Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
432/19.0T8PTM.E1
Relator: ISABEL PEIXOTO IMAGINÁRIO
Descritores: SUSPENSÃO DE DELIBERAÇÃO SOCIAL
DANO APRECIÁVEL
Data do Acordão: 09/26/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: - são requisitos cumulativos da providência cautelar de suspensão das deliberações da assembleia de condóminos a invalidade da deliberação, a qualidade de condómino e a probabilidade da ocorrência de dano apreciável decorrente da execução da deliberação inválida, que deverá ser igual ou superior ao que decorrerá da suspensão da deliberação;
- se se conclui pela não afirmação do dano apreciável em decorrência da execução da deliberação, a pretensão do Requerente soçobra, sem necessidade de apreciação dos demais fundamentos.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes no Tribunal da Relação de Évora

– As Partes e o Litígio

Recorrente / Requerente: (…)

Recorridas / Requeridas: (…), Lda., (…) Hotelaria e Turismo, S.A. e (…)

Os presentes autos consistem em procedimento cautelar de suspensão das deliberações aprovadas na Assembleia de Condóminos que decorreu no dia 31 de Janeiro de 2019, no Condomínio Clube Praia da (…) – Bloco 2.
O Requerente invoca, para tanto, as seguintes irregularidades subjacentes à aprovação das deliberações:
- a indevida recusa de setenta e cinco procurações subscritas por condóminos que cederam a exploração turística das suas frações sociedade (…) e lhe conferiram poderes de representação para participação em Assembleias Gerais, sendo que, caso as procurações tivessem sido aceites, a maioria que votou favoravelmente as deliberações deixaria de existir;
- a violação do dever de informação por parte da administração, que não disponibilizou, nem em momento prévio nem na Assembleia, informações relativas às contas do Condomínio, sendo as mesmas desconhecidas;
- a irregularidade da convocatória para a assembleia, atenta a antecedência legalmente exigida e a que consta da norma do Regulamento de Condomínio;
- a violação do disposto no art.º 1424.º do CC no que respeita às quotizações de condomínio relativas às frações da sociedade (…), inexistindo fundamento para estarem isentas de pagamento das contribuições ou para pagarem valor reduzido, ocorrendo ainda uma situação de conflito de interesses.
O Requerente alegou que a execução imediata da deliberação lhe causa dano apreciável, pois:
- a aprovação das deliberações implica que seja dado o aval à utilização de cerca de € 274.000,00 relativamente ao exercício de 2018, mediante a aprovação das contas de 2018, assim como a execução da segunda deliberação – aprovação do orçamento de despesas e receitas para 2019 – determina a execução de um orçamento de € 162.050,00, que os condóminos terão de suportar e pagar;
- o requerente é proprietário de fração autónoma sendo-lhe exigido o pagamento da quantia de € 530,71 por cada fração autónoma;
- a delonga da decisão da ação principal é incompatível com o prejuízo que resulta das deliberações, uma vez que a decurso da ação principal de anulação das deliberações nunca será inferior a um ano;
- no confronto dos direitos e interesses em causa, a suspensão das deliberações aqui em crise, designadamente de uma hipotética paralisação do condomínio, a qual seria sempre momentânea e muito curta, face aos meios que o legislador coloca à disposição do administrador de condomínio para ultrapassar essas irregularidades, meios mais simples e céleres do que uma ação judicial, não causa prejuízo superior nem reveste maior importância perante a garantia da tutela efetiva do direito dos requerentes e restantes condóminos que votaram contra as deliberações;
- a suspensão da deliberação poderia em teoria (porque muitos condóminos já efetuaram o pagamento do condomínio de 2019 e o condomínio disporá de saldo) paralisar momentaneamente o condomínio (embora os serviços do condomínio praticamente não tenham sido prestados no ano transato), até serem usados os meios colocados à disposição da administração para regularizar as deliberações;
- a não suspensão imediata das deliberações será impossível de reparar tendo em conta a normal tramitação de uma ação comum e o seu tempo de duração até que a decisão a proferir transite em julgado, o que certamente decorrerá por um período superior a um ano e muito para além da execução das deliberações em causa, cuja execução se completa em Dezembro de 2019;
- ao permitir a execução das deliberações até que seja julgada em definitivo a ação principal onde se pede a sua anulação, que pode facilmente demorar ou decorrer por um período superior a um ano, esta não vai produzir qualquer efeito prático, uma vez que nessa altura as deliberações já estarão plenamente executadas;
- trata-se de assegurar através do presente procedimento cautelar a garantia da tutela efetiva da decisão a proferir na ação principal;
- a não se entender assim, circunscrevendo o dano apreciável a uma mera aritmética que compare entre um orçamento global do condomínio o valor que o condomínio tenha de suportar ou a sua prestação individualizada como referência do seu dano, naturalmente que seria tornar inútil o procedimento cautelar de suspensão de deliberação social, porque o valor o do orçamento do condomínio será sempre superior;
- só este meio permite e garante que a administração cumpra os preceitos legais e regulamentares, uma vez que se assim não for fica ao seu bel-prazer sanar ou não as irregularidades cometidas e se esperar pela fim da ação, certamente opta por se remeter à inércia, e assim vai de deliberação em deliberação;
- à sociedade “(…), Lda.”, que administra atualmente o condomínio, não lhe são conhecidos rendimentos ou património que garantam o pagamento de indemnizações com vista a ressarcir os prejuízos causados pela execução das deliberações, tendo em conta as contas aprovadas na ordem dos € 274.000,00 e o orçamento aprovado de € 162.050,00, o seu capital social é constituindo apenas por € 5.000,00, e não se conhece que exerça atividade noutros condomínios para além dos Blocos 1 e 2 do Clube Praia da (…);
- as empresas que anteriormente administravam o condomínio deixaram dívidas avultadas ao condomínio e a terceiros;
- uma das empresas que anteriormente administraram o condomínio está atualmente em Processo Especial de Revitalização (PER), tendente à declaração de insolvência e a outra foi mesmo declarada insolvente;
- o que gera e adensa a insegurança dos requerentes e restantes condóminos na eficácia da decisão que venha a ser proferida na ação principal para anulação das deliberações e na possibilidade de ressarcimento dos prejuízos pela sociedade administradora do condomínio – cfr. fls. 14, 14 verso e 15 do requerimento inicial.


II – O Objeto do Recurso

Decorridos os trâmites processuais legalmente previstos, foi proferida decisão julgando o procedimento cautelar totalmente improcedente, dele absolvendo as Requeridas.

Inconformado, o Requerente apresentou-se a recorrer, pugnando pela revogação da decisão recorrida, a substituir por outra que decrete a providência cautelar requerida com inversão do contencioso. Conclui a sua alegação de recurso nos seguintes termos:
«1. O réu não se conforma com a sentença proferida nos presentes autos por conter contradições entre a prova produzida e a normas legais que fundamentam o indeferimento da providência cautelar, bem como contém contradições entre os factos provados e não provados, e faz uma apreciação errada da prova produzida e uma aplicação errada do direito.
2. A sentença contém uma contradição que resulta logo do facto de ter sido dado como provado no ponto 8 dos factos provados que foi a mesa da Assembleia que não permitiu que a sociedade (…) se fizesse representar na votação por intermédio da procuração que é de fls. 283 e 284 dos autos e venha na parte do direito lançar mão do artigo 1438.º do Cód. Civil quando essa norma se refere ao recurso de atos praticados pelo administrador e não da mesa da assembleia.
3. O tribunal a quo violou o artigo 1438.º e 1433.º, ambos do Cód. Civil, fazendo uma errada interpretação e aplicação do disposto nesses preceitos legais, na medida em que a mesa da assembleia faz parte da própria assembleia de condóminos e os recursos das decisões desta são dirigidos para o tribunal por meio de impugnação das deliberações que venham a ser tomadas nessa assembleia.
4. Resultou de forma clara da ata da assembleia de condóminos que a mesa da assembleia não era composta pela administração do condomínio, sendo formada por terceiros, que não são administradores do condomínio, nem tão-pouco condóminos, sendo a recusa dos 75 documentos de representação apresentados pela Dr.ª (…) um ato praticado pela mesa da assembleia e não pelo administrador, não satisfazendo, por isso, o pressuposto da aplicação do artigo 1438.º do Cód. Civil, o qual não é suscetível de ser aplicado ao caso concreto.
5. Por outro lado, o âmbito de aplicação do artigo 1438.º do Cód. Civil não abrange os atos ou procedimentos atinentes à assembleia de condóminos, uma vez que o recurso dos atos do administrador para assembleia circunscreve-se às funções de natureza essencialmente executiva que estão conferidas ao administrador.
6. Nos presentes autos o requerente não põe em causa o mérito das deliberações em crise ou se o conteúdo da deliberação em si é legal ou ilegal, discutindo somente os vícios e irregularidades os procedimentos da mesa da assembleia, desde logo ao recursar indevidamente 75 documentos válidos com poderes de representação de outras tantas frações autónomas, o que implicaria uma votação completamente diferente daquela que se veio a verificar.
7. O disposto no artigo 1433.º do Cód. Civil permite aos condóminos quer a impugnação das deliberações inválidas em função do respetivo objeto (vício de conteúdo), quer as deliberações inválidas por virtude de vícios de formação, como é o caso concreto dos autos.
8. O regime traçado no artigo 1433.º do Cód. Civil tem o âmbito de aplicação às deliberações anuláveis, ou seja, àquelas que são afetadas por vícios menores do processo deliberativo, que violam normas legais meramente supletivas, preceitos suscetíveis de serem derrogados por vontade unânime dos proprietários das frações ou infringem regulamentos anteriormente aprovados.
9. Embora na sentença de que se recorre seja aplicado de forma errada o artigo 1438.º do Cód. Civil, e nela se refira “que se verifica da análise da acta e da leitura da prova produzida, é que tal reclamação simplesmente não existiu. A testemunha (…) não reclamou formalmente para a Assembleia do acto de recusa da mesma, pelo que o vício se sanou.”, a verdade é que do depoimento da testemunha Dr.ª (…) prestado aos 00h.03m.40s, 00h.04m.26s e 00h.04m.50s, depoimento acima transcrito, revela precisamente o oposto do que ficou vertido na sentença, isto é, que a mesma perante a recusa a mesa da assembleia a Dr.ª (…) praticou atos que não podem deixar de se considerar que configuram uma reclamação ou protesto do ato de recusa dos documentos de representação pela mesa da assembleia.
10. Este depoimento é corroborado pelas declarações de várias testemunhas, entre outros, pelo depoimento da testemunha (…) prestado aos 00h.33m.07s, 01h.00m.00s, 01h.01m.10s, 01h.01m.52s, 01h.01m.58s, 01h.02m.29s, 01h.02m.58s, e pelo depoimento da testemunha (…) prestado aos 01h.21m.40s, 01h.22m.04s, cujos depoimentos ficaram acima transcritos.
11. Por isso nunca podia o tribunal a quo considerar que não houve prova da reclamação da Dr.ª (…).
12. Devendo, ao invés, ficar a constar nos fatos provados na sentença que a Dr.ª (…) reclamou ou protestou do ato da mesa da assembleia de recusa dos documentos de representação de 75 condóminos e correspondentes à permilagem de 75 frações autónomas.
13. Há uma outra flagrante contradição na sentença que se verifica entre o facto dado como provado no ponto 8 dos factos provados e os pontos 1, 2, 3, 6, e 7 dos factos não provados.
14. Nas reuniões das assembleias de condóminos, estes podem fazer-se representar por procurador, bastando que os poderes sejam conferidos por escrito, considerando-se, se nada for estipulado, que os poderes são os do representado. A procuração tem, na linguagem jurídica corrente, um duplo sentido: traduz o ato pelo qual se confiram, a alguém, poderes de representação – e, em simultâneo, exprime, o documento em que tal negócio tenha sido exarado (art. 262.º do Código Civil). A procuração pode, ou não, coexistir com um contrato de mandato ou mesmo de outra natureza.
15. É inquestionável que os documentos apresentados pela Dr.ª (…) lhe concedem poderes para representar na assembleia os proprietários e frações indicadas nesses documentos, apesar de o título dos mesmos não constar a denominação procuração, deve reconhecer-se esses documentos como procurações por ser através deles que se patenteia o ato de conferir os poderes de representação.
16. Isto implica que os pontos 1, 2, 3, 6 e 7 dos factos não provados tenham de ser pura e simplesmente eliminados, face ao que ficou exposto ponto 8 dos factos provados, ou passem a constar no rol dos factos dados como provados.
17. A quem compete organizar a assembleia e definir as suas regras de funcionamento e divulgá-las ou dá-las a conhecer ao participantes é a respetiva mesa da assembleia, não se podendo imputar a desorganização da assembleia aos condóminos que em nada contribuíram para essa falha e com base nisso desculpar erros de contabilização de presenças de condóminos ou de procurações juntas na assembleia.
18. A ata da assembleia de condóminos onde ficaram vertidas as deliberações em crise neste processo não constitui um documento de prova absoluta ou vinculada para o tribunal, competindo-lhe analisar este documento de forma crítica a ponderá-la com a restante prova produzida na audiência de julgamento, maxime a prova que resulta do depoimento das testemunhas que põe em causa o conteúdo dessa ata, desde logo quanto aos condóminos que estiveram presentes e não constam na ata e em relação a procurações que foram juntas e de igual modo também não aparecem na ata os respetivos condóminos representados.
19. Sobre esta matéria importa ter em conta o depoimento da testemunha (…) prestado aos 00h.29m.33s, depoimento que está acima transcrito, desde logo referindo que não constam na ata, pelo menos, 5 proprietários por si representados, bem como outros condóminos que estiveram presentes e também não constam na ata.
20. Isto determina que o ponto 4 dos factos não provados tivesse de ser julgado como provado.
21. Representando cada fração autónoma 2,45/1000, a recusa da mesa dos documentos apresentados pela Dr.ª (…) em representação de 75 frações, implicou necessariamente que fosse recusada a representação de, pelo menos, 18,735% do capital investido naquela assembleia a que acresce uma permilagem de mais 5 proprietários que apesar de estarem devidamente representados e outros presentes não constam na ata da assembleia.
22. Considerada a representação dos proprietários daquelas frações o resultado da votação das deliberações seria certamente bem diferente, interferindo o ato de recusa ou não aceitação dos documentos de representação no resultado das deliberações.
23. Em conformidade, e no seguimento do facto provado no ponto 8 dos factos provados, o tribunal deveria ter dado como provado que não foram representados naquela assembleia, pelo menos, 75 proprietários de frações autónomas que representavam 18,735% do capital do prédio, e passar a dar como provados os factos que constam nos pontos 1, 2, 3, 4, 6 e 7 dos factos não provados.
24. Pois considerada a representação dos proprietários daquelas frações o resultado da votação das deliberações seria certamente bem diferente, interferindo o ato de recusa ou não aceitação dos documentos de representação no resultado das deliberações.
25. No que concerne à violação do direito de informação, na sentença foram dados como não provados os pontos 8, 9, 10 e 11, consistindo as razões da discordância em relação a esta matéria no facto de ter sido feita uma apreciação errada da prova produzida.
26. Os depoimentos prestados pelas várias testemunhas arroladas, incluindo o depoimento de parte prestado pelo requerente, conduzem a uma análise e conclusões diversas daquelas que foram adotadas na sentença.
27. O depoimento de parte prestado pelo requerente aos 00h.22m.40s, 00h.24m.00s, depoimento acima transcrito, bem com o depoimento da testemunha (…), prestado aos 00h.40m.58s, 00h.42m.00s, 00h.43m.02s e 00h.44m.00s, acima transcrito, o depoimento da testemunha (…), prestado 01h.26m.00s e 01h.28m.34s, acima transcrito, o depoimento da testemunha (…), prestado aos 01h.40m.36s e 01h.45m.04s, acima transcrito, e o depoimento da testemunha (…), prestado aos 00h.19m.04s, 00h.20m.23s, 00h.21m.40s, 00h.24m.05s e 00h.25m.19s, acima transcrito, impunham que esses factos descritos nos pontos 8, 9, 10 e 11 dos fatos não provados da sentença afinal fossem julgados como provados.
28. Dos depoimentos das testemunhas resulta claro que não foi prestada qualquer informação à assembleia, com exceção das referidas tabelas, onde constam apenas lançamentos de despesas, sem outo detalhe e comprovação. Mas essas tabelas evidenciam também que a restante informação sobre as contas do condomínio não foi prestada, pois nesse documento não consta mais nenhuma informação sobre as contas do condomínio, que permitam aferir sobre a situação financeira do condomínio.
29. O que o tribunal a quo apelida de meras questões contabilísticas constitui o âmago e núcleo essencial do exercício do direito de informação, na medida que é através da apresentação e discussão de elementos contabilísticos que se alcança a situação financeira do condomínio, tendo em conta que as deliberações consistem na aprovação das contas de 2018 e orçamento para 2019.
30. Prestar informação aos condóminos é, entre outros, um dever geral do administrador, em cujo âmbito se inscreve o dever, especificadamente enunciado na al. j) do artigo 1436.º do Código Civil, de prestar contas à assembleia.
31. A invalidade, por falta da devida informação quanto às contas da administração, da deliberação da assembleia de condóminos que aprovou as contas só pode ser discutida em ação que vise a sua anulação, como se trata do caso dos autos.
32. A causa de pedir do pedido cautelar de suspensão de deliberação social é constituída por dois elementos: a ilegalidade da deliberação e a possibilidade de produção de dano apreciável.
33. O dano apreciável é o dano significativo que pode resultar da deliberação social ilegal, que a própria providência visa conjurar o periculum in mora na obtenção de uma decisão através de ação judicial de oposição a uma determinada deliberação. O dano apreciável é o dano visível, de aparente dignidade, não se exigindo que estejam evidenciados danos irreparáveis e de difícil reparação, como sucede no procedimento cautelar comum.
34. Ao condomínio, enquanto entidade a que o direito reconhece uma parcela de personalidade, sem lhe atribuir personalidade jurídica, pertence ao conjunto das quase-pessoas coletivas, que a doutrina trata com designações várias – “pessoas rudimentares” (Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, arte Geral, Tomo III, Coimbra, Almedina, 2004, p. 521), “figura afim da pessoa coletiva” (Carvalho Fernandes, Teoria Geral do Direito Civil, I, Universidade Católica Editora, p. 536), “ente não personalizado” (Oliveira Ascensão, Teoria Geral do Direito Civil, I, ULFD, 1984/85, p.274).
35. Conforme tem vindo a ser assinalado, uniformemente, pela doutrina e pela jurisprudência, esse dano, patrimonial e/ou moral, tanto pode da sociedade como dos sócios, entre outros, vide Ac. TRP de 27-09.2005, processo n.º 0523043, disponível em www.dgsi.pt.
36. Ora, de acordo com o n.º 1 do artigo 383.º do Cód. de Processo Civil, o disposto na seção do procedimento cautelar de suspensão de deliberação sociais é aplicável à suspensão das deliberações anuláveis da assembleia de condóminos de prédio sujeito ao regime de propriedade horizontal. Por maioria de razão são-lhe também aplicáveis doutrina e jurisprudência seguida nessa matéria.
37. Posto isto, as deliberações em causa, aprovação das contas do ano de 2018 envolve a aprovação de um valor global despendido pela administração de € 274.000,00 e a deliberação de aprovar o orçamento para 2019 envolve a execução do montante global de € 162.050,00 (cf. ponto 23 dos factos provados), perfazendo o somatório das duas deliberações a quantia total de € 436.050,00.
38. Este valor é bastante elevado para que desde logo se justifique a suspensão de ambas as deliberações já que as mesmas acarretam um dano apreciável.
39. Na medida em que a assembleia é um órgão colegial e as suas decisões têm repercussões na esfera privada de condómino, o requerente está a defender um direito ou interesse próprio, mas esse direito próprio consiste também na defesa da gestão do seu património comum com os restantes condóminos e do condomínio de que faz parte.
40. Importa ter em conta que a administração do condomínio poderá ultrapassar de uma forma bastante simples as irregularidades da assembleia, e nessa medida pode facilmente ultrapassar algum embaraço financeiro que possa decorrer da suspensão das deliberações, bastando para o efeito convocar uma nova assembleia de condóminos para ratificar as deliberações aprovadas.
41. Tendo sido requerida a inversão do contencioso, ao abrigo do disposto no artigo 369.º do Cód. de Processo Civil, e fornecendo desde logo os autos todos os elementos necessários para ser proferida uma decisão definitiva, fica prejudicada a apreciação do pressuposto do dano apreciável.
42. Aprovadas as deliberações e não estando as mesmas suspensas ou anuladas fica precisamente impedido ao requerente lançar da ação de prestação de contas para a qual remete o tribunal a quo. Ainda assim é evidente o perigo da demora ação tendo em conta o lapso de tempo que este tipo de ação pode demorar e se quando chegar a decisão dessa ação ela terá algum efeito útil ou então o dinheiro ou possíveis indemnizações correspondentes ao valor das deliberações em crise jamais possa ser recuperado face à inexistência de bens e rendimentos da sociedade administradora do condomínio.
43. Por último, não se pode aceitar ter sido dado como não provado o facto que consta no ponto 12 dos factos não provados, pois, por um lado, trata-se de um facto negativo, e, por isso, cujo ónus de prova se inverte, competindo antes à requerida a prova de rendimentos e bens que lhe permitiam suportar um eventual indemnização pelos prejuízos causados, e, por outro, esse facto não foi impugnado pela requerida, pelo que deve ser desde logo dado como assente.
44. Assim deve ser alterada a decisão recorrida e ser decretada a providência cautelar requerida, com a consequente inversão do contencioso.»

As Recorridas apresentaram contra-alegações sustentando que o recurso deverá ser julgado improcedente, mantendo-se a decisão recorrida.

Assim, atentas as conclusões da alegação do recurso, que definem o objeto e delimitam o âmbito do recurso[1], sendo certo que apenas cabe apreciar as questões[2] suscitadas que sejam relevantes para o conhecimento do objeto do recurso[3], são as seguintes as questões a decidir / suscitadas, salvo prejudicialidade decorrente do anteriormente apreciado[4]:
- do dano apreciável;
- da impugnação da decisão relativa à matéria de facto;
- das irregularidades cometidas, inquinadoras das deliberações tomadas em assembleia de condóminos.


III – Fundamentos

A – Os factos provados em 1.ª Instância
1. O prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Portimão sob o n.º …/19900615, denominado Clube Praia da (…), Bloco 2, sito na Av. das (…), em Portimão, está afeto ao regime de propriedade horizontal.
2. O Requerente é condómino no referido prédio.
3. A requerida “(…), Lda.” é a administradora do condomínio do identificado prédio.
4. No dia 31 de Janeiro de 2019, pelas 15 horas, em segunda convocatória, foi realizada assembleia de condóminos do referido prédio e nela foram tomadas as seguintes deliberações: 1.ª Aprovação das contas do ano de 2018; 2.ª Aprovação do orçamento de despesas e receitas para o ano de 2019.
5. No caso da primeira deliberação – aprovação das contas do ano de 2018 – a mesma foi aprovada apenas com os votos favoráveis da Requerida “(…)”, que representa 21,475% do capital do prédio, correspondente a 54,374% dos votos presentes.
6. No caso da segunda deliberação – aprovação do orçamento de despesas e receitas para o ano de 2019 – foi aprovada também com os votos favoráveis da requerida “(…)” e com o voto da fração identificada pelas letras “MD”.
7. O requerente esteve presente na referida assembleia e votou contra ambas as deliberações aqui em crise.
8. A mesa da Assembleia não permitiu qua a sociedade (…), detentora da exploração turística dos apartamentos referidos nos contratos juntos aos autos de fls. 208 a 282 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido, se fizesse representar na votação por intermédio da procuração que é fls. 283 e 284 dos autos.
9. A permilagem do prédio representada em tais documentos corresponde a, pelo menos, 18,375% do capital do prédio.
10. A administração de condomínio remeteu aos diversos condóminos uma carta a dizer qual a quota de condomínio para 2019 correspondente à fração e quando deve ser feito o seu pagamento e remeteu também a convocatória a marcar a assembleia de condóminos para o dia 31 de Janeiro de 2019.
11. A administração limitou-se, no dia da assembleia, a distribuir umas tabelas sobre as despesas do condomínio, não tendo entregue informação relativa às receitas.
12. Na convocatória ou carta enviada não foi feita qualquer referência ou informação de que as contas e respetivos documentos justificativos se encontravam disponíveis para consulta, nem onde ou quando poderiam ser consultados, omitindo deliberadamente essa informação.
13. A convocatória foi remetida aos condóminos em 21 de Janeiro de 2019.
14. Em Novembro de 2013, foi proferido pelo Instituto de Turismo de Portugal, I.P. despacho a determinar a caducidade da licença do empreendimento turístico no qual se englobava o prédio em causa.
15. Da ata, no que tange à prestação que cabe a cada condómino pagar resulta que:- A fração identificada pela letra “A”, com a permilagem de 15/1000 do capital prédio, tem de pagar de pagar de condomínio € 1.703,13 (com fundo de reserva); - A fração identificada pela letra “B”, com a permilagem de 2,5/1000 do capital do prédio, nada tem a pagar de condomínio; - A fração identificada pela letra “C”, com a permilagem de 2,75/1000 do capital do prédio, nada tem a pagar; - A fração identificada pela letra “D”, com a permilagem de 2,75/1000 do capital do prédio, nada tem a pagar de condomínio; - A fração identificada pela letra “E”, com permilagem de 2,75/1000 do capital do prédio, tem a pagar € 639,54 (com fundo de reserva); - A fração identificada pela letra “F”, com a permilagem de 1,5/1000 do capital do prédio, tem a pagar € 495,23 (com fundo de reserva); - A fração identificada pela letra “G”, com a permilagem de 1,25/1000 do capital do prédio, tem a pagar € 389,66 (com fundo de reserva); - A fração identificada pela letra “H”, com a permilagem de 1,25/1000 nada tem a pagar de condomínio; - A fração identificada pela letra “I”, com a permilagem de 125/1000 do capital do prédio nada tem a pagar de condomínio; e - A fração identificada pela letra “J”, com a permilagem de 60/1000 do capital do prédio tem a pagar € 3.714,86 (com fundo de reserva).
16. Tais frações são propriedade da requerida “(…)”.
17. As frações autónomas que pertencem à requerida “(…)” são compostas por armazéns, economato/bar.
18. No piso-1 situam-se apenas frações da requerida “(…)”.
19. As escadas do prédio em causa vão até o piso-1.
20. Os elevadores servem todos os pisos, incluindo o piso-1.
21. Todos os serviços elencados no orçamento são usados pelas frações da requerida “(…)” acima identificadas.
22. As referidas frações autónomas destinam-se a ser exploradas turisticamente.
23. A aprovação das deliberações implica a execução, para o ano de 2019, de um orçamento de € 162.050,00.
24. O requerente é proprietário de uma fração autónoma sendo-lhe exigido o pagamento da quantia de € 530,71.
25. As empresas que anteriormente administravam o condomínio, deixaram dívidas avultadas ao condomínio e a terceiros.

B – O Direito

Do dano apreciável
Nos termos do disposto no art. 380.º, n.º 1, do CC, «Se alguma associação ou sociedade, seja qual for a sua espécie, tomar deliberações contrárias à lei, aos estatutos ou ao contrato, qualquer sócio pode requerer, no prazo de 10 dias, que a execução dessas deliberações seja suspensa, justificando a qualidade de sócio e mostrando que essa execução pode causar dano apreciável.»
Trata-se de uma providência específica que permite antecipar os efeitos derivados da sentença declarativa de nulidade ou de anulabilidade da deliberação social, obstando à execução de uma deliberação formal ou substancialmente inválida e que poderia ter repercussões negativas do sócio ou da pessoa coletiva.[5] Exerce uma função instrumental relativamente à necessária ação de invalidade da deliberação social, constituindo o meio de acautelar a utilidade prática da sentença de anulação contra o risco de duração do respetivo processo.
Regime que é aplicável, com as necessárias adaptações, à suspensão de deliberações anuláveis da Assembleia de condóminos de prédio sujeito ao regime da propriedade horizontal – art.º 383.º, n.º 1, do CPC. Neste âmbito, o procedimento cautelar em apreço constitui o meio processual instrumental relativamente ao direito potestativo de anulação de deliberações previsto no art.º 1433.º do CC, visando evitar danos para o condómino ou para o condomínio.
O citado art.º 1433.º, n.º 1, estatui que as deliberações da assembleia contrárias à lei ou a regulamentos anteriormente aprovados são anuláveis a requerimento de qualquer condómino que as não tenha aprovado. O tribunal limita-se a uma simples fiscalização da legalidade da deliberação, pronunciando-se sobre a violação da lei ou dos regulamentos em vigor, não estando adstrito a apreciar o mérito da deliberação, para saber se foi ou não a mais conveniente para os condóminos.[6]
Por aplicação remissiva do regime inserto nos arts. 380.º e 381.º, o procedimento cautelar de suspensão das deliberações da assembleia de condóminos há de ter por objeto deliberações inválidas, sendo que para além de anuláveis (como previsto na norma) podem ser deliberações nulas ou ineficazes.[7]
Ora, estando em causa uma deliberação da assembleia de condóminos inválida, por contrária à lei ou a regulamento aprovado, qualquer condómino que a não tenha aprovado pode requerer que a sua execução seja suspensa, justificando a sua qualidade de condómino e mostrando que essa execução lhe pode causar um dano apreciável.
São, pois, requisitos cumulativos da providência cautelar de suspensão das deliberações da assembleia de condóminos:
- a invalidade da deliberação;
- a qualidade de condómino.
- a probabilidade da ocorrência de dano apreciável decorrente da execução da deliberação inválida, que deverá ser igual ou superior ao que decorrerá da suspensão da deliberação.
No caso em apreço, está evidenciada a qualidade de condómino do Recorrente, que não aprovou as deliberações que pretende colocar em crise.
A invalidade das deliberações, nomeadamente decorrente da inobservância de formalismos atinentes à constituição da assembleia de condóminos, é matéria controvertida no presente recurso, dado que o Recorrente não se conformou com o decidido na 1.ª Instância.
Porém, ainda que se reconhecesse ao Recorrente assistir-lhe o direito potestativo de obter a anulação das deliberações, por estarem afetadas de invalidade, certo é que o procedimento cautelar não alcança provimento caso não resulte afirmado que a execução dessas deliberações pode causar dano apreciável.
A expressão dano apreciável, que integra o terceiro requisito, traduz-se num conceito indeterminado, carecido de densificação através da alegação e comprovação de factos de onde possa extrair-se a conclusão de que a execução da deliberação acarretará um prejuízo significativo, de importância relevante.[8] O dano apreciável é o dano visível, de aparente dignidade, estimável, mas não o dano irreparável, insuscetível de compensação, já que não se exige que estejam evidenciados danos irreparáveis e de difícil reparação, como sucede no procedimento cautelar comum.
Todavia, não dispensou a lei a verificação de danos, nem prescindiu da demonstração, em concreto, de um certo perigo de ocorrência de consequências prejudiciais, impondo ao requerente o ónus de convencer o tribunal de que a suspensão da deliberação é condição essencial para impedir a verificação de um dano apreciável. Por outro lado, o dano a evitar com a providência é o decorrente da demora do processo de anulação da deliberação social, e não o resultante diretamente desta.[9]
Em 1.ª Instância entendeu-se que o requerente não demonstrou que a execução das deliberações e a demora inerente à pendência da ação declarativa causariam dano apreciável.
Com o que não se conforma o Recorrente, invocando que a execução das deliberações envolve a verba global de € 436.050,00 valor bastante elevado para que se justifique a peticionada providência.
É certo que as deliberações versadas nos autos respeitam à aprovação das contas do ano de 2018 e ao orçamento das despesas e receitas para o ano de 2019, sendo que a aprovação das deliberações implica a execução, para o ano de 2019, de um orçamento de € 162.050,00 implicando para o Recorrente, proprietário de uma fração autónoma, o pagamento da quantia de € 530,71.
Importa, contudo, levar em consideração que as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum são pagas pelos condóminos em proporção do valor das suas frações, nos moldes decorrentes do art. 1424.º do CC. Por via disso, a assembleia de condóminos reúne para discussão e aprovação das contas respeitantes ao último ano e aprovação do orçamento das despesas a efetuar durante o ano – cfr. art. 1431.º, n.º 1, do CC. A administração das partes comuns do edifício não prescinde da aprovação das contas apuradas nem das contribuições de cada condómino, contribuições essas apuradas em função do orçamento das despesas previstas.
O que pretendemos salientar é que sempre algum encargo resultaria para o Recorrente, ainda que as deliberações não enfermassem dos vícios que lhe são apontados. Na pendência de ação judicial de anulação das deliberações sempre estaria o Recorrente adstrito a contribuir nas despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do prédio e ao pagamento de serviços de interesse comum. O dano apreciável aferir-se-ia pela diferença entre o encargo decorrente das deliberações que foram efetivamente aprovadas e o encargo que decorreria se as deliberações tivessem sido aprovadas sem vícios. O que, contudo, o Recorrente não demonstrou.
Ora, a determinação deliberativa do pagamento da quota no valor total de € 530,71 para o ano de 2019, só por si, manifestamente não revela que constitua para o Recorrente um dano apreciável. Nem o valor a que ascende o orçamento global, no montante de € 162.050,00 que todos os 289 condóminos[10] terão de suportar, só por si, implica na afirmação de dano apreciável.
Por outro lado, importa notar que este procedimento cautelar não se destina a acautelar o risco de perda de garantia patrimonial por parte de devedor – o que constitui antes objeto do arresto, nos termos do disposto no art. 391.º do CPC. Assim, não se reveste de qualquer utilidade o apuramento do facto alegado atinente à solvabilidade para pagamento de indemnização da sociedade que, à data, administrava o condomínio.[11] Nem se reveste de utilidade a apreciação dos demais fundamentos atinentes à impugnação da decisão relativa à matéria de facto, pois não visam circunstâncias factuais relevantes em sede de demonstração do dano apreciável.
Uma vez que os elementos factuais apurados não são aptos a que se afirme que a execução das deliberações aprovadas na assembleia de condóminos podem causar dano apreciável, cabe concluir que inexiste fundamento para decretar a pretendida providência.
O que se declara, sem necessidade de apreciar as demais questões colocadas, por inúteis em face do desfecho do recurso.

As custas recaem sobre o Recorrente – art. 527.º, n.º 1, do CPC.

Concluindo:
(…)

IV – DECISÃO

Nestes termos, decide-se pela total improcedência do recurso, em consequência do que se confirma a decisão recorrida.
Custas pelo Recorrente.
Évora, 26 de Setembro de 2019
Isabel de Matos Peixoto Imaginário
Maria Domingas Simões
Vítor Sequinho dos Santos
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[1] Cfr. artigos 637.º, n.º 2 e 639.º, n.º 1, do CPC.
[2] Cabe conhecer das questões suscitadas, e não já das razões ou dos fundamentos que lhes subjazem.
[3] À luz do regime inserto no art.º 130.º do CPC – cfr. Ac. TRL de 30/04/1992 (Pires Salpico); Ac. STJ de 17/05/2017 (Fernanda Isabel Pereira).
[4] Art.º 608.º, n.º 2, do CPC aplicável ex vi art.º 663.º, n.º 2, do CPC.
[5] Cfr. Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, IV volume, 2.ª edição, pág. 70.
[6] Cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, CC Anotado, vol. III, 2.ª edição, pág. 449.
[7] Cfr. Lebre de Freitas, COC Anotado, Vol. II, pág. 97.
[8] Cfr. Abrantes Geraldes, ob. cit., pág. 92.
[9] Cfr. Ac. TRL de 20/11/2014 (Ondina Carmo Alves).
[10] Cfr. elementos documentais constantes dos autos.
[11] Facto julgado não provado mas que o Recorrente considera dever julgar-se provado.