociedade e é hoje propriedade de AA, CC e DD, ora Autores (resposta ao artº 28º da contestação).
28- Aos AA. foi pelos 1ºs Réus comunicado que consideravam ser ilegal a ocupação da parcela de 1.500m2 e a implantação da moradia, perante o que os AA. têm sustentado que o terreno é seu e que a ocupação pelos RR. é que é ilegal (resposta aos artºs 29º da contestação e 54º da réplica).
29- Os 1ºs Réus haviam alertado os Autores para a existência de um problema de delimitação, no entanto, estes entenderam adquirir o bem (resposta ao artº 49º da contestação).
30- No decurso dos anos, os 1ºs Réus tentaram através de meios próprios resolver as questões de delimitação dos terrenos em causa e não o conseguindo por si sós de modo que considerassem satisfatório, constituíram advogado para solucionar o problema (resposta aos artºs 33º e 34º da contestação).
31- O advogado constituído pelos 1ºs Réus cancelou, junto do serviço de finanças de Silves, o artigo matricial do prédio urbano inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...95 da freguesia de Tunes, com a área de 1.500m2, referindo que a R. “por lapso, em 25/05/2012, veio efectuar uma declaração de IMI, dando origem à criação de um prédio urbano que veio a ser inscrito sob o artigo matricial ...95 da freguesia de Tunes, ..., Concelho de Silves, com a área de 1.500m2” (resposta aos artºs 34º e 47º da contestação).
32- A situação de disputa de terreno trouxe aos 1ºs RR. transtornos psicológicos, nomeadamente o stress decorrente desta situação, para ambos, os quais viram a sua vida durante este período envolvida em vários processos judiciais (resposta aos artºs 51º a 53º da contestação).
33- Os 1ºs Réus confiaram nos profissionais por si mandatados, pensando que todo o processo iria ser resolvido de acordo com os seus interesses iriam ser declarados proprietários da parcela de terreno em disputa (resposta ao artº 54º da contestação).
34- O prédio dos AA., descrito sob o nº ...70, não obstante estar descrito com área de 2.600 m2, tem, na realidade 4.000m2, nunca tendo tido área inferior (resposta aos artºs 8º e 47º da réplica).
35- A parcela que hoje constitui o prédio dos AA., foi averbada na matriz como parcela urbana de um prédio rústico, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo ...5, secção X, da freguesia de Tunes, com a área total inscrita de 17.960m2 (resposta ao artº 9º da réplica).
36- Em 19 de junho de 1989, a então proprietária do prédio, KK, requereu ao Serviço de Finanças de Silves a divisão do mesmo, solicitando a reposição das matrizes como dois prédios distintos, autonomizando a parte urbana da rústica (resposta ao artº 10º da réplica).
37- Tendo ambos os prédios sido demarcados no local, conforme as reclamações cadastrais, a que correspondem os processos nºs 193/89 e 240/89 e mapa cadastral junto aos mesmo (resposta ao artº 11º da réplica).
38- Assim, em 01/02/1990, foi a referida parcela urbana descrita na Conservatória do Registo Predial de Silves a favor de KK, viúva, residente em ..., Algoz, com a descrição nº ...70, da freguesia de Tunes, com a área de 2.600 m2, a que correspondia o prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo nº ...41, da freguesia de Tunes, à data inscrito com a área coberta de 100 m2 e descoberta de 2.500 m2 (resposta ao artº 12º da réplica).
39- Na mesma data, foi inscrito na Conservatória do Registo Predial de Silves, a favor do mesmo sujeito ativo, KK, viúva, residente em ..., Algoz, o prédio com a descrição nº ...69, da freguesia de Tunes, com a área total de 15.460 m2, a que correspondia o prédio rústico sob o artigo nº ...5, Secção “X”, de Tunes, com a área de 15.460 m2 (resposta ao artº 13º da réplica).
40- Em 22/11/1990, o supra descrito prédio rústico, com a área inscrita de 15.460 m2 foi vendido à sociedade S..., Lda. (de que os RR. eram sócios-gerentes) (resposta ao artº 14º da réplica).
41- Em 20 de maio de 1994, os processos de reclamação cadastral foram concluídos, sendo que das informações do Instituto Geográfico e Cadastral não consta a área final dos prédios, resultante da medição dos prédios executada pelo mencionado Instituto e que determina a sua configuração real, informação que a Direção Geral do Território veio posteriormente prestar, com emissão de certidão onde atesta que a área do prédio dos AA., o prédio urbano objeto da reclamação cadastral, é de 4.000 m2 (e não 2.500,00 como havia sido indicado na reclamação cadastral) e a do prédio confinante (de onde o prédio que é hoje dos AA. foi desanexado) é de 13.960 m2 (e não 15.460,00 como havia sido indicado na reclamação cadastral), dando origem ao artigo matricial ...42... (resposta aos artºs 15º a 18º da réplica).
42- O prédio que é hoje dos AA. nunca fora objeto de uma medição exata, razão pela qual só com os processos de reclamação ocorreu a correção da sua área (resposta aos artºs 20º a 22º da réplica).
43- Em 10 de maio de 1995, após o óbito da referida KK, os seus herdeiros, LL e MM, venderam o referido prédio urbano, sem terem corrigido a respetiva área de 4.000 m2, a II, no qual já se encontrava implantada a edificação, construída antes de 1951, prédio esse que veio a ser vendido GL Invest – Empreendimentos, Assessoria e Comércio, Lda. e, finalmente, em 2013, aos AA. (resposta aos artºs 23º e 24º da réplica).
44- O prédio que é hoje dos AA., com a área de 4.000m2, foi inicialmente inscrito na matriz sob o artigo ...41, da freguesia de Tunes, tendo posteriormente, dado origem ao artigo nº ...06, da extinta freguesia de Tunes, a que corresponde o atual artigo 1497, da União das freguesias de Algoz e Tunes, encontrando-se hoje inscrito, com área de 4.000m2 (resposta aos artºs 25º a 27º da réplica).
45- Em 15 de abril de 1997, já após a conclusão da reclamação cadastral, foi registado na Conservatória, sob o n.º ...69 da freguesia de Tunes, em nome da sociedade S..., Lda, da qual os RR. eram sócios-gerentes, a compra de um prédio urbano com a área total de 11.760 m2 (artigo matricial ...31), tendo, na mesma data, sido desanexado desse prédio e registado a favor da mesma empresa, um prédio rústico com a área 2.200 m2, sob o n.º ...94 da freguesia de Tunes inscrito na matriz sob o artigo ... e, no requerimento (assinado, com assinatura reconhecida, pelo 1.º Réu), pelo qual a sociedade requer o registo dos dois prédios, declara as áreas supra referidas, e que o art. 143 X tem proveniência no art. 142 X (resposta aos artºs 28º, 29º, 33º e 34º da réplica).
46- Não existe nem nunca existiu um prédio, com a área de 1.500 m2 entre o prédio a que corresponde o artigo matricial ...97 (antigo 141X), propriedade dos AA. e o artigo 143X, propriedade dos R.R. (resposta aos artºs 49º da contestação e 37º, 49º e 50º da réplica).
47- Nos mapas cadastrais mais antigos e nos mais recentes, a edificação que os RR. dizem ter sido construída pelo casal Heyde sempre lá existiu e era a única existente em todo o prédio ... (resposta aos artºs 39º e 44º da réplica).
48- Na escritura de compra pelo casal Heyde, datada de 1995, consta: “(...) vendem à segunda outorgante, o prédio urbano sito em ..., freguesia de Tunes, deste concelho, composto de uma morada de casa térreas, com 3 divisões assoalhadas
(...).
O imóvel vendido já se encontrava na matriz antes de sete de Agosto de mil novecentos e cinquenta e um.” (resposta ao artº 40º da réplica).
49- Anexa à referida escritura, encontra-se a certidão do serviço de finanças de Silves, comprovativa da inscrição na matriz anterior a 1951 (resposta ao artº 41º da réplica).
50- A construção levada cabo pelo casal Heyde foi de ampliação da moradia existente e não alterou a localização da mesma, nem ocupou qualquer parcela a Norte da construção original (resposta ao artº 43º da réplica).
51- Para instrução do projeto de ampliação da moradia foi feito um levantamento topográfico do prédio, do qual, à data, em 22/02/1997, já constava uma área próxima dos 4.000m2, mais precisamente 4.325m2 (resposta ao artº 45º da réplica)

Factos Não Provados:
«Foi considerada não provada a matéria dos artºs 24º a 27º, 36º, 41º, 42º, 45º e 46º da contestação e 52º, 53º e 55º da réplica.
Não se respondeu à matéria dos artºs 20º a 22º, 26º, 27º e 29º a 35º da p.i., 1º a 5º, 23º, 31º, 32º, 35º, 37º a 40º, 43º, 48º, 50º e 55º da contestação e 1º a 6º, 19º, 30º a 32º, 35º, 36º, 38º, 42º, 46º, 48º, 51º e 57º a 69º da réplica, por se considerar o respetivo teor conclusivo.»

C- Do Conhecimento das questões colocadas no recurso
1. Aditamento à decisão de facto
Os Autores pretendem que seja aditada à decisão de facto a seguinte factualidade:
«a) Danos no muro de sustentação do portão;
b) O painel de azulejos com indicação do nome da casa (...) foi destruído e substituído por uma indicação referente à entrada construída pêlos R.R., a Poente do prédio;
c) A piscina encontra-se quase vazia, repleta de lixo e sapos, bem como todo o equipamento (designadamente skimmers, ralo de fundo, sistema de bombagem e electrolizador de sal, totalmente destruídos);
d) Todo o sistema eléctrico, de abastecimento de água e de rega do jardim foi danificado, com destruição do quadro eléctrico, remoção de disjuntores e cabos, bem como corte e remoção dos tubos de água e rega e restantes equipamentos, os quais foram deixados ao abandono, espalhados pelo jardim e zona da piscina;
e) O jardim está totalmente destruído, seco e sem relva;
f) O trampolim existente no jardim foi totalmente destruído, propositadamente (com pedras que forçaram a zona elástica até que a mesma se rebentasse);
g) Vários objectos de decoração, utilitários e brinquedos dos A.A., que estavam no interior da casa, foram depositados pelos R.R. junto ao portão Sul, à chuva e ao sol, sem qualquer tipo de protecção, o que ditou a sua destruição total.
Mais deveria ter sido dado como provado que:
h) Os valores das correspondentes reparações (conforme orçamentos apresentados e não impugnados), importam no valor de € 33.412,16.»

Invocam para fundamentar esta pretensão que a factualidade em causa retrata os danos conhecidos aquando da realização da perícia, altura em que a perita teve acesso parcial à propriedade, o que lhes permitiu concretizar a alínea e) do pedido.
Em relação aos meios probatórios, entendem que o tribunal recorrido não considerou os meios de prova juntos aos autos que identificam na conclusão 3.ª (fotografias juntas com o requerimento de 27-09-2021; orçamentos juntos com o requerimento de 15-10-2021; fotografias do imóvel antes da ocupação juntas com o requerimento de 19-07-2021) e na conclusão 4.ª (depoimento da testemunha GG, que confirmou grande parte dos danos).
Vejamos, então.
O princípio do dispositivo determina que compete às partes a alegação dos factos essenciais que constituem a causa de pedir e, para além dos factos articulados pelas partes, são ainda considerados pelo juiz os factos instrumentais que resultem da discussão da causa, os factos que sejam complemento ou concretização do que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenha sido exercido o princípio do contraditório. Para além disso, são ainda tidos em consideração os factos notórios e aqueles de que o tribunal tenha conhecimento por virtude do exercício das suas funções (artigos 5.º, 552.º, n.º 1, alínea d), 572.º, alíneas b) e c), e 583.º, do CPC).
Os factos essenciais controvertidos são introduzidos na ação através dos articulados típicos da ação ou, então, por via de articulado superveniente e, neste caso, desde que preenchidos os respetivos requisitos (artigos 588.º e 589.º do CPC).
No caso em apreço, os Autores alegaram que os Réus em finais de junho de 2019 invadiram a sua propriedade e começaram a provocar vários danos que descrevem nos artigos 2 a 7 da petição inicial, causando-lhe prejuízos, que descrevem nos artigos 16 a 30, alegando que, por não terem acesso ao imóvel, apenas puderam alegar os danos conhecidos, requerendo, contudo, a condenação dos Réus na reparação integral dos danos que viessem a ser apurados em sede de perícia (cfr. alínea e), do pedido).
Entende-se que face à configuração da causa de pedir e do pedido formulado nesta alínea e) do petitório, que os danos que vieram a ser conhecidos por via da perícia sejam qualificados como factos complementares ou concretizadores os danos alegados pelos Autores na petição inicial e que resultam da discussão da causa, passíveis de serem atendidos oficiosamente pelo tribunal, já que sobre eles incidiu o princípio do contraditório (por ser essa, desde logo, a natureza da avaliação – cfr. artigos 467.º, 475.º e 476.º do CPC), sem necessidade da concretização da respetiva factualidade vir formalmente aos autos através de um articulado superveniente.
Sendo assim, caso o juiz não tenha levado em conta na decisão de facto a factualidade que correspondente à complementação ou concretização dos factos essenciais (aplicando-se o mesmo raciocínio em relação aos factos instrumentais), a parte pode impugnar a decisão de facto desde que observados os requisitos do artigo 640.º do CPC, competindo ao tribunal superior a sua apreciação no estrito cumprimento desse normativo conjugado com o artigo 662.º do CPC.
No caso, os Apelantes indicam a matéria que pretendem aditar, a decisão que deveria ter sido proferida e as provas em que sustentam tal impugnação, pelo que nada obsta à sua apreciação.
Importa, assim, começar por analisar o conteúdo do Relatório pericial para se aferir se ali constam os danos que os Autores entendem estarem provados por via do mesmo e que, por essa razão, devem ser aditados à decisão de facto.
O que se constata é que para além dos danos e respetivos valores que se encontram mencionados nos pontos 5 a 7 dos factos provados, o Relatório pericial não sustenta a existência dos danos nem os valores da reparação que agora os Apelantes pretendem que sejam aditados à decisão de facto.
Veja-se, assim, que em relação aos danos no muro de sustentação (quesito 8 da perícia), respondeu a Sr.ª NN que não se encontrava apta a responder à questão colocada por apenas ter tido acesso à parcela a sul (jardim e piscina).
Quanto ao painel de azulejos com indicação do nome da casa (...) nenhum quesito foi formulado, nem consta qualquer menção a essa matéria no Relatório pericial.
Em relação à piscina e seu estado de limpeza e/ou conservação, e respetivo equipamento, a questão colocada no quesito 4 visava apenas apurar se estava vazia, e se estivesse, se daí decorria algum dano e qual o custo do enchimento.
E foi a essas perguntas que a Sr.ª NN respondeu e que deram azo aos factos provados dos ponto 5, 2.º parágrafo. Ou seja, nada é dito sobre os demais danos mencionados pelos Apelantes em relação à piscina e respetivos equipamentos.
Quanto à questão do sistema elétrico e de abastecimento de água, à Sr.ª Perita foram colocadas duas perguntas que constam dos quesitos 5 e 6.
No quesito 5 perguntava-se se a instalação elétrica e o sistema de abastecimento de água tinham sofridos danos e qual o custo da reparação. A resposta foi inconclusiva por o objeto da pergunta exceder o domínio do conhecimento da Sr.ª Perita, como referido pela mesma.
No quesito 6 perguntava-se se havia sinais de danos nas fechaduras e nas portas de acesso à casa principal e ao anexo onde se encontra instalado um sistema de abastecimento de água, tendo a Sr.ª Perita respondido que não estava apta a responder a tal questão por só ter tido acesso à parcela a sul (jardim e piscina).
Quanto ao estado do jardim, o quesito 7 da perícia incidia sobre essa temática, tendo sido perguntado se o jardim se encontrava em mau estado, danificado ou negligenciado e qual o custo da reposição para o colocar como retratado nas fotos tiradas antes. A resposta foi no sentido do jardim se encontrar «danificado e negligenciado», sem que fosse adiantado o que foi observado, mais dizendo a Sr.ª Perita que, quanto aos valores, não era tal matéria do seu domínio.
Em relação aos danos referidos nas alíneas f) e g) da conclusão 6.ª, nada é dito na perícia porque também o seu objeto não incidiu sobre tais questões.
Em face da análise do teor do Relatório pericial é de concluir que do mesmo não resultaram apurados outros danos ou valores para além dos que ficaram a constar da decisão de facto.
Em relação ao depoimento da testemunha GG, a mesma foi confrontada com algumas das fotografias juntas com o requerimento de 27-09-2021 (que mostram portões, uma rede e a piscina) e que confirmou o ali retratado.
Porém, em termos de depoimento propriamente dito, a testemunha mencionou que perdeu contato com a propriedade «na semana seguinte ao acontecimento» e que só lá voltou com a «Dr.ª e a autoridade, GNR», tendo prestado um depoimento muito pouco circunstanciado, descrevendo de forma muito genérica e conclusiva quer o estado anterior do espaço, quer o que viu depois quando se deslocou ao imóvel.
Deste depoimento, conjugado com as fotografias juntas aos autos, verifica-se que efetivamente ocorreram danos na parte exterior do imóvel, mas sem que destes meios de prova resulte de forma pormenorizada outros danos para além dos dados como provados na decisão de facto.
No que concerne aos orçamentos, constata-se que os Autores juntaram 3 orçamentos.
Um, subscrito pela ..., no valor de €22.370,00, sem IVA, referente a Limpeza, Rega, Relvados, Plantações e Diversos; outro, subscrito pela F..., Ld.ª, no valor de €3.531,33, com IVA, referente a Equipamento para piscina; o terceiro, subscrito por OO, Construções Unipessoal, Ld.ª, no valor de €1.365,73, referente a produtos e montagem de equipamentos de piscina.
Para que estes orçamentos pudessem ser considerados em termos de provarem o valor necessário às reparações a efetuar na exterior do imóvel, teriam os trabalhos neles mencionados de corresponder aos danos apurados. O que não sucede como decorre de uma leitura comparativa dos pontos 5 a 7 dos factos provados e da descrição dos trabalhos orçamentados.
Em face de todo o exposto, não subsiste fundamento jurídico para aditar a factualidade que os Apelantes pretendem incluir na decisão de facto, improcedendo, assim, a respetiva impugnação.

2. Indemnização pelos prejuízos
Discordam os Apelantes do valor atribuído a título de indenização pela perda dos valores dos arrendamentos sazonais que deixaram de auferir no verão de 2019 e de 2020, no montante de €51.810,00 (correspondente a uma renda semanal de €2.250,00), por a sentença ter considerado que a esse valor (que aceitou como provado) dever ser descontado 2/3.
Em relação a esta questão consta da sentença recorrida o seguinte:
«(…) no caso dos autos se provou que em junho de 2019, os AA. já tinham reservas de arrendamento no valor de €11.310,00, as quais foram forçados a cancelar, sendo que esse valor respeitava apenas a reservas da segunda quinzena de julho, 10 dias de agosto e 9 dias de outubro (resposta aos artºs 17º a 19º e 24º da p.i.).
Assim, balizando os próprios AA. na sua p.i. o período provável de ocupação da moradia em 18 semanas (sensivelmente, de 15 de junho a 31 de outubro), e tendo por base o valor referido, afigura-se-nos correto o cálculo pelos mesmos feito de valor de arrendamento por semana o de € 2.250.
Fazendo apelo ao critério jurisprudencial acima referido, ainda que de modo mais restrito, devido ao que acaba de se expor, reduzir-se-á a 2/3 o valor a atribuir, pelo que, calculando-se 18 semanas multiplicadas por €1.500 apura-se um valor de €27.000, que, a este título, se somará ao de €11.310, perfazendo €38.310, que será a indemnização a atribuir.»
Posteriormente, o valor final foi retificado para €41.215,00, como consta do antecedente Relatório.
Do critério jurisprudencial aludido na sentença resulta que o valor do prejuízo pela privação da utilidade específica da coisa no que diz respeito ao valor locativo médio, deve ser temperado pela equidade, descontando-se ao valor bruto da renda provavelmente auferida o valor dos encargos tributários que incidem sobre os rendimentos prediais a cargo do senhorio, tendo o acórdão do STJ citado na decisão recorrida[1] fixado, naquele caso, esses encargos em 2/3 do valor das rendas.
Na apreciação desta questão, e tendo em mente o que dispõe o artigo 8.º, n.º 3, do Código Civil, é sabido que a doutrina e a jurisprudência têm analisado a questão da indemnização pela privação do uso de determinado bem (incluindo imóveis em ações de reivindicação) em três perspetivas, a saber:
(i) A privação do direito de uso e fruição integrado no direito de propriedade configura, por si só, um dano indemnizável, independentemente da utilização que se faça, ou não, do bem em causa durante o período da privação[2];
(ii) A atribuição de uma tal indemnização depende da prova do dano concreto, ou seja, para a determinação do dano deve o lesado concretizar e demonstrar a situação hipotética que existiria se não fosse a lesão (ocupação ou privação do uso).[3]
Deste modo, em relação à privação do uso de um imóvel, apesar do proprietário ficar impedido do gozo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição nos termos do artigo 1305.º do Código Civil, só constitui dano indemnizável se alegada e provada, pelo dono, a frustração de um propósito real, concreto e efetivo de proceder à sua utilização, os termos em que o faria e o que auferiria, não fora a ocupação-detenção, pelo lesante;[4]
(iii) Mesmo que não chegue a haver prova efetiva do dano concreto, basta que o lesado demonstre que pretende usar a coisa, ou seja, que dela pretende retirar as utilidades (ou alguma delas) que a coisa normalmente lhe proporcionaria se não estivesse dela privado pela atuação ilícita do lesante.[5]
Especialmente relevante para os casos de imóveis urbanos destinados ao mercado de arrendamento, adota-se o entendimento que «(…) será suficiente demonstrar que se destinava a ser colocado no mercado de arrendamento (…) se pudesse dispor dele em condições de normalidade. Mas será dispensável a prova efectiva que estava já negociado um concreto contrato de arrendamento e a respetiva renda acordada (…)».[6]
No mesmo sentido, lê-se no sumário do Ac. do STJ, de 28-01-2021[7], o seguinte:
«II. Se, mercê da ocupação de prédio urbano por terceiros sem título justificativo, os respetivos proprietários ficaram impedidos, durante um certo período, de usá-lo, de fruir as utilidades que eles normalmente lhes proporcionariam, essa privação injustificada do direito de propriedade constitui os ocupantes na obrigação de indemnizar os proprietários pelos prejuízos para eles decorrentes da perda temporária dos poderes de gozo e fruição.
III. Competindo ao lesado provar o dano da privação do uso, não é suficiente, para tanto, a prova da privação da coisa, pura e simples, mas também não é de exigir a prova efetiva do dano concreto, bastando, antes, que o lesado demonstre que pretende usar a coisa, ou seja, que dela pretende retirar as utilidades (ou alguma delas) que a coisa normalmente lhe proporcionaria se não estivesse dela privado pela atuação ilícita do lesante.
IV. Sendo o imóvel em questão um prédio urbano, será, assim, suficiente demonstrar que o mesmo destinava-se a ser colocado no mercado de arrendamento, correspondendo, neste caso, a indemnização pela privação do uso ao seu valor locativo.»

Ponderando as interpretações em confronto, consideramos que a privação de uso corresponde a um prejuízo avaliável em termos pecuniários e de forma autónoma, embora efetivamente se imponha a distinção entre privação de uso e privação da possibilidade de uso, não sendo, contudo, exigível a prova do dano concreto para a demonstração do prejuízo carecido de reparação.
Ora, no caso em apreciação resultando dos pontos 14 a 17 dos factos provados que:
«14. Em junho de 2019, os AA. já tinham reservas de arrendamento no valor de €11.310,00, as quais foram forçados a cancelar, sendo que esse valor respeitava apenas a reservas da segunda quinzena de julho, 10 dias de agosto e 9 dias de outubro»;
«15- Desde finais de junho de 2019 que os AA. estão impedidos de usar a sua casa, com todo o conforto e comodidades com que a apetrecharam por forma a nela poderem usufruir dos seus dias de férias, com família e amigos»;
«16- Tendo sido impedidos de rentabilizar o imóvel durante o Verão de 2020, impedimento que se mantém, uma vez que os RR. se recusam a sair do local »;
«17- Face às características do prédio (moradia unifamiliar com jardim e piscina) a renda mensal do mesmo, ainda que numa perspetiva de arrendamento ao ano, não seria inferior a €1.500,00 mensais»,
estão preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito que determinam a obrigação de indemnização por parte dos Réus, ou seja, o facto, a ilicitude, a culpa, o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano (artigos 483.º, 562.º e 566.º do Código Civil).
Sendo que no caso, quer se sufrague a tese de que a simples privação do uso constitui um dano indemnizável, quer se entenda que é necessária a prova da frustração de um propósito real, concreto e efetivo de proceder à sua utilização, sempre os Autores teriam direito a uma indemnização pela privação do uso do imóvel, considerando a prova que lograram fazer nos autos.
Estando em causa a avaliação de um dano de caráter patrimonial, ressarcível em dinheiro por a restauração in natura não ser possível, aplicam-se as regras dos artigos 562.º e seguintes, mormente do artigo 566.º do Código Civil.
Caso não seja possível apurar o valor exato dos danos, estipula o n.º 3 do artigo 566.º do Código Civil, o tribunal julga equitativamente dentro dos limites do que tiver por provado.
O juízo equitativo apela às regras da razoabilidade, da experiência e da boa-fé, considerando as circunstâncias concretamente apuradas, de forma a alcançar-se um valor justo, que nem corresponda a um injustificado enriquecimento do lesado, nem a um injustificado empobrecimento do responsável (artigo 762.º e 566.º, n.º 3 do Código Civil).
Tendo ficado apurado que o valor locativo do imóvel no verão de 2019 e no verão de 2020, de acordo com as reservas existentes, corresponderia a €51.810,00, será esse o valor a ter em conta na quantificação do valor da indemnização a atribuir aos Autores.
Como é típico da responsabilidade extracontratual, o valor da indemnização pela privação do uso de um imóvel corresponderá ao valor do lucro cessante que no caso será o valor locatício (destinando-se o imóvel a esse fim) ou ao valor do uso da coisa (se for outro o seu destino).
Nesta ótica refere ABRANTES GERALDES, tendo em mente as situações em que cessado o contrato de arrendamento, o arrendatário continua a ocupar o imóvel ilicitamente, a medida de responsabilização do mesmo pela privação do uso «(…) será determinada pelos lucros cessantes imputáveis ao evento (v.g. decorrentes da impossibilidade de colocação do bem no mercado da locação) ou, ao menos pelo valor locativo do bem fruído.»[8]
Em face do decidido na sentença, coloca-se a questão de saber se esse valor é bruto ou líquido, pois a fruição das utilidades do imóvel destinada a arrendamento tem encargos, mormente de natureza tributária.
Os Réus nada alegaram quanto aos encargos com o imóvel decorrentes da utilização que os Autores lhe davam. Por conseguinte, não poderão ser levados em conta na determinação da indemnização os encargos com a coisa referente à sua administração e utilização (artigo 342.º, n.º 2, do Código Civil)
Também não devem ser descontados os eventuais encargos tributários que pudessem incidir sobre o valor das rendas, porquanto o valor das mesmas é apenas o referencial acolhido para cálculo do valor indemnizatório a cargo dos Réu, ou seja, não se trata de condenar os Réus a pagarem o valor das rendas propriamente ditas.
Por outro lado, tendo sido apurado o valor efetivo do prejuízo dos Autores pela privação do uso, impõe-se que seja esse o valor da indemnização, sob pena dos Autores não serem integralmente ressarcidos, correspondendo o mesmo ao valor do prejuízo pela privação do uso do bem, sem que seja necessário recorrer ao critério previsto no artigo 566.º, n.º 3, do Código Civil.
Sempre se dizendo que também não descortinamos que o invocado critério da equidade determine que o valor a descontar seja, concretamente e no caso, de 2/3 do valor locativo. Aliás, a sentença também nada adianta a esse propósito, pois limita-se a acolher a percentagem que num acórdão foi tida como adequada, embora as circunstâncias dos dois casos não sejam as mesmas.
Nestes termos, a determinação do quantum da indemnização pela privação do uso do imóvel no verão de 2019 e no verão de 2010, corresponde a €51.810,00, o que implica que a sentença seja revogada em conformidade com o ora decidido.
Vejamos, agora, o pedido de indemnização pela privação do uso do imóvel correspondente a €1.500,00 mensais (valor locativo) desde a data da citação até efetiva e integral restituição do imóvel.
Ficou provado no ponto 17 dos factos provados:
«Face às características do prédio (moradia unifamiliar com jardim e piscina) a renda mensal do mesmo, ainda que numa perspetiva de arrendamento ao ano, não seria inferior a €1.500,00 mensais».
A sentença recorrida jugou improcedente este pedido com a seguinte argumentação:
«(…) a condenação a um pagamento mensal pela não entrega da coisa não deve ocorrer, conforme se passa explicar.
O que vem pedido a este respeito enquadra-se numa perspetiva diferente do supra exposto.
Os AA., segundo se nos afigura, visaram aqui obter uma mera penalização para os RR., passando a fazer apelo, não já ao valor locativo que visavam obter durante 18 semanas, mas antes a um valor hipotético de arrendamento mensal de €1.500.
Até se provou que tal valor seria suscetível de ser alcançado (o que suporia que, mesmo fora dos meses de varão e outono o imóvel poderia ser arrendado), sendo que o valor de €1.500 multiplicado pelos 12 meses do ano perfaz €18.000, ou seja, notoriamente menos do que os €40.500 referentes à locação durante 18 semanas a €2.250 por semana.
Ou seja, os AA. aqui não estão já a buscar a compensação de um prejuízo sofrido, mas sim a penalização dos RR. pela conduta ilícita dos mesmos, visando compeli-los a abandonar a mesma.
Ora, assim sendo, e ainda que se tenha provado que, face às características do prédio (moradia unifamiliar com jardim e piscina), a renda mensal do mesmo, numa perspetiva de arrendamento ao ano, não seria inferior a €1.500,00 mensais, não se apontando aqui para a pretensão de tal pagamento com fundamento numa concreta perspetiva de arrendamento, tal equivalerá, sobretudo, ao estabelecimento de uma sanção pecuniária compulsória.
(…)
No entanto, aqui chegados, importa precisar que a obrigação de entrega de coisa infungível não se pode confundir com a prestação de facto infungível.
Na verdade, no caso dos autos não estamos perante a obrigação de prestação de um facto, mas sim de entrega de uma coisa.
Como tal, a mesma, a não ter lugar por iniciativa do devedor, pode ser objeto de execução, nos termos do artigo 827º do Código Civil, cujo teor é o seguinte:
«Se a prestação consistir na entrega de coisa determinada, o credor tem a faculdade de requerer, em execução, que a entrega lhe seja feita.»
Por isso, a jurisprudência tem entendido que em casos como o presente, de ação de reivindicação de imóvel em que se decreta a obrigação de entrega do mesmo, não há lugar a sanção pecuniária compulsória, nos termos do nº 1 do artigo 829º-A do Código Civil, mas apenas a execução da decisão.
(…)
Ou seja, e em suma, se no caso do reconhecimento do direito de propriedade e consequente entrega da coisa, bem como quanto ao pedido de ressarcimento de danos efetivamente verificados, não se colocam problemas, no que concerne ao pedido que assume a natureza de fixação de sanção pecuniária compulsória, o mesmo não poderá ser atendido, cabendo aos AA. executar a decisão de entrega, se a mesma não for voluntariamente cumprida. E, ainda neste particular, encontra-se o tribunal limitado pela causa de pedir apresentada, não cabendo convolar a mesma para outra distinta, com vista a maximizar a possibilidade a ressarcimento dos AA..»
Discordam os Apelantes alegando que o referido pedido corresponde à compensação decorrente da privação do uso e não restituição do imóvel e não a uma sanção pecuniária compulsória, que não peticionaram, nem corresponde à factualidade alegada ou ao direito invocado pelos recorrentes.
Analisando a questão, adianta-se, desde já, que assiste absoluta razão aos Apelantes.
A sanção pecuniária compulsória prevista no artigo 824.º-A, do Código Civil, não assume a natureza de indemnização, pois a mesma não visa o ressarcimento de um dano que o credor tenha sofrido em consequência do incumprimento por parte do devedor, mas constitui um meio de coerção de conteúdo patrimonial, destinado a compelir o devedor de uma obrigação de prestação de facto ou de abstenção infungíveis, a cumprir a sentença condenatória contra ele proferida pelo tribunal.
No caso, a causa de pedir e pedidos formulados pelos Autores assenta na ocupação do imóvel, nos danos provocados com a ocupação, e na perda de rendimentos dos Autores referentes ao valor locatício do imóvel por não o terem podido arrendar dada a privação do seu uso por via da conduta dos Réus.
Assim, para além do pedido de reconhecimento do direito de propriedade e de restituição, também formulam pedidos de indemnização pelos prejuízos sofridos. Sendo que um deles corresponde temporalmente ao período que vai da citação até entrega efetiva do imóvel aos Réus.
Nunca formularam qualquer pedido de condenação dos Réus no pagamento de uma indemnização pecuniária compulsória nos termos previstos no artigo 829.º-A, n.º 1, do Código Civil.
O que só faria sentido em relação à condenação em valores pecuniários nos termos do n.º 4 do artigo 824.º-A, do Código Civil, porquanto em relação ao pedido de restituição o n.º 1 do preceito sempre excluiria a sua aplicação por não estar em causa uma prestação de facto infungível, positivo ou negativo.
Assim, a sentença parte de um pressuposto errado quando refere que o pedido formulado deve ser juridicamente qualificado como um pedido de condenação em sanção pecuniária compulsória nos termos do n.º 1, do artigo 824.º-A, do Código Civil. Consequentemente, a improcedência do pedido de indemnização com base nesse pressuposto, enferma de manifesto error in judicando.
Portanto, esse segmento decisório da sentença não se pode manter.
A questão que se coloca é exatamente a mesma que acima se analisou, ou seja, quais as consequências indemnizatórias da privação do uso do imóvel por parte dos Autores, dada a conduta ilegítima dos Réus ao ocuparem o imóvel, em termos de valor locativo do mesmo, agora a quantificar entre a citação e a data efetiva da entrega do imóvel.
Provou-se que o valor locativo corresponde a €1.500,00 mensais.
Não nos causa surpresa que este valor locativo seja diverso do referido no ponto 14 dos factos provados porque se reporta a um valor médio mensal ao longo do ano, enquanto o outro, superior, se refere apenas à época alta, quando a procura é maior e, como é de todos sabido, e praticam preços mais altos.
Nem existe qualquer sobreposição de indemnizações decorrentes deste pedido e do pedido de indemnização em relação ao não recebimento dos arrendamentos sazonais, porquanto este pedido não tem coincidência temporal com aqueloutro.
Tudo o que acima se referiu quanto à determinação da indemnização pela privação do uso, aplica-se também a este pedido.
Mais uma vez, os Réus nada alegaram ou provaram em relação aos encargos com a administração e utilização do imóvel (artigo 342.º, n.º 2, do Código Civil), pelo que também nada há a descontar quanto a esse aspeto, nem em termos de encargos de natureza tributária, pelas razões também já referidas.
Nestes termos, também procede o pedido formulado na alínea d) do petitório, sendo a sentença revogada em conformidade com o ora decidido.

Dado o parcial decaimento, as custas nas duas instâncias, ficam a cargo dos Autores(Apelantes e dos Réus/Apelados, na proporção do vencimento (artigo 527.º do CPC), sendo a taxa de justiça do recurso fixada pela tabela referida no n.º 2 do artigo 6.º do RCP.

III- DECISÃO
Nos termos e pelas razões expostas, acordam em julgar parcialmente procedente a apelação e, consequentemente, revogam a sentença na parte em que condenou os Réus a pagar aos Autores a quantia de €41.215,00, condenando-os, outrossim, nos seguintes termos:
a)- A pagarem aos Autores a quantia de €2.905,00 (dois mil, novecentos e cinco euros) referente aos prejuízos causados no portão, automatismo do portão e enchimento da piscina;
b)- A pagarem aos Autores o valor locativo do imóvel no verão de 2019 e no verão de 2020, no montante de €51.810,00 (cinquenta e um mil, oitocentos e dez euros);
c)- A pagarem aos Autores o valor locativo do imóvel desde a data da citação até efetiva entrega, à razão mensal de €1.500,00 (mil e quinhentos euros);
d)- No mais, mantêm-se a sentença recorrida.
Custas nos termos sobreditos.
Évora, 15-06-2023
Maria Adelaide Domingos (Relatora)
José Lúcio (1.º Adjunto)
Manuel Bargado (2.º Adjunto)

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[1] Ac. STJ, de 14-07-2016, proc. n.º 3102/12.7TBVCT.G1.S1 disponível em www.dgsi.pt
[2] Cfr. ABRANTES GERALDES, Temas da Responsabilidade Civil, Vol. I, Indemnização do dano da privação do uso, Almedina, 2007, p. 13; MENEZES LEITÃO, Direito das Obrigações, Vol. I, Almedina, 2000, p. 297, e Ac. STJ, de 05-07-2007, proc. n.º 07B18496, em www.dgsi/stj.pt.
[3] Cfr., nomeadamente, Acs. STJ, de 10-07-2012, proc. n.º 3482/06.3TVLSB.L1.S1; de 04-07-2013, proc. n.º 5031/07.7TVLSB.L1.S1; e de 10-01-2012, proc. n.º 189/04.0TBMAI.P1.S1, em www.dgsi.pt
[4] Cfr. Acs. STJ, de 08-05.2007, proc. n.º 07A1066; de 06-05-2008, proc. n.º 08A1389; de 10-07-2008, proc. n.º 08A2179, todos em www.dgsi.pt
[5] Acs. do STJ de 02-06-2009, proc. n.º 1583/1999.S1; de 12-01-2012, proc. n.º 1875/06.5TBVNO.C1.S1; de 03-10-2013, proc. n.º 1261/07.0TBOLHE.E1.S1; de 14-07-2016, proc. n.º 3102/12.7TBVCT.G1.S1, disponíveis em www.dgsi.pt
[6] Ac. do STJ, de 26-05-2009, proc. n.º 09A0531, em www.dgsi.pt
[7] Proferido no proc. 14232/17.9T8LSB.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt
[8] Temas da Responsabilidade Civil, I volume, Almedina, 3ª ed., pp. 91 e ss.