Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
61/23.4GECUB.E1
Relator: FERNANDO PINA
Descritores: VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
PROVA
DECLARAÇÕES DA VÍTIMA
Data do Acordão: 06/25/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I - As declarações da vítima do crime de violência doméstica podem, por si só, conduzir à condenação. Não o reconhecer seria um retrocesso “ilegal” ao sistema da “prova vinculada” (ou “prova tarifada”) e inviabilizaria, em muitas situações, a perseguição de crimes que ocorrem na absoluta privacidade e relativamente aos quais não existem testemunhas.
II - O Tribunal pode formar a sua convicção apenas com base no depoimento da vítima do crime de violência doméstica, desde que tal depoimento seja prestado de forma séria e credível, ao contrário das declarações prestadas pelo arguido, mas devendo o Tribunal, nessa situação, explicitar na sentença condenatória, de modo claro e conciso, as concretas razões do seu convencimento.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM OS JUÍZES, NA SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA:


I. RELATÓRIO

A –
Nos presentes autos de Processo Comum Singular, com o nº 61/23.4GECUB, do Tribunal Judicial da Comarca de Beja – Juízo de Competência Genérica do Cuba, o Ministério Público requereu o julgamento do arguido C (…..).
Imputando-lhe a prática em autoria material e na forma consumada, de um crime de violência doméstica agravada, previsto e punido pelo artigo 152º nº 1 alínea a) e nº 2 alínea a), do Código Penal.
Em audiência de julgamento a ofendida A declarou expressamente não pretender o arbitramento de indemnização, nos termos das disposições conjugadas do artigo 21º, nº 2 da Lei nº 11/2009, de 16 de Setembro e do artigo 82º-A, do Código de Processo Penal.
O arguido apresentou contestação e arrolou testemunhas.
Procedeu-se à alteração não substancial dos factos vertidos no despacho de acusação, o que foi devidamente comunicado ao arguido, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 358º, nº 1 do Código de Processo Penal, nada tendo sido requerido.
Realizado a audiência de julgamento, veio a ser proferida pertinente sentença, na qual se decidiu:
- Condenar o arguido C pela prática, em autoria material e pela forma consumada, de um crime de violência doméstica agravado, previsto e punido pelo artigo 152º, nº 1, alínea a) e nº 2, alínea a), do Código Penal, na pena de 2 anos e 4 meses de prisão.
- Suspender a execução da pena de prisão, por igual período de tempo de 2 anos e 4 meses, nos termos do artigo 50º, do Código Penal e do artigo 34º-B nº 1 da Lei nº 112/2009, de 16 de Setembro, sujeita a regime de prova, de acordo com o plano de reinserção social a elaborar, executar e com vigilância, pela Direção Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, com avaliações semestrais, visando:
(i) Frequência do “Programa de prevenção para agressores de violência doméstica”, desenvolvido pela DGRSP para a prevenção da reincidência, com a duração determinada por esta entidade e com o acompanhamento técnico do condenado que se mostre necessário;
(ii) Proibição de contactar, por qualquer meio, com a ofendida, diretamente ou por meio de interposta pessoa, com exceção dos contactos estritamente necessários por força do regime de convívios do arguido com os filhos de ambos, a efetuar via e-mail ou sms.
(iii) Proibição de permanecer e de se aproximar da residência onde a vítima resida, local de trabalho ou de qualquer local onde saiba que a mesma se encontre, a uma distância mínima de 500 metros, com exceção dos contactos estritamente necessários por força do regime de convívios do arguido com os filhos.
(…)
*
Inconformado com esta sentença condenatória, o arguido C da mesma interpôs recurso, extraindo da respectiva motivação as seguintes conclusões (transcrição):
1. O objecto do recurso é a sentença de 23-05-2024 (doravante, sentença) que condenou o arguido, em autoria material e na forma consumada, por um crime de violência doméstica p. e p. pelo artigo 152º nº 1 a) e nº 2 a) do CP, na pena de 2 anos e 4 meses, suspensa por igual período, com sujeição a regime de prova.
2. O Tribunal a quo condenou o arguido, pelos pontos de facto 5, 6, 7, 9 e 11 – acta de 23-05-2024 – que são diversos dos descritos na acusação, fora das condições previstas nos artigos 359º nºs 1 e 3 e 358º do CPP, razão por que a sentença é nula, nos termos do disposto no artigo 379º nº 1 b ) do CPP, o que deve ser declarado.
3. O Tribunal a quo, em substituição do Ministério Público, contra a oposição do arguido, introduziu, na sentença, durante a audiência de julgamento, os pontos de facto 5, 6, 7, 9 e 11 (acta de 23-05-2024) , que são diversos dos factos que constam da acusação, pelo que o Tribunal a quo violou os princípios do acusatório, da vinculação temática, das garantias de defesa, do direito a um processo equitativo - artigos 20º nº 4 e 32º nºs 1 e 5 da CRP - e o artigo 359º nºs 1 e 3 do CPP, produzindo uma sentença nula, nos termos do artigo 379º nº 1 b) do CPP.
4. A sentença é nula, nos termos dos artigos 374º nº 2 e 379º nº 1 a) do CPP, porque não contém a enumeração e o exame crítico dos factos constantes do relatório social de 13-05-2024.
5. O ponto de facto 25 da matéria de facto provada é uma transcrição acrítica do relatório social de 13-05-2024 que não cumpre os requisitos do artigo 374º nº 2 do CPP – enumeração e exame crítico -, pelo que a sentença é nula, nos termos do artigo 379º nº 1 a) do CPP, devendo a nulidade ser declarada, com as devidas consequências jurídicas.
6. A sentença é, juridicamente, inexistente, por ter condenado o arguido, pelos pontos de facto 1, 4, 5, 6, 10 e 11, que não são factos, mas generalizações que não permitiram o exercício do contraditório.
7. São generalizações, sem circunstâncias de tempo, lugar e modo, razão por que são nulas, nos termos do artigo 283º nº 3 b) do CPP, e os factos inexistentes.
8. Foi impossível ao arguido exercer o contraditório em relação a tais generalizações, pelo que a sentença, sem factos, é, juridicamente, inexistente, razão por que deve ser declarada tal inexistência jurídica, com as devidas consequências jurídicas (acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 21-05-2024 – processo 524/21.6 PBTMR.E1 – relator Desembargador Gomes de Sousa, publicado em www.dgsi.pt, acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 02-02-2022 – processo 114/20.0T9PRD-A.P1 – relatora Desembargadora Eduarda Lobo, publicado na Coletânea de Jurisprudência, nº 316 – ano XLVII – Tomo I/2022, página 200).
9. A sentença é nula, nos termos do artigo 374º nº 2 e 379º nº 1 a ) do CPP, porque da motivação não consta o exame crítico que explique de forma lógica, racional e suficiente a convicção do Tribunal a quo sobre os pontos de facto 5, 6, 7, 9, 10, 11 e 12 da matéria de facto provada, pelo que deve ser declarada a nulidade da sentença, com as devidas consequências jurídicas.
10. A sentença sofre o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, nos termos do disposto nos artigos 34º-A da Lei nº 112/2009 de 16/09 e 410º nº 2 a ) do CPP, porque a sentença omite o relatório sobre a avaliação do risco, que o Tribunal a quo pediu em 16-04-2024 à GNR, pelo que o julgamento deve ser anulado e o processo remetido para novo julgamento, nos termos do artigo 426º nº 1 do CPP.
11. Na fundamentação da sentença, verifica-se o vício de contradição insanável, nos termos do artigo 410º nº 2 b) do CPP, entre o ponto de facto 7 e os pontos de facto 19, 20 e 21 e entre o ponto de facto 9 e o ponto de facto 23.
12. O ponto 7 sugestiona que o arguido, ao levantar 300,00 € da conta comum, utilizou indevidamente o cartão de débito da assistente e que deixou a mesma impossibilitada de pagar as contas e de adquirir bens de primeira necessidade, o que está em contradição com os pontos 19, 20 e 21, nos termos dos quais:
- O cartão da assistente esteve sempre na posse e disponibilidade do arguido, por acordo entre este e aquela; enquanto o cartão de débito do arguido era utilizado pela assistente e com o qual fez muitos levantamentos e pagamentos;
- A assistente foi em 19-08-2023 para casa dos pais, foi às compras com eles e só regressou a casa no dia 20-08-2023, à noite, e que no dia 21-08-2023, de manhã, recebeu o vencimento;
- As prestações dos créditos venceram-se em 22-08-2023 – 270,00 € - e em 05-09-2023 – 500,00 €;
- Em 31-08-2023 recebeu 190,00 € da GNR;
13. O ponto 9 está em contradição com o ponto 23, porque, nos termos deste ponto 23, no dia 31-08-2023, o arguido entregou a chave e os documentos do Peugeot à assistente e que ela devolveu ao arguido.
14. Nos termos do artigo 426º nº 1 do CPP, o julgamento deve ser anulado e o processo remetido para novo julgamento.
15. Nos termos do artigo 412º nº 3 a) do CPP, o arguido considera que foram incorretamente julgados os seguintes pontos de facto 4, 5, 6, 7, 9, 10, 11, 12, 17 e 22 da matéria de facto provada.
16. Nos termos do disposto no artigo 412º nº 3 b) do CPP, as provas que impõe uma decisão diferente sobre os pontos de facto 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 17 22 são as que se indicam nas conclusões 17ª a 26ª infra.
17. O ponto 4 deve ser considerado não provado e excluído da matéria de facto provada, porque não é um facto; é uma generalização, sem circunstâncias de tempo, lugar e modo, que inviabiliza o exercício do contraditório, generalização que é nula nos termos do artigo 283º nº 3 b) do CPP; contradiz o ponto de facto 1.
18. O ponto 5 deve ser considerado não provado e excluído da matéria de facto provada, porque não é um facto; é uma generalização reportada ao ano de 2007 (há mais de 16 anos), sem circunstâncias de tempo, lugar e modo, o que inviabiliza o exercício do contraditório; a generalização é nula nos termos do artigo 283º nº 3 b ) do CPP; contradiz o ponto de facto 1; é irrelevante; o arguido foi, ao café no exercício dos seus direitos fundamentais consagrados nos artigos 1º, 27º nº 1, 26º nº 1 e 18º da Constituição da República Portuguesa; o arguido não lesou nenhum direito da assistente.
19. O ponto 6 deve ser considerado não provado, porque:
- Não é um facto; é uma generalização, sem circunstâncias de tempo, lugar e modo, o que impede o exercício do contraditório;
- É uma generalização que é nula, nos termos do artigo 283º nº 3 b) do CPP;
- A assistente só declarou, pela primeira vez, na audiência (14-05-2024) as palavras que constam do ponto 6, com excepção da “não vales nada” que não consta de nenhuma passagem da gravação;
- A assistente não declarou tais palavras, na queixa (19-08-2023) nas declarações (29-08-2023), que fez no Posto da GNR de Alvito, onde fazia limpeza;
- Esta “recordação” tardia e extemporânea é contra as leis que regem o funcionamento da memória humana – percepção, aquisição, recordação – e as regras da lógica e da experiência comum.
20. O ponto 7 deve ser considerado não provado, com base nas seguintes passagens da gravação das declarações da assistente:
Na passagem da gravação de 15:59 a 16:15, a assistente foi para casa dos pais em 19-08-2023.
Na passagem da gravação de 54:31 a 54:47, os pais da assistente foram-na buscar em 19-08-2023.
Na passagem da gravação de 17:15 a 17:25, a assistente voltou de casa dos pais no dia 20-08-2023, à noite.
Na passagem da gravação de 18:44 a 19:32, as contas a pagar venceram-se em 22-08-2023 – 270,00 € - e em 05-09-2023 - 500,00 € - e a assistente recebeu 750,00 € em 21-08-2023 e 190,00 € em 31-08-2023.
Na passagem da gravação de 18:13 a 18:22, a assistente recebeu o vencimento em 21-08-2023, de manhã.
Na passagem da gravação de 44:32 a 44:48, a assistente foi para casa dos pais e foi às compras com eles.
Na passagem da gravação de 27:48 a 28:08, em Setembro de 2023, o arguido transferiu 400,00 € para a assistente.
Assim, face a estas passagens da gravação a assistente não ficou com nenhumas contas por pagar nem nenhum bem de primeira necessidade por adquirir, visto que nos dias 19-08-2023 e 20-08-2023 esteve em casa dos pais e no dia 21-08-2023, logo de manhã, teve logo o vencimento na conta.
21. O ponto 9 deve ser dado como não provado com base nas seguintes passagens da gravação das declarações da assistente:
Na passagem da gravação de 19:50 a 20:16, um carro era bem próprio do arguido e o outro carro era bem comum.
Na passagem da gravação de 30:00 a 30:30, ela tem o Polo (bem comum) e ele o Peugeot (bem próprio).
Na passagem da gravação de 30:44 a 31:29, em 31-08-2013 o arguido entregou uma chave à assistente e esta devolveu a chave ao arguido.
Na passagem da gravação de 33:10 a 33:28, o arguido disponibilizou-se para transportar os filhos onde fosse necessário.
A assistente nunca esteve privada de carro, por decisão do arguido.
Além disso, o ponto de facto 9 está em contradição com o facto 23 da III- Decisão da Matéria de Facto: A) Factos Provados
Na verdade, no facto 23, consta que o arguido restituiu à assistente, em 31-08-2023, a chave e os documentos do Peugeot, que ela devolveu ao arguido.
22. O ponto 10 deve ser considerado não provado porque:
- Não é um facto; mas é uma generalização que impediu o exercício do contraditório;
- É uma generalização que, sem as circunstâncias de tempo lugar, tempo e modo, é nula nos termos do artigo 283º nº 3 b) do CPP;
- É uma conclusão sem factos ou premissas factuais, provados que permitam a inferência.
23. O ponto 11 deve ser considerado não provado porque:
- Não é um facto; mas é uma generalização que impediu o exercício do contraditório;
- É uma generalização que, sem as circunstâncias de tempo lugar, tempo e modo, é nula nos termos do artigo 283º nº 3 b) do CPP;
- É uma conclusão sem factos ou premissas factuais, provados que permitam a Inferência.
24. O ponto 12 deve ser considerado não provado porque:
- Não é um facto; mas é uma generalização que impediu o exercício do contraditório;
- É uma generalização que, sem as circunstâncias de tempo lugar, tempo e modo, é nula nos termos do artigo 283º nº 3 b) do CPP;
- É uma conclusão sem factos ou premissas factuais, provados que permitam a Inferência.
25. O ponto 17 deve ser dado como não provado com base nas seguintes passagens da gravação das declarações da assistente:
- Na passagem da gravação de 36:54 a 37:00, a assistente não sabe o que se passava no local de trabalho, porque estava dentro dos edifícios não tinha essa percepção. Nunca viu o arguido na Câmara nem na GNR.
- Nas passagens da gravação de 35:44 a 36:00 e de 58:51 a 59:11, o arguido ia a casa às 10 horas tomar o pequeno almoço e passava pelo trabalho da assistente para levar o pão que ela comprova de manhã para toda a família.
26. O ponto 22 deve ser alterado com base nas seguintes passagens da gravação das declarações da assistente:
- Na passagem da gravação de 18:44 a 19:32, a assistente disse que a prestação de cerca de 270,00 € se venceu no dia 22-08-2023 e que recebeu o vencimento em 21-08-2023.
Assim, nestes termos, deve ser alterado o ponto 22 no sentido de que em 22-08-2023 venceu-se a prestação de 270,00 € e em 05-09-2023 venceu-se a prestação de cerca de 500,00 €.
27. Os factos, as generalizações e as conclusões descritos, na acusação, não preenchem os elementos objectivo e subjectivo do tipo de crime de violência doméstica p. e p. pelo artigo 152º nº 1 a) e nº 2 a) do CP, porque:
- Os factos, as generalizações e as conclusões não estão provados;
- O arguido não praticou, sobre a assistente, nenhum acto violento ou idóneo a lesar a sua liberdade, a sua autonomia pessoal ou quaisquer dos seus direitos;
- Motivo por que deve ser absolvido.
28. A sentença deve ser revogada , por violação do disposto nos artigos 20º nº 4, 32º nºs1 e 5 , 27º nº 1, 26º nº 1 e 18º da Constituição da República Portuguesa, 359º nºs 1 e 3 e 379º nº 1 b ) do Código de Processo Penal, 152º nº 1 a ) e nº 2 a ), 70º e 71º nº 1 e nº 2 a ) e b ) e 53º nºs 1 e 2 do Código Penal, e o arguido deve ser absolvido;
Nestes termos:
a) Nos termos do disposto nos artigos 359º nºs 1 e 3 e 379º nº 1 b) do Código de Processo de Processo Penal, deve ser declarada a nulidade da sentença, por ter condenado o arguido, pelos factos 5, 6, 7, 9 e 11 - acta de 23-05-2024 – que são diversos dos descritos na acusação, fora das condições previstas nos artigos 359º nºs 1 e 3 e 358º do Código de Processo Penal, verificando-se uma alteração substancial de factos e o julgamento continuou, apesar da oposição do arguido;
b) Nos termos do disposto nos 374º nº 2 e 379º nº 1 a) do Código de Processo Penal, deve ser declarada a nulidade da sentença, por não enumerar e indicar o exame crítico sobre os factos que constam do relatório social de 13-05-2024, sendo certo que o ponto 25 não cumpre os critérios exigíveis;
c) Nos termos do disposto nos artigos 374º nº 2 e 379º nº 1 a) do Código de Processo Penal, deve ser declarada a nulidade da sentença por não conter o exame crítico sobre os pontos de facto 5, 6, 7, 9, 10, 11 e 12;
d) Deve ser declarada a inexistência jurídica da sentença por ter condenado o arguido sem factos, mas, sim, por generalizações e conclusões não provadas;
e) Nos termos do disposto nos artigos 34º - A da Lei nº 112/2009 de 16/9, 410º nº 2 a) e 426º nº 1 do Código de Processo Penal, o julgamento deve ser anulado e o processo enviado para novo julgamento para que seja tido em consideração, no julgamento e na sentença, o relatório da avaliação do risco pedida, pelo Tribunal a quo, em 16-04-2024 à GNR;
f) Nos termos do disposto nos artigos 410º nº 2 b) e 426º nº 1 do Código de Processo Penal, o julgamento deve ser anulado e o processo enviado para novo julgamento por se verificar, na fundamentação, uma contradição insanável entre o ponto de facto 7 e os pontos de facto 19, 20 e 21 e entre o ponto de facto 9 e o ponto de facto 23;
g) Deve ser julgada procedente a impugnação da matéria de facto, nos termos expostos;
h) Deve ser revogada a sentença, por violação do disposto nos artigos 20º nº 4, 32º nºs1 e 5 , 27º nº 1, 26º nº 1 e 18º da Constituição da República Portuguesa, 359º nºs 1 e 3 e 379º nº 1 b ) do Código de Processo Penal, 152º nº 1 a ) e nº 2 a ), 70º e 7.º nº 1 e nº 2 a ) e b ) do Código Penal, e o arguido deve ser absolvido;
i) Devem ser revogadas as penas e o regime de prova impostos ao arguido, por injustificados, injustos e ilegais.
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Notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 413º, do Código de Processo Penal, o Ministério Público, pronunciou-se no sentido da improcedência, concluindo por seu turno (transcrição):
1. O Recorrente, não se conformando com a douta sentença que o condenou pela prática de um crime de violência doméstica agravado, p. e p. pelo art. 152º, nº 1, al. a) e nº 2, al. a) do Código Penal, vem pedir o reexame da matéria de facto e de direito.
2. Alega em síntese que o Tribunal a quo condenou o arguido, pelos pontos de facto 5, 6, 7, 9 e 11 – ata de 23-05-2024 – que são diversos dos descritos na acusação, fora das condições previstas nos artigos 359º nºs 1 e 3 e 358º do CPP, razão pela qual a sentença deverá ser considerada nula, nos termos do disposto no artigo 379º, nº 1, al. b) do CPP;
3. Mais alega que a sentença deverá ser considerada nula, nos termos dos artigos 374º, nº 2 e 379º, nº1, al. a) do CPP, porque não contém a enumeração e o exame crítico dos factos constantes do relatório social de 13-05-2024;
4. Alega ainda que a sentença deverá ser considerada juridicamente inexistente, por ter condenado o arguido, pelos pontos de facto 1, 4, 5, 6, 10 e 11, que não são factos, mas generalizações sem circunstâncias de tempo, lugar e modo, razão pela qual são nulas, nos termos do artigo 283º, nº 3, al. b) do CPP, e os factos inexistentes;
5. Mais alega que a sentença deverá ser considerada nula, nos termos do artigo
374º, nº 2 e 379º, nº 1, al. a) do CPP, porque da motivação não consta o exame crítico que explique de forma lógica, racional e suficiente a convicção do Tribunal a quo sobre os pontos de facto 5, 6, 7, 9, 10, 11 e 12 da matéria de facto provada;
6. Alega ainda que a sentença sofre do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, nos termos do disposto nos artigos 34º-A da Lei nº
112/2009 de 16-09 e 410º, nº 2, al. a) do CPP, porque omite o relatório sobre a avaliação do risco, que o Tribunal a quo pediu em 16-04-2024 à GNR, pelo que o julgamento deve ser anulado e o processo remetido para novo julgamento, nos termos do artigo 426º, nº 1 do CPP;
7. Mais alega que, na fundamentação da sentença, verifica-se o vício de contradição insanável, nos termos do artigo 410º, nº 2, al. b) do CPP, entre o ponto de facto 7 e os pontos de facto 19, 20 e 21 e entre o ponto de facto 9 e o ponto de facto 23, pelo que, nos termos do artigo 426º, nº 1 do CPP, o julgamento deve ser anulado e o processo remetido para novo julgamento;
8. E alega, por fim, que, nos termos do artigo 412º, nº 3, al. a) do CPP, foram
incorretamente julgados os seguintes pontos de facto: 4, 5, 6, 7, 9, 10, 11, 12, 17 e 22 da matéria de facto dada como provada.
9. O Ministério Público adere por inteiro à douta sentença recorrida.
10. Na verdade, conforme explanado na ata de julgamento datada de 23-05-2024, para efeitos do artigo 1º, al. f), do Código de Processo Penal, a alteração substancial dos factos é aquela que tiver por efeito a imputação ao arguido de um crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicadas.
Como tal, se no decurso da audiência se verificar uma alteração substancial desses factos, necessariamente os mesmos, ao ter sido dada oportunidade à defesa de sobre os mesmos se pronunciar e opondo-se a defesa a tal alteração, terá que ser extraída certidão e apresentada denúncia ao Ministério Público para que dos mesmos conheça em sede de novo inquérito autonomizado.
11. Nada disto é o que sucede no caso em apreço: os factos descritos em 5, 6, 7, 9 e 11 consubstanciam o mesmo pedaço de vida histórico a que se reportava a acusação, apenas tendo sido concretizados temporalmente e contendo a descrição daquilo que era a imputação ao arguido do crime de violência doméstica agravado que se continha na acusação.
12. Nesse sentido e conforme entendido pelo tribunal a quo, estamos perante uma alteração não substancial de factos, uma vez que o crime imputado é o mesmo e que os factos em causa não importam um crime distinto nem a agravação da pena.
13. Decorre da sentença proferida que “Os factos atinentes às condições pessoais do arguido basearam-se no teor do relatório social elaborado pela D.G.R.S.P, a solicitação do Tribunal, devidamente conjugado com o que foi relatado por C”, tendo sido plenamente analisados na d. sentença os factos constantes do relatório social do arguido.
14. Um dos fundamentos para recurso é a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, bastando para tal que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, sustentada num defeito estrutural da decisão e não do próprio julgamento.
15. O seu regime legal não admite a reapreciação da prova, não podendo o tribunal de recurso determinar o reenvio do processo, total ou parcial, para novo julgamento, mas, tão-somente, aferir do vício constante na aludida decisão.
16. Tratando-se de um vício da matéria de facto, a sua verificação depende do objeto do processo nos termos fixados pela acusação (ou pela pronúncia) e pela defesa, e do seu correspondente confronto com os factos indagados pelo tribunal em sede de julgamento da causa, importando aferir se nesta indagação aquele atendeu a todos os factos pertinentes, de modo a alcançar a exigível resposta.
17. No caso presente, atendendo ao thema probandum e tendo por referência a motivação da matéria de facto da sentença recorrida, verifica-se que o tribunal «a quo» não deixou de aquilatar e de se pronunciar sobre todos os factos relevantes alegados pela acusação e pela defesa, tendo apreciado a prova que se impunha, nomeadamente documental e testemunhal, com vista ao apuramento completo da matéria de facto necessária para a motivação de direito e, consequentemente, para a correta decisão final.
18. Inexiste, assim, qualquer vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e não provada, não se mostrando exigível o apuramento de qualquer outro elemento, constando da sentença recorrida todos os elementos essenciais para a motivação de direito e, por último, para a decisão de condenação do Recorrente, a qual deve assim ser mantida.
19. Não assiste também razão ao recorrente, uma vez que a sentença proferida não foi omissa em nenhum aspeto relevante, tendo o Tribunal a quo se pronunciado sobre todos os aspetos fundamentais e submetidos à sua apreciação, cumprindo, assim, todos os requisitos legalmente impostos e não padecendo, por isso, de qualquer nulidade.
20. A nulidade invocada pelo recorrente não traduz os fundamentos que alegou, pois que os mesmos são antes discordâncias do mesmo, sobre a análise critica que o Tribunal a quo fez quanto à prova produzida.
21. Por outro lado, o relatório sobre a avaliação do risco não consta da decisão recorrida. No entanto, este não é um elemento de prova relevante dos factos em discussão, em sede de julgamento.
22. O recorrente refere-se ainda à contradição da fundamentação, contradição essa que abrange as situações em que a fundamentação desenvolvida pelo julgador evidencia premissas antagónicas ou manifestamente inconciliáveis.
23. Tal não sucedeu nos presentes autos, uma vez que tais factos foram devidamente fundamentados na d. sentença recorrida relativamente aos pontos de facto 7 e 19-22: “Quanto à utilização da conta bancária, cartões de multibanco utilizados e proveniência do dinheiro daquela conta, quer o arguido quer a ofendida confirmaram o que se contém em 7 e em 19 a 22 dos factos provados. O arguido admitiu ter procedido ao levantamento de € 300,00 da conta comum do casal, ali deixando apenas € 20,00.
Justificando que como a assistente recebia o ordenado ao dia 21 de agosto esta apenas permaneceu sem dinheiro durante 2 dias.”
24. Relativamente aos pontos de facto 9 e 23, foram igualmente explanados na sentença recorrida: “O arguido afirmou ainda ter levado consigo as chaves dos dois automóveis de uso comum, tendo restituído a chave e os documentos do veículo Peugeot após a separação do casal, conforme mensagens trocadas entre ambos de fls. 141, apesar de saber que este não dispunha de IUC, inspeção e seguro pago, inviabilizando dessa forma o seu uso pela ofendida que não dispunha de dinheiro para pagar tais despesas, face às prestações do imóvel que incidem sobre a conta bancária e demais encargos que suporta, atento o seu vencimento de pouco mais que 1000,00€. Tanto que em fevereiro de 2024 o arguido acabou por entregar à ofendida o veículo marca Volkswagen para uso desta e dos filhos do casal nas suas deslocações no dia a dia.”
25. A prova é valorada segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador, nos termos do artigo 127º do Código de Processo Penal, devendo ser feita uma análise crítica e conjugada de todos os meios probatórios disponíveis, desde que legalmente permitidos, nos termos dos artigos 32º, nº 8 da Constituição da República Portuguesa e 125º e 126º do Código de Processo Penal.
26. Ao contrário do alegado pelo recorrente, a sentença recorrida é fundamentada quanto aos factos que o Tribunal a quo entendeu dever dar como provados, tendo sido feita uma análise critica da prova de uma forma assertiva, coerente precisa, não se vislumbrando em que medida pode o recorrente entender que estes devem ser considerados não provados.
27. Com efeito, o Tribunal a quo fez uma exposição da motivação dos factos que entendeu dar como provados, sustentando os mesmos nos depoimentos ouvidos, e dos documentos juntos, e nos quais se baseou, tendo feito constar da sentença uma análise critica da prova produzida e que serviu de base à sua convicção.
28. Em respeito ao princípio da livre apreciação do julgador e por ter contacto direto com a prova, gozando, assim, de uma posição privilegiada para apreciar a sua consistência e veracidade, é à 1ª Instância que cumpre a tarefa de apreciar a matéria de facto dada como provada, competindo aos tribunais superiores fiscalizar se a mesma foi efetuada de forma racional, lógica e coerente ou de se tal análise deveria implicar necessariamente (não sendo uma mera possibilidade) decisão diversa.
29. Só quando o julgador do tribunal a quo der como provado ou como não provado um facto que deveria ter decidido em sentido contrário, tendo por base das regras da experiência e da prova produzida é que o tribunal ad quem deverá intervir, alterando a decisão.
30. No caso concreto, a prova foi corretamente analisada pelo Tribunal a quo, que fundamentou de forma clara e precisa os motivos levaram a dar como provada a matéria de facto ora impugnada, baseando-se na conjugação dos vários meios de prova recolhidos, tendo ficado convicta da credibilidade da versão que constava na acusação pública, em detrimento da versão do arguido apresentada agora em sede de recurso, indo a mesma de encontro às alegações do Ministério Público.
Termos em que deve o presente recurso ser julgado totalmente improcedente, o que se requer aos Venerandos Desembargadores,
Assim sendo feita a costumada Justiça.
*
Neste Tribunal da Relação de Évora, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso interposto.
Cumpriu-se o disposto no artigo 417º, nº 2, do Código de Processo Penal, tendo o arguido apresentado resposta pugnando no sentido do recurso interposto.
Procedeu-se a exame preliminar.
Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.

B -
Na sentença recorrida e em termos de matéria de facto, consta o seguinte:
Com relevo para a decisão da presente causa resultaram provados os seguintes factos:
1. O arguido e a ofendida A, iniciaram uma relação de namoro em 2003/2004, passando a coabitar juntos desde 2007, tendo contraído matrimónio em 2009.
2. Residiram desde 2007 na localidade de Alvito, inicialmente na Rua (…..), e depois em data não concretamente apurada, mas anterior a 2023, na Rua (…..).
3. Dessa relação nasceram dois filhos: E, nascido a (…..), atualmente com 18 anos; e I, nascida a (…..), atualmente com 11 anos de idade.
4. Desde o início da relação que o arguido demonstrou ser muito ciumento e controlador para com a ofendida.
5. Em datas e ocasiões não concretamente apuradas, mas certamente após 2007, o arguido deslocou-se ao local de trabalho da ofendida no café denominado “…..”, para se certificar que ela estaria mesmo a trabalhar.
6. Em datas e ocasiões não concretamente apuradas, com uma periodicidade quase diária, no interior da habitação do casal, algumas das quais na presença dos filhos menores, o arguido dirigiu-se à ofendida, proferindo as seguintes expressões: «não vales nada, não serves para nada, gorda, saco de batatas, mesa de braseira».
7. No dia 19-08-2023 o arguido, utilizando o cartão multibanco da ofendida, procedeu ao levantamento da quantia de € 300,00 da conta comum do casal, deixando-a com as contas por pagar e sem dinheiro para comprar bens de primeira necessidade para si e para os seus filhos, tendo esta de recorrer a ajuda dos seus pais.
8. No dia 22-08-2023, na sequência de uma discussão, o arguido e a ofendida passaram a dormir em quartos separados.
9. Após a separação do casal ocorrida no dia 31 de agosto de 2023, o arguido levou consigo as chaves das viaturas automóveis utilizadas pelo casal, impedindo dessa forma a ofendida de utilizar o veículo automóvel adquirido por ambos na constância do casamento, dificultando a sua mobilidade no dia-a-dia.
10. Com a prática das condutas descritas, deu causa o arguido, de modo direto e necessário, a que a ofendida se sentisse num constante estado de ansiedade e tristeza, receando pelas atitudes que o arguido pudesse tomar em relação a si, nomeadamente que a humilhasse, intimidasse, ou a privasse de aceder a bens de primeira necessidade.
11. Ao atuar da forma descrita para com a ofendida, sabendo que ela era seu cônjuge mulher, o arguido agiu com o propósito de molestar a saúde psíquica da mesma, de afetar a sua liberdade de decisão, de a humilhar e desconsiderar, com desprezo pela sua dignidade pessoal, o que conseguiu, ao atuar da forma acima descrita, em frente aos filhos menores, bem sabendo que tinha para com a mesma um especial dever de respeito.
12. O arguido sabia que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal, e tinha capacidade e liberdade para se determinar de acordo com esse conhecimento.

Mais se provou:

13. A atuação descrita do arguido contra a ofendida A é potenciada pelo consumo excessivo de bebidas alcoólicas por parte do mesmo.
14. No dia 19 de agosto, na sequência de uma discussão o arguido ausentou-se da habitação do casal, ali regressando no dia 22 de agosto de 2023.

Da Contestação:

15. A partir de data não concretamente apurada, mas certamente após 2007, a ofendida passou a trabalhar no Município de Alvito, onde fazia a limpeza da biblioteca municipal.
16. E fazia, também, a limpeza do Posto da GNR de Alvito.
17. O arguido deslocava-se diariamente ao local de trabalho da ofendida, a pretexto de ir buscar o pão para o pequeno almoço que aquela adquiria.
18. Em 2019, a ofendida passou a frequentar o curso de serviço social, no Instituto Politécnico de Beja, em regime laboral e em 2022 passou a frequentar o mestrado em horário pós-laboral.
19. A ofendida abriu uma conta bancária na Caixa Geral de Depósitos da qual o arguido passou a fazer parte, dispondo de dois cartões bancários em nome de cada um, utilizando o arguido o cartão em nome da ofendida.
20. O dinheiro depositado na conta referida em 19, provinha dos salários do casal.
21. A ofendida recebe o ordenado do município do Alvito ao dia 21 de cada mês, o que sucedeu também em 21/08/2023.
22. O casal contraiu dois empréstimos para a compra da habitação, sendo a prestação de um no valor de cerca € 275,00, paga ao dia 21 e a outra de € 500,00, paga ao dia 5, de cada mês.
23. O arguido restituiu a chave e o livrete do veículo marca Peugeot, em data não concretamente apurada, mas seguramente após a separação do casal ocorrida em 31 de agosto de 2023, e disponibilizou o veículo marca Volkswagen à ofendida a partir de fevereiro de 2024.
24. O veículo Peugeot só teve seguro, inspeção e IUC válidos até 31-08-2023.

25. Relativamente às condições pessoais do arguido apurou-se que:
«À data da separação o casal subsistia, em termos económicos, do resultado do vencimento do arguido, na ordem dos 1.224,90 euros mensais, mais vencimento do cônjuge, na ordem do ordenado mínimo nacional, acrescidos de 200 euros por trabalho extra.
Como despesa fixa mais significativa a mensalidade relativa ao empréstimo bancário contraído com a aquisição da habitação, na ordem dos 750 euros mensais.
Natural de Velas, ilha de São Jorge, Açores, local onde o progenitor trabalhou durante cerca de dois anos, a vida do arguido tem decorrido na vila de Alvito, dado que os progenitores estiveram pouco tempo em São Jorge.
C contava 2 anos e 9 meses de idade quando o pai se suicidou, segundo nos referiu, na sua presença, com um tiro. Continua percetível, no arguido, e muito presente, o ocorrido, parecendo até hoje não ter ultrapassado emocionalmente a perda e as circunstâncias da mesma.
Pouco comunicativo, C não entende esta característica como possível timidez, mas como algo que lhe é próprio.
Com o falecimento do progenitor e porque a sua mãe veio a constituir nova relação marital e também a mudar de residência, o processo de crescimento e desenvolvimento do arguido decorreu sobretudo com os avós maternos.
Os avós viviam em casa própria e a família detinha uma condição económica muito modesta, subsistindo do vencimento do avô do arguido, que trabalhava como pastor. Assim, as memórias de infância de C estão muito ligadas à atividade profissional do avô, nomeadamente por dormir com os avós junto das ovelhas, no campo, e durante o dia frequentava a escola.
Como habilitações literárias possui o 9º ano de escolaridade. Na Escola Profissional de Alvito ainda frequentou curso de formação profissional com habilitação ao 12º ano de escolaridade, mas desistiu antes de concluir este nível de ensino.
Não prosseguindo os estudos, com 17 anos de idade iniciou atividade laboral na Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Alvito, como maqueiro, onde permaneceu cerca de seis anos, após o que ingressou na Santa Casa da Misericórdia de Alvito, em 2004, e até hoje permanece.
Na Santa Casa da Misericórdia desempenha as funções de motorista, tendo também à sua responsabilidade a preparação da medicação para os utentes, e na sociedade unipessoal Agência Funerária Nossa Sra. das Candeias, associada à Santa Casa em termos de gestão, desempenha funções de técnico funerário.
Manifesta-se de modo muito positivo relativamente ao enquadramento profissional, referindo “gostar muito do que faz” (sic).
Em termos afetivos iniciou relação com A quando contava cerca de 24 anos e esta, com 18 anos de idade, foi mãe. Os pais de A não terão inicialmente concordado com a relação, pelo que durante algum tempo o casal manteve residências separadas.
Contava o filho mais de 1 ano de idade quando o casal passou a residir em conjunto, e durante muitos anos integraram o agregado familiar dos avós do arguido, após o que, e há relativamente pouco tempo, adquiriram casa própria, mediante empréstimo bancário.
Em resultado da separação, ocorrida em agosto de 2023, C voltou para a habitação dos avós maternos, onde atualmente vive, e A, com os filhos, mantiveram residência na habitação do ex-casal.
Atualmente o arguido mantém a situação profissional e habitacional atrás referida e, como pensão de alimentos, para os filhos, participa com 170 euros mensais, importância que terá sido determinada pelo Tribunal de Família e Menores.
Em termos profissionais é qualificado como bom trabalhador, dedicado e disponível.
Aparenta ter integrado e interiorizado a separação, verbalizando sentir-se hoje, no dia a dia, calmo e tranquilo. Concomitantemente, aparenta distanciamento emocional relativamente à vítima, com a qual manterá contacto via mensagens de texto por telemóvel nos assuntos relativos aos filhos e exclusivamente sobre os mesmos.»

26. No CRC do arguido não constam averbadas condenações.

Factos não provados:
Da prova produzida em audiência, resultaram não provados os seguintes factos, com relevo para a decisão da causa:
1. Em data não concretamente apurada o arguido levantou todo o vencimento da ofendida.
2. Nas circunstâncias referidas em 6, o arguido disse à ofendida: “Tu tens outro”, “És uma vadia”, “Puta”.
3. Desde a data referida em 8. o arguido privou a ofendida e os filhos do descanso noturno, fazendo barulho durante a noite.
4. A ofendida tem medo do arguido, por si e pelos filhos.
*
Consigna-se que não se fez constar dos factos assentes factos conclusivos, bem como matéria irrelevante para a boa decisão da causa.
Sobre este conspecto, cumpre esclarecer que, nos termos conjugados dos arts. 368º, nº 2 e 374º, nº 2, ambos do CPP, os factos a relacionar discriminada e especificamente na fundamentação não correspondem a todos quantos foram alegados na acusação, nos articulados do(a)(s) arguido(a)(s), ou do(a)(s) demandante(s) civil(is), mas antes na identificação de todos os factos, que relevem para a boa decisão da causa (sejam alegados pelos intervenientes processuais, ou tenham sido apurados em julgamento).
Ademais, na enumeração de factos provados e não provados, para além de factos irrelevantes, não há lugar à e enunciação de factos conclusivos ou que redundem em meras alegações de direito.
Pelas razões supra e com exceção dos factos enumerados em A) e B) o Tribunal não tomará posição sobre o demais articulado nas distintas peças processuais.

Motivação:
A convicção sobre a matéria de facto dada como provada alicerçou-se na prova documental junta aos autos, conjugada com a prova produzida em audiência e julgamento, analisada criticamente segundo as regras da experiência e a livre convicção do Tribunal, de acordo com os critérios estabelecidos pelo art. 127º do Código de Processo Penal.
Na ponderação da prova do crime de violência doméstica impende sobre o Tribunal um especial dever de apreciação da postura dos intervenientes processuais no relato dos factos, dos sinais de veracidade e de desvio dessa veracidade.
No crime de violência doméstica os factos tendem a ocorrer sobretudo no domínio das relações privadas entre agressor e vítima, longe dos olhares de terceiros, sendo também frequente que a vítima não relate de imediato os factos, seja por que não se reconhece como vítima, por vergonha, medo, dependência ou até esperança que a situação não volte a repetir-se e de que a relação ainda assim possa subsistir, em prol da família, o que o caso em apreço não foi exceção.
Concretizando:
O Tribunal procedeu à análise critica das declarações do arguido e da ofendida, A, conjugados com o auto de notícia de fls. 77-78; as folhas de suporte, fls. 142-145, assentos de nascimento de fls. 151-151, o relatório social relativo às condições sociais do arguido e o ainda certificado de registo criminal do mesmo.
Assim, relativamente às circunstâncias de tempo, modo e lugar de ocorrência dos factos, o Tribunal atendeu unicamente às declarações prestadas quer pelo arguido quer pela vítima A e à suprarreferida prova documental, uma vez que a única testemunha arrolada, E, filho do arguido e da assistente, recusou-se validamente a depor.
O Tribunal deparou-se assim apenas com as versões antagónicas que arguido e assistente carrearam para o processo.
Neste contexto, a análise da prova produzida, em concreto, das declarações da assistente e do arguido, releva sobretudo chamada «linguagem silenciosa». Detalhes como certezas, lacunas, contradições, hesitações, inflexões de voz, ansiedade, embaraço, desamparo ou serenidade, constituem elementos essenciais desta linguagem, sendo fundamentais para a formação da convicção do juiz acerca da veracidade e verosimilhança de uma versão em detrimento da outra.
No caso, o arguido optou por prestar declarações de forma cautelosa, concisa e refletida, escolhendo deliberadamente as perguntas a que pretendia dar resposta, escudando-se noutras ocasiões em já ter respondido à mesma questão anteriormente.
Assim, o arguido negou perentoriamente alguma vez ter tido algum dos comportamentos que lhe são imputados, imputando à vítima, sua ainda mulher, a responsabilidade pelas discussões havidas e pelo final da relação.
Apesar de confirmar deslocar-se diariamente ao local de trabalho da ofendida, o arguido negou que o fizesse para a controlar, rejeitando ser ciumento.
Concretamente, negou as injurias descritas nos autos, ou sequer ter discussões na presença dos filhos, tanto que quando tal sucedida o arguido ausentava-se voluntariamente de casa.
Analisando criticamente as declarações do arguido, em conjugação com a demais prova produzida, efetivamente não resultou demonstrado que o mesmo tivesse proferido as expressões “Tu tens outro”, “És uma vadia”, “Puta”, à ofendida.
Com efeito, das declarações de A não resultou contrariada tal versão, mas apenas o que se contém no ponto 6 dos factos provados que a mesma descreveu de forma sentida e genuína.
Quanto à utilização da conta bancária, cartões de multibanco utilizados e proveniência do dinheiro daquela conta, quer o arguido quer a ofendida confirmaram o que se contém em 7 e em 19 a 22 dos factos provados.
O arguido admitiu ter procedido ao levantamento de € 300,00 da conta comum do casal, ali deixando apenas € 20,00. Justificando que como a assistente recebia o ordenado ao dia 21 de agosto esta apenas permaneceu sem dinheiro durante 2 dias.
C confirmou que, no seguimento da separação do casal ocorrida no dia 19 de agosto de 2023, saiu voluntariamente de casa, ali regressando apenas no dia 22 de agosto, passando o casal a pernoitar em quartos separados: o arguido no quarto no R/C e a assistente no quarto da filha no 1º andar (facto 8).
Negou que nesse período fizesse ruido de forma a incomodar a ofendida e os filhos durante a noite, o que também não resultou de forma evidente das declarações da ofendida, o que motivou a não prova do respetivo facto.
O arguido afirmou ainda ter levado consigo as chaves dos dois automóveis de uso comum, tendo restituído a chave e os documentos do veículo Peugeot após a separação do casal, conforme mensagens trocadas entre ambos de fls. 141, apesar de saber que este não dispunha de IUC, inspeção e seguro pago, inviabilizando dessa forma o seu uso pela ofendida que não dispunha de dinheiro para pagar tais despesas, face às prestações do imóvel que incidem sobre a conta bancária e demais encargos que suporta, atento o seu vencimento de pouco mais que 1000,00€.
Tanto que em fevereiro de 2024 o arguido acabou por entregar à ofendida o veículo marca Volkswagen para uso desta e dos filhos do casal nas suas deslocações no dia a dia.
A demais prova produzida permitiu que o tribunal não aceitasse a versão do arguido. Aliás, diga-se em abono da verdade, a postura demasiadamente defensiva e cautelosa assumida pelo mesmo, por si só, inculcava que não estava a falar a verdade.
Um desses aspetos prendeu-se com a necessidade sentida pelo arguido de procurar convencer o tribunal de que não ingeria bebidas alcoólicas em excesso, o que o mesmo também negou.
Ora, as declarações da ofendida foram claras quanto aos hábitos alcoólicos do arguido e as alterações que tal ingestão frequente provocava no seu comportamento, em especial em termos de agressividade, o que a levou a procurar ajuda para o tratamento da adição do arguido, mas que este rejeitou.
Ou seja, o arguido pretendeu demonstrar uma realidade e dinâmica familiar diferente do que na realidade acontecia.
Chegamos assim à análise das declarações prestadas pela vítima, inexistindo outra prova direta quanto aos factos relativos à culpabilidade do arguido.
Ora, as declarações do assistente contam-se como meio de prova válida – artº 145º do CPP e ao prestar declarações fica sujeito ao dever da verdade e a responsabilidade penal pela sua violação, sendo livremente valorada, também quando se confronta com o resultado da prova por declarações de arguido.
Como se reconheceu no acórdão proferido pela Relação de Coimbra de 17-05-2017 a que se adere: «A lei não proíbe que possa, por si só, conduzir à condenação. Não o reconhecer, seria não só uma prática contra legem, como um retrocesso ilegal ao sistema da prova vinculada ou tarifada. Inviabilizaria também a perseguição de crimes que ocorrem na absoluta privacidade, ou nos casos em que não existam testemunhas», (…) «O Tribunal pode formar a sua convicção apenas num único depoimento, mesmo que se trate do assistente, o importante é que esta o preste de forma séria e credível e o Tribunal de forma clara e concisa explicite as razões do seu convencimento (…)».
Aqui chegados importa dizer que A prestou declarações de forma espontânea, segura e objectiva, sem se contradizer, efabular ou exagerar a sua apreciação da vivência com o arguido, não fazendo juízos de valor ou comentários depreciativos sobre este, revelando não a motivar qualquer intuito persecutório contra o mesmo, tanto mais que rejeitou a atribuição da indemnização prevista na lei.
Declarações que mereceram a credibilidade, em detrimento das declarações prestadas pelo arguido, não enfrentando o Tribunal qualquer dúvida quanto à veracidade do depoimento da vítima, porque congruente e consentâneo com as regras de experiência comum.
A referiu que C, mercê dos seus ciúmes excessivos, controlava tudo o que a mesma fazia, o que gerava discussões entre o casal, dada a natureza possessiva e ciumenta daquele, não se coibindo o arguido de aparecer nos locais onde a mesma trabalhava, questionando-a sobre com quem interagia, fazendo insinuações a propósito das conversas que tinha com outros homens, controlando até a roupa que a mesma vestia e telefonando-lhe várias vezes ao dia, o que se afigurou credível (factos 4 e 5).
A ofendida confirmou que no seguimento do levantamento efetuado pelo arguido dos 300,00 € que se encontravam depositados na conta do casal e que aquele não negou, a mesma ficou sem dinheiro para acudir às suas e às despesas dos filhos, o que a levou a ter de ir para casa dos pais situação que perdurou até ao dia 22 de agosto de 2023 (facto 7).
Quanto aos automóveis utilizados pelo casal a ofendida referiu que no seguimento da saída de casa pelo arguido este levou consigo as chaves dos mesmos, e que apesar de lhe ter pretendido restituir a chave do Peugeot, uma vez que não dispunha de dinheiro para suportar o seguro, o IUC e a inspeção, tampouco pode utilizar o mesmo, o que era do conhecimento do arguido (facto 9).
Referiu ainda que ao fim de 5 meses o arguido consentiu na utilização pela mesma do veículo Volkswagen.
Quanto ao sofrimento psicológico que afetou a vítima e descrito no ponto 10 da matéria de facto provada, o Tribunal assim atendeu considerando a descrição feita por A, demonstrando claramente como a atuação do arguido a afectou a ponto de “acreditar que não servia para nada que ninguém gostava de si”, de que o Tribunal não teve quaisquer razões para duvidar porque consentâneas com as regras de experiência.
Os factos descritos nos pontos 11 a 13 foram dados como provados, conjugando as regras da experiência comum e os restantes factos dados como provados.
O arguido não podia deixar de saber o significado dos deveres de respeito que, em especial, deveria de ter para com a sua companheira e os efeitos da sua conduta, o que quis concretizar.
Mais se convencendo o Tribunal de que o arguido actuou de forma livre, deliberada e consciente, ciente que as suas condutas eram proibidas e punidas pela lei penal.
Os demais factos provados de 15 a 24 resultaram das declarações prestadas pelo arguido e pela ofendida que os confirmaram.
Os factos atinentes às condições pessoais do arguido (25) basearam-se no teor do relatório social elaborado pela D.G.R.S.P, a solicitação do Tribunal, devidamente conjugado com o que foi relatado por C.
Relativamente aos antecedentes criminais registados do arguido, o Tribunal formou a sua convicção pela análise do certificado de registo criminal junto aos autos (ponto 26).
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Quanto aos factos não provados a que não se fez alusão expressa, não foi produzida prova que os sustente ou ficou demonstrada realidade diversa, para além do que se fez constar dos factos provados.

Tomando por pressuposto a factualidade considerada como provada e não provada, importa efetuar o enquadramento jurídico-penal dos factos.

Do enquadramento jurídico:
Ao arguido é imputada a prática, em autoria material, de um crime de violência doméstica agravado, previsto e punido pelo artigo 152º, nº 1, alínea a) e nº 2, alínea a), do Código Penal.
Nos termos do referido preceito comete o crime de violência doméstica «quem, de modo reiterado ou não, infligir maus tratos físicos ou psíquicos, incluindo castigos corporais, privações da liberdade, ofensas sexuais ou impedir o acesso ou fruição aos recursos económicos e patrimoniais próprios ou comuns, contra o cônjuge ou ex-cônjuge.
No caso anterior, se o agente praticar o facto no domicílio comum do casal da vítima ou na presença dos filhos menores do casal, é punido com pena de prisão de dois a cinco anos.
Da sua inserção no Capítulo III do Título I da Parte Especial do C. Penal resulta que o crime de violência doméstica visa proteger a integridade e dignidade humana, entendidas em sentido amplo (em consonância com o art. 25º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa, no qual se estabelece que a integridade física e moral das pessoas é inviolável), de forma a abarcar qualquer ofensa que afete o bem-estar físico, psíquico ou mental da vítima.
No que concerne ao bem jurídico tutelado pela incriminação está em causa a saúde, física, psíquica ou emocional, que pode ser afetada por toda uma multiplicidade de comportamentos que atinjam a dignidade pessoal da vítima, enquanto sujeito e no âmbito de qualquer das relações previstas no nº 1, do artigo 152º do C. Penal.
O crime de violência doméstica tem subjacente a existência duma especial relação entre o agente e a vítima de natureza familiar ou para-familiar. Trata-se, por isso, de um «crime específico impróprio, cuja ilicitude é agravada em virtude da relação familiar, parental ou de dependência entre o agente e a vítima» (…)”
No crime de violência doméstica exige-se que o agente ativo mantenha com o sujeito passivo alguma das relações típicas descritas nas als. a) a e) do nº 1 do art. 152º do C. Penal. Quanto aos sujeitos passivos deste crime, encontram-se taxativa e expressamente previstos no artigo 152º do C. Penal.
As formas de relacionamento previstas nas alíneas a) e b), do mencionado preceito, podem ser atuais ou não, exclusivas ou não, com coabitação ou não, e independentemente do género e orientação sexual das pessoas envolvidas.
«Trata-se, fundamentalmente, de um crime de relação (…) Relações que, além de não suporem, necessariamente, um vínculo afectivo estável, nalguns casos são longínquas (pretéritas) ou desprovidas de laços familiares. Relevará, mais exactamente, um certo grau de proximidade ao lado de uma estreita comunidade de vida, realidades que instituem normas de conduta cuja violação fundamenta ou agrava a ilicitude dos factos (…)».
Neste contexto, o maltrato, mais do que suas manifestações específicas, que podem incluir agressões físicas, injúrias, ameaças, etc., é caracterizado pela violação da legítima expectativa da vítima de estar protegida dentro da relação que tem com o agressor.
A violação dessa confiança resulta na maior reprovação do comportamento do agressor que, ao comprometer essa confiança e a expetativa legitima da vítima de estar protegida, demonstra não reconhecer o outro membro da relação como uma pessoa com direitos, sentimentos, personalidade e vontade própria, desumanizando-o e degradando-o na tentativa de submetê-lo à sua vontade.
O nº 1 do artigo 152º do C. Penal prevê que a conduta típica (elemento objetivo) consiste em infligir maus-tratos físicos ou psíquicos, incluindo castigos corporais, privações da liberdade ou ofensas sexuais e privações económicas, de modo reiterado ou não.
No que ao caso concreto releva, quanto ao conceito de «maus tratos psíquicos», os mesmos consistem em atos ou omissões, verbais ou não verbais, dirigidos direta ou indiretamente à vítima, atingindo e prejudicando o bem-estar psicológico desta, a sua integridade moral e o seu sentimento de dignidade que correspondem aos crimes de ameaça simples ou agravada, coação simples, difamação, injúrias, simples ou qualificadas ou humilhações, provocações, molestações, ameaças mesmo que não configuradoras do crime de ameaça.
Como maus tratos psíquicos temos, pois, os insultos, críticas e comentários destrutivos, achincalhantes ou vexatórios, a sujeição a situações de humilhação, as ameaças, as privações injustificadas de comida, de medicamentos ou de bens e serviços de primeira necessidade, as restrições arbitrárias à entrada e saída da habitação ou de partes da habitação comum; as privações da liberdade; as perseguições, as esperas inopinadas e não consentidas, os telefonemas a desoras, etc. , ameaça de morte e proibição de acesso à garagem, à caixa de correio e de utilização do veículo automóvel. Os maus-tratos psíquicos compreendem ainda, a par das estratégias e condutas de controlo, o abuso verbal e emocional, e as ameaças de suicídio.
Conforme escreve Teresa Magalhães, Violência e Abuso – Respostas Simples para Questões Complexas: «Os maus tratos psíquicos são mais difíceis de caraterizar, porque se pode traduzir numa multiplicidade de comportamentos ativos e omissivos, verbais e não verbais, dirigidos direta ou indiretamente à vitima, que atingem e prejudicam o seu bem-estar psicológico, nomeadamente ameaçar, insultar, humilhar, vexar, desmoralizar, culpabilizar, atemorizar, intimidar, criticar, desprezar, rejeitar, ignorar, discriminar, manipular e exercer chantagem emocional sobre a vítima (…)».
Importa ainda considerar a chamada microviolência continuada, que Nuno Brandão refere como “opressão … exercida e assegurada normalmente através de repetidos actos de violência psíquica que apesar da sua baixa intensidade quando considerados avulsamente são adequados a causar graves transtornos na personalidade da vítima quando se transformam num padrão de comportamento no âmbito da relação”.
Não são os simples actos plúrimos ou reiterados que caracterizam o crime de maus tratos a cônjuge, o que importa é que os factos, isolados ou reiterados, apreciados à luz da intimidade do lar e da repercussão que eles possam ter na possibilidade de vida em comum, coloquem a pessoa ofendida numa situação que se deva considerar de vítima, mais ou menos permanente, de um tratamento incompatível com a sua dignidade e liberdade, dentro do ambiente conjugal.
Para que tais comportamentos integrem o conceito de maus-tratos psíquicos passível de preencher o tipo objetivo do crime de violência doméstica é decisivo que, fazendo apelo essencial à “imagem global do facto”, revistam intensidade ou gravidade bastante para poder justificar «a sua autonomização relativamente aos ilícitos que as condutas individualmente consideradas possam integrar».
É assim necessário atender à gravidade da ofensa e ao animus do agente (especial perversidade) que possa fazer temer pela saúde física e psíquica da vítima. O decisivo para a verificação do tipo é a configuração global de desrespeito pela dignidade da pessoa da vítima que resulta do comportamento do agente, normalmente assente numa posição de domínio e controlo.
A tónica do crime de violência doméstica deixou de estar centrada na intensidade dos “maus tratos”, para – não olvidando aqueles – se centrar na dignidade da pessoa em relação livremente assumida.
Ao contrário do que era entendido na anterior redação do art. 152º do C. Penal, atualmente não se exige que o agente atue de modo reiterado, ou seja, que ao longo do tempo, de modo repetido, venha a infligir maus-tratos físicos ou psíquicos à mesma vítima (o nº 1 do art. 152º do C. Penal, na sua atual redação, faz expressa menção ao “modo reiterado ou não” da atuação do agente).
O nº 2, do artigo 152º do C. Penal, consagra a agravação do crime previsto no nº 1 na forma simples, quando o agente «praticar o facto (…) no domicílio comum ou no domicílio da vítima ou na presença dos filhos comuns do casal», como no presente caso se verifica.
Por fim, quanto ao elemento subjetivo do tipo, exige-se o dolo (art. 14º do C. Penal) em qualquer das suas modalidades (dolo direto, dolo necessário ou dolo eventual), ou seja, o conhecimento de que se estão a infringir maus tratos físicos ou psíquicos a alguma das pessoas contempladas pelas als. a) a e) do art. 152º do C. Penal, atentando contra a sua dignidade enquanto pessoa e a vontade de proceder de acordo com essa representação.
Revertendo ao caso em apreço, provou-se que o arguido e a ofendida são casados e que, durante a vivência comum, no interior da residência do casal e na presença dos filhos, o arguido, em diversas ocasiões, disse-lhe: “não vales nada", "não serves para nada", "gorda", "saco de batatas" e "mesa de braseira".
No contexto da relação, o uso intencional, deliberado e repetido das referidas expressões pelo arguido, ao longo de anos de vivência comum do casal, inexoravelmente humilhou, diminuiu e menosprezou a vítima, configurando um padrão de abuso psicológico, com claro impacto emocional e psicológico na mesma.
As expressões utilizadas pelo arguido visavam achincalhar a sua mulher, diminuindo-a e fazendo-a sentir-se menos amada, precisamente no seu espaço de proteção – a casa e com a sua família – local onde se encontrava mais desprotegida e, portanto, mais vulnerável.
Os adjectivos com que o arguido qualifica A (saco de batatas e mesa de braseira), objetificando-a, colocam-na ao nível de uma “coisa”, sem dignidade suficiente para ser estimada enquanto ser humano.
É certo que, por si só, apelidar alguém de “gordo” não devia implicar a prática de qualquer ofensa, mas a verdade é que na sociedade em que nos inserimos, assiste-se (ainda) à chamada “estigmatização do peso”, valorizando-se a magreza como um ideal de beleza, associando-se o excesso de peso a características negativas, como preguiça ou falta de autocontrolo, promovendo um padrão de beleza irrealista, ridicularizando ou ignorando corpos maiores. Pelo que comentários sobre o peso afetam a autoestima de uma pessoa, exacerbando sentimentos de insegurança e vergonha, contribuindo para problemas de saúde mental, como ansiedade, depressão e transtornos alimentares.
Reduzir alguém ao seu peso corporal, ignorando todos os outros aspectos que compõem a identidade e valor de uma pessoa, constitui uma forma de desumanização.
A falta de valor que o arguido atribui à vítima (não serves para nada, não vales nada) visam tão só diminui-la, isto quando A, apesar de mãe de dois menores e a trabalhar, logrou concluir os estudos, ingressando não só numa licenciatura como depois no curso de mestrado, o que o arguido não soube ou não quis valorizar.
E é esta falta de apreço a que o arguido devota continuamente a sua mulher que traspõe o limiar do dito normal relacionamento de qualquer casal, com discussões e agravos, para consubstanciar a prática do crime de violência doméstica.
É na redução da autoestima que assenta a erosão da capacidade de resistência da vítima, que acaba por aceitar a relação desajustada como algo normal e se convence de que não tem direito a um tratamento diferente e que permite ao abusador prevalecer-se de um ascendente sobre ela, criando um sentimento de impunidade que, na sua perspetiva, legitima a repetição do comportamento.
O Tribunal está ciente que qualquer casal enfrenta discussões durante as quais podem ser proferidas palavras que ferem o outro, mas o uso de expressões como as supra referidas de forma continua, constante e diária, ainda que sem outros actos ou factos a que “normalmente” se associam a violência domestica, traduz a prática do crime em apreço, precisamente por ofender a saúde psicológica e física da vítima, no contexto e por causa dessa relação.
O que o arguido fez de forma especialmente censurável, posto que ofendeu a dignidade de A, privando-a de uma vivência condigna, degradando a sua saúde psíquica, tentando pôr em causa o seu valor como pessoa.
Ademais, provou-se ainda que o arguido privou a ofendida de bens económicos necessários à sua subsistência e ao bem-estar dos filhos do casal, como o dinheiro existente na conta conjunta e o automóvel necessário para as suas deslocações no dia a dia.
Na situação dos autos, o arguido quis e dirigiu a sua vontade à prática de factos que sabia contrários ao direito e ofensivos da vítima, atuando com dolo direto (cfr. art. 14º, nº 1 C. Penal).
Trata-se, assim, de uma conduta que, além de reiterada, é, por si só, suficientemente grave para preencher o tipo objetivo.
Nada resulta dos autos que o arguido não estivesse capacitado a agir de modo diverso, inexistindo qualquer causa de exclusão da ilicitude da conduta do arguido ou da sua culpa.
Mostrando-se preenchidos os elementos objetivos e subjetivos do crime em apreço, conclui-se que o arguido praticou um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152º, nº 1, alíneas a) e nº 2, alínea a), do Código Penal, pelos quais se impõe a sua condenação.

Da medida da pena:
Nos termos do artigo 152º, nº 1 al. a) e nº 2 al. a) do Código Penal, ao crime imputado ao arguido é aplicável uma moldura penal abstrata de dois a cinco anos de pena de prisão.
Na determinação da medida da pena há que atender ao critério estabelecido no art. 71º do Código Penal que, no seu nº 1, preceitua «a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.»
A culpa constitui o pressuposto-fundamento da validade da pena e tem, ainda, por função estabelecer o limite máximo da pena concreta.
Forçoso é, assim, concluir que não há pena sem culpa, não podendo a medida da pena ultrapassar a da culpa, tal como dispõe o nº 2 do artigo 40º do Código Penal.
Estabelece, ainda, o artigo 71º, nº 2 do Código Penal que, na determinação da medida concreta da pena, o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele.
Analisando os factos do caso sub judice, e tendo em conta os princípios suprarreferidos, importa determinar a pena em função da culpa do agente e das exigências de prevenção geral e especial, não olvidando a necessidade de reprovação do crime.
Assim, e em primeiro lugar, há que atender à culpa.
Culpa que, no caso em apreço, não se pode deixar de considerar como elevada.
O arguido que tem capacidade para avaliar a ilicitude dos factos, devia ter agido de acordo com essa avaliação, o que deliberadamente optou por não fazer, violando disposição legal que pune atos graves, o que implica uma determinação forte e contrária ao dever ser e que o cidadão comum tem por aceitável, o que não se coibiu de fazer durantes anos, na presença dos filhos do casal, perturbando o seu são desenvolvimento e o direito da ofendida a uma vivência condigna.
No que tange às necessidades de prevenção geral, estas surgem com muita intensidade no que concerne ao crime de violência doméstica, crime cada vez mais frequente na nossa sociedade e com consequências gravosas, atingindo frequentemente a vida e perturbando fortemente as relações familiares e a paz social (verdadeiro problema social), o que importa reforçar.
A violência de género, onde se inclui, entre outras, a violência doméstica, é uma grave violação dos direitos humanos. E é também um grave problema de saúde pública, como afirmou a Organização Mundial da Saúde, em 2003.
Assim, a priorização da intervenção na prevenção e combate à violência doméstica, decorre do reconhecimento dos direitos à igualdade e à não discriminação, «como condição para a construção de um futuro sustentável para Portugal, enquanto país que realiza efetivamente os direitos humanos e que assegura plenamente a participação de todas e de todos.»
Importa, assim, ter presente a função de prevenção geral positiva da pena no sentido de restabelecer e fortalecer a confiança jurídica da comunidade no bem jurídico violado, na reposição da ordem jurídica e social e na efetiva existência de tutela penal.
No que concerne às razões de prevenção especial (positiva e negativa), embora também com relevância por via da culpa, as mesmas são moderadas:
- O arguido não tem averbada a prática de qualquer crime no seu CRC.
- O arguido encontra-se empregado, não resultando dos autos a sua não inserção social e familiar.
Atendendo ainda às circunstâncias previstas no art. 71º nº 2 do Código Penal, nomeadamente:
- O grau de ilicitude elevado dos factos, decorrente do modo e das circunstâncias da sua prática, atendendo ao tipo de crime em apreço – violência doméstica - ao longo de quase 16 anos - às repercussões danosas na vida da vítima e ao modo de execução, com ofensas psicológicas, cujas repercussões foram notórias para o Tribunal.
- O arguido agiu com dolo direto, na sua modalidade mais intensa, pois representou claramente os factos criminosos e atuou com intenção de os realizar;
- A ausência de exame critico quanto ao seu comportamento.
- Não tem antecedentes criminais registados;
- O arguido encontra-se empregado, indiciando os autos a sua integração social e familiar.
- Os contactos atuais entre arguido e vítima são limitados às questões relacionadas aos filhos.
Face aos factos supra descritos, entende-se ser adequada e suficiente a aplicação ao arguido de 2 anos e 4 meses de pena de prisão, pela prática do crime de violência doméstica.
*
Tendo sido aplicada, nos presentes autos, uma pena de prisão inferior a 5 anos, caberá, pois, ao Tribunal ponderar a suspensão de tal pena.
Nos termos do artigo 50º do Código Penal, “o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades de punição.”
A suspensão da execução da pena de prisão tem subjacente um juízo de prognose favorável relativo ao comportamento do agente, atendendo à sua personalidade e circunstâncias do facto.
Prevê-se no nº 5 da mesma disposição que: “o período de suspensão é fixado entre um e cinco anos”.
Nos termos do disposto no art. 34º-B nº 1 da Lei nº 112/2009, de 16 de Setembro, a suspensão da execução da pena de prisão de condenado pela prática de crime de violência doméstica previsto no artigo 152º do Código Penal é sempre subordinada ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta, impostos separada ou cumulativamente, ou ao acompanhamento de regime de prova, em qualquer caso se incluindo regras de conduta que protejam a vítima, designadamente o afastamento do condenado da vítima, da sua residência ou local de trabalho e a proibição de contactos, por qualquer meio.
O regime de prova assenta num plano de reinserção social, executado com vigilância e apoio, durante o tempo de duração da suspensão, dos serviços de reinserção social (cfr. artigo 53º do Código Penal), podendo o Tribunal impor ainda os deveres e regras de conduta previstos nos artigos 51º e 52º do C. Penal (cfr. artigo 50º, nº 2 do Código Penal e art. 34º-B nº 1 da Lei nº 112/2009).
No caso vertente, apesar da gravidade dos factos e as exigências de prevenção geral se fazerem sentir com grande incidência, entende o Tribunal que a suspensão da pena de prisão ainda satisfaz tais exigências.
O arguido não tem antecedentes criminais, poderá, com a mera advertência contida na condenação, alterar a sua postura face à relação com a vítima.
O que possibilita, no entender do Tribunal, fazer um juízo de prognose favorável quanto à possibilidade de a sua ressocialização se fazer em liberdade e sobre a sua conduta futura, com a suspensão da pena de prisão.
Entende o Tribunal que a ameaça da pena de prisão será suficiente para o afastar da prática de futuros crimes, garantindo também as exigências mínimas de prevenção geral e satisfazendo as necessidades de reprovação.
Deste modo, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 50º, nºs 1, 2 e 5, 53º, nº 1, do C. Penal e do art. 34º-B nº 1 da Lei nº 112/2009, de 16 de Setembro, o Tribunal opta, assim, por suspender a execução da pena de 2 anos e 4 meses que ao arguido foi aplicada, por igual período de tempo, sujeita, tal suspensão, a regime de prova, devendo o mesmo cumprir o plano de reinserção social a efetuar pela DGRSP, com avaliações semestrais, visando, em particular:
-- Frequência do “Programa de prevenção para agressores de violência doméstica”, desenvolvido pela DGRSP para a prevenção da reincidência, com a duração determinada por esta entidade e com o acompanhamento técnico do condenado que se mostre necessário;
-- Proibição de contactar, por qualquer meio, com a ofendida, diretamente ou por meio de interposta pessoa, com exceção dos contactos estritamente necessários por força do regime de convívios do arguido com os filhos de ambos, a efetuar via e-mail ou sms.
-- Proibição de permanecer e de se aproximar da residência onde a vítima resida, local de trabalho ou de qualquer local onde saiba que a mesma se encontre, a uma distância mínima de 250 metros, com exceção dos contactos estritamente necessários por força do regime de convívios do arguido com os filhos.
Nos termos do disposto no art. 35º nº 1 da Lei 112/2009, o Tribunal, com vista à aplicação das medidas e penas previstas nos artigos 52º e 152º do Código Penal deve, sempre que tal se mostre imprescindível para a proteção da vítima, determinar que o cumprimento daquelas medidas seja fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância.
Acrescenta o art. 36º, nº 1, que a utilização dos meios técnicos de controlo à distância depende do consentimento do arguido ou do agente e, nos casos em que a sua utilização abranja a participação da vítima, depende igualmente do consentimento desta.
Sem prejuízo do supra exposto, a utilização de meios de controlo à distância pode ser imposta, quando o juiz entenda de forma fundamentada que a utilização dos mesmos é imprescindível para a proteção dos direitos da vítima (nº 7).
No caso vertente, atenta a ausência de contactos entre arguido e vítima para além dos necessários às questões relacionadas aos filhos, nada existe nos autos que indicie a necessidade, neste momento, de imposição de tais meios de fiscalização (artigo 36º, nº 7, da Lei 112/2009).
(…)

II – FUNDAMENTAÇÃO

1 - Âmbito do Recurso

O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, havendo ainda que ponderar as questões de conhecimento oficioso, mormente os vícios enunciados no artigo 410º, nº 2, do Código de Processo Penal, as cominadas como nulidade da sentença, artigo 379º, nº 1 e, nº 2, do mesmo Código e, as nulidades que não devam considerar-se sanadas, artigos 410º, nº 3 e, 119º, nº 1, do mesmo diploma legal, a este propósito cfr. ainda o Acórdão de Fixação de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça de 19-10-1995, publicado no D.R. I-A Série, de 28-12-1995 e, entre muitos outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 25-06-1998, B.M.J. nº 478, pág. 242 e de 03-02-1999, B.M.J. nº 484, pág. 271 e bem assim Simas Santos e Leal-Henriques, em “Recursos em Processo Penal”, Rei dos Livros, 7ª edição, pág. 71 a 82).

No caso em apreço, atendendo às conclusões, as questões que se suscitam são as seguintes:

- Nulidade da sentença proferida nos termos do disposto no artigo 379º, nº 1, alínea b) do Código de Processo Penal, por operar uma alteração substancial dos factos 5, 6, 7, 9 e 11.
- Nulidade da sentença proferida nos termos do disposto no artigo 379º, nº 1, alínea a) do Código de Processo Penal, por falta de exame crítico da prova, nomeadamente sobre os factos constantes do relatório social e sobre os factos constantes dos pontos 5, 6, 7, 9, 10, 11, e 12.
- Nulidade da sentença quanto aos pontos 1, 4 a 6, 10 e 11, nos termos do disposto no artigo 283º, nº 3, alínea b), do Código de Processo Penal e 32º da Constituição da República Portuguesa, por violação do direito ao contraditório e das garantias de defesa do arguido, por serem factos genéricos.
- Impugnação da sentença proferida, por erro de julgamento da matéria de facto, nos termos do disposto no artigo 412º, nº 3, do Código de Processo Penal, devendo os factos provados sob os pontos 4 a 7, 9 a 12, 17 e 22, serem considerados como não provados.
- Impugnação da sentença proferida, por insuficiência para a matéria de facto e contradição insanável entre os factos os factos 7 e 19 a 21 e entre 9 e 23, dos factos provados, nos termos do disposto no artigo 410º, nº 2, alíneas a) e b), do Código de Processo Penal.
- Impugnação da sentença proferida, por erro de julgamento da matéria de direito, quanto à subsunção jurídica dos factos provados ao tipo legal de crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152º, nº 1, alínea a) e nº 2, alínea a), do Código Penal.
- Impugnação da sentença proferida, por erro de julgamento da matéria de direito, relativamente à pena, à medida da pena e da aplicação de regime de prova.

- Da nulidade da sentença proferida nos termos do disposto no artigo 379º, nº 1, alínea b) do Código de Processo Penal, por operar uma alteração substancial dos factos 5, 6, 7, 9 e 11.

O conceito subjacente à alteração substancial dos factos ou não, encontra-se definida no artigo 1º, nº 1, alínea f), do Código de Processo Penal, de onde resulta que: «Alteração substancial dos factos» aquela que tiver por efeito a imputação ao arguido de um crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis.
No caso concreto não resulta qualquer imputação ao arguido de crime diverso, pois mostra-se acusado e condenado pela prática de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152º, nº 1 e nº 2, do Código Penal.
Nem da alteração factual operada e comunicada ao arguido nos termos do disposto no artigo 358º, nº 1, do Código de Processo Penal, não resulta qualquer agravação dos limites máximos da sanção aplicável, pena de prisão de 2 a 5 anos.
Ou seja, o que nos autos se configura e foi comunicado ao arguido nos termos do artigo 358º, nº 1 e nº 3, do Código de Processo Penal, foi uma simples alteração de factos resultante da audiência de julgamento, em que o tribunal investiga e integra no processo factos que não constam da acusação mas têm relevo para a decisão, mas não determinam uma alteração do objeto do processo.
Assim, tal alteração de factos não determina uma modificação estrutural dos factos descritos na acusação, de modo que a matéria de facto provada seja diversa, com elementos essenciais de divergência que agravem a posição processual do arguido, ou a tornem não sustentável, fazendo integrar consequências que se não continham na descrição da acusação, constituindo uma surpresa com a qual o arguido não poderia contar, e relativamente às quais não pode preparar a sua defesa, isto é, a alteração substancial dos factos pressupõe uma diferença de identidade, de grau, de tempo ou espaço, que transforme o quadro factual descrito na acusação em outro diverso, ou manifestamente diferente no que se refere aos seus elementos essenciais, ou materialmente relevantes de construção e identificação factual, e que determine a imputação de crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis, nos termos do artigo 359º, do Código de Processo Penal.
Da confrontação da acusação deduzida e do conjunto de factos provados constantes da sentença prolatada, resulta evidente que as alterações da segunda constituem meras precisões dos factos integrantes da primeira, não existindo qualquer facto novo e por tal, insusceptível de por qualquer forma alterar o objecto do processo.
Na verdade, resulta evidente que tal precisão factual não insere qualquer novidade ou elemento desconhecido relativamente ao crime praticado e por tal, a modificação dos factos constantes da acusação integra o conceito normativo da alteração não substancial de factos, por não revestir relevo para a decisão da causa e não implicar qualquer limitação dos direitos de defesa do arguido.
Neste caso de alteração não substancial, parece que apenas impende sobre o juiz, o dever de comunicar ao arguido e ao defensor os factos que representam alteração relativamente aos que conformam a acusação e conceder o tempo necessário para preparação da defesa, se requerido, conforme resulta da acta de audiência de julgamento de 23-05-2024, ref. (34477995).
Igualmente não resulta da sentença prolatada a alteração da qualificação jurídica mantendo-se a imputação do crime de violência doméstica previsto e punido pelo artigo 152º, nº 1, alínea a) e nº 2, alínea a) do Código Penal, não se consubstanciando qualquer alteração da qualificação jurídica ou agravamento da medida da sanção a aplicar.
Por fim, resulta insofismável, que no presente caso não existe qualquer alteração substancial dos factos ou da qualificação jurídica, nos termos do disposto no artigo 359º, do Código de Processo Penal, com a consequente nulidade da sentença proferida nos termos do disposto no artigo 379º, nº 1, alínea b) do Código de Processo Penal, improcedendo por tal, nesta parte o recurso interposto pelo arguido C.

- Da nulidade da sentença proferida nos termos do disposto no artigo 379º, nº 1, alínea a) do Código de Processo Penal, por falta de exame crítico da prova, nomeadamente sobre os factos constantes do relatório social e sobre os factos constantes dos pontos 5, 6, 7, 9, 10, 11, e 12.

Sob a epígrafe “nulidade da sentença”, dispõe o artigo 379º, do Código de Processo Penal:
“1- É nula a sentença:
a) Que não contiver as menções referidas no nº 2 e na alínea b), do nº 3, do artigo 374º (…).
Por sua vez, o artigo 374º, nº 2, do Código de Processo Penal, sobre os requisitos da “sentença”, estabelece:
“2 – Ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal”.
A fundamentação da sentença penal é, assim, composta por dois grandes segmentos:
- Um, que consiste na enumeração dos factos provados e não provados;
- Outro, que consiste na exposição, concisa, mas completa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que contribuíram para a formação da convicção do tribunal.
As sentenças judiciais, constituindo atos decisórios necessariamente fundamentados – artigos 205º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa, e 97º, nº 1, alínea a) e nº 5, do Código de Processo Penal –, devem especificar os motivos de facto e de direito que lhes servem de sustentação e observar os demais requisitos fixados no artigo 374º, do citado Código.
A enumeração da matéria de facto provada e não provada visa garantir, para além de qualquer dúvida, que o julgador contemplou todos os factos submetidos à sua apreciação.
Analisada a decisão recorrida verifica-se que da mesma constam os factos provados e não provados, segue-se a exposição detalhada da motivação da decisão de facto e de direito, com o competente exame crítico das provas que fundamentaram tal convicção.
Tendo como ponto de partida a acusação deduzida e a contestação apresentada pelo recorrente, verifica-se que todos os factos integrantes daquelas peças processuais, constam como provados ou não provados, na decisão recorrida, conseguindo-se alcançar, do exame crítico das provas, nomeadamente das declarações do arguido e do depoimento da ofendida A e, dos documentos juntos aos autos, a concreta fundamentação da convicção formada pelo Tribunal “a quo”, sobre ter considerado tais factos como provados e não provados.
Nomeadamente relativamente aos factos constantes dos pontos 5 e 6, resultam provados do depoimento da ofendida que mereceu credibilidade ao tribunal, inclusive no teor das declarações constantes do ponto 6, que são diversas das constantes da acusação deduzida.
Quanto aos factos constantes dos pontos 7 e 9, dos factos provados os mesmos resultam provados das declarações do arguido, que em nada contrariam os mesmos factos e do depoimento da ofendida A.
Quanto aos factos constantes dos pontos 10 a 12, tal como resulta explícito da fundamentação, por serem referentes aos elementos subjectivos, os mesmos resultaram provados, pelas regras da experiência comum em conjugação com os factos que resultaram provados.
Por fim, os factos constantes do relatório social, constam desde logo desse mesmo documento e, da comprovação expressa ou implícita das declarações do arguido.
O que parece resultar das conclusões de recurso apresentadas pelo recorrente, é o mesmo não concordar na sua integralidade com os factos tidos como provados pelo Tribunal “a quo”, mas tal circunstância de forma alguma, consubstancia alguma omissão da sentença proferida, que constitua nulidade da mesma, por omissão de requisitos essenciais à mesma, nomeadamente falta de fundamentação ou de exame crítico da prova.
Não dizendo a lei em que consiste o exame crítico das provas, esse exame tem de ser aferido com critérios de razoabilidade, sendo fundamental que permita avaliar cabalmente o porquê da decisão e o processo lógico-formal que serviu de suporte ao respectivo conteúdo, devendo esse exame crítico indicar no mínimo, e não tem que ser de forma exaustiva, as razões de ciência e demais elementos que tenham na perspectiva do tribunal sido relevantes, para assim se poder conhecer o processo de formação da convicção do tribunal.
O que é essencial é que através da leitura da sentença se perceba por que razão o tribunal decidiu num sentido e não noutro, garantindo-se que a decisão sobre a matéria de facto não foi fruto de capricho arbitrário do julgador.
Como bem salienta Marques Ferreira (“Jornadas de Direito Processual Penal, O Novo Código de Processo Penal”, Livraria Almedina, 1988, pág. 228) este regime legal, quanto à fundamentação da decisão de facto, consagra “um sistema que obriga a uma correcta fundamentação fáctica das decisões que conheçam a final do objecto do processo, de modo a permitir-se um efectivo controlo da sua motivação”.
“Toda a construção dogmática, normativa e jurisprudencial vem densificando uma dupla dimensão finalística referente à fundamentação das decisões assente nas dimensões endo e extraprocessual.
A dimensão endoprocessual desenvolve-se no interior da estrutura e funcionamento do processo tendo como finalidade principal o controlo da decisão por parte dos intervenientes no processo concreto, tanto para o seu próprio controlo como, para uma, ulterior, verificação através dos órgãos superiores de controlo institucional, do mérito da decisão. Tendo em conta os destinatários directos da decisão estão em causa funções de garantia de impugnação e de defesa. Tendo em conta a dimensão de quem profere a decisão nomeadamente, o modo e método de decidir, evidencia-se uma função de autocontrolo.
A dimensão extraprocessual da fundamentação resulta da projecção democrática do princípio da fundamentação das decisões, revelada em muitos países pela constitucionalização daquele dever, como manifestação do princípio da participação popular na administração da justiça, assim se permitindo um controlo difuso sobre o exercício da jurisdição, não só pelos destinatários directos da decisão como também pelo auditório geral constituído pela opinião pública, pelo povo como entidade ou razão fundamental e legitimadora do exercício da função judicial.” (Mouraz Lopes – A fundamentação da sentença no sistema penal português – Almedina, pág. 190 e 191).
Volvendo ao decidido pelo Tribunal “a quo”, afigura-se-nos de liminar clarividência que toda a peça decisória contém uma fundamentação adequada e mais que suficiente para compreender a convicção formada pelo Tribunal sobre a matéria de facto provada e não provada, bem como os meios de prova em que assentou tal convicção, conseguindo-se atingir qual o exame crítico realizado sobre tais meios de prova, ou seja, conseguindo-se entender e sindicar qual o processo lógico-dedutivo que determinou a formação de tal convicção, no julgador.
Por tudo o exposto, não se verifica qualquer omissão na sentença proferida, relativa à fundamentação e ao exame crítico da prova e, consequentemente, não se concretizando a invocada nulidade da sentença proferida, nos termos do disposto nos artigos 374º, nº 2 e, 379º, nº 1, alínea a), do Código de Processo Penal e, improcedendo então, o recurso interposto pelo arguido Cláudio Pinto nesta parte.

- Da nulidade da sentença quanto aos pontos 1, 4 a 6, 10 e 11, nos termos do disposto no artigo 283º, nº 3, alínea b), do Código de Processo Penal e 32º da Constituição da República Portuguesa, por violação do direito ao contraditório e das garantias de defesa do arguido, por serem factos genéricos.

Sob a epígrafe “Acusação do Ministério Público”, dispõe o artigo 283º, nº 3, do Código de Processo Penal:
“3 - a acusação contém, sob pena de nulidade:
(…)
b) A narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada;”
Delimitando-se o objecto do processo pelo objecto da acusação, no sentido de que é esta que fixa os limites da actividade cognitiva e decisória do tribunal, ou, seja, o “thema probandum” e o “thema decidendum”. O objecto do processo penal é, assim, constituído pelos factos alegados na acusação e a pretensão nela também formulada.
Se é a acusação que delimita o objecto do processo, são os factos dela constantes imputados a um concreto arguido que fixam o campo delimitador dentro do qual se tem de mover a investigação do tribunal, a sua actividade cognitiva e decisória.
Essa vinculação temática do tribunal consubstancia os princípios da identidade – segundo o qual o objecto do processo (os factos) deve manter-se o mesmo, desde a acusação ao trânsito em julgado da sentença –, da unidade ou indivisibilidade – os factos devem ser conhecidos e julgados na sua totalidade, unitária e indivisivelmente – e da consunção do objecto do processo penal – mesmo quando o objecto não tenha sido conhecido na sua totalidade deve considerar-se irrepetivelmente decidido, e, portanto, não pode renascer noutro processo.
O Tribunal Constitucional, no Ac. 358/04, de 19/05 (P. 807/03, in DR II, de 28/06/04) ponderou:
“A estrutura acusatória do processo penal português, garantia de defesa que consubstancia uma concretização no processo penal de valores inerentes a um Estado de direito democrático, assente no respeito pela dignidade da pessoa humana, impõe que o objecto do processo seja fixado com o rigor e a precisão adequados”.
Donde, perante a estrutura acusatória do nosso processo penal, constitucionalmente imposta (artigo 32º, nº 5, da CRP), os poderes de cognição do tribunal estão rigorosamente limitados ao objecto do processo, previamente definido pelo conteúdo da acusação.
Por outro lado, os “factos” que constituem o “objecto do processo” têm que ter a concretização suficiente para poderem ser contraditados e deles se poder defender o arguido e, sequentemente a serem sujeitos a prova idónea.
E, nos termos do citado artigo 283º, nº 3, alínea b), do Código de Processo Penal, a acusação deve conter, sob pena de nulidade, a “narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada”.
O lugar e o tempo dos factos não são “a priori” elementos imprescindíveis da acusação, como resulta da utilização da expressão “se possível”, mas tal não significa que nos casos em que esteja perfeitamente delimitado o período temporal em que determinada conduta se verificou se omita essa circunstância.
Com efeito, o referido artigo 283º, nº 3, prevê, de forma genérica, as nulidades da acusação - as quais, na falta de preceito que as regule especificamente, deverão ser tratadas de acordo com o regime geral das nulidades processuais, por referência ao regime da taxatividade e, por isso dependentes de arguição e sanáveis.
Efectivamente, convém sublinhar que, consagrando o nosso sistema processual penal o princípio da legalidade e taxatividade das nulidades, artigo 118º, nº 1, do Código de Processo Penal, a falta na acusação de qualquer dos elementos mencionados nas alíneas a) a g) do nº 3, do artigo 283º do mesmo diploma, embora constituindo uma nulidade, este vício não é insanável, porque como tal não é prevista na lei.
E quando a lei expressamente comina a nulidade de um acto sem dispor que se trata de nulidade insanável ela é uma nulidade dependente de arguição, artigo 120º, nº 2, do Código de Processo Penal.
No caso vertente, o arguido apesar de devidamente notificado da acusação nada disse, bem como também não suscitou a questão em sede de julgamento, através do seu defensor, e nem o tribunal de julgamento a supriu.
Sendo certo, que as alterações da matéria de facto efectuadas pelo tribunal “a quo”, nos termos do disposto no artigo 358º, do Código de Processo Penal, são no sentido de concretizar algumas datas, relativamente à acusação deduzida.
Assim, não parece adequado desencadear qualquer discussão sobre a consequência jurídica dessa insuficiência fáctica, neste particular contexto, pois, como resulta do próprio teor da acusação e da conjugação de todos os factos que vieram a ser considerados provados, nos pontos 1, 4 a 6, 10 e 11, encontra-se, com meridiana clareza, perfeitamente determinado, o tempo e o modo dos factos imputados, que pela sua própria natureza e carácter repetitivo, não permitem uma outra concretização, por manifesta impossibilidade, pois não será exigível à vítima, que apesar de querer e desejar que as ofensas cessem, se muna de um apontamento onde vai assentando o tempo, o modo, a intensidade e, os danos das ofensas sofridas e praticadas pelo arguido, sob pena de não o fazendo se garantir a impunidade do agressor por insuficiente concretização dos factos praticados.
Este entendimento, não viola o direito ao contraditório do arguido, nem qualquer garantia de defesa do arguido, constitucionalmente garantidos pelo artigo 32º, da Constituição da República Portuguesa.
Na verdade, se o princípio do contraditório, com assento constitucional impõe que seja dada a oportunidade a todo o participante processual de ser ouvido e de expressar as suas razões antes de ser tomada qualquer decisão que o afecte, nomeadamente que seja dada ao acusado a efectiva possibilidade de contrariar e contestar a acusação, no caso concreto, esse direito não foi postergado porque o arguido teve a efectiva oportunidade de se defender, nomeadamente no decurso da audiência de julgamento.
Pelo exposto, improcede nesta parte, o recurso interposto, pelo arguido C.

- Da impugnação da sentença proferida, por erro de julgamento da matéria de facto, nos termos do disposto no artigo 412º, nº 3, do Código de Processo Penal, devendo os factos provados sob os pontos 4 a 7, 9 a 12, 17 e 22, serem considerados como não provados.

É sabido que constitui princípio geral que os Tribunais da Relação conhecem de facto e de direito, nos termos do estatuído no artigo 428º, do Código de Processo Penal, sendo que, no tocante à matéria de facto, é também sabido que o Tribunal da Relação deve conhecer da questão de facto pela seguinte ordem: primeiro da impugnação alargada, se tiver sido suscitada, incumbindo a quem recorre o ónus de impugnação especificada, previsto no artigo 412º, nº 3 e, nº 4, do citado diploma, condição para que a mesma seja apreciada e, depois e se for o caso, dos vícios a que alude o artigo 410º, nº 2, do Código de Processo Penal.
Apreciada a peça recursiva apresentada pelo arguido, constata-se que a mesma faz referência expressa ao artigo 412º, do Código de Processo Penal, visando a apreciação de eventuais erros de julgamento da matéria de facto.
O erro de julgamento, ínsito no artigo 412º, nº 3, do Código de Processo Penal, ocorre quando o tribunal considere provado um determinado facto, sem que dele tivesse sido feita prova pelo que deveria ter sido considerado não provado ou quando dá como não provado um facto que, face à prova que foi produzida, deveria ter sido considerado provado.
Nesta situação, de erro de julgamento, o recurso quer reapreciar a prova gravada em 1ª instância, havendo que a ouvir em 2ª instância.
Neste caso, a apreciação não se restringe ao texto da decisão recorrida, alargando-se à análise do que se contém e pode extrair da prova (documentada) produzida em audiência de julgamento, mas sempre dentro dos limites fornecidos pelo recorrente no estrito cumprimento do ónus de especificação imposto pelo nº 3 e, nº 4, do artigo 412º, do Código de Processo Penal.
É que nestes casos de impugnação ampla, o recurso da matéria de facto não visa a realização de um segundo julgamento sobre aquela matéria, agora com base na audição das gravações, antes constituindo um mero remédio para obviar a eventuais erros ou incorrecções da decisão recorrida na forma como apreciou a prova, na perspectiva dos concretos pontos de facto identificados pelo recorrente.
E, é exactamente porque o recurso em que se impugne amplamente a decisão sobre a matéria de facto não constitui um novo julgamento do objecto do processo, mas antes um remédio jurídico que se destina a despistar e corrigir, cirurgicamente, erros “in judicando” (violação de normas de direito substantivo) ou “in procedendo” (violação de normas de direito processual), que o recorrente deverá expressamente indicar e se lhe impõe o ónus de proceder a uma tríplice especificação, nos termos constantes do nº 3, do artigo 412º, do Código de Processo Penal.
No fundo, o que está em causa e se exige na impugnação mais ampla da matéria de facto é que o recorrente indique a sua decisão de facto em alternativa à decisão de facto que consta da decisão revidenda, justificando em relação a cada facto alternativo que propõe porque deveria o tribunal ter decidido de forma diferente.
Ou, por outras palavras, como se afirma no Acórdão de Fixação de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, de 08-03-2012, publicado no D.R., I Série, nº 77, de 18-04-2012, “Impõe-se ao recorrente a necessidade de observância de requisitos formais da motivação de recurso face à imposta especificação dos concretos pontos da matéria de facto, que considera incorrectamente julgados, das concretas provas e referência ao conteúdo concreto dos depoimentos que o levam a concluir que o tribunal julgou incorrectamente e que impõem decisão diversa da recorrida, tudo com referência ao consignado na acta, com o que se opera a delimitação do âmbito do recurso. Esta exigência é de entender como contemplando o princípio da lealdade processual, de modo a definir em termos concretos o exacto sentido e alcance da pretensão, de modo a poder ser exercido o contraditório.
A reapreciação por esta via não é global, antes sendo um reexame parcelar, restrito aos concretos pontos de facto que o recorrente entende incorrectamente julgados e às concretas razões de discordância, necessário sendo que se especifiquem as provas que imponham decisão diversa da recorrida e não apenas a permitam, não bastando remeter na íntegra para as declarações e depoimentos de algumas testemunhas.
O especial/acrescido ónus de alegação/especificação dos concretos pontos de discórdia do recorrente (seja ele arguido, ou assistente), em relação à fixação da facticidade impugnada, bem como das concretas provas, que, em seu entendimento, imporão (iam) uma outra, diversa, solução ao nível da definição do campo temático factual, proposto a subsequente tratamento subsuntivo, justifica-se plenamente, se tivermos em vista que a reapreciação da matéria de facto não é, não pode ser, um segundo, um novo, um outro integral, julgamento da matéria de facto.
Pede-se ao tribunal de recurso uma intromissão no julgamento da matéria de facto, um juízo substitutivo do proclamado na 1ª instância, mas há que ter em atenção que o duplo grau de jurisdição em matéria de facto não visa a repetição do julgamento em segunda instância, não impõe uma avaliação global, não pressupõe uma reapreciação pelo tribunal de recurso do complexo dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida e muito menos um novo julgamento da causa, em toda a sua extensão, tal como ocorreu na 1ª instância, tratando-se de um reexame necessariamente segmentado, não da totalidade da matéria de facto, envolvendo tal reponderação um julgamento/reexame meramente parcelar, de via reduzida, substitutivo.”.
Cabe aqui evidenciar, um Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça que lança luz sobre a questão em apreço.
Como, de forma impressiva, refere o Conselheiro Carmona da Mota no acórdão do STJ de 27-02-2003, Proc. 140/03, “ii. O valor da prova, isto é a sua relevância enquanto elemento reconstituinte do facto delituoso imputado ao arguido depende fundamentalmente da sua credibilidade: ou seja, a sua idoneidade e autenticidade. iii. A credibilidade da prova por declarações depende essencialmente da personalidade, do carácter e da probidade moral de quem as presta, sendo que tais características e atributos, em princípio, não são apreensíveis ou detectáveis mediante o exame e análise das peças ou textos processuais onde as declarações se encontram documentadas, mas sim através do contacto pessoal e directo com as pessoas. iv. O tribunal de recurso, salvo casos de excepção, deve adoptar o juízo valorativo formulado pelo tribunal recorrido".
Ou seja, e como assinala Figueiredo Dias, in Direito Processual Penal, pág. 204 e sgs., a convicção do juiz há-de ser uma convicção pessoal - até porque nela desempenha um papel de relevo não só a actividade meramente cognitiva, mas também elementos racionalmente não explicáveis - v.g. a credibilidade que se concede a um certo meio de prova, e mesmo puramente emocionais. Em todo o caso, também ela uma convicção objectivável e motivável, capaz de se impor aos outros.
Uma tal convicção existirá quando e só quando o Tribunal tenha logrado convencer-se da verdade, para além de toda a dúvida razoável.
E, nesta matéria assume-se, como fundamental, o princípio da imediação, isto é, a relação de proximidade comunicante entre o Tribunal e os participantes no processo, de modo tal que aquele possa obter uma percepção própria do material que haverá de ter como base da sua decisão.
Só a oralidade e imediação, com efeito, permitem avaliar o mais correctamente possível da credibilidade das declarações prestadas pelos participantes processuais.
Postos estes considerandos e sem os olvidarmos, decorre da peça recursiva apresentada pelo recorrente que pretende impugnar a matéria de facto considerada como provada nos pontos 4 a 7, 9 a 12, 17 e 22, para serem considerados como não provados.
Como se pode ler no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 05-06-2002, proferido no processo nº 0210320, disponível em www.dgsi.pt, “a actividade dos juízes, como julgadores, não pode ser a de meros espectadores, receptores de depoimentos. A sua actividade judicatória há-de ter necessariamente, um sentido crítico. Para se considerarem provados factos não basta que as testemunhas chamadas a depor se pronunciem sobre as questões num determinado sentido, para que o juiz necessariamente aceite esse sentido ou versão. Por isso, a actividade judicatória, na valoração dos depoimentos, há-de atender a uma multiplicidade de factores, que têm a ver com as garantias de imparcialidade, as razões de ciência, a espontaneidade dos depoimentos, a verosimilhança, a seriedade, o raciocínio, as lacunas, as hesitações, a linguagem, o tom de voz, o comportamento, os tempos de resposta, as coincidências, as contradições, o acessório, as circunstâncias, o tempo decorrido, o contexto sociocultural, a linguagem gestual (inclusive, os olhares) e até saber interpretar as pausas e os silêncios dos depoentes, para poder perceber e aquilatar quem estará a falar a linguagem da verdade e até que ponto é que, consciente ou inconscientemente, poderá a mesma estar a ser distorcida, ainda que, muitas vezes, não intencionalmente. (…). Assim, a reapreciação das provas gravadas pelo Tribunal da Relação só pode abalar a convicção acolhida pelo tribunal de 1ª instância, caso se verifique que a decisão sobre a matéria de facto não tem qualquer fundamento nos elementos de prova constantes do processo ou está profundamente desapoiada face às provas recolhidas.”.
Assim, no âmbito do referido erro de julgamento em matéria de facto, há-de conceder-se que, revista a prova produzida na audiência de julgamento levada na instância, particularmente no cotejo das declarações ali produzidas pelo arguido, o depoimento da ofendida Ângela Pombinho, do auto de notícia, do relatório social e do certificado de registo criminal, dado o carácter pessoal e reservado dos factos, que a ponderação do depoimento da ofendida conjuntamente com as declarações do arguido, coadjuvados com a demais prova documental, descritos e sopesados na sentença pela M. Juiz do Tribunal “a quo”, com adequado critério obviamente, permitem concluir, que o depoimento da ofendida fazem prova da relação existente entre ambos e do comportamento do arguido na mesma relação, nomeadamente das deslocações ao local de trabalho da mesma, das ofensas proferidas e da situação relativa ao levantamento do dinheiro existente na conta bancária comum, bem como dos factos relativos aos veículos automóveis, sendo a tese sustentada, fundamentadamente, na sentença, nos termos e âmbito do disposto nos artigos 374º nº 2 e 127º, do Código de Processo Penal e mesmo que se não possa ter como imperativa, tem de ter-se por consentida pela prova na audiência levada em primeira instância.
Com efeito, sob análise e valoração, neste Tribunal “ad quem”, das provas produzidas no Tribunal recorrido, a convicção ora formada sobre os factos sob julgamento (seja quanto aos que devem considerar-se como provados, seja no que respeita aos que devem ter-se como não provados) não diverge daquela que a M. Juiz do Tribunal “a quo” alcançou e exprimiu na decisão recorrida.
Pois as declarações do arguido, na parte em que são credíveis sustentam na integra a versão dos factos resultante do depoimento da ofendida A e pela restante prova documental, relatório social do arguido e certificado de registo criminal.
E assim, procedendo a ponderação e convicção autónomas e autonomamente formuladas, nesta instância recursória, e tudo sem embargo dos inultrapassáveis limites de apreciação nesta instância, ditados pela natureza (de remédio), pelo momento de apreciação (de segunda linha e em suporte estático, não sendo caso de renovação de provas), e mesmo pelos termos, modelo e modo de impugnação, inerentes ao recurso, temos de concordar com o juízo formulado pela 1ª instância, improcedendo pois nesta parte o recurso interposto.
Quanto aos aspectos de ordem subjectiva, constantes os factos provados, (10, 11 e 12) é sabido que são apurados em função dos factos objectivos que indiciam a atitude psicológica do agente para com o facto.
Com efeito, as intenções, as vontades, os conhecimentos, as representações mentais, porque do foro psíquico do sujeito, não são realidades palpáveis, sensitivamente perceptíveis, hipostasiáveis.
Desse modo, a inerente percepção, nomeadamente para efeitos judiciais, só pode ser alcançada por via da ponderação dos comportamentos exteriorizados que, de um modo mais ou menos conclusivo, demonstrem esses estados psicológicos (nas palavras de Germano Marques da Silva, e na linha de pensamento de Cavaleiro de Ferreira, “a maior parte das vezes os actos interiores não se provam directamente, mas por ilação de indícios ou factos exteriores.”, Curso de Processo Penal, II, 1999, p. 101).
Pretender o contrário, conduziria a apenas ser possível demonstrar a atitude psicológica do agente para com o facto no caso de confissão. Tal perspectiva afigura-se manifestamente improcedente.
Assim, quanto a estes aspectos de ordem subjectiva, socorreu-se o Tribunal dos elementos objectivos disponíveis, chamando ainda à colação a doutrina do Acórdão da Relação do Porto de 23-02-83 quanto à intencionalidade, pertencendo o dolo “à vida interior de cada um”, sendo “portanto de natureza subjectiva, insusceptível de directa apreensão, só é possível captar a sua existência através de factos materiais comuns, de que o mesmo se possa concluir, entre os quais surge, como maior representação, o preenchimento dos elementos integrantes da infracção. Pode, de facto, comprovar-se a verificação do dolo por meio de presunções, ligadas ao princípio da normalidade ou da regra geral da experiência”. - Cfr. BMJ nº 324, p. 620.
Assim, face a este acervo de prova, apenas permite concluir nos termos feitos pelo Tribunal “a quo”, pois nenhuma outra prova directa ou indirecta existe sobre a ocorrência de tais factos, já que a versão apresentada pelo arguido não é credível, pelo contrário, é afastada pelo depoimento da ofendida A que efectivamente resultam como genuínas, sentidas e responsáveis, portanto credíveis e susceptíveis de fundamentar uma convicção sobre tais factos.
A prova não pode ser analisada de forma compartimentada, segmentada, atomizada.
O julgador tem de apreciar e valorar a prova na sua globalidade, estabelecendo conexões, conjugando os diferentes meios de prova e não desprezando as presunções simples, naturais ou “hominis”, que são meios lógicos de apreciação das provas e de formação da convicção.
Ademais, ressalvado sempre o devido respeito pelo esforço argumentativo do recorrente, o mesmo olvida o princípio da livre apreciação da prova, ínsito no artigo 127º, do Código de Processo Penal, norma de acordo com a qual “Salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente”.
É sabido que livre convicção não se confunde com convicção íntima, caprichosa e emotiva, dado que é o livre convencimento lógico, motivado, em obediência a critérios legais, passíveis de motivação e de controlo, na esteira de uma “liberdade de acordo com um dever”, no ensinamento do Professor Figueiredo Dias, “Direito Processual Penal”, Vol. I, Reimpressão, Coimbra Editora, 1984, pág. 201 a 206, que o processo penal moderno exige, dever esse que axiologicamente se impõe ao julgador por força do Estado de Direito e da Dignidade da Pessoa Humana.
O princípio “in dubio pro reo”, sendo o correlato processual do princípio da presunção de inocência do arguido, constitui princípio relativo à prova, decorrendo do mesmo que não possam considerar-se como provados os factos que, apesar da prova produzida, não possam ser subtraídos à “dúvida razoável” do Tribunal.
E, por ser assim, nada impede que se dê prevalência a um determinado conjunto de provas em detrimento de outras, às quais não reconheça, nomeadamente, suporte de credibilidade.
O acto de julgar é do Tribunal, e tal acto tem a sua essência na operação intelectual da formação da convicção. Tal operação não é pura e simplesmente lógico-dedutiva, mas, nos próprios termos da lei, parte de dados objectivos para uma formação lógico-intuitiva.
Esta operação intelectual não é uma mera opção voluntarista sobre a certeza de um facto, e contra a dúvida, nem uma previsão com base na verosimilhança ou probabilidade, mas a conformação intelectual do conhecimento do facto (dado objectivo) com a certeza da verdade alcançada (dados não objectiváveis).
A censura quanto à forma de formação da convicção do Tribunal não pode consequentemente assentar de forma simplista no ataque da fase final da formação dessa convicção, isto é, na valoração da prova; tal censura terá de assentar na violação de qualquer dos passos para a formação de tal convicção, designadamente porque não existem os dados objectivos que se apontam na motivação ou porque se violaram os princípios para a aquisição desses dados objectivos ou porque não houve liberdade na formação da convicção.
Doutra forma, seria uma inversão da posição dos personagens do processo, como seja a de substituir a convicção de quem tem de julgar, pela convicção dos que esperam a decisão
Não basta defender que a leitura feita pelo Tribunal da prova produzida não é a mais adequada, o que supõe que a mesma é possível, sendo, antes, necessário demonstrar que a análise da prova, à luz das regras da experiência comum ou da existência de provas inequívocas e, em sentido diverso, não consentiam semelhante leitura.
Posto isto, surge como evidente que a não-aceitação, que o recorrente manifesta relativamente ao modo como o Tribunal “a quo” decidiu a matéria de facto, não radica na existência de provas que impusessem decisão diversa da que foi proferida, mas tão só na sua análise pessoal da prova e da sua vontade de a sobrepor à análise levada a cabo por quem tem o poder/dever de a fazer.
O que não viola qualquer garantia de defesa do arguido, nos termos do disposto no artigo 32º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa, do disposto no artigo 11º, nº 1, da Declaração Universal dos Direitos Humanos, do disposto no 14º, nº 2, do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e, do disposto no artigo 6º, nº 2, da Convenção para a Protecção dos Direitos Humanos e das Liberdades Fundamentais.
Assim, em conclusão, decorre, necessariamente, que este Tribunal “ad quem” não pode deixar de julgar improcedente a impugnação alargada da matéria de facto por parte do recorrente C.

- Da impugnação da sentença proferida, por insuficiência para a matéria de facto e contradição insanável entre os factos os factos 7 e 19 a 21 e entre 9 e 23, dos factos provados, nos termos do disposto no artigo 410º, nº 2, alíneas a) e b), do Código de Processo Penal.

Cumpre por obediência à jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça, deixar exarado que a sentença recorrida, por si ou com recurso às regras da experiência, não revela qualquer dos vícios prevenidos no nº 2, do artigo 410º, do Código de Processo Penal.
A alteração da factualidade assente na 1ª instância poderá ocorrer pela verificação de algum destes vícios a que aludem as alíneas do nº 2, do artigo 410º, do Código de Processo Penal, a saber: a) a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; b) a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; e c) o erro notório na apreciação da prova – cfr. ainda artigo 431º, do citado diploma –, verificação que, como acima se deixou editado, se nos impõe oficiosamente.
Em comum aos três vícios, terá o vício que inquina a sentença em crise que resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugadamente com as regras da experiência comum.
Quer isto significar que não é possível o apelo a elementos estranhos à decisão, como por exemplo quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento, só sendo de ter em conta os vícios intrínsecos da própria decisão, considerada como peça autónoma – cfr. Maia Gonçalves, “Código de Processo Penal Anotado”, Almedina, 16ª ed., pág. 871, Simas Santos e Leal-Henriques, “Recursos em Processo Penal”, local supra, mencionado.
A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada (vício a que alude a alínea a), do nº 2, do artigo 410º, do Código de Processo Penal), ocorrerá, como ensina Simas Santos e Leal-Henriques, obra e local citados, quando exista “lacuna no apuramento da matéria de facto indispensável para a decisão de direito, isto é, quando se chega à conclusão de que com os factos dados como provados não era possível atingir-se a decisão de direito a que se chegou, havendo assim um hiato nessa matéria que é preciso preencher.
Porventura, melhor dizendo, só se poderá falar em tal vício quando a matéria de facto provada é insuficiente para fundamentar a solução de direito e quando o tribunal deixou de investigar toda a matéria de facto com interesse para a decisão final”.
A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão (vício a que alude a alínea b), do nº 2, do artigo 410º, do Código de Processo Penal), consiste na “incompatibilidade, não ultrapassável através da própria decisão recorrida, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação probatória e a decisão.
Ou seja: há contradição insanável da fundamentação quando, fazendo um raciocínio lógico, for de concluir que a fundamentação leva precisamente a uma decisão contrária àquela que foi tomada ou quando, de harmonia com o mesmo raciocínio, se concluir que a decisão não é esclarecedora, face à colisão entre os fundamentos invocados; há contradição entre os fundamentos e a decisão quando haja oposição entre o que ficou provado e o que é referido como fundamento da decisão tomada; e há contradição entre os factos quando os provados e os não provados se contradigam entre si ou por forma a excluírem-se mutuamente.”, cfr. Simas Santos e Leal-Henriques, obra e local mencionados.
O erro notório na apreciação da prova (vício a que alude a alínea c), do nº 2, do artigo 410º, do Código de Processo Penal), constituiu uma “falha grosseira e ostensiva na análise da prova, perceptível pelo cidadão comum, denunciadora de que se deram provados factos inconciliáveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou ou não provou, seja, que foram provados factos incompatíveis entre si ou as conclusões são ilógicas ou inaceitáveis ou que se retirou de um facto dado como provado uma conclusão logicamente inaceitável.
Ou, dito de outro modo, há tal erro quando um homem médio, perante o que consta do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente se dá conta de que o tribunal violou as regras da experiência ou se baseou em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios ou se desrespeitaram regras sobre o valor da prova vinculada ou das leges artis.” – cfr. Simas Santos e Leal-Henriques, obra citada.
Ora, analisando o texto da decisão recorrida, verifica-se que o Tribunal a quo apreciou os factos aportados na acusação e na contestação e bem assim aqueles que resultaram da discussão da causa em audiência de julgamento.
Então, do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras de experiência comum, não se perfila a existência de qualquer um dos vícios elencados no artigo 410º, nº 2, do Código de Processo Penal.
Investigada que foi toda a materialidade sob julgamento, nomeadamente foram ponderadas as declarações do arguido, não se vê, por isso, que a matéria de facto provada e não provada seja insuficiente para fundamentar a solução de direito atingida, não se vê que se haja deixado de investigar toda a matéria de facto com relevo para a decisão final, como não se vê qualquer inultrapassável incompatibilidade entre os factos provados ou entre estes e os não provados ou entre a fundamentação probatória e a decisão (nomeadamente sobre os factos relativos à conta bancária comum e respectivos movimentos (7 e 19 a 21) e aos factos relativos aos veículos automóveis (9 e 23), e de igual modo não se detecta na decisão recorrida, por si e com recurso às regras de experiência, qualquer falha ostensiva na análise da prova ou qualquer juízo ilógico ou arbitrário, nomeadamente na ponderação da prova testemunhal (depoimento da ofendida).
De igual modo, conforme supra, referido, do texto de tal decisão não se detecta qualquer violação do “favor rei”, na medida em que se não verifica, nem demonstra, que o tribunal de julgamento haja resolvido qualquer dúvida contra o arguido.
Por outro lado, conceda-se, a decisão recorrida, como já se afirmou, não deixa de expor, de forma clara e lógica, os motivos que fundamentaram a decisão sobre a matéria de facto, com exame criterioso, das provas que abonaram a decisão, tudo com respeito do disposto no artigo 374º, nº 2, do Código de Processo Penal.
A decisão recorrida está elaborada de forma equilibrada, lógica e fundamentada.
O Tribunal “a quo” decidiu segundo a sua livre convicção e explicou-a de forma objectiva e motivada e, portanto, capaz de se impor aos outros.
Em consequência, mantém-se e, sedimentada se mostra, a factualidade assente pelo Tribunal “a quo”, não se vislumbrando na decisão recorrida vício ou nulidade cujo conhecimento oficiosamente ou a requerimento se imponha a este Tribunal “ad quem”.
Por tal, não resulta existir qualquer dos vícios constantes do disposto no artigo 410º, nº 2, alíneas a), b) ou, c), do Código de Processo Penal, bem como não se mostra verificado qualquer nulidade da sentença, nos termos do disposto no artigo 379º, nº 1 e, nº 2, do mesmo Código ou nos termos dos artigos 410º, nº 3 e, 119º, nº 1, do mesmo diploma legal, que não devam considerar-se sanadas.
Assim, em conclusão, decorre, necessariamente, que este Tribunal “ad quem” não pode deixar de julgar improcedentes as invocadas impugnações da matéria de facto por parte do recorrente C.

- Da impugnação da sentença proferida, por erro de julgamento da matéria de direito, quanto à subsunção jurídica dos factos provados ao tipo legal de crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152º, nº 1, alínea a) e nº 2, alínea a), do Código Penal.

Assim, não se verificando qualquer vício de procedimento, cumpre apreciar a impugnação do arguido relativamente à impugnação da sentença proferida, por erro de julgamento da matéria de direito, relativamente ao enquadramento jurídico dos factos provados.
Decorre do disposto, no artigo 152º, do Código Penal:
“1 - Quem, de modo reiterado ou não, infligir maus-tratos físicos ou psíquicos, incluindo castigos corporais, privações da liberdade e ofensas sexuais:
a) (Ao cônjuge …)
(…)
é punido com pena de prisão de um a cinco anos, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.
2 - No caso previsto no número anterior, se o agente:
a) Praticar o facto contra menor, na presença de menor, no domicílio comum ou no domicílio da vítima; ou
(…)
é punido com pena de prisão de dois a cinco anos.
(…)
4 - Nos casos previstos nos números anteriores, podem ser aplicadas ao arguido as penas acessórias de proibição de contacto com a vítima e de proibição de uso e porte de armas, pelo período de seis meses a cinco anos, e de obrigação de frequência de programas específicos de prevenção da violência doméstica.
5 - A pena acessória de proibição de contacto com a vítima deve incluir o afastamento da residência ou do local de trabalho desta e o seu cumprimento deve ser fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância”.
(…)
Assim, o bem jurídico protegido no crime de violência doméstica, é complexo, incluindo a saúde física, psíquica e emocional, a liberdade de determinação pessoal e sexual da vítima de actos violentos e a sua dignidade quando inserida numa relação conjugal ou análoga e, mesmo após cessar essa relação.
Trata-se de um crime específico impróprio ou impuro e de perigo abstracto e, pode criar uma relação de concurso aparente de normas com outros tipos penais, designadamente as ofensas corporais simples (artigo 143º, nº 1, do Código Penal), as injúrias (artigo 181º), a difamação (artigo 180º, nº 1), a coacção (artigo 154º), o sequestro simples (artigo 158º, nº 1), a devassa da vida privada (artigo 192º, nº 1, al. b)), as gravações e fotografias ilícitas (artigo 199º, nº 2, al b)).
Assim, este tipo legal de crime abrange as situações de violência familiar reveladoras de um abuso de poder nas relações afectivas, degradante para a integridade pessoal da vítima.
Tutela-se a integridade da pessoa numa determinada relação afectiva ou, na sequência da ruptura da mesma.
Esta necessidade de protecção perdura e intensifica-se mesmo, nas situações de ruptura do casamento ou da relação.
A “ratio” do tipo não reside, porém, na protecção da comunidade familiar ou conjugal, mas na protecção da pessoa individual que a integra, na tutela da sua dignidade humana.
Protege-se o bem jurídico “saúde”, e não apenas a integridade física.
O bem jurídico (saúde) abrange a saúde física, psíquica e mental (assim, Taipa de Carvalho, Comentário Conimbricense ao Código Penal, Parte Especial, Tomo I, 2012, p. 512).
De acordo com os factos provados, o arguido e a ofendida, tiveram uma relação e coabitaram em condições análogas à dos cônjuges desde 2007 vindo a contrair casamento em 2009, tendo 2 filhos em comum, conforme resulta dos factos provados, o arguido praticou os factos provados, como sejam agressões psicológicas relevantes na pessoa da assistente, causando-lhe sofrimento físico e psicológico, humilhando-a, vexando-a e amedrontando-a, pela inferioridade física e na presença dos filhos e no interior da residência, com a ausência de qualquer causa que justificasse tal conduta ou excluísse a sua culpa, actuando de modo livre, voluntário e consciente com intenção concretizada de modo a ofender fisicamente, vexar, inquietar, amedrontar, ofender a saúde psíquica da ofendida, na presença dos filhos, o que logrou.
Sendo que o crime de violência doméstica não exige uma reiteração de condutas, (quem de modo reiterado ou não), mas sim uma sujeição a um vexame e uma humilhação especialmente censurável e danosa para a integridade da vítima, nomeadamente pela violência da agressão psicológica, pela prática na presença de descendentes, desde que se mostrem suficientes para lesar o bem jurídico protegido, a ofensa da saúde psíquica, emocional ou moral, de modo incompatível com a dignidade da pessoa humana.
O crime de violência doméstica distingue-se, neste caso concreto, dos crimes de injúria, de ameaça e de ofensa à integridade física, individualmente considerados, por envolver uma ilicitude mais densa e danosa, tratando-se de um tipo qualificado relativamente a tais crimes parcelares.
No caso concreto, pela intensidade das agressões psíquicas comprovadas e pelas circunstâncias das mesmas, no interior da residência comum, com a presença dos filhos a conseguirem aperceber-se do que concretamente estava a acontecer e com consequências colaterais na mesma, tal determina na vítima necessariamente, um vexame e uma humilhação, incompatíveis com a sua dignidade como pessoa humana e uma ofensa na sua saúde psíquica, emocional ou moral, que traduz uma ilicitude especialmente mais danosa.
Por tudo se conclui que os factos provados são suficientes para a realização do tipo de crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152º, nº 1, alínea a) e nº 2, alínea a), do Código Penal.
Por isso, se mantém a sentença recorrida, improcedendo também nesta parte, o recurso interposto por C.

- Da impugnação da sentença proferida, por erro de julgamento da matéria de direito, relativamente à pena, à medida da pena e da aplicação de regime de prova.

Nos termos do artigo 152º, nº 1 alínea a) e nº 2 alínea a), do Código Penal, ao crime imputado ao arguido é aplicável uma moldura penal abstrata de dois a cinco anos de pena de prisão.
Importa desde logo ter presente (faz doutrina e jurisprudência de há muito sedimentadas) que, em sede de medida da pena, o recurso não deixa de reter o paradigma de remédio jurídico (na expressão de Cunha Rodrigues), no sentido de que a intervenção do tribunal de recurso, (também) neste particular, deve cingir-se à reparação de qualquer desrespeito, pelo tribunal recorrido, dos princípios e das normas que definem e demarcam as operações de concretização da pena na moldura abstracta determinada na lei.
Vale por dizer que o exame da concreta medida da pena estabelecida na instância, suscitado pela via recursiva, não deve aproximar-se desta, senão, quando haja de prevenir-se e emendar-se a fixação de um determinado quantum em derrogação dos princípios e regras pertinentes, cumprindo precaver (desde logo à míngua da imediação e da oralidade de que beneficiou o Tribunal “a quo”) qualquer abusiva fixação de uma concreta pena que ainda se revele congruente e proporcionada.
Resulta da sentença recorrida:
“No que concerne às razões de prevenção especial (positiva e negativa), embora também com relevância por via da culpa, as mesmas são moderadas:
- O arguido não tem averbada a prática de qualquer crime no seu CRC.
- O arguido encontra-se empregado, não resultando dos autos a sua não inserção social e familiar.
Atendendo ainda às circunstâncias previstas no art. 71º nº 2 do Código Penal, nomeadamente:
- O grau de ilicitude elevado dos factos, decorrente do modo e das circunstâncias da sua prática, atendendo ao tipo de crime em apreço – violência doméstica - ao longo de quase 16 anos - às repercussões danosas na vida da vítima e ao modo de execução, com ofensas psicológicas, cujas repercussões foram notórias para o Tribunal.
- O arguido agiu com dolo direto, na sua modalidade mais intensa, pois representou claramente os factos criminosos e atuou com intenção de os realizar;
- A ausência de exame critico quanto ao seu comportamento.
- Não tem antecedentes criminais registados;
- O arguido encontra-se empregado, indiciando os autos a sua integração social e familiar.
- Os contactos atuais entre arguido e vítima são limitados às questões relacionadas aos filhos.
Face aos factos supra descritos, entende-se ser adequada e suficiente a aplicação ao arguido de 2 anos e 4 meses de pena de prisão, pela prática do crime de violência doméstica”.
Pois bem, ao nível da prevenção geral, as exigências são muito elevadas, dada a frequência com que este ilícito criminal continua a ser praticado, não raras vezes com consequências trágicas.
Ao nível da prevenção especial, apesar da inserção profissional do arguido e não tendo antecedentes criminais e revelando os factos que praticou uma personalidade possessiva e vingativa privando a esposa de meios económicos e de veículo para se deslocar bem como os filhos de ambos, afiguram-se necessidades acima do mínimo legal da medida abstrata da pena.
No caso, seja em vista do moderado grau de ilicitude dos factos, seja em vista das elevadas necessidades de prevenção geral (que reclamam severidade na punição de crimes de violência doméstica), mesmo de prevenção especial, seja ainda ao que consta apurado sobre os réditos do arguido, não se vê que a M. Juiz do Tribunal “a quo” haja valorado as circunstâncias apuradas com inadequado peso prudencial, por isso que a sentença revidenda não merece nem suscita, também neste particular, qualquer intervenção ou suprimento reparatório.
Quanto à medida da suspensão da execução da pena e das condições impostas ao arguido.
Resulta dos autos:
“Nos termos do disposto no art. 34º-B nº 1 da Lei nº 112/2009, de 16 de Setembro, a suspensão da execução da pena de prisão de condenado pela prática de crime de violência doméstica previsto no artigo 152º do Código Penal é sempre subordinada ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta, impostos separada ou cumulativamente, ou ao acompanhamento de regime de prova, em qualquer caso se incluindo regras de conduta que protejam a vítima, designadamente o afastamento do condenado da vítima, da sua residência ou local de trabalho e a proibição de contactos, por qualquer meio.
O regime de prova assenta num plano de reinserção social, executado com vigilância e apoio, durante o tempo de duração da suspensão, dos serviços de reinserção social (cfr. artigo 53º do Código Penal), podendo o Tribunal impor ainda os deveres e regras de conduta previstos nos artigos 51º e 52º do C. Penal (cfr. artigo 50º, nº 2 do Código Penal e art. 34º-B nº 1 da Lei nº 112/2009).
No caso vertente, apesar da gravidade dos factos e as exigências de prevenção geral se fazerem sentir com grande incidência, entende o Tribunal que a suspensão da pena de prisão ainda satisfaz tais exigências.
O arguido não tem antecedentes criminais, poderá, com a mera advertência contida na condenação, alterar a sua postura face à relação com a vítima.
O que possibilita, no entender do Tribunal, fazer um juízo de prognose favorável quanto à possibilidade de a sua ressocialização se fazer em liberdade e sobre a sua conduta futura, com a suspensão da pena de prisão.
Entende o Tribunal que a ameaça da pena de prisão será suficiente para o afastar da prática de futuros crimes, garantindo também as exigências mínimas de prevenção geral e satisfazendo as necessidades de reprovação.
Deste modo, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 50º, nºs 1, 2 e 5, 53º, nº 1, do C. Penal e do art. 34º-B nº 1 da Lei nº 112/2009, de 16 de Setembro, o Tribunal opta, assim, por suspender a execução da pena de 2 anos e 4 meses que ao arguido foi aplicada, por igual período de tempo, sujeita, tal suspensão, a regime de prova, devendo o mesmo cumprir o plano de reinserção social a efetuar pela DGRSP, com avaliações semestrais, visando, em particular:
-- Frequência do “Programa de prevenção para agressores de violência doméstica”, desenvolvido pela DGRSP para a prevenção da reincidência, com a duração determinada por esta entidade e com o acompanhamento técnico do condenado que se mostre necessário;
-- Proibição de contactar, por qualquer meio, com a ofendida, diretamente ou por meio de interposta pessoa, com exceção dos contactos estritamente necessários por força do regime de convívios do arguido com os filhos de ambos, a efetuar via e-mail ou sms.
-- Proibição de permanecer e de se aproximar da residência onde a vítima resida, local de trabalho ou de qualquer local onde saiba que a mesma se encontre, a uma distância mínima de 250 metros, com exceção dos contactos estritamente necessários por força do regime de convívios do arguido com os filhos.
Nos termos do disposto no art. 35º nº 1 da Lei 112/2009, o Tribunal, com vista à aplicação das medidas e penas previstas nos artigos 52º e 152º do Código Penal deve, sempre que tal se mostre imprescindível para a proteção da vítima, determinar que o cumprimento daquelas medidas seja fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância.
Acrescenta o art. 36º, nº 1, que a utilização dos meios técnicos de controlo à distância depende do consentimento do arguido ou do agente e, nos casos em que a sua utilização abranja a participação da vítima, depende igualmente do consentimento desta.
Sem prejuízo do supra exposto, a utilização de meios de controlo à distância pode ser imposta, quando o juiz entenda de forma fundamentada que a utilização dos mesmos é imprescindível para a proteção dos direitos da vítima (nº 7).
No caso vertente, atenta a ausência de contactos entre arguido e vítima para além dos necessários às questões relacionadas aos filhos, nada existe nos autos que indicie a necessidade, neste momento, de imposição de tais meios de fiscalização (artigo 36º, nº 7, da Lei 112/2009)”.
Assim, resulta do disposto nos supra, citados, artigos, do Código Penal que:
O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, … o período de suspensão é fixado entre um e cinco anos.
O tribunal pode impor ao condenado o cumprimento, pelo tempo de duração da suspensão, de regras de conduta de conteúdo positivo, susceptíveis de fiscalização e destinadas a promover a sua reintegração na sociedade.
O tribunal pode ainda, obtido o consentimento prévio do condenado, determinar a sua sujeição a tratamento médico ou a cura em instituição adequada.
Assim, o tempo de duração do período de suspensão de execução de prisão, estará sempre condicionado pelo tipo de deveres e obrigações que condicionam a suspensão da execução da pena de prisão, ou seja, consoante a complexidade e o tipo dos deveres e obrigações fixadas, assim deverá ser determinado o período de duração do período dessa mesma suspensão.
Neste caso concreto, tendo resultado provados nos autos, nos termos sobreditos os problemas de violência psicológica, deverá o arguido de se submeter a acompanhamento psicológico, com vista ao seu tratamento e recuperação integral, quanto à problemática da violência doméstica e quanto à sua personalidade, trabalhando-se com o arguido melhores formas de gerir e resolver os conflitos assim como as frustrações, devendo o arguido interiorizar a ilicitude dos seus atos, evitando-se a reincidência, sempre com a orientação, apoio e supervisão da D.G.R.S.P., pelo período de tempo concreto de duração do acompanhamento psicológico, cuja determinação incumbirá aos respectivos profissionais que acompanharão no caso o arguido, sendo estes que decidirão e aquilatarão do período necessário desse acompanhamento e tratamento.
Assim, tendo em consideração toda a matéria de facto que nos autos resultou provada, quanto às condições pessoais do arguido e a sua concreta personalidade, traduzida na prática dos factos que nos autos resultaram provados, dúvidas não subsistem sobre a adequação e necessidade das medidas impostas ao arguido e da sua manutenção em regime de prova pelo período da pena de prisão a que se mostra condenado.
Por tal e sem necessidade de outros considerandos, também nesta parte improcede o recurso interposto pelo arguido C.

Nestes termos improcedem, portanto, todas as pretensões constantes da motivação e das conclusões do recurso interposto pelo arguido C, confirmando-se consequentemente integralmente a sentença recorrida.

Em vista do decaimento total no recurso interposto pelo arguido C, ao abrigo do disposto nos artigos 513º, nº 1 e 514º, nº 1, do Código de Processo Penal, 8º, nº 5, com referência à Tabela III anexa, do Regulamento das Custas Processuais, impõe-se a condenação do recorrente nas custas, fixando-se a taxa de justiça em 4 (quatro) unidades de conta, sem prejuízo do eventual benefício de apoio judiciário de que goze.


III - DISPOSITIVO

Face ao exposto, acordam os juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em:
Julgar totalmente improcedente o recurso interposto pelo arguido C, confirmando-se integralmente a sentença recorrida.
Custas a cargo do recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 (quatro) unidades de conta, sem prejuízo do eventual benefício de apoio judiciário de que goze.


Certifica-se, para os efeitos do disposto no artigo 94º, nº 2, do Código do Processo Penal, que o presente Acórdão foi pelo relator elaborado em processador de texto informático, tendo sido integralmente revisto pelos signatários.

Évora, 25-06-2025
Fernando Pina
Maria Perquilhas
Renata Whytton da Terra