Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | FRANCISCO MATOS | ||
Descritores: | EXONERAÇÃO DO PASSIVO RESTANTE RENDIMENTO DISPONÍVEL | ||
Data do Acordão: | 09/23/2021 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Sumário: | Sendo o agregado familiar dos insolventes composto exclusivamente por eles os dois, as suas despesas fixas mensais ascendem a cerca de € 810,00 e as suas receitas são de cerca de € 1.400,00, provenientes da reforma do insolvente marido, é ajustada a consideração, como rendimento disponível dos insolventes, do que, em cada momento, exceder a quantia correspondente a 2 SMN, uma vez que permite aos insolventes uma margem de mais de € 500,00 (1.330,00 – 810,00) mensais para fazer face a eventuais acréscimos de despesas imprevistas. | ||
Decisão Texto Integral: | Proc. nº 157/13.0TBCUB-H.E1 Acordam na 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Évora: I. Relatório 1. (…) e (…), insolventes, requereram a exoneração do passivo restante. 2. O requerimento foi apreciado por despacho assim concluído: “Decide-se assim admitir liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante e em consequência: a) Nomear para desempenhar as funções de fiduciário, o Administrador de Insolvência que desempenhou funções nestes autos (cfr. artigos 240.º a 242.º do CIRE). b) Fixar a remuneração do Fiduciário em 10% das quantias objeto de cessão – cfr. artigo 240.º, n.ºs 1 e 2, 241.º, n.º 1, alínea c) e 60.º, n.º 1, do CIRE e artigo 25.º da Lei n.º 32/2004, de 22/07, que será suportado pelos Insolventes. c) Determinar que o rendimento disponível que os Devedores venham a auferir, no prazo de 5 anos a contar da data de encerramento do processo de insolvência, que se denomina, período da cessão, se considere cedido ao fiduciário ora nomeado, com exclusão da quantia equivalente a 2 vezes o valor da retribuição mínima mensal garantida correspondentemente em vigor, 12 (doze) meses por ano. d) Desde já se confere ao fiduciário a tarefa de fiscalizar o cumprimento pelos devedores das obrigações que sobre este impendem, com o dever de informar em caso de conhecimento de qualquer violação (artigo 243.º, n.º 3, do CIRE). e) Sob pena de não lhe ser concedido, a final, o pedido de exoneração do passivo restante, durante este período de cinco anos, os Devedores ficam obrigados (artigo 239.º, n.º 4, do CIRE): • Não ocultar ou dissimular quaisquer rendimentos que aufira, por qualquer título, e a informar o tribunal e o fiduciário sobre os seus rendimentos e património, na forma e no prazo em que isso lhes seja requisitado; • Entregar imediatamente ao Fiduciário, quando por si recebida, a parte dos seus rendimentos objeto de cessão; • Informar o tribunal e o Fiduciário de qualquer mudança de domicílio ou de condições de emprego, no prazo de 10 (dez) dias após a respetiva ocorrência, bem como, quando solicitado e dentro de igual prazo, sobre as diligências realizadas para a obtenção de emprego; • Não fazer quaisquer pagamentos aos credores da insolvência a não ser através do fiduciário e a não criar qualquer vantagem especial para algum desses credores”.
B. Manifesta-se assim a óbvia discordância dos recorrentes relativamente aquele entendimento por se entender que o valor atribuído como sustento mínimo é manifestamente baixo, tendo em conta a composição e as necessidades do agregado familiar, o que legitima o presente recurso. C. No presente processo foi declarada a insolvência de duas pessoas singulares, mais concretamente marido e mulher. D. Acontece do agregado familiar apenas o insolvente marido aufere rendimentos correspondente a sua reforma no valor de € 1.485,00. E. Ou seja, o agregado familiar composto pelas 2 pessoas tem que sobreviver com o ordenado do insolvente homem que se computa em € 1.485,00, não dispondo de qualquer outra fonte de rendimento. F. Os insolventes suportam avultadas despesas inevitáveis ao sustento do agregado familiar G. A insolvente mulher está desempregada, não auferindo qualquer subsídio e/ou reforma. H. Os Insolventes têm que suportar o custo de vida crescente que a nossa sociedade tem vindo a enfrentar nos últimos anos, com o consequente aumento generalizado dos preços de todos os bens, e em particular dos bens de primeira necessidade. I. Os insolventes podem apenas contar consigo mesmo, não tendo o apoio de ninguém, uma vez que a sua única filha e única pessoa que os poderia ajudar e apoiar está também ela insolvente. J. Os Insolventes têm despesas referentes a água luz e gás, no valor de € 160,00, mês. K. Têm despesas com telecomunicações no valor de € 100,00/mês. L. Gastam ainda com alimentação, higiene pessoal e da casa a quantia de € 200,00. M. Para vestuário e caldo despendem da quantia de € 50,00/mês. N. Com transportes têm uma despesa média de € 100,00. O. Com despesas médicas tem um gasto mensal de € 200,00. P. Na verdade, os insolventes têm problemas de saúde graves e têm que fazer recurso a medicamentos tal como já consta da documentação junta ao processo. Q. A reforma auferida pelo insolvente marido, não é, na maior parte dos meses, sequer suficiente para fazer face a todas as despesas, tendo os mesmos sobrevivido à custa de ajudas de amigos e familiares. R. Ou seja, do confronto entre rendimentos e despesas, resulta claro que os requerentes não apresentam neste momento, qualquer rendimento disponível. S. No entanto, entendeu o Mmº Juiz do tribunal a quo que para sustento do agregado familiar só poderia aquele reter a quantia de € 1.330,00 mensais, na vigência da exoneração do passivo restante concedida. T. A doutrina, entende que o valor de sustento minimamente digno do devedor deve ser enquadrada dentro dos 3 (três) salários mínimos nacionais, aquela que citamos “O legislador adota um critério objetivo na determinação do que deve entender-se por sustento minimamente digno: 3 vezes o salário mínimo nacional”. U. O ponto de partida será, pois, sempre o salário mínimo nacional, sendo que existindo necessidades anormais, poderá ser elevado até ao máximo de 3 salários mínimos nacionais. V. O montante de 2 salários mínimos afigura-se algo escasso para salvaguardar o sustento minimamente digno dos dois insolventes. W. Mais, como bem faz notar a douta decisão recorrida, os insolventes, que contam com 70 e 72 anos de idade, encontrando-se reformados por velhice e encontram-se numa fase da vida em que as despesas médicas e medicamentosas começam a aumentar, resulta dos recibos de aquisição de medicamentos e de consultas pelos insolventes ocorrida ao longo do ano 2020 e 2021, juntos com o requerimento de 18.05.2021, que ambos sofrem já de uma frágil saúde, encontrando-se sujeitos a tratamentos medicamentosos diversos, donde se infere que sofrem de várias patologias, nem se podendo esquecer que os tratamentos implicam necessariamente para os insolventes deslocações até centros urbanos. X. Assim, a quantia correspondente a dois salários mínimos nacionais afigura-se algo escassa para atender ao sustento minimamente digno dos insolventes, impondo-se que lhe seja atribuído para o seu sustento minimamente digno a quantia correspondente a 3 salários mínimos nacionais, em termos globais, devendo assim considerar-se excluído da cessão tal montante, e determinar-se que os insolventes entreguem ao fiduciário todos os rendimentos que venham a auferir acima da quantia correspondente a 3 salários mínimos nacionais. Y. Não se conformam ainda os recorrentes com a douta decisão recorrida, porquanto, depois de determinar que deve ficar excluído o montante equivalente a dois salários mínimos determina, porém, a cessão dos subsídios de Natal e de Férias dos recorrentes. Z. Determina o artigo 239.º, n.º 3, alínea b)-i), do CIRE que o despacho inicial de concessão da exoneração do passivo restante deva determinar o montante razoavelmente necessário para o sustento minimamente dos devedores, devendo pois tal despacho determinar um quantitativo sem atender à qualidade ou natureza dos rendimentos auferidos pelos devedores, pelo que independentemente da sua natureza, devem ser salvaguardados da cessão todos os rendimentos que o devedor auferir até ao montante determinado para o seu sustento minimamente digno, sendo pois irrelevante que se trate de subsídio, retribuição ou pensão. AA. Reitera-se aqui que tudo quanto se expôs no ponto anterior, devendo o despacho inicial de exoneração do passivo restante determinar um montante equivalente a 3 salários mínimos nacionais, devendo assim, independentemente da natureza dos rendimentos auferidos pelos insolventes, determinar-se a cessão de todos e quaisquer rendimentos que advenham ao património dos cônjuges insolventes, globalmente considerados, acima da quantia correspondente a 3 salários mínimos nacionais, independentemente da sua natureza. BB. Não se conformam, pois, os recorrentes com a consideração autónoma determinada pelo Tribunal a quo relativamente aos subsídios de férias e de Natal dos recorrentes, devendo, pois, o douto despacho recorrido ser também revogado nessa parte em que determina a cessão dos subsídios de férias e de Natal. CC. Pelo exposto, a douta decisão recorrida viola o disposto nos artigos 239.º, n.º 3), alínea b)- i), do CIRE e nos artigos 1.º, 59.º, n.º 2, a) e 63.º, n.º 1 e 3, da CRP. Pedem, a final, que seja alterada a decisão recorrida: - determinando um montante global para o sustento minimamente digno dos insolventes, correspondente a 3 salários mínimos nacionais, ficando excluído da cessão os rendimentos que os insolventes aufiram e que conjuntamente ultrapassem tal montante; - revogando a douta decisão recorrida na parte em que determina a cessão ao fiduciário dos subsídios de férias e de Natal dos insolventes; - Caso assim, não se entenda, revogando a douta decisão recorrida na parte em que determina a cessão ao fiduciário dos subsídios de férias e de Natal.” Não houve lugar a resposta. A decisão recorrida julgou provados os seguintes factos: - O devedor encontra-se reformado e aufere a quantia de € 1.400,00 a título de pensão de reforma. - A devedora encontra-se desempregada e não aufere qualquer quantia. - O agregado familiar é composto pelos insolventes. - Os devedores despendem mensalmente a quantia aproximada de € 160,00 relativamente a eletricidade, água e gás, € 100,00 de serviços de telecomunicações e televisão, € 200,00 relativos a alimentação, € 50,00 para vestuário, € 100,00 de despesas com transportes e € 200,00 relativamente a despesas médicas.
2. Direito Se o montante para o sustento minimamente digno dos recorrentes e do seu agregado familiar deverá ser fixado em 3 SMN e incluir os subsídios de férias e de Natal. Neste quadro factual a decisão recorrida, ao considerar como rendimento disponível dos insolventes o que, em cada momento, exceder a quantia correspondente a 2 SMN, afigura-se-nos ajustada, uma vez que permite aos insolventes uma margem de mais de € 500,00 (1.330,00 – 810,00) mensais para fazer face a eventuais acréscimos de despesas imprevistas. O recurso improcede, restando confirmar a decisão recorrida.
3. Custas Vencidos no recurso, incumbe aos Apelantes o pagamento das custas (artigo 527.º, nºs. 1 e 2, do CPC).
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