Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
150/16.1GDSRP
Relator: ANA BARATA BRITO
Descritores: INJÚRIA AGRAVADA
AMEAÇA EM CONTEXTO DESPORTIVO
ADEQUAÇÃO SOCIAL
Data do Acordão: 12/20/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSOS PENAIS
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário:
I - A prolação em campo, por jogador de futebol, das expressões “árbitro do caralho” e “és um filho da puta”, dirigidas ao árbitro que ali se encontra no exercício das funções de arbitragem, esta última expressão acompanhada de uma cuspidela na cara do visado e proferida na sequência da exibição de um cartão vermelho, realiza o tipo do crime de “injúria” (agravada).

II - Assim sucede com a prolação, em idênticas circunstâncias de tempo e lugar, por treinador de futebol, das expressões “vai-te para o caralho, paneleiro” e “és um grande palhaço, filho da puta”, proferida esta na sequência de expulsão de jogador.

III - Reconhecendo-se que existe alguma tolerância social para uma aspereza de linguagem em contexto de prática desportiva de futebol, não pode aceitar-se que os insultos concretamente proferidos, por treinador e por jogador de futebol directamente à pessoa do árbitro em exercício de funções no decurso de um jogo, façam parte da normalidade do jogo de futebol; e mesmo a fazê-lo, seria sempre de uma “normalidade” meramente estatística que se trataria, e não de uma normalidade valorativa, sendo sobretudo a esta que se deve atender na avaliação sobre a eventual “adequação social” de um comportamento.

IV - A prolação das referidas expressões, ofensivas da honra e consideração profissional, proferidas em tom ofensivo e intimidatório e num contexto de para-violência (uma delas foi até acompanhada de uma cuspidela no rosto, o que reforça a ofensividade e gravidade do comportamento) visando a pessoa de um árbitro no exercício de funções, funções cujas condições para um bom desempenho cumpre também acautelar e preservar são típicas à luz do crime de injúria agravada.

V - E também a expressão “mato-te cabrão”, verbalizada após prolação das expressões injuriosas, de um “toma lá porco” e de um lançar de cuspo para o rosto, traduz ameaça com a prática de um mal, que consubstancia ofensa à integridade física e não se esgota no momento temporal da prolação da expressão, realizando o crime de ameaça. [1]
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Criminal:
1. No processo comum singular n.º 150/16.1 GDSRP, do Tribunal Judicial da Comarca de Beja, Juízo de Competência Genérica de Serpa, foi proferida sentença em que se decidiu:

Condenar RR como autor de um crime de injúria agravada do artigo 181.º n.º 1 e 184.º com referência ao artigo 132.º n.º 2 alínea l), de um crime de ameaça agravada do artigo 155.º n.º 1 alínea c), com referência ao artigo 153.º n.º 1 e 132.º n.º 2 alínea l) e de um crime de ofensa à integridade física qualificada na forma tentada do artigo 145 n.º 1 alínea a) com referência ao artigo 143.º e 132.º n.º 2 alínea l) e artigo 22.º e 23.º, todos do Código Penal, respectivamente nas penas parcelares de 2 meses de prisão, de 8 meses de prisão e de 1 ano e 4 meses de prisão, e, em cúmulo, na pena única de 1 (um) ano e 7 (sete) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período; como condição da suspensão da pena de prisão o dever de pagar o montante da sua responsabilidade arbitrado em sede civil e comprovar esse mesmo pagamento nos autos no prazo de um ano;

Condenar VV como autor de um crime de injúria agravada do artigo 181.º n.º 1 e 184.º com referência ao artigo 132.º n.º 2 alínea l) e de um crime de ameaça agravada previsto do artigo 155.º n.º 1 alínea a) e c), com referência aos artigos 153.º n.º 1, 131.º e 132.º n.º 2 alínea l), todos do Código Penal, respectivamente nas penas parcelares de 3 meses e 15 dias de prisão e de 10 meses de prisão, e, em cúmulo, na pena única de 11 (onze) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 (um) ano; como condição da suspensão da pena de prisão o dever de pagar o montante da sua responsabilidade arbitrado em sede civil e comprovar esse mesmo pagamento nos autos no prazo de um ano;

Condenar IC, como autor de um crime de injúria do artigo 181.º n.º 1 e 184.º com referência ao artigo 132.º n.º 2 alínea l) e de um crime de ameaça agravada previsto do artigo 155.º n.º 1 alínea a) e c), com referência aos artigos 153.º n.º 1, 131.º e 132.º n.º 2 alínea l), todos do Código Penal, respectivamente nas penas parcelares de 2 meses de prisão e de 1 ano de prisão, e, em cúmulo, na pena única de 1 (um) ano e 15 (quinze) dias de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo; como condição da suspensão da pena o dever de, no prazo de um ano a contar do trânsito em julgado da sentença, pagar o montante da sua responsabilidade arbitrado em sede civil e comprovar esse mesmo pagamento no autos;

Condenar LL como autor de um crime de injúria agravada do artigo 181.º n.º 1 e 184.º com referência ao artigo 132.º n.º 2 alínea l) e um crime de ameaça do artigo 155.º n.º 1 alínea c), com referência ao artigo 153.º n.º 1 e 132.º n.º 2 alínea l), todos do Código Penal, respectivamente nas penas parcelares de 60 dias de multa e de 80 dias de multa, e, em cúmulo jurídico, na pena única de 95 (noventa e cinco) dias de multa à taxa diária de 5€ (cinco euros)

Condenar o Arguido AA como autor de um crime de injúria agravada do artigo 181.º n.º 1 e 184.º com referência ao artigo 132.º n.º 2 alínea l) do Código Penal, na pena de 1 (um) mês e 15 (quinze) dias de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 (um) ano; como condição da suspensão da pena de prisão impor o dever de, no prazo de um ano a contar do trânsito em julgado da sentença, pagar o montante da sua responsabilidade arbitrado em sede civil e comprovar esse mesmo pagamento no autos;

Condenar o Arguido/Demandado RR a pagar ao Assistente/Demandante uma indemnização por danos morais no valor de €500,00 (quinhentos euros), acrescida dos juros de mora à taxa supletiva legal das obrigações civis, a contar desde a data na notificação para contestar o pedido de indemnização civil e até efectivo e integral pagamento;

Condenar o Arguido/Demandado VV a pagar ao Assistente/Demandante uma indemnização por danos morais no valor de €500,00 (quinhentos euros), acrescida dos juros de mora à taxa supletiva legal das obrigações civis, a contar desde a data na notificação para contestar o pedido de indemnização civil e até efectivo e integral pagamento;

Condenar o Arguido/Demando IC a pagar ao Assistente/Demandante uma indemnização por danos morais no valor de €350,00 (trezentos e cinquenta euros), acrescida dos juros de mora à taxa supletiva legal das obrigações civis, a contar desde a data na notificação para contestar o pedido de indemnização civil e até efectivo e integral pagamento;

Condenar o Arguido/Demandado LL a pagar ao Assistente/Demandante uma indemnização por danos morais no valor de €350,00 (trezentos e cinquenta euros), acrescida dos juros de mora à taxa supletiva legal das obrigações civis, a contar desde a data na notificação para contestar o pedido de indemnização civil e até efectivo e integral pagamento;

Condenar o Arguido/Demandado AA a pagar uma indemnização ao Assistente/Demandante por danos morais no valor de €300,00 (trezentos euros) acrescida dos juros de mora à taxa supletiva legal das obrigações civis, a contar desde a data na notificação para contestar o pedido de indemnização civil e até efectivo e integral pagamento.

Inconformados com o decidido, recorreram três arguidos, concluindo:

IC
“I-O recorrente foi condenado como autor material pela prática de dois crimes, em concurso real, um de injúria agravada, p. e p. pelo art. 181.°, n. 1 e 184.°, com referência ao art. 132.°, n, 2 alínea I), e outro, de ameaça agravada, p. e p. pelo art. 155.°, n.o 1, alínea a) e c), com referência aos art.°s 153.°, n.o 1, 131.° e 132.° n, 2, alínea I), todos do Código Penal, respetivamente nas penas parcelares de 2 meses de prisão e de 1 ano de prisão, e, em cúmulo jurídico nos termos do art. 77.° do CP, na pena única de 1 (um) ano e 15 (quinze) dias de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, nos termos do art.° 50.°, n.os 1 e 5, do Código Penal; Como condição de suspensão da pena de prisão impor ao arguido o DEVER de, no prazo de um ano a contar do trânsito em julgado da sentença, pagar o montante da sua responsabilidade arbitrado em sede civil e comprovar esse mesmo pagamento nos autos.

II- O Tribunal deu como provado no ponto 2. FUNDAMENTAÇÃO, "4- Ao minuto 27 da segunda parte da partida, o arguido IC dirigiu ao assistente a expressão 'És um palhaço do caralho, não arbitras nada. Vai para o caralho filho da puta".

13- "Na mesma altura, o arguido IC, que se encontrava junto do arguido RR, dirigiu ao assistente a expressão "Deixa estar que se te apanho no Penedo Gordo mato-te cabrão, és um grande filho da puta" .

34- Os arguidos sabiam que toda a sua conduta era proibida e punida pela lei penal."

III - Formando a sua convicção 2.3. Motivos de facto "(. . .) Acusação pública. A convicção do Tribunal quanto aos factos provados da acusação pública, baseia-se, em primeira linha, nas declarações prestadas pelo assistente em audiência de julgamento (. . .) Das declarações do assistente resultou a confirmação dos factos descritos na acusação pública, quer no que tange às palavras quer no que tange aos actos " ... com base na análise crítica de toda a prova produzida e examinada em audiência de julgamento.

IV - Salvo o devido respeito, o Tribunal "a quo" julgou incorretamente os referidos factos, porquanto em relação aos mesmos não foi produzida a prova reclamada.

V - Com efeito, do depoimento das testemunhas nada se provou daquilo que o Tribunal considerou provado. Antes pelo contrário, o que foi demonstrado à evidência, foi que o arguido IC a única coisa que disse foi: "não marcas um para mim, caralho. É sempre a mesma merda".

VI - Deve referir-se ainda que no ponto 44 do capítulo 2.1.1. - Da acusação o Meritíssimo juiz do Tribunal "a quo" reconhece que, para além de outros arguidos, o arguido IC " ..não possue(m) antecedentes criminais registados"

VII - Por outro lado refere o Meritíssimo juiz no ponto 2 da Fundamentação (2.1.3. 42 Resultantes da discussão da causa) "Os arguidos RR, VV, IC e AA não apresentam arrependimento nem juízo crítico face ao desvalor das suas condutas".
A verdade é que não se percebe a admissão da possibilidade de uma pessoa se penitenciar por algo que não fez. Ora se o arguido nunca admitiu a hipótese de ter praticado os crimes de que estava acusado, naturalmente não pode por isso ser mais penalizado na pena que se pretende impor.

VIII- Assim, de todos os depoimentos, com exceção dos do assistente e das testemunhas por si arroladas, resultou o contrário daquilo que foi considerado provado.

IX - Aliás, a este respeito, e perante a "força" dos depoimentos, importa ainda referir o facto de, após a respetiva audição na audiência de julgamento, se admitir, "in extremis", a subsistência de alguma dúvida no espírito do julgador. Então, consequentemente, deveria ser aplicada a norma constitucional contida no n.o 2 do art, 32.° da CRP que diz nomeadamente que "Todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação. "

X - Desta forma, o Tribunal a quo violou, entre outros: - o art. 32.° n,º 2 (principio in dubio pro reo) da CRP;
- os arts 97.°, n.o 5, 127.° e 374.°, n.o 2 do CPP.

XI - Por outro lado, do texto do acórdão recorrido resulta o erro notório na apreciação da prova produzida, a que alude a aI. c) do n, 2 do art, 410.°, do CPP.

Em suma, nos presentes autos, não só ficou cabalmente provado que o recorrente não praticou o crime em que foi condenado, como foi suficientemente provada a sua inocência precisamente pela falta de provas no sentido da verdade dos factos contidos na acusação no que ao arguido IC diz respeito, pelo que o arguido recorrente deve ser absolvido dos crimes em que foi condenado.”

VV
“1º O recorrente, com o devido respeito, entende que houve uma errada apreciação da prova, insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, violação do princípio da livre apreciação da prova e violação do princípio "in dúbio pro reo", pelo tribunal "a quo".

2° Como resulta da motivação da matéria de facto, não existe um único facto da acusação considerado "não provado", pese embora os depoimentos e declarações que a isso obrigavam. O Meritíssimo Juiz formou a sua convicção apenas com base nas declarações do assistente e nos depoimentos dos dois árbitros assistentes, "primacialmente e em primeira linha, a prova absolutamente preponderante produzida em audiência de julgamento consiste nas declarações do Assistente", e o assistente relatou os factos com precisão, é certo, mas isso em nada retira credibilidade.. ", De facto, em nossa opinião, ao contrário do que entende o Meritíssimo Juiz, toda essa precisão no relato dos factos e toda a sua postura forjada de homem frágil e sensível perante o tribunal, de quem ficou muito amargurado, angustiado e ofendido, num indivíduo que é árbitro há mais de 10 anos e polícia de intervenção, porque num jogo que arbitrava lhe chamaram "filho da puta" e "árbitro do caralho", retira toda a credibilidade às suas declarações (isto num indivíduo com preparação psicológica específica para lidar com situações de conflito).

3° Posteriormente, utilizando já outro critério e outro entendimento na apreciação das declarações do assistente, o Meritíssimo Juiz refere que " ... é natural que com o decurso do tempo algumas expressões e alguns factos estejam já alterados na memória do assistente. " Ficamos, assim, sem entender qual a lógica que o Tribunal "a quo" seguiu para tomar como verdadeiras apenas as declarações do assistente, ignorando toda a restante prova produzida.

4° Ainda que tais expressões tivessem sido proferidas (filho da puta, árbitro do caralho) nunca poderiam configurar o crime de injúria, pois não são susceptíveis de ofender a honra ou consideração do assistente, seriam meras grosserias, palavras obscenas é certo, mas habituais nos jogos de futebol.

5° O mesmo acontecendo com a "alegada ameaça", ainda que o ora recorrente tivesse dito algo do género (mato-te cabrão), que não se provou, tal expressão seria sempre entendida como um mero desabafo proferido após uma expulsão que, ninguém de bom senso levaria a sério, naquele contexto, muito menos ficaria a temer pela sua saúde e pela sua vida. É da experiência comum que estas frases "mato-te e esfolo-te", no decurso de um jogo de futebol, não passam de meros desabafos proferidos com frequência, sem qualquer dignidade penal. Nunca, in casu, aquela expressão, poderia preencher os elementos do crime de ameaça, por se tratar de um mero desabafo, proferido no decurso de um jogo de futebol e não conter a ameaça de um mal futuro.

6° Tem sido entendimento da jurisprudência, que a mera verbalização de palavras obscenas, não põe em causa o carácter, o bom nome e a reputação da pessoa visada. De acordo com o Acórdão do TRP Proc. n° 427/ 13.SGAARC.P1- 1 a secção, de 27-04-2016 "Nem todos os insultos ou palavras depreciativas são susceptíveis de integrar o crime de injúria. (...) entendemos que a expressão vai para o caralho não preenche a previsão normativa do estatuído no artigo 181º do Código Penal ( ... }com efeito, a mesma, de forma clara, evidente e linear, não imputa à assistente qualquer facto ou juízo de valor.( ... ) Conclui-se, assim, que a expressão utilizada pelo arguido é inócua, isto é, deixa intocada a honra da assistente, importando ter em mente que o bem jurídico a que alude a incriminação ( .. ) não é por qualquer forma atingido, ... o direito penal visa a tutela de bens jurídicos, pelo que qualquer conduta que não os afecte é atípica, isto é, não é punível. Impõe-se, por isso a absolvição do arguido". Veja-se igualmente o Acórdão TRC de 06-01-2010, Proc. n° 862j08.3TAPBL.C1, entre outros.

7° A própria testemunha do assistente e seu amigo, RT (sessão de 28-05-2018, 10:38h 11: 17h concretamente 10:34h-l0:47h e 10:59h-ll:03h), também ele árbitro de futebol, referiu que as expressões proferidas na acusação são normais no contexto de um jogo de futebol. A expressão "filho da puta" dirigida ao árbitro no decurso de um jogo e por discordância com uma decisão, não tem caracter ofensivo, é apenas um desabafo, uma grosseria, não existindo qualquer intenção séria de ofender ou humilhar.

8° O assistente em relação ao ponto 6) dos factos provados afirmou que não tinha a certeza se o ora recorrente tinha dito "sim senhor, grande árbitro" ou "sim senhor, árbitro do caralho" (sessão de 17-05-2018 16:57h-17:01h), o que implicaria, desde logo, considerar o ponto 6) da acusação como "não provado", ao contrário do que o Meritíssimo Juiz fez que considerou provada a expressão constante da acusação, violando claramente o princípio constitucionalmente consagrado "in dúbio pro reo".

9° O assistente afirma que o ora recorrente lhe cuspiu atingindo-o acima do sobrolho, situação que o recorrente garante não ser possível pois terá cuspido para o lado e, a tê-lo atingido só poderá ter sido de forma involuntária e, dada a diferença de altura entre ambos (o assistente é um indivíduo bastante mais encorpado e com mais uns 20 cms de altura que o arguido), ainda que inadvertidamente ou de forma involuntária o pudesse ter atingido, seria sempre impossível ser na cara, acima do sobrolho, como o assistente descreve.

10° O princípio da livre apreciação das provas não tem caráter arbitrário, nem se circunscreve a meras impressões criadas no espírito do julgador, estando antes vinculado às regras da experiência e da lógica comum e aos princípios estruturantes do processo penal, como o da legalidade das provas, "in dubio pro reo" e até o critério do homem médio.

11° O tribunal fez uso de declarações sem qualquer validade e/ou credibilidade, pois o assistente além de ser um indivíduo com formação que sabe usar habilmente as palavras e adoptar a postura que pretende, para comover as pessoas, ouviu tudo o que se falou na sala de audiências antes de prestar declarações (sessão de dia 17-05¬2018, 16:52h-17:45h, mais concretamente 17:08h-17: 12h).

12° O tribunal não considerou outros depoimentos, devendo tê-lo feito, nem ponderou outras situações que poderiam ter ocorrido, como o assistente estar a faltar à verdade (único indício). Para se condenar com base num único indício é necessário que um facto não possa ser atribuído senão a uma causa. Não existe no processo qualquer prova válida que permita dar como provados os pontos "6), 8), 24), 25), 26) e 42) dos factos provados, da sentença condenatória.

13° O tribunal a quo ignorou completamente o contexto em que os factos ocorreram, bem como a situação concreta de cada arguido (sendo indiferente o facto de ser primário ou de ter vários antecedentes criminais).

14° De igual modo, ainda que fosse condenado pela prática de algum crime, o que só hipoteticamente se admite, para arbitrar o montante do pedido cível, tem sempre de se considerar a situação económica concreta do demandado, o que foi igualmente ignorado. O Meritíssimo Juiz a quo considerou provados todos os factos da acusação e atendeu na globalidade a todos os montantes peticionados pelo assistente, ignorando as condições concretas de cada um dos arguidos / demandados, quer a nível de idade, quer a nível de existência ou ausência de antecedentes criminais, quer a nível de condições económicas.

15° É verdade que o ora recorrente não tem a capacidade de se exprimir de forma hábil, como o assistente o faz. O recorrente é um rapaz simples, humilde e honesto que, à data dos factos, tinha apenas 20 anos de idade. Facto também irrelevante para o tribunal a quo que entendeu não dever aplicar o regime especial para jovens com idade inferior a 21 anos.

16° O tribunal conclui, de forma arbitrária e sem fundamentação, que o ora recorrente não mostrou arrependimento nem juízo crítico. Como pode alguém arrepender-se de um crime que não praticou?

17° Nestas condições, houve uma clara violação dos princípios estruturantes do processo penal, como o princípio da livre apreciação da prova, o princípio in dubio pro reo, o princípio da legalidade e o do critério do homem médio. Com o respeito pelos princípios acima referidos, as conclusões, no que se refere ao ora recorrente, não poderiam dar-se como provadas.

18° A inexistência de factos que por si só ou conjugados sustentem de forma minimamente segura a prática pelo arguido de um crime de injúria agravada e de um crime de ameaça agravada, nunca poderiam levar a uma condenação. Só foi considerada a versão do assistente, sendo totalmente ignorado o contexto em que os acontecimentos ocorreram, bem como a restante prova produzida.

19° Ainda que tais expressões tivessem sido proferidas, nunca poderiam configurar o crime de injúria, pois não são susceptíveis de ofender a honra ou consideração do assistente, seriam meras grosserias, frases deselegantes, mas habituais nos jogos de futebol. O mesmo acontecendo com a "alegada ameaça", ainda que o ora recorrente tivesse dito algo do género (mato-te cabrão), que não se provou, tal expressão seria sempre entendida como um mero desabafo proferido após uma expulsão que, ninguém de bom senso levaria a sério, naquele contexto, no decurso de um jogo de futebol, não integrando qualquer tipo de crime.

Perante a insuficiência de prova, face às regras da lei penal, em razão do funcionamento do princípio in dúbio pro reo, do princípio da legalidade da prova, só poderia o ora recorrente ter sido absolvido, quer dos crimes de que está acusado, quer do pedido de indemnização civil.

Normas jurídicas violadas: - Constituição da República Portuguesa: art° 32° - Código Penal: art°s 40° n° 2, 45° n° 1, 58°, 70°, 71°, 181° n° 1 e 184° com referência ao 132° n° 2 alo l), 155° n° 1 als. a) e c) com referência ao 153° n° 1 e 131° e 132° alo l)

- Código Processo Penal: art° 97°n05, art° 118°, art° 127°, art° 374° n02, art° 410° n01 e n° 2 als. a) b) e c).”

AA
“1. O presente recurso tem por objecto a sentença proferida nestes autos que condenou o arguido "pela prática um crime de injúria agravada previsto e punível no artigo 181.° n.º 1 e 184.° com referência ao artigo 132.° n.º 2 alínea 1) do Código Penal, na pena de 1 (um) mês e 15 (quinze) dias de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 (um) ano, nos termos do art.º 50.°, n.os 1 e 5, do Código Penal", fixando-se "como condição da suspensão da pena de prisão o Arguido o DEVER de, no prazo de um ano a contar do trânsito em julgado da sentença, pagar o montante da sua responsabilidade arbitrado em sede civil e comprovar esse mesmo pagamento no autos", ou sej a " ... a pagar ao Assistente/Demandante por danos morais no valor de €300,00 (trezentos euros) acrescida dos juros de mora à taxa supletiva legal das obrigações civis, a contar desde a data na notificação para contestar o pedido de indemnização civil e até efectivo e integral pagamento".

2.Entendemos que na referida decisão existe uma incorrecta valoração da matéria de facto dada como provada; uma errónea apreciação da prova; a violação do princípio da livre apreciação da prova tal como é previsto pelo art. 127° do C.P.P. e a violação do princípio do in dubio pró réu:

3. Entendemos ainda, sem conceder que, no limite, decidindo-se pela condenação do aqui recorrente existiu uma errada determinação da medida da pena arbitrada

4. Tudo, nos termos dos art.º 181.° n.º 1 e 184.° com referência ao artigo 132.° n.º2 alínea 1) do Código Penal e 50.°, nºl e 5, 70° e 71.°, todos do Código Penal(C.P.).

5. Este recurso, versa pois sobre a matéria de facto e matéria de direito, nos termos do art.º 410.° e 411.° do C.P.P.

6. A sentença recorrida, decalca de forma integral a acusação pública, dando como provados todos os factos dela constantes, fazendo fé apenas das declarações prestadas pelo assistente (sessão de 17/05/2018 entre as 16:57 h e as 17:01 h) e tábua rasa de toda a inúmera restante prova produzida em sede de julgamento.

7. No que respeita ao aqui recorrente, com a violação concreta dos pontos infra referidos, e que se consideram incorrectamente apreciados e julgados, o juiz a quo deu como provado que: "1- No dia 11 de Dezembro de 2016, pelas 15 horas, no Estádio 25 de Abril, em Serpa, realizou-se o jogo de futebol entre as equipas do "Futebol Clube de Serpa" e a "Associação Cultural e Desportiva de Penedo Gordo", no âmbito do Campeonato Distrital da 1. a Divisão de Beja.;2- O mencionado jogo teve como árbitro nomeado pela Associação de Futebol de Beja, o aqui Assistente, TC e como árbitros assistentes, JS e HS.;3¬Os Arguidos RR, VV, IC e LL eram jogadores da equipa da "Associação Cultural e Desportiva de Penedo Gordo" e o Arguido AA, o seu treinador.; ... ;9- Ao minuto 36 de segunda parte do jogo, o Arguido AA disse ao Assistente que "Vai-te para o caralho, paneleiro ": 1 0- Em consequência, o Assistente deu indicação de expulsão ao Arguido AA, altura em que este lhe disse "És um grande palhaço, filho da puta. Já não se pode dizer nada ao menino. ";33- O Arguido AA sabia que ao proferir as expressões descritas a 9- e 10-, estava a ofender a honra e consideração devidas ao árbitro desportivo nomeado pela Associação de Futebol de Beja para o jogo em que participava em que participavam, o Assistente, o qual se encontrava no exercício das suas funções, o que representou e logrou conseguir; 34- Os Arguidos sabiam que toda a sua conduta era proibida e punida pela lei penal; 42- Os Arguidos RR, VV, IC e AA não apresentam arrependimento nem juízo crítico face ao desvalor das suas condutas.

8 Ora, toda a prova produzida vai em sentido inverso, contrariando claramente o que foi dado como provado na sentença em crise.

9. Com efeito, atentem-se as declarações do arguido, prestadas na sessão de 17/05/2018, gravadas no sistema de gravação disponível, entre as 16:18:02h e as 16:43:24h:

10. Perguntado que lhe foi pelo Juiz a quo se havia proferido as palavras constantes na acusação, o ora recorrente declarou de imediato e veementemente não o ter feito, dizendo que" Não, Não!, eu disse foi" Agora não marcas falta, caralho?". "É totalmente diferente do que está ai escrito. O senhor árbitro olhou para mim, o Sr. está expulso." ... "Toda a gente se sentiu indignada. Eu atravessei o campo, dirigi-me ao árbitro, tentei cumprimentá-lo, ele voltou-me a mão... a cara e eu disse" Sou sempre melhor treinador do que tu és árbitro e o tempo logo fala.

11. Neste momento o juiz a quo refere que na acusação também consta que lhe terá dito: " és um grande palhaço, filho da puta. Já não se pode dizer nada ao menino", tendo de imediato o recorrente declarado: “Falso, Dr. E tudo falso! O que eu disse foi sou sempre melhor treinador do que tu és árbitro."

12. O Juiz voltou a questionar:" Não disse nada de injurioso ao árbitro?" ao que o aqui recorrente respondeu: " eu acho que é normal uma frase desta no futebol, normalíssimo.".

13. Mais referiu o aqui recorrente, já ter dezassete épocas no futebol sem nunca ter um castigo, já fez três campeonatos nacional de juniores, um campeonato nacional de iniciados, inclusive com o Sr., arbitro a apitar o jogo sem nunca se passar nada( zero).

14. De forma igualmente espontânea e insistente, dirigindo-se ao juiz, disse:" Sr. Dr. Juiz eu não disse nada, eu não fiz mal a ninguém para estar aqui presente (... ) Sinto-me mal, mesmo mal por estar aqui presente perante este tribunal, eu sinto-me inocente. Eu não fiz nada que prejudicasse nem o Sr. árbitro nem o jogo, nem nada do que ele diz ali sobre mim - falo sobre mim - nada daquilo é verdade. Eu acho que é... complicado ... e não sei como isso judicialmente, mas eu ser acusado por uma coisa que não fiz, por um homem que quer tirar partido não sei de quem, porque eu não tenho nada para esconder, não fiz mal a ninguém. Ando no futebol de olhos limpos, de cabeça levantada, nunca tive uma expulsão num jogo. Aliás só recebi este ano, no nacional de iniciados, elogios dos árbitros da minha equipa ter um comportamento excelente. A minha equipa perde dez jogos seguidos e não há um jogador que seja tampouco advertido com um cartão amarelo. É uma equipa que está disciplinada e essa disciplina transmito-a eu"

15. O depoimento do arguido foi claro, preciso, conhecedor do ambiente futebolístico, espontâneo e desprovido de malícia.

16. Por isso, obrigatório se tomava tê-lo valorado de outra forma.

17. Mas, de outra forma também deveria ter valorado os depoimentos dos restantes arguidos, a saber: RR, prestado na sessão de 17-05-2018, e gravado entre as 14:44:41 h e as 15:08:44 horas; VV, prestado na mesma sessão e gravada entre as 15:08:46 h e as 15:40:47 horas; e ainda, o arguido IC, prestado igualmente na mesma sessão entre as 15:40:49h e as 16:05:03 horas; que, de uma forma unânime, mostraram descontentamento com o procedimento do arbitro aqui Assistente, considerando-o errático e tendencioso, fundamentando a razão porque assim o entenderam e todos eles descrevendo o ambiente futebolístico e bem assim, a frequência e normalidade com que os intervenientes no jogo usam, nesse contexto, de expressões vernaculares como as aqui descritas e por eles proferidas, designadamente" Caralho"; entendendo-as como normais em qualquer jogo de futebol, designadamente para reclamar das decisões dos árbitros.

18. E ainda, o depoimento das testemunhas da acusação MR, director do Clube de Serpa, cujo depoimento foi prestado na sessão de 23-05¬2018 e se encontra gravado entre as 11:00:40 e as 11:19:18 horas; que diz em síntese que nada ouviu o recorrente dizer ao árbitro e que quando um jogador é expulso nunca fica calado: "O Arbitro deu ordem de expulsão e eles iam-se embora e iam ratinhando ... mas não ouvia o que eles diziam" ... e que foi um jogo normal de futebol; AJP, diretor de futebol do Serpa, que prestou o seu depoimento na mesma sessão de 22-05¬2018, gravado entre as 11:51:15 e as 12:11:05 horas, que declarou tratarem-se de acontecimentos normais durante um jogo ... na bola são situações normais .. .lida com situações destas há imenso tempo.: e ainda FC, Presidente do do Futebol Clube de Serpa, que prestou o seu depoimento na mesma sessão, entre as 12:11:49 e as 12:24:10 horas, que referiu serem coisas do jogo; ... quem vai ao futebol o desagrado é do inicio até ao fim ... nada de extraordinário ... o treinador ( ... ) gestos normais de levantar os braços, não me recordo de nada violento ... qualquer jogador quando é expulso não concorda e reclama.

19. Mas de menor valor não foi teor do depoimento prestado pela testemunha do assistente, RMT, amigo pessoal do assistente e também arbitro, prestado na sessão de 28-05-2018, entre as 10:38:13 e as 11: 17: 13 horas que refere a utilização de tal linguagem como normal dizendo ainda que: " Se vier um jogador ou treinador vir para mim e disser - vou-te bater - é normal sentir-se ameaçado. Agora, uma expressão "vai para o caralho", "filho da puta", - somos tolerantes. Normalmente não me faz confusão, é a linguagem do futebol."( ... ) Essa linguagem a mim não me faz confusão porque é a linguagem do jogo, não me sinto ameaçado... o nosso trabalho é dentro na área do jogo ... a minha mãe pode lá estar e eu não saber. ..

20. Relevante ainda, para a convicção do julgador deveriam ter sido os depoimentos prestados pelas testemunhas arroladas pelo aqui recorrente, designadamente, HB que prestou o seu depoimento na sessão de 28-05-2018 entre as 11:34:58 e as 12:27:35 horas, que relatou o jogo e a forma como o apreciou, que ainda hoje não consegue perceber a atitude do assistente no processo, referiu acompanhar a equipa há sete anos e que a mesma, no ano anterior aos factos, ganhou o prémio de disciplina na segunda divisão distrital com estes mesmos jogadores (referindo-se aos arguidos), referiu ainda que estava sentado no banco com o arguido AA, e o fiscal de linha que estava mais perto era o JS, a dada altura surgiu uma falta quase junto ao banco se suplentes do Penedo Gordo onde se encontravam, o treinador aqui recorrente, reclamou, dizendo: "Então esta agora não é falta, caralho? ... , abriu os braços e disse "Então esta agora não é falta, caralho? O arbitro deu-lhe ordem de expulsão. Ele entrou no campo para cumprimentar o Sr. árbitro e o Sr.,. Arbitro não o quis cumprimentar. Referiu que se sentiu indignado mas não o transmitiu aos jogadores; disse ainda que o palavreado usado é normal quando os jogadores se sentem injustiçados. BB prestou o seu depoimento na sessão de 05-06-2018, entre as 09:46:51 e as 09:58:35 horas na qual refere que assistiu ao jogo na bancada próxima do banco de suplentes do Penedo Gordo (a vinte ou trinta metros) e recordar-se do recorrente ter dito alto:

"Então esta agora não é falta, caralho?"- Disse-o de uma forma normal de um jogo de futebol e o Sr. TC deu-lhe ordem de expulsão. Referiu que o linguajar, tal como foi dito num jogo de futebol, foi a coisa mais normal no futebol, e que os maiores protestos foram na bancada; JAC prestou o seu depoimento na mesma data entra as 09:59:07 e as 10:17:22 horas, é enfermeiro do Penedo Gordo e estava no banco, referiu tratar-se de um jogo igual a tantos outros e que o Recorrente estava no banco quando ali mesmo junto, se deu uma falta a favor do Penedo Gordo, que o árbitro não marcou deixando jogar. O Recorrente estava de pé e disse:" Caralho, isto não é falta?". O árbitro deu-lhe ordem de expulsão. JMC, director do Penedo Gordo, prestou o seu depoimento na mesma data e sessão entre as 10:17:55 e as 10:44:53 horas. Há mais de trinta anos que acompanha o clube, está habituado a estas situações e outras de maior envergadura e não é normal acabarem em Tribunal, esta é a primeira vez. Quase no final do jogo, ocorreu uma falta e o recorrente disse: “Então, não marcas falta, caralho?"- Tal e qual e é normais abrir-se os braços, ... é normal. Confrontado como que estava na acusação, declarou, de imediato:" Não! O AA não disse nada disso, nada dessas palavras... Disse: "Então, não marcas falta, caralho?, Referiu que o arbitro estava sempre a marcar faltas contra o Penedo Gordo e que uma falta daquelas, " que e gravíssima" ele não marcou ... Referiu ainda que os dois fiscais de linha estavam um do outro lado do campo e outro a mais de 60/70 metros do banco.

21. À semelhança do depoimento do arguido aqui recorrente, todos estes depoimentos revelaram-se espontâneos, claros e precisos e fundamentados com conhecimento directo quer do ambiente vivido nos campos de futebol, quer dos factos ocorridos desta data.

22. Assim mal decidiu o tribunal a quo ao desvalorizá-los todos e na sua globalidade.

23. Com efeito, o que resultou provado face à prova produzida é que o aqui recorrente se limitou a protestar contra o comportamento do árbitro que não assinalou uma falta importante a favor da sua equipa, cometida à sua frente, não tendo cometido qualquer ilícito criminal uma vez que apenas disse, dirigindo-se ao árbitro:"Então, agora não marcas falta, caralho?".

24. E dizemos "apenas" uma vez que resulta à saciedade, da experiencia comum e da prova produzida que tais palavras ou expressões fazem parte da normalidade do mundo futebolístico, não merecendo, pois, qualquer censura social e muito menos penal.

25. Acresce que, no contexto em que foram proferidas, não pretenderam, de forma alguma atentar contra a honra e o bom do assistente.

26. Mais, ainda que tal expressão/questão tivesse sido proferida fora do contexto futebolístico, a mesma jamais poderia constituir ou tipificar o crime de injúria previsto e punido no art." 181 do C.P, porquanto a mesma não é susceptível por si, de causar ofensa da honra e consideração ou de imputar factos ainda que sob a forma de suspeita.

27. Nesse sentido, vide Acórdão TRC de 06-01-2010, Proc. n° 862/08.3TAPBL.Cl, e Ac. TRP, proc.n.o427/13.8GAARC.Pl, I." secção 24/04/2016: "Nem todos os insultos ou palavras depreciativas são susceptíveis de integrar o crime de injúria.( ... ) entendemos que a expressão vai para o caralho não preenche a previsão normativa do estatuído no artigo 181 ° do Código Penal ( ... )com efeito, a mesma, de forma clara, evidente e linear, não imputa à assistente qualquer facto ou juízo de valor. ( ... ) Conclui-se, assim, que a expressão utilizada pelo arguido é inócua, isto é, deixa intocada a honra da assistente, importando ter em mente que o bem jurídico a que alude a incriminação ( .. ) não é por qualquer forma atingido, ... o direito penal visa a tutela de bens jurídicos, pelo que qualquer conduta que não os afecte é atípica, isto é, não é punível. Impõe-se, por isso a absolvição do arguido". Tem sido entendimento da jurisprudência, que a mera verbalização de palavras obscenas, não põe em causa o carácter, o bom nome e a reputação da pessoa visada.

28. Entendemos que as palavras/ expressões/vernáculos recorrentes no Jogos de futebol ainda que possam beliscar a sensibilidade linguística e moral de algumas pessoas não podem, atenta a realidade, o bom senso e as regras da experiencia comum, beliscar a sensibilidade dos intervenientes do próprio jogo, do qual a equipa de arbitragem é parte integrante e fundamental.

29. Nestes termos deve o julgador perceber o contexto e o ambiente de normalidade ali vivido, desvalorando-o penalmente pois que tais expressões não constituem a violação do bem jurídico que se pretende proteger quando se tipifica os comportamentos descritos no art." 181.º do C.P.

30.Tal como é referido na sentença recorrida, "A prova é apreciada, salvo quando a lei dispuser diferentemente, de acordo o princípio da «livre apreciação da prova» (artigo 127.0 do Código de Processo Penal), princípio que é «direito constitucional concretizado», que há-de traduzir-se numa valoração «racional», «crítica», «lógica» (cf., Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código de Processo Penal ( ... ), 2a Ed., UCE, pág. 329).

31. Contudo, o juiz a quo, apesar de enunciar tal principio, ao decidir como decidiu, mais não fez do que desconsiderá-lo, quer nas suas particularidades quer na sua globalidade.

32. Ora, a inúmera prova produzida nestes autos, só poderia conduzir à absolvição do arguido pois que, se dúvidas assaltassem a mente do julgador este sempre teria o dever legal de aplicar o princípio do "in dúbio pro reu" consignado no art. 32º da C.R.P., absolvendo-o!

33. Mas, e ainda que sem conceder, se por mera hipótese académica se se entendesse dever o arguido ser condenado pela prática do crime de que vem acusado, condenar o mesmo numa pena de prisão de 1 mês e quinze dias, ainda que suspensa na sua execução, sem a isenção de transcrição para o respectivo registo criminal, revela-se manifestamente desproporcional, desajustado, e excessivamente gravoso, face ao circunstancialismo que acompanha o presente processo, violando ostensivamente o disposto no art." 40.° e 70.° do C.P., revelando-se suficiente a aplicação de uma pena de multa próxima dos limites mínimos previstos na lei e que se revelaria adequada e suficiente para prevenir o cometimento de novos ilícitos de idêntica natureza.

34. Ao decidir como decidiu, o tribunal a quo violou o disposto nos art.º 32.° da C.R.P.; 40.° , 70.° , 181, n." 1 e 184.° com ref." ao art.º 132,n.o 2,1) do C.P.; art.º 97, n.º 5, art.º , art.º 127.°, art.º 374,n.º2, do C.P.P..”

O Ministério Público respondeu aos três recursos, pronunciando-se sempre no sentido da improcedência, e concluindo, respectivamente:

No recurso de IC:
“1. Os factos dados como provados na Sentença têm suporte na prova documental juntos aos autos e na conjugação das declarações do assistente nos depoimentos de HS e de JS.

2. Do teor das declarações do assistente TC (minutos 2:16 a 2:52, 9:59 a 10:50), dos depoimentos de HS (minutos 3:02 a 4:08, 4:53 a 5:02) e de JS (minutos 3:01 a 4: 30), retira-se que o ora recorrente proferiu expressões insultuosas, reflectidas nos factos dados como provados com o n.º 4, 13 e 34 configuram a prática pelo ora recorrente do crime de injúria agravada e do crime de ameaça agravada.

3. Os elementos apreciados e o raciocínio explanado na Douta Sentença, permitem apreender a conjugação efectuada daqueles e da qual se infere a conduta do ora recorrente.

4. A douta sentença recorrida fez uma correcta e ponderada apreciação da prova produzida, valorando as declarações do assistente e os depoimentos das testemunhas HS e JS que se revelaram credíveis e preponderantes.

5. Verifica-se a prática pelo ora recorrente de um crime de injúria agravada e um de ameaça agravada.

6. O Tribunal a quo não violou qualquer disposição legal, nomeadamente as invocadas pelo recorrente.

Pelo que, deve ser mantida a sentença proferida nos presentes autos e negado provimento ao douto recurso.”

No recurso de VV:
“1. Os factos dados como provados na Sentença têm suporte na prova documental juntos aos autos e na conjugação das declarações do assistente nos depoimentos de HS e de JS.

2. Do teor das declarações do assistente TC (minutos 3:10 a 3:33, 4:07 a 4:41, 5:03 a 5:17, 5:32 a 6:03), dos depoimentos de HS (minutos 3:02 a 4: 08) e de JS (minutos 3:01 a 4:30, 6:39 a 6:50), retira-se que o ora recorrente proferiu expressões insultuosas, reflectidas nos factos dados como provados n.º 6, 8, 24, 25, 26 que configuram a prática pelo ora recorrente do crime de injúria agravada e do crime de ameaça agravada.

3. Os elementos apreciados e o raciocínio explanado na Douta Sentença, permitem apreender a conjugação efectuada daqueles e da qual se infere a conduta do ora recorrente.

4. A douta sentença recorrida fez uma correcta e ponderada apreciação da prova produzida, valorando as declarações do assistente e os depoimentos das testemunhas HS e JS que se revelaram credíveis e preponderantes.

5. As expressões "árbitro do caralho", "porco", "cabrão" e "filho da puta" são objectiva e subjectivamente injuriosas, sendo conhecido o seu sentido pejorativo e depreciativo e têm de ser valoradas no contexto em que foi proferida, um sítio público, no momento em que o assistente exercia a função de árbitro desportivo, na presença de terceiros.

6. As citadas expressões não cabem na margem de tolerância a atribuir na comunicação entre os humanos, sob pena da banalização dos juízos lesivos da auto-estima pessoal e social de cada um.

7. As expressões "Toma porco, mato-te" e "mato-te cabrão", tendo sido proferidas pelo ora recorrente ao árbitro do jogo de futebol em que participava, após ter sido expulso e lhe ter cuspido na cara são aptas a preencher o tipo objectivo e subjectivo do crime de ameaça.

8. Verifica-se a prática pelo ora recorrente de um crime de injúria agravada e de um crime de ameaça agravada.

9. O Tribunal a quo não violou qualquer disposição legal, nomeadamente as invocadas pelo recorrente.

Pelo que, deve ser mantida a sentença proferida nos presentes autos e negado provimento ao douto recurso.”

No recurso de AA
“1. Os factos dados como provados na Sentença têm suporte na prova documental juntos aos autos e na conjugação das declarações do assistente nos depoimentos de HS e de JS.

2. Do teor das declarações do assistente TC (minutos 6:14 a 6:55, 7:18 a 7:46), dos depoimentos de HS (minutos 3:02 a 4: 08) e de JS (minutos 3:01 a 4: 30), retira-se que o ora recorrente proferiu expressões insultuosas, reflectidas nos factos dados como provados n. 1 a 3, 9, 10, 19 e 33 que configuram a prática pelo ora recorrente do crime de injúria agravada.

3. Os elementos apreciados e o raciocínio explanado na Douta Sentença, permitem apreender a conjugação efectuada daqueles e da qual se infere a conduta do ora recorrente.

4. A douta sentença recorrida fez uma correcta e ponderada apreciação da prova produzida, valorando as declarações do assistente e os depoimentos das testemunhas HS e JS que se revelaram credíveis e preponderantes.

5. As expressões "Vai-te para o caralho", "paneleiro", "És um grande palhaço", 'filho da puta" são objectiva e subjectivamente injuriosas, sendo conhecido o seu sentido pejorativo e depreciativo e têm de ser valoradas no contexto em que foi proferida, um sítio público, no momento em que o assistente exercia a função de árbitro desportivo, na presença de terceiros.

6. As citadas expressões não cabem na margem de tolerância a atribuir na comunicação entre os humanos, sob pena da banalização dos juízos lesivos da auto-estima pessoal e social de cada um.

7. Verifica-se a prática pelo ora recorrente de um crime de injúria agravada.

8. O Tribunal recorrido decidiu a medida da pena nos termos do artigo 71.º do Código Penal, ponderando a culpa do agente e as exigências de prevenção que o caso suscita.

9. A pena em que o ora recorrente foi condenado, não se demonstra adequada, suficiente e proporcional aos factos praticados, atendendo à culpa do agente, bem jurídico violado, as circunstâncias da sua prática, as suas repercussões sociais e as exigências de prevenção geral e especial.

10. O Tribunal a quo não violou qualquer disposição legal, nomeadamente as invocadas pelo recorrente.”

Neste Tribunal, a Sra. Procuradora-geral Adjunta emitiu parecer pronunciando-se, quanto aos três recursos, no sentido da improcedência e da confirmação da sentença.

Não houve respostas ao parecer e, colhidos os vistos, teve lugar a conferência.

2. Na sentença, consideraram-se os seguintes factos provados:
“No dia 11 de Dezembro de 2016, pelas 15 horas, no Estádio 25 de Abril, em Serpa, realizou-se o jogo de futebol entre as equipas do “Futebol Clube de Serpa” e a “Associação Cultural e Desportiva de Penedo Gordo”, no âmbito do Campeonato Distrital da 1.ª Divisão de Beja.

2- O mencionado jogo teve como árbitro nomeado pela Associação de Futebol de Beja, o aqui Assistente, TC e como árbitros assistentes, JS e HS.

3- Os Arguidos RR, VV, IC e LL eram jogadores da equipa da “Associação Cultural e Desportiva de Penedo Gordo” e o Arguido AA, o seu treinador.

4- Ao minuto 27 da segunda parte da partida, o Arguido IC dirigiu ao Assistente a expressão “És um palhaço do caralho, não arbitras nada. Vai para o caralho filho da puta”.

5- Em consequência, o Assistente exibiu o cartão vermelho ao Arguido IC, expulsando-o do jogo.

6- Acto contínuo, o Arguido VV aproximou-se do Assistente e, aplaudindo, disse-lhe “Sim Senhor, árbitro do caralho”.

7- O Assistente exibiu o cartão amarelo ao Arguido VV e, por ser o segundo e pelas regras do jogo, exibiu o cartão vermelho, expulsando-o do jogo.

8- Em seguida, o Arguido VV, por ficar desagradado, cuspiu na cara do Assistente, tirou-lhe os cartões disciplinares da mão e disse-lhe, em tom sério, “Toma lá porco, mato-te cabrão. És um filho da puta”.

9- Ao minuto 36 de segunda parte do jogo, o Arguido AA disse ao Assistente que “Vai-te para o caralho, paneleiro”.

10- Em consequência, o Assistente deu indicação de expulsão ao Arguido AA, altura em que este lhe disse “És um grande palhaço, filho da puta. Já não se pode dizer nada ao menino.”

11- Aos 41 minutos da segunda parte, o Arguido RR foi substituído em campo, tendo ficado junto da entrada dos balneários.

12- Em tais circunstâncias, o Arguido RR dirigiu ao Assistente a expressão “Não arbitras nada cabrão, lá fora já te parto os cornos filho da puta. Agora podes escrever à vontade que eu já estou cá fora! Paneleiro.”

13- Na mesma altura, o Arguido IC, que se encontrava junto do Arguido RR, dirigiu ao Assistente, a expressão “Deixa estar que se te apanho no Penedo Gordo, mato-te cabrão, és um grande filho da puta.”

14- Após o final do jogo, quando o Assistente se encontrava na cabine da equipa de arbitragem no mencionado estádio, o Arguido RR deslocou-se ao local.

15- Em tais circunstâncias, o Arguido RR disse ao Assistente “Expulsaste-me filho da puta.”

16- O Assistente solicitou que o Arguido RR saísse do local.

17- Acto contínuo, o Arguido RR, no uso da sua força muscular, desferiu um soco e um pontapé na direcção do corpo do Assistente, só não conseguindo atingir pela intervenção de terceiros que ali se encontravam.

18- Pelas 17 horas e 45 minutos daquele dia, quando o Assistente abandonava as instalações do estádio o Arguido LL abordou-o e disse-lhe “És um grande filho da puta. Deixa estar que a gente encontra-se lá fora, não perdes pela demora. Palhaço vais mamá-las todas, cabrão.”

19- Os Arguidos agiram de forma livre, deliberada e conscientemente.

20- O Arguido RR sabia que ao proferir as expressões descritas em 12- e 15-, estava a ofender a honra e consideração devidas ao árbitro desportivo nomeado pela Associação de Futebol de Beja para o jogo em que participava, o Assistente, o qual se encontrava no exercício das suas funções, o que representou e logrou conseguir.

21- Ao proferir as expressões indicadas a 12- e dirigidas ao árbitro de futebol, o Assistente, que se encontrava no exercício de funções, o Arguido RR agiu com a intenção concretizada de o amedrontar e de prejudicar a sua liberdade de determinação, o que conseguiu, sabendo a sua qualidade.

22- Mais tinha consciência do conteúdo das expressões que dirigiu ao Assistente, sabendo que estas o faziam temer pela sua saúde, o que conseguiu.

23- Com a conduta descrita a 17-, o Arguido RR quis molestar fisicamente o Assistente, sabendo que se tratava do árbitro desportivo nomeado pela Associação de Futebol de Beja para o jogo em que participava, e que se encontrava no exercício das suas funções, o que não conseguiu apenas por razões alheias à sua vontade.

24- O Arguido VV sabia que ao proferir as expressões descritas a 6- e 8-, estava a ofender a honra e consideração devidas ao árbitro desportivo nomeado pela Associação de Futebol de Beja para o jogo em que participava, o Assistente, o qual se encontrava no exercício das suas funções, o que representou e logrou conseguir.

25- Ao proferir as expressões indicadas a 8- e dirigidas ao árbitro de futebol, o Assistente, que se encontrava no exercício de funções, o Arguido VV agiu com a intenção concretizada de o amedrontar e de prejudicar a sua liberdade de determinação, o que conseguiu, sabendo da sua qualidade.

26- Mais tinha consciência do conteúdo das expressões que dirigiu ao Assistente, sabendo que estas o faziam temer pela sua saúde e vida, o que conseguiu.

27- O Arguido IC sabia que ao proferir as expressões descritas a 4- e 13-, estava a ofender a honra e consideração devidas ao árbitro desportivo nomeado pela Associação de Futebol de Beja para o jogo em que participava, o Assistente, o qual se encontrava no exercício das suas funções, o que representou e logrou conseguir.

28- O Arguido IC ao proferir as expressões indicadas a 13- e dirigidas ao árbitro de futebol, o Assistente, que se encontrava no exercício de funções, agiu com a intenção concretizada de o amedrontar e de prejudicar a sua liberdade de determinação, o que conseguiu, sabendo da sua qualidade.

29- Mais tinha consciência do conteúdo das expressões que dirigiu ao Assistente, sabendo que estas o faziam temer pela sua saúde e vida, o que conseguiu.

30- O Arguido LL sabia que ao proferir as expressões descritas a 18-, estava a ofender a honra e consideração devidas ao árbitro desportivo nomeado pela Associação de Futebol de Beja para o jogo em que participava, TC, o qual se encontrava no exercício das suas funções, o que representou e logrou conseguir.

31- O Arguido LL ao proferir as expressões indicadas a 18- e dirigidas ao árbitro de futebol, o Assistente, que se encontrava no exercício de funções, agiu com a intenção concretizada de o amedrontar e de prejudicar a sua liberdade de determinação, o que conseguiu, sabendo da sua qualidade.

32- Mais tinha consciência do conteúdo das expressões que dirigiu ao Assistente, sabendo que estas o faziam temer pela sua saúde, o que conseguiu.

33- O Arguido AA sabia que ao proferir as expressões descritas a 9- e 10-, estava a ofender a honra e consideração devidas ao árbitro desportivo nomeado pela Associação de Futebol de Beja para o jogo em que participava em que participavam, o Assistente, o qual se encontrava no exercício das suas funções, o que representou e logrou conseguir.

34- Os Arguidos sabiam que toda a sua conduta era proibida e punida pela lei penal.

2.1.2. Do pedido de indemnização civil

35- Como consequência directa e necessária dos factos descritos em 2.1.1., o Assistente/Demandante sentiu medo e receio pela sua integridade física e até mesmo vida.

36- Sentiu-se ainda triste.

37- Deprimido.

38- Publicamente humilhado e vexado.

39- Inseguro.

40- E com medo de voltar a arbitrar um jogo de futebol e a desempenhar as referidas funções.

41- Por causa dos factos descritos em 2.1.1. o Demandante viu-se forçado a mudar de Associação de Futebol, tendo pedido transferência para a Associação de Futebol do Algarve, onde agora aí arbitra jogos, no final da época desportiva 2016/2017.

2.1.3. Resultantes da discussão da causa
42- Os Arguidos RR, VV, IC e AA não apresentam arrependimento nem juízo crítico face ao desvalor das suas condutas.

43- O Arguido RR possui os seguintes antecedentes criminais registados:

a. pela prática de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário e de quatro crimes de condução sem habilitação legal, em 31 de Julho de 2007, foi condenado por sentença transitada em julgado em 14 de Janeiro de 2010, na pena única de seis meses de prisão substituída por 180 dias de multa à taxa diária de 6€ e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo prazo de 12 meses - processo --/07.4PTBJA;

b. pela prática de dois crimes de condução sem habilitação legal e de um crime de recetação de obras de arte e outros bens culturais, em 24 de Setembro de 2014 e Novembro de 2013, respectivamente, foi condenado por sentença transitada em julgado em 6 de Outubro de 2016, na pena de 90 dias de multa à taxa diária de 6€ e na pena de dois anos e dois meses de prisão suspensa por igual período de tempo – processo ---/13.0PBBJA;

c. pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, em 17 de Fevereiro de 2014, foi condenado por sentença transitada em julgado em 7 de Abril de 2014, na pena de 3 meses de prisão suspensa pelo período de um ano – processo --/14.0PTBJA;

44- Os Arguidos VV, IC e LL, não possuem antecedentes criminais registados.

45- O Arguido AA possui os seguintes antecedentes criminais registados:

a. pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, em 8 de Fevereiro de 2004, foi condenado por sentença transitada em julgado em 24 de Fevereiro de 2004, na pena de 50 dias de multa à taxa diária de 5€ e na pena acessória de inibição de conduzir pelo período de quatro meses – processo ---/04.5PBBJA;

b. pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, em 15 de Novembro de 2003, foi condenado por sentença transitada em julgado em 17 de Dezembro de 2004, na pena de 60 dias de multa à taxa diária de 6€ e na pena acessória de inibição de conduzir pelo período de três meses e quinze dias – processo ---/03.9PTBJA;

46- O Arguido RR tem o 9.º ano de escolaridade e trabalha como electricista, auferindo cerca de 600€ mensais, continuando também a dedicar-se à actividade de jogador de futebol; reside sozinho em casa arrendada e tem dois filhos com as idades de um ano e dois anos, pagando 300€ mensais a título de alimentos.

47- O Arguido VV tem o 12.º ano de escolaridade e actualmente está desempregado, sem prejuízo de ir realizando trabalhos esporádicos, continuando também a dedicar-se à actividade de jogador de futebol; reside com a sua mãe sendo a mesma que o apoia financeiramente.

48- O Arguido IC tem o 12.º ano de escolaridade e trabalha como mecânico de automóveis, auferindo cerca de 700€ mensais, continuando também a dedicar-se à actividade de jogador de futebol; vive com a sua companheira, em casa adquirida com recurso a empréstimo bancário, sendo a prestação de 300€ mensais; ajuda os seus familiares, designadamente a sua mãe que se encontra internada há oito meses, despendendo cerca de 200€ mensais com o internamento; a sua companheira está de baixa por gravidez.

49- O Arguido LL tem o 12.º ano de escolaridade e actualmente está desempregado, sem prejuízo de ir realizando trabalhos esporádicos, continuando também a dedicar-se à actividade de jogador de futebol; vive com os seus pais, sendo os mesmos que o apoiam financeiramente.

50- O Arguido AA trabalha como distribuidor de carnes auferindo cerca de 820€/830€ mensais, continuando também a dedicar-se à actividade de treinador de futebol; é solteiro e tem um filho de 12 anos, que vive consigo; paga cerca 230€/240€ pela casa onde habita e está também a pagar um carro a prestações, na ordem dos 179€ mensais, a que acrescem as despesas com utilidades domésticas como sendo telefone e internet.

A motivação da matéria de facto foi a seguinte:
“(…)Dividimos a fundamentação por segmentos de factos mas apenas por forma a facilitar a leitura dado que a mesma tem de ser tida em conta sua globalidade.

Acusação pública. A convicção do Tribunal quantos aos factos provados da acusação pública, baseia-se, em primeira linha, nas declarações prestadas pelo Assistente em audiência de julgamento [toda a prova por declarações e testemunhal aqui citada, sem indicação de outra proveniência mostra-se exarada nas actas de julgamento com as refªs 29590070 (1ª sessão), 29603437 (2ª sessão), 29613102 (3ª sessão), 28630435 (3ª sessão)].

Das declarações do Assistente resultou a confirmação dos factos descritos na acusação pública, quer no que tange às palavras quer no que tange aos actos como sendo a cuspidela e a tentativa de agressão, ressalvando um ou outro aspecto que, no cômputo global, se apresenta como de pormenor, como o exactíssimo teor das expressões proferidas, mas, como é certo, não é de prever que tal confirmação absolutamente exacta ocorra, sendo natural que ocorram falhas de memória pelo mero efeito do decurso do tempo – como por exemplo a expressão «és um grande filho da puta» (ponto 13. da acusação), relativamente à qual o Assistente acusou falta de memória, mas que, no cômputo global das suas declarações (e das quais resultou, para além do mais, a confirmação do ponto 4. da acusação, onde também se refere «filho da puta»), também nenhuma dúvida se nos oferece ter sido efectivamente proferida, argumentos que, mutatis mutandis, valem identicamente para o ponto 18. da acusação pública, que o Assistente confirmou parcialmente, mas que, ainda na ponderação dos depoimentos das testemunhas JS e HS, também nenhuma dúvida relevante se oferece quanto à integralidade do vertido nesse ponto.

Portanto como se disse, primacialmente e em primeira linha, a prova absolutamente preponderante produzida em audiência de julgamento consiste nas declarações do Assistente, declarações que se nos afiguram sérias, espontâneas e credíveis – o Assistente relatou os factos com precisão, é certo, mas isso em nada retira credibilidade ao seu depoimento, pelo contrário, somente revela que o mesmo tem bem presentes os factos que deram origem aos presentes autos.

Em segunda linha, e reforçando a convicção do Tribunal, são relevantes os depoimentos dos árbitros assistentes da partida, as já mencionadas testemunhas JS e HS, depoimentos que são identicamente corroborantes dos factos descritos na acusação pública.

Quer do que sucedeu no decurso do jogo, quer ainda do que sucedeu após o jogo, designadamente a tentativa de agressão por parte do Arguido RR (identicamente confirmada pelo Assistente, nas suas declarações), que somente não se consumou pela intervenção dos que se encontravam presentes no local – nenhuma dúvida relevante se oferece, com efeito, de que o Arguido RR teve a intenção de agredir fisicamente o Assistente, e é de naturalmente de prever que tal agressão, a consumar-se, consumar-se-ia através dos meios mais comuns ou expectáveis e que se encontravam disponibilidade do Arguido RR no caso concreto, ou seja o soco, o pontapé.

Abrimos um parêntesis para notar que procedemos à leitura do auto de inquirição de fls. 151, sendo que o depoimento prestado em julgamento pela testemunha JS é inclusivamente mais concretizado do que o prestado em fase de inquérito, e, portanto, também mais esclarecedor e elucidativo.

Assim as declarações do Assistente, conjugadas ainda com os depoimentos das testemunhas JS e HS, são suficientemente reveladores dos factos descritos na acusação pública, na sua integralidade.

É todavia certo que em audiência de julgamento foi produzido um acervo muito considerável de prova por declarações (no que se incluem as declarações dos Arguidos, com excepção do Arguido LL, que não prestou declarações quanto aos factos de que vinha acusado) e testemunhal.

As remanescentes testemunhas da acusação pública, MR, AP e FC, não produziram depoimentos que se equivalham, em termos de clareza e de esclarecimento gerais, aos depoimentos das testemunhas JS e HS, sendo no geral pouco concretizados ou circunstanciados, desde logo a respeito dos factos ocorridos durante o jogo, como também no que concerne aos eventos posteriores ao jogo designadamente os que envolveram o Arguido RR – a testemunha FC referiu algo como «fez o gesto de querer agredir o arbitro» ou que «fez peito».

Não obstante a quantidade da prova produzida em julgamento, muito considerável, como já notámos, não existe uma proporção directa em termos qualitativos, ou seja, em termos de formação da convicção do Tribunal.

Os Arguidos prestaram declarações quantos aos factos da acusação pública (com excepção do Arguido LL, como já se disse) e podemos aduzir que, na generalidade, sendo pacíficas as circunstâncias de tempo e de lugar, os papéis que desempenhavam no jogo, de jogadores e de treinador, os mesmos não assumiram a prática de qualquer conduta incorrecta, ou, pelo menos, de qualquer conduta incorrecta no contexto de um jogo de futebol, sem prejuízo de um ou outro impropério que possa ter sido dito, e muito menos de conduta passível de integrar a prática de crime, negando, de um modo geral, os factos principais, os aspectos basilares da acusação pública e das imputações criminais, portanto, pelo menos relativamente aos Arguidos que prestaram declarações uma coisa é certa, absolutamente clara e cristalina em face das suas declarações – que não apresentam qualquer arrependimento nem juízo crítico face ao desvalor das suas condutas, facto que, resultando das declarações dos Arguidos e assumindo relevância para a decisão, designadamente, efeitos de determinação da pena, demos como provado.

A prova produzida pela defesa, sejam as declarações dos Arguidos, sejam os depoimentos das testemunhas arroladas pelo Arguido AA, HB, BB, JJ e JC, é absolutamente inoperante na infirmação da convicção do Tribunal quanto aos factos da acusação pública.

E manifestamente também não se equivalendo, a última referida prova testemunhal, em termos de elucidação geral quanto à factualidade em discussão, seja quanto à sua ocorrência, seja quanto à sua não ocorrência, à prova preponderante da acusação, já oportunamente assinalada.

A prova testemunhal arrolada pelo Arguido AA imprimiu a tónica geral de que o Assistente estava a dar um tratamento desigual à equipa dos Arguidos, vejam-se os depoimentos de HB, BB e JJ, todos eles configurando, em maior ou menor grau, que a equipa estava a ser injustiçada, sendo que a testemunha JC foi inclusivamente mais longe imputando a responsabilidade da situação ao Assistente, porquanto ele ganhava dinheiro e nós não, e que foi um jogo «incaracterístico», que o Assistente «começou a inclinar o campo»; portanto não se revelaram, como é manifesto, depoimentos particularmente isentos e objectivos.

Prova testemunhal que nos mereceu reduzida ponderação no cômputo global, sendo para nós absolutamente patente que os eventos decorreram nos exactos termos descritos na acusação pública.

Naturalmente que os factos referentes ao preenchimento da tipicidade subjectiva dos crimes imputados aos Arguidos representam conclusão lógica, necessária, absolutamente invariável, das acções concretamente praticadas pelos Arguidos.

Do pedido de indemnização civil. A factualidade do pedido de indemnização civil afigura-se ao Tribunal perfeitamente atendível, na ponderação da globalidade da prova produzida pelo Assistente/Demandante, para além das declarações do Assistente e depoimentos das testemunhas HS e JS, bem assim os depoimentos das testemunhas J. Oca, V. Valente, RT e JN, e sobretudo das últimas três testemunhas, que vem mantendo contacto mais regular com o Assistente e que deram conta de que o mesmo ficou psicologicamente abalado na sequência do jogo em questão.

O que é natural e expectável em face das circunstâncias, e diremos que praticamente por mera presunção, é de concluir pela factualidade vertida em 35-ss.

Quanto ao facto de o Assistente ter mudado de Associação de Futebol, na verdade não há como deixar de estabelecer uma relação entre essa mudança e os factos descritos em 2.1.1.; atente-se nas declarações do Assistente, sendo que o Assistente se apresentou visivelmente emocionado em audiência de julgamento, ao falar dos reflexos que as condutas dos Arguidos tiveram na sua pessoa, designadamente em termos anímicos, mas também nos depoimentos das testemunhas V.Valente, RT e JN, que também aludiram ao facto da transferência.

Também será de atentar na prova documental que acompanha o pedido de indemnização civil (fls. 327), e bem assim no email junto no decurso do julgamento com o requerimento refª 29184852 - logo no dia seguinte ao do jogo o Assistente remeteu um email ao Conselho de Arbitragem da Associação de Futebol de Beja solicitando «(…) total exclusão de nomeações em jogos onde esteve envolvido o referido clube (…)».

Resultantes da discussão da causa. Quanto ao facto 42- veja-se o referido a respeito dos factos da acusação. A restante factualidade tem por base as declarações dos Arguidos e os certificados do registo criminal juntos aos autos.”

3. Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso dos vícios do art. 410.º, n.º 2, do CPP (arts. 403º e 412º nº1 do CPP e AFJ nº 7/95 de 19.10.95), as questões a apreciar respeitam à impugnação da matéria de facto, ao erro de subsunção e à medida da pena.

Os três arguidos recorrentes impugnam a matéria de facto, pugnando todos eles pela absolvição. Fazem-no de uma forma essencialmente homogénea quanto ao modo de impugnação e às linhas de argumentação que desenvolvem, pelo que se justifica um tratamento conjunto, sem prejuízo das particularizações que, em concreto, se impuserem.

O arguido AA impugna apenas a matéria de facto e a pena, insurgindo-se aqui contra a medida da multa. Já os recorrentes VV e AA, para além da discordância quanto à decisão de facto, suscitam ainda a questão do erro de subsunção, justificando-se também neste ponto uma abordagem conjunta, dada, mais uma vez, a identidade de problema colocado a apreciação.

Por último, de consignar a irrecorribilidade da sentença em matéria cível. O arguido VV parece pretender também impugnar o valor da indemnização arbitrada, mas o art. 400º, n.º 2 do CPP preceitua que “o recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil só é admissível desde que o valor do pedido seja superior à alçada do tribunal recorrido e a decisão impugnada seja desfavorável para o recorrente em valor superior a metade dessa alçada”.

Assim, o recurso da parte da sentença relativa à matéria civil é, no presente caso (e até quanto a todos os arguidos), inadmissível, já que, independentemente do valor do pedido, a decisão impugnada não é desfavorável para o recorrente em valor superior a metade da alçada do tribunal recorrido (de € 5.000,00), não se verificando desde logo o segundo requisito que a lei exige (cumulativamente) para a recorribilidade.

Da impugnação em matéria de facto
Como se disse, os três recorrentes impugnam a matéria de facto, pugnando todos, nessa medida, pela absolvição. Fazem-no de uma forma essencialmente homogénea (quanto ao modo de impugnação e à linha de argumentação desenvolvida) pelo que se justifica um tratamento conjunto, como se disse.

A linha de argumentação que desenvolvem - invocando uns o erro notório na apreciação da prova, mas pretendendo todos fazê-lo também por referência à prova gravada, remetendo ora para a totalidade das declarações de arguido, do assistente e de testemunhas que particularizam, ora para passagens ou excertos dessas mesmas declarações -, assenta essencialmente na discordância (manifestada por todos) quanto à credibilidade merecida pelas declarações do assistente, em detrimento das declarações do arguido.

Da leitura dos recursos retira-se que os três recorrentes sustentam que tais declarações (de assistente) se encontrariam desacompanhadas de outras provas, e que deveriam “ceder” perante o teor e a verosimilhança das declarações (de negação) de arguido e o diferente “peso” probatório que a estas deveria ser conferido (atento um princípio do in dúbio pro reo e a ausência de repartição do ónus de prova em processo penal). Embora não exactamente nestes termos, e com mais ou menos referências a prova gravada, é esta, em suma, a posição que defendem, todos eles, nos seus recursos.

Assim, IC defende que “de todos os depoimentos, com exceção dos do assistente e das testemunhas por si arroladas, resultou o contrário daquilo que foi considerado provado”.

VV e AA afirmam (ambos) “a clara violação dos princípios estruturantes do processo penal, como o princípio da livre apreciação da prova, o princípio in dubio pro reo, o princípio da legalidade e o do critério do homem médio” e “com o respeito pelos princípios acima referidos, as conclusões no que se refere ao ora recorrente não poderiam dar-se como provadas”.

Independentemente de se encontrarem devidamente cumpridos os ónus legais de impugnação da matéria de facto, nenhum dos recursos é de proceder. E esta constatação resulta logo da sindicância da “sentença de facto” (consistente nos factos provados e no exame crítico das provas) no confronto das razões de discordância apresentadas pelos recorrentes (e sustentadas nas concretas provas que suportaram as suas argumentações).

Na verdade, desse confronto resulta não se vislumbrar fundamento para que o tribunal a quo devesse ter permanecido na dúvida relativamente aos factos (a todos os factos) que considerou como provados. Ou seja, lidas as razões dos recorrentes e as justificações dos factos provados constantes da sentença, esta (a “sentença de facto”) permanece compreensível e amplamente justificada, pelo que não se detecta qualquer erro de julgamento.

Lembra-se que o recurso da matéria de facto visa a reparação de erros de facto e, como se tem afirmado sem dissensão na jurisprudência e na doutrina, não é um segundo julgamento. Não interessa (porque não releva) vir requerer uma reapreciação de provas em segunda instância se essa reapreciação, do modo como é requerida, exorbita os poderes de cognição da Relação em matéria de facto.

Os recorrentes estão, no fundo, a reiterar a posição que defenderam em julgamento, e que não obteve vencimento, pretendendo consegui-lo agora aqui. Mas a Relação não pode proceder à reapreciação das provas na medida em que o faz o juiz de julgamento - o que sucede desde logo porque a segunda instância não se encontra na mesma posição perante as provas, faltando-lhe a imediação com a prova oral e a possibilidade de interagir com a prova pessoal - havendo que aceitar a ocorrência de uma impressão causada no julgador pelo prestador da prova oral, que só a imediação em primeira instância possibilita ao nível mais elevado.

Tem de aceitar-se que, no modelo de recurso plasmado no Código de Processo Penal, e em interpretação conforme à Constituição, existirá sempre uma margem de insindicabilidade da decisão do juiz de primeira instância sobre a matéria de facto.

Regressando à concreta matéria objecto de apreciação, defendem, em suma, os arguidos que o tribunal deveria ter acreditado na sua versão dos factos, ou seja, e sintetizando, que proferiram algumas expressões, mas não as dadas como provadas e no modo descrito nos factos provados da sentença.

Em julgamento foram efectivamente apresentadas duas versões dos factos, opostas nos pontos impugnados. Mas a sentença demonstra que o tribunal constatou essa oposição, tendo então procurado provas eventualmente corroborantes das versões apresentadas, justificando depois, na sentença, por que razão a versão do assistente convenceu.

Não sendo as declarações do arguido, em abstracto, menos credíveis do que as do ofendido, e sendo um meio de defesa, corolário do direito a ser ouvido, a falar e/ou a não falar, não deixam de ser também um meio de prova (foi esta a opção do legislador, na disciplina do art. 344º do CPP, por via do qual atribuiu à confissão efeitos de prova plena). E aceitando-se que o arguido tenha um especial interesse no desenrolar do processo, há que reconhecer que tal interesse também se verifica do lado da vítima. Seria, pois, juridicamente errado justificar um eventual menor peso probatório das declarações de arguido (versus declarações do ofendido) com a ausência de juramento ou com um interesse pessoal no desfecho do processo. E do princípio do in dúbio pro reo, a que todos os recorrentes apelam, sempre decorreria que ao arguido bastaria fragilizar a prova da acusação, já que acusação e defesa não se encontram, no enfoque probatório, em situação de igualdade (pois inexiste repartição de ónus de prova em processo penal, como se mencionou já).

Mas no presente caso não é visível que o tribunal se tenha afastado do cumprimento das regras e princípios de prova, particularmente dos relativos à apreciação, e que tenha dado credibilidade injustificada à versão da acusação. Ou seja, que tenha decidido de facto infundadamente.

O julgador, na decisão da matéria de facto, quando se depara com provas de sinal contrário e abstractamente de igual peso probatório, deve procurar outros elementos probatórios, corroborantes do facto controvertido da acusação. E na ausência destes (de outras provas corroborantes, directas, indirectas ou circunstanciais, porque inexistentes), terá de justificar de um modo especial a eventual verosimilhança da versão da acusação, se for caso disso. Fazendo-o, por exemplo, com base na maior racionalidade da versão apresentada pela testemunha-vítima (de acordo com regras de lógica e de experiência comum), numa superior credibilidade (sempre devidamente objectivada) merecida por esta, tudo sob pena de, não o alcançando, ter de fazer operar o princípio do in dubio pro reo.

No caso presente, as declarações do assistente revestiram particular importância no contexto geral da prova (como naturalmente costuma suceder), mas, desde logo, estas não só se apresentaram ao tribunal como verosimilhantes e credíveis (por razões que a sentença objectiva), como se encontram acompanhadas de outras provas corroborantes. Também se encontra ali justificada a descredibilização da prova de sinal contrário.

Dispensamo-nos de repetir um percurso de análise de provas que se mostra claro e coerente, sem saltos ou incongruências, e que não sai abalado por se ter afirmado, agora em recurso e contra o que se evidencia com clareza na sentença, que a prova se teria baseado injustificadamente nas declarações do assistente e que seria contrariada por outras provas.

Atente-se, por exemplo, nos seguintes excertos do exame crítico das provas, em que se explica o sentido das declarações do assistente e se sinaliza a importância da prova corroborante: “Das declarações do Assistente resultou a confirmação dos factos descritos na acusação pública, quer no que tange às palavras quer no que tange aos actos como sendo a cuspidela e a tentativa de agressão, ressalvando um ou outro aspecto que, no cômputo global, se apresenta como de pormenor, como o exactíssimo teor das expressões proferidas, mas, como é certo, não é de prever que tal confirmação absolutamente exacta ocorra, sendo natural que ocorram falhas de memória pelo mero efeito do decurso do tempo – como por exemplo a expressão «és um grande filho da puta» (ponto 13. da acusação), relativamente à qual o Assistente acusou falta de memória, mas que, no cômputo global das suas declarações (e das quais resultou, para além do mais, a confirmação do ponto 4. da acusação, onde também se refere «filho da puta»), também nenhuma dúvida se nos oferece ter sido efectivamente proferida, argumentos que, mutatis mutandis, valem identicamente para o ponto 18. da acusação pública, que o Assistente confirmou parcialmente, mas que, ainda na ponderação dos depoimentos das testemunhas JS e HS, também nenhuma dúvida relevante se oferece quanto à integralidade do vertido nesse ponto. (…) a prova absolutamente preponderante produzida em audiência de julgamento consiste nas declarações do Assistente, declarações que se nos afiguram sérias, espontâneas e credíveis – o Assistente relatou os factos com precisão, (…) revela que o mesmo tem bem presentes os factos que deram origem aos presentes autos. (…) são relevantes os depoimentos dos árbitros assistentes da partida, as já mencionadas testemunhas JS e HS, depoimentos que são identicamente corroborantes dos factos descritos na acusação pública. (…) as declarações do Assistente, conjugadas ainda com os depoimentos das testemunhas JS e HS, são suficientemente reveladores dos factos descritos na acusação pública, na sua integralidade.

Atente-se, depois, na apreciação da prova por declarações de arguido e por depoimento de testemunhas, pretensamente corroborantes destas: “As remanescentes testemunhas da acusação pública, MR, AP e FC, não produziram depoimentos que se equivalham, em termos de clareza e de esclarecimento gerais, aos depoimentos das testemunhas JS e HS, sendo no geral pouco concretizados ou circunstanciados, desde logo a respeito dos factos ocorridos durante o jugo, como também no que concerne aos eventos posteriores ao jogo designadamente os que envolveram o Arguido RR – a testemunha FC referiu algo como «fez o gesto de querer agredir o arbitro» ou que «fez peito».

Não obstante a quantidade da prova produzida em julgamento, muito considerável, como já notámos, não existe uma proporção directa em termos qualitativos, ou seja, em termos de formação da convicção do Tribunal.

Os Arguidos prestaram declarações quantos aos factos da acusação pública (com excepção do Arguido LL, como já se disse) e podemos aduzir que, na generalidade, sendo pacíficas as circunstâncias de tempo e de lugar, os papéis que desempenhavam no jogo, de jogadores e de treinador, os mesmos não assumiram a prática de qualquer conduta incorrecta, ou, pelo menos, de qualquer conduta incorrecta no contexto de um jogo de futebol, sem prejuízo de um ou outro impropério que possa ter sido dito, e muito menos de conduta passível de integrar a prática de crime, negando, de um modo geral, os factos principais, os aspectos basilares da acusação pública e das imputações criminais, portanto, pelo menos relativamente aos Arguidos que prestaram declarações uma coisa é certa, absolutamente clara e cristalina em face das suas declarações – que não apresentam qualquer arrependimento nem juízo crítico face ao desvalor das suas condutas, facto que, resultando das declarações dos Arguidos e assumindo relevância para a decisão, designadamente, efeitos de determinação da pena, demos como provado.

A prova produzida pela defesa, sejam as declarações dos Arguidos, sejam os depoimentos das testemunhas arroladas pelo Arguido AA, HB, BB, JJ e JC, é absolutamente inoperante na infirmação da convicção do Tribunal quanto aos factos da acusação pública.

E manifestamente também não se equivalendo, a última referida prova testemunhal, em termos de elucidação geral quanto à factualidade em discussão, seja quanto à sua ocorrência, seja quanto à sua não ocorrência, à prova preponderante da acusação, já oportunamente assinalada.

A prova testemunhal arrolada pelo Arguido AA imprimiu a tónica geral de que o Assistente estava a dar um tratamento desigual à equipa dos Arguidos, vejam-se os depoimentos de HB, BB e JJ, todos eles configurando, em maior ou menor grau, que a equipa estava a ser injustiçada, sendo que a testemunha JC foi inclusivamente mais longe imputando a responsabilidade da situação ao Assistente, porquanto ele ganhava dinheiro e nós não, e que foi um jogo «incaracterístico», que o Assistente «começou a inclinar o campo»; portanto não se revelaram, como é manifesto, depoimentos particularmente isentos e objectivos.

Prova testemunhal que nos mereceu reduzida ponderação no cômputo global, sendo para nós absolutamente patente que os eventos decorreram nos exactos termos descritos na acusação pública.”

Também do contraditório do recurso resulta o reforço da sentença de facto.

Atente-se na seguinte passagem das respostas aos recursos apresentadas pelo Ministério Público: “A estes elementos acrescem o relatório de jogo que se encontra junto aos autos a fls. 86, cujo teor foi confrontado e descrito pelo assistente, ao minuto 24 das suas declarações, cujo teor as complementa. Os depoimentos e as declarações e mostram-se credíveis, sinceras e espontâneas e reflectem a prova documental junta aos autos, pelo que se concorda com a sentença recorrida. Da conjugação das declarações do assistente e do depoimento constata-se o suporte e a dinâmica dos factos dados como provados, o que não é invalidado pelas declarações do ora recorrente que negou a prática dos factos, nem pelas testemunhas de defesa apresentadas que não enfermaram a conjugação daqueles depoimentos."

Em resumo e para concluir, a sentença não só se explica por si (objectivando devidamente a convicção formada quanto a toda a matéria de facto provada), como o confronto da sentença com a argumentação dos recursos não permite detectar a existência de erros de julgamento. Pois nada obsta, aqui, à conclusão de que não são vislumbráveis desconformidades entre a prova produzida e a percepção que dela foi feita, inexistem provas proibidas, o tribunal justificou suficientemente as opções que fez na valoração dos contributos probatórios, atribuindo valor positivo ou negativo às provas, de um modo sempre racionalmente justificado, de acordo com regras de lógica e de experiência comum e com respeito pelo princípio do in dubio pro reo.

Resta à Relação confirmar toda a decisão da matéria de facto da sentença.

Do erro de subsunção
Os recorrentes VV e AA suscitam a questão do erro de subsunção, justificando-se também aqui a abordagem conjunta relativamente ao tipo de crime “injúria”, dada a identidade de problema colocado, e particularizando-se a temática do crime de ameaça relativamente ao recorrente VV.

Os dois arguidos foram condenados como autores de um crime de injúria agravada dos arts. 181.º n.º 1 e 184.º com referência ao artigo 132.º n.º 2 alínea l), e o arguido VV ainda como autor de um crime de ameaça agravada do art. 155.º n.º 1 als. a) e c), com referência aos arts. 153.º n.º 1, 131.º e 132.º n.º 2 al. l), todos do CP.

Os factos provados da sentença foram os seguintes, na parte que agora mais releva (e no que respeita à componente objectiva do tipo, a vertente em apreciação):

Quanto a VV:
6- Acto contínuo, o Arguido VV aproximou-se do Assistente e, aplaudindo, disse-lhe “Sim Senhor, árbitro do caralho”.

7- O Assistente exibiu o cartão amarelo ao Arguido VV e, por ser o segundo e pelas regras do jogo, exibiu o cartão vermelho, expulsando-o do jogo.

8- Em seguida, o Arguido VV, por ficar desagradado, cuspiu na cara do Assistente, tirou-lhe os cartões disciplinares da mão e disse-lhe, em tom sério, “Toma lá porco, mato-te cabrão. És um filho da puta”.

Quanto ao arguido AA:
“9- Ao minuto 36 de segunda parte do jogo, o Arguido AA disse ao Assistente que “Vai-te para o caralho, paneleiro”.

10- Em consequência, o Assistente deu indicação de expulsão ao Arguido AA, altura em que este lhe disse “És um grande palhaço, filho da puta. Já não se pode dizer nada ao menino.”

O recorrente VV insurge-se quanto à qualificação jurídica dos factos provados (os transcritos e os do tipo subjectivo) dizendo que “tem sido entendimento da jurisprudência, que a mera verbalização de palavras obscenas, não põe em causa o carácter, o bom nome e a reputação da pessoa visada”, que “além de que esta linguagem grosseira, deselegante e até obscena se passa no decurso de um jogo de futebol, o que em qualquer estádio seja de que divisão for, faz parte da normalidade” e que “todos nós, adeptos de futebol, ouvimos os desabafos dos jogadores, quer entre colegas, quer com o árbitro, quer mesmo com o treinador. Todos nós já ouvimos inúmeras vezes um jogador irritado com uma decisão protestar com um "mato-te e esfolo-te" e diga-se em abono da verdade, que ninguém leva estas frases a sério, muito menos fica a temer pela sua saúde e pela sua vida. É da experiência comum que estas frases, naquele contexto, são meros desabafos”.

Já AA refere que “tais palavras ou expressões fazem parte da normalidade do contexto futebolístico e não merecendo censura social e muito menos penal. Até porque, no contexto em que foram proferidas, não pretenderam, de forma alguma atentar contra a honra e o bom do assistente. Mais, ainda que tal expressão/questão tivesse sido proferida fora do contexto futebolístico, a mesma jamais poderia constituir ou tipificar o crime de injúria previsto e punido no art. 181 do C.P, porquanto a mesma não é susceptível por si, de causar ofensa da honra e consideração ou de imputar factos ainda que sob a forma de suspeita” e que “as palavras/ expressões/vernáculos recorrentes no jogos de futebol ainda que beliscar a sensibilidade linguística e moral de algumas pessoas não podem, atenta a realidade o bom senso e as regras da experiencia comum, beliscar a sensibilidade dos intervenientes do próprio jogo, do qual a equipa de arbitragem é parte integrante e fundamental, devendo o julgador perceber o contexto e o ambiente de normalidade ali vivido, desvalorando-o penalmente pois que tais expressões não constituem a violação do bem jurídico que se pretende proteger quando se tipifica os comportamentos descritos no art. o 181º do CP.”

Depois de tecer acertadas considerações jurídicas gerais sobre os tipos em análise, o senhor juiz de julgamento justificou a integração jurídica dos factos provados, na parte que mais releva para os recursos, do modo seguinte:

Relativamente ao arguido VV:
“Ao proceder como descrito em 6-, 8- e 24-, praticou um crime de injúria agravada, por razões idênticas às referidas a respeito do Arguido RR, tendo usado de expressões manifestamente ofensivas.

Ao proceder como descrito em 8-, 25- e 26-, praticou um crime de ameaça agravada (artigo 155.°, n.º 1, alíneas a) e c), do Código Penal), porquanto anunciou que matava o Assistente - pois manifestamente ninguém pode deixar de entender «mato-te cabrão» como uma ameaça à sua integridade física, ainda para mais num contexto manifestamente censurável de ofensas verbais, tendo o Arguido, inclusivamente, cuspido na cara do Assistente, árbitro de futebol em exercício de funções.”

Note-se que quanto ao arguido RR referira-se antes: “praticou um crime de injúria agravada, usando expressões manifestamente depreciativas da consideração devida ao Assistente, árbitro de futebol da Associação de Futebol de Beja em exercício de funções; «cabrão», «filho da puta», «paneleiro», independentemente do contexto em que foram ditas são palavras manifestamente ofensivas, pois representam, simplesmente, um ataque à pessoa do árbitro, ou seja um ataque pessoal, não possuindo qualquer objectivo ou sentido de crítica às suas decisões e em nada se relacionam com as mesmas, juízo que vale, mutatis mutandis, para as demais condutas sob análise. De resto o contexto geral, de ataque à pessoa do Assistente, somente reforça o juízo quanto à verificação dos crimes, e nunca o inverso.

Relativamente ao arguido AA:
“Ao proceder como descrito em 9-, 10- e 33-, praticou um crime de injúria agravada, também ele utilizando, em tudo à semelhança dos demais Arguidos, de expressões manifestamente ofensivas da honra e consideração do Assistente, independentemente do contexto em que as mesmas expressões foram proferidas, manifestamente censurável e que somente reforça o juízo do Tribunal quanto à verificação dos crimes, conforme inicialmente assinalado.”

E a sentença é, também aqui, de confirmar.

Na verdade, as exactas expressões proferidas por cada um dos recorrentes, nos precisos termos e no contexto em que foram verbalizadas, apresentam-se como típicas.

A relevância penal de qualquer expressão grosseira ou indelicada não pode ser aferida descontextualizadamente, do mesmo modo que um vocábulo, qualquer vocábulo linguístico, só adquire um sentido no contexto em que é utilizado. E muda de significado consoante a frase em que se insere.

Assim, aceita-se que as expressões proferidas, isoladamente observadas e numa outra situação, possam não assumir relevância penal. Mas essa outra situação não é a presente.

O tipo legal da injúria assegura o direito ao “bom-nome” e a “reputação”, constitucionalmente garantidos (art. 26º, nº1 da CRP), conceitos muito debatidos na doutrina e na jurisprudência.

Recorda-se apenas que a “honra” é a essência da personalidade humana, referindo-se à probidade, rectidão, carácter. A “consideração” é o valor atribuído por alguém ao juízo do público, isto é, do apreço ou, pelo menos, da não desconsideração que os outros tenham por ele (Beleza dos Santos, RLJ 3152-142). E que o Código Penal adopta uma concepção dual de honra (concepção normativa-pessoal de honra) segundo a qual esta é vista como um bem jurídico complexo que inclui quer o valor pessoal ou interior de cada indivíduo, radicado na sua dignidade, quer a própria reputação ou consideração exterior.

De referir também que o direito penal reveste natureza fragmentária, “de tutela subsidiária (ou de última ratio) de bens jurídicos dotados de dignidade penal, ou, o que é dizer o mesmo, de bens jurídicos cuja lesão se revele digna de pena” (Figueiredo Dias, Temas Básicos da Doutrina Penal, 2001, p. 43). Tutela os valores essenciais e fundamentais da vida em sociedade, obedecendo a um princípio de intervenção mínima, bem como de proporcionalidade, imanentes ao Estado de Direito.

Assim, e no que respeita à “injúria”, nem tudo o que causa contrariedade e se apresenta como desagradável, grosseiro e pouco educado, mesmo até quando formalmente pareça integrar o tipo de crime, será relevante para esse núcleo de interesses penalmente protegidos. A lei tutela a dignidade e o bom-nome do visado, e não a sua susceptibilidade ou melindre. A valoração deve fazer-se de acordo com o que se entenda por ofensa da honra num determinado contexto temporal, local, social e cultural.

Na lição antiga, mas ainda actual, de Beleza dos Santos, “nem tudo aquilo que alguém considera ofensa à dignidade ou uma desconsideração deverá considerar-se difamação ou injúria puníveis” (Algumas Considerações sobre Crimes de Difamação ou de Injúria, RLJ 92, p.167). Também Oliveira Mendes alerta para que “nem todo o facto que envergonha e perturba ou humilha cabe na previsão das normas dos arts. 180º e 181º, tudo dependendo da intensidade ou perigo da ofensa” (O Direito à Honra e a sua Tutela Penal, p. 37).

A contextualização das expressões proferidas é sempre indispensável ao juízo sobre a tipicidade, do mesmo modo que a contextualização de qualquer enunciado linguístico importa para a sua integral compreensão.

Impõe-se, assim, olhar as expressões em apreciação, não abstracta nem isoladamente, mas no contexto e nas circunstâncias em que foram proferidas. E apreciar então se, nesse contexto, atingiram a pessoa visada num quadro merecedor de tutela penal. Pois também à semelhança do que acontece com a realização dos tipos penais em geral, mas particularmente até com o tipo em presença, utilizando agora palavras de Cavaleiro de Ferreira, “os crimes contra o pudor, a honra, a honestidade, são conceitos que só se compreendem após uma prévia valoração da realidade”.

Na avaliação sobre a tipicidade não pode deixar de relevar, insiste-se, o contexto em que a expressão desagradável é proferida, o que, no presente caso, integra claramente ofensa ao bom nome e consideração do visado.

Na verdade, a prolação em campo, por jogador de futebol, das expressões “árbitro do caralho” e “és um filho da puta”, dirigidas ao árbitro que ali se encontra no exercício das funções de arbitragem, esta última expressão acompanhada de uma cuspidela na cara do visado e proferida na sequência da exibição de um cartão vermelho, realiza o tipo do crime de “injúria” (agravada).

Assim sucede também com a prolação, em idênticas circunstâncias de tempo e lugar, por treinador de futebol, das expressões “vai-te para o caralho, paneleiro” e “és um grande palhaço, filho da puta”, proferida esta na sequência de expulsão de jogador.

Defendem os arguidos que as palavras e expressões em causa “fazem parte da normalidade do contexto futebolístico”, que “não merecem censura social e muito menos penal”. Mas não têm razão.

Não se trata aqui, como pretendem os recorrentes, “apenas de linguagem grosseira, deselegante e até obscena que se passa no decurso de um jogo de futebol, o que em qualquer estádio seja de que divisão for, faz parte da normalidade”.

O comportamento descrito, os concretos insultos proferidos por treinador e por jogador de futebol directamente à pessoa do árbitro em exercício de funções, no decurso de um jogo, não faz(em) parte da normalidade do jogo de futebol. E, mesmo a fazê-lo, seria sempre de uma “normalidade” meramente estatística que se trataria, e não de uma normalidade valorativa. E seria sempre a esta normalidade (mais valorativa, e não estritamente estatística) que se deveria sobretudo atender na avaliação sobre a eventual “adequação social”.

Embora sem os nomear, os recorrentes estarão a pretender recorrer a princípios como os da adequação social e da insignificância penal, os quais surgem realmente, na prática judiciária, como “máximas interpretativas do tipo” (na expressão de Roxin).

Reconhece-se que, em contexto de prática desportiva (de futebol), existe alguma tolerância social para uma certa margem de aspereza de linguagem. E estes excessos de linguagem têm de conviver, logicamente, com um correspondente poder de encaixe por parte de quem frequenta esses mesmos espaços e lugares.

Assim, e de acordo com os princípios da fragmentariedade, da intervenção mínima e da proporcionalidade do direito penal, mas também da insignificância e da adequação social, resulta que determinados comportamentos “insultuosos” em contexto de prática de futebol possam não contrariar o sentido social de valor contido no tipo da injúria (ou da difamação) e, por isso, possam não realizar materialmente crime (embora formalmente o possam preencher).

Mas no presente caso, não se tratou de um “comportamento socialmente aceite ou tolerado” (nem estatística, nem, sobretudo, valorativamente), pois o que sucedeu aqui não consubstanciou, por exemplo, “meros desabafos” de jogadores consigo próprios ou com companheiro de equipe. Não foram também meros vitupérios de bancada, proferidos por aqueles que ali assistem ao jogo e que vociferam contra a arbitragem.

Aqui, tratou-se, sim, da prolação de expressões ofensivas da honra e consideração profissional, visando a pessoa de um árbitro no exercício de funções, funções cujas condições para um bom desempenho cumpre também acautelar e preservar.

Foram ainda expressões dirigidas pelos arguidos directamente ao árbitro e proferidas em tom ofensivo e claramente intimidatório, num contexto de para-violência (uma delas foi até acompanhada de uma cuspidela no rosto, o que reforça a ofensividade e gravidade do comportamento).

O direito penal não tem de “aceitar” uma propalada normalidade (seria um “ser” a ditar o “dever ser”), a qual, mesmo a existir, traduziria uma normalidade “estatística” e nunca “valorativa”. Trata-se, aqui, de uma conduta censurável, devendo antes o direito penal ser claro nessa censura, assegurando a tutela do bem jurídico.

Em suma, as condutas dos dois arguidos recorrentes são passíveis de censura penal, pois atingem um bem jurídico que, como tal, cumpre proteger.

Como se considerou na sentença, “o contexto geral, de ataque à pessoa do assistente, somente reforça o juízo quanto à verificação dos crimes, e nunca o inverso” (itálico nosso).

Reafirma-se aqui esta asserção, subscrita pelo senhor juiz de julgamento. De realçar também a referência seguinte, feita já na determinação da pena: “A conduta dos Arguidos, na sua objectividade considerada, representou um ataque à pessoa do Assistente, árbitro de futebol, no decurso de um jogo de futebol que arbitrava, sendo que o fenómeno da violência no desporto, seja no futebol seja em que modalidade for, suscita um sentimento comunitário de reprovação muito relevante, e não pode, de modo algum, ser encarado com normalidade”.

Por último, nada se oferece reparar no que respeita ao crime de ameaça (agravada) cujo tipo se encontra, igualmente, realizado.

O sentido da expressão “mato-te cabrão” (verbalizada após prolação de outras expressões injuriosas, de um “toma lá porco” e de um lançar de cuspo para o rosto) é aqui inequívoco.

O art. 153º do CP pune “quem ameaçar outra pessoa com a prática de crime contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou bens patrimoniais de considerável valor, de forma adequada a provocar-lhe medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação” (cumpre analisar apenas o tipo base, não estando impugnada a matéria referente ás qualificativas e nada havendo a apreciar oficiosamente). O tipo protege a liberdade de decisão e de acção e a paz jurídica individual. Trata-se de um crime de mera actividade e de perigo, importando apenas que a ameaça seja adequada a provocar medo, inquietação ou a prejudicar liberdade de determinação do visado, de acordo com um critério objectivo-individual (v. Taipa de Carvalho, Comentário Conimbricense ao Código Penal, Tomo I, 2ª ed., p. 562).

O comportamento apurado é idóneo a causar perturbação, a intimidar, a perturbar a paz individual e a liberdade de determinação do visado (o ofendido chegou mesmo a apresentar pedido para não arbitrar mais jogos com aquela equipe) sendo possível deduzir, de acordo com o normal acontecer, que o arguido pudesse vir a concretizar, no próprio jogo ou futuramente, a ameaça de, pelo menos, atingir o corpo do ofendido, lesando-o na integridade física.

Ou seja, na presente situação, a prolação da expressão “eu mato-te”, precedida de insultos e de um lançar de cuspo para o rosto, é ameaça com a prática de um mal. E esse mal, que consubstancia ofensa à integridade física do modo explanado, não se esgotou no momento temporal da prolação da expressão.

Da medida da pena
O arguido AA impugna a pena, argumentando que “a pena em que o ora recorrente foi condenado, não se demonstra adequada, suficiente e proporcional aos factos praticados, atendendo à culpa do agente, bem jurídico violado, as circunstâncias da sua prática, as suas repercussões sociais e as exigências de prevenção geral e especial”.

Recorda-se que os recursos são sempre remédios jurídicos e que também em matéria de pena mantêm o arquétipo de recurso-remédio. A propósito da determinação concreta da pena, a doutrina mais representativa e alguma jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça têm sufragado o entendimento de que a sindicabilidade da medida da pena em recurso abrange a determinação da pena que desrespeite os princípios gerais respectivos, as operações de determinação impostas por lei, a indicação e consideração dos factores de medida da pena, mas “não abrangerá a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena, excepto se tiverem sido violadas regras da experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada” (cf. Figueiredo Dias, DPP. As Consequências Jurídica do Crime 1993, §254, p. 197).

Assim, a Relação não julga de novo, não determina a pena como se inexistisse uma decisão de primeira instância, e a sindicância desta decisão (de primeira instância) pelo tribunal superior não abrange a fiscalização do quantum exacto de pena que, decorrendo duma correcta aplicação das regras legais e dos princípios legais e constitucionais, ainda se revele proporcionada. E não inclui a compressão da margem de apreciação livre reconhecida ao tribunal de primeira instância enquanto componente individual do acto de julgar. A margem de liberdade do juiz de julgamento nos limites expostos, abrange todo o processo prático de decisão sobre a pena.

Dentro deste quadro de entendimento e de definição dos poderes de cognição da Relação, e perante uma argumentação em recurso que nada de novo, e de não apreciado que o devesse ter sido, traz à discussão, é de reconhecer que a leitura da sentença permite concluir que esta não evidencia a mínima inobservância de regra legal ou de princípio (legal e constitucional) respeitante à pena.

Adite-se que, na interacção com o arguido, dispôs o juiz de julgamento de condições óptimas para poder avaliar as necessidades de pena, condições seguramente melhores do que aquelas de que dispõe a Relação. Este quadro de dissimilitude das “distâncias” é o naturalmente decorrente da distinção de tratamento entre uma existência de imediação e uma ausência dela. Daí também que o arguido tenha não apenas o dever mas também o direito a estar (presencialmente) perante o juiz que lhe fixa a pena.

Este direito de audiência e de presença, expressão máxima do princípio contraditório e do exercício dos direitos de defesa, visa facultar ao tribunal que vê e ouve o arguido, que interage directamente com ele, o máximo de informação sobre a sua personalidade, circunstância necessariamente (muito) relevante no processo de determinação da sanção.

Na sentença, a fundamentação da pena foi, na parte que agora mais releva, a que segue:

“No caso vertente as necessidades de prevenção são muito prementes em ambas as vertentes. Na vertente geral, meramente na ponderação da relevância dos bens jurídicos tutelados com as incriminações atingidas e da gravidade da conduta dos Arguidos, na sua objectividade considerada.

A conduta dos Arguidos, na sua objectividade considerada, representou um ataque à pessoa do Assistente, árbitro de futebol, no decurso de um jogo de futebol que arbitrava, sendo que o fenómeno da violência no desporto, seja no futebol seja em que modalidade for, suscita um sentimento comunitário de reprovação muito relevante, e não pode, de modo algum, ser encarado com normalidade.

Por sua vez no prisma da prevenção especial os Arguidos, no geral, não beneficiam de circunstâncias atenuantes como sendo a confissão ou o arrependimento, que sempre amenizam, muito relevantemente, as necessidades de prevenção especial, portanto a necessidade da pena, na perspetiva do agente.

Não obstante, se quanto ao Arguido LL, simplesmente se constata a ausência de tais circunstâncias atenuantes, relativamente aos demais Arguidos formulamos um juízo positivo de censura, a efectiva ausência de arrependimento/sentido crítico face ao desvalor das suas condutas.

Assim iremos optar por penas de prisão, relativamente aos Arguidos RR, VV, IC e AA, e por penas de multa, relativamente ao Arguido LL, visto as necessidades de prevenção especial se fazerem sentir sobremaneira mais prementes no caso dos primeiros.

(…) No caso vertente, como juízo transversal ou comum aos crimes praticados, temos que o grau de ilicitude e a intensidade do dolo prefiguram -se num patamar elevado e a culpa dos Arguidos nos moldes do dolo directo (Artigo 14.°, n." 1, do Código Penal).

Em termos de condições de vida dos Arguidos (factos provados 46-ss), julgamos que não se justifica um juízo substancialmente diferenciado, sendo ainda que os antecedentes criminais registados dos Arguidos RR e AA dizem respeito a crimes de natureza diversa dos que são objecto dos presentes autos e, consequentemente, não relevam particularmente em termos de conduta anterior agravante; assim como também não deverá representear circunstancialismo atenuante de particular relevo a ausência de antecedentes de criminais, visto não ser este aspecto, por si mesmo, sinónimo de boa conduta anterior ao facto.

Assim que importará fundamentalmente atentar nas condutas dos Arguidos, sendo fundamentalmente aí que reside a distinção em termos de medida concreta da pena.

(…) As condutas dos Arguidos LL e AA, ainda relativamente aos crimes de injúria agravada, sendo ligeiramente menos gravosa atendendo ao número de expressões proferidas, entre si também se equivalem, sensivelmente, quanto à sua gravidade, pelo que deverão importar, também, uma pena equivalente, dentro das respectivas molduras abstractas.
Temos assim por adequado aplicar aos Arguidos as seguintes penas concretas:
Arguido AA:

- pela prática do crime de injúria agravada, 1 mês e 15 dias de prisão.

(…) Relativamente às penas de prisão em medida não superior a cinco anos importa saber se as mesmas são passíveis de suspensão na sua execução, em conformidade com o art. 50.°, nº 1, do Cód. Penal.

Excluímos qualquer outra pena substitutiva do catálogo, porquanto, em nosso ver, as prementes necessidades de prevenção, que se fazem sentir no caso presente, pelas razões já assinaladas, manifestamente não o consentem.

É pressuposto da suspensão da execução da pena de prisão a formulação, pelo julgador, de um juízo de prognose favorável relativamente ao comportamento futuro do arguido, no sentido de quanto a ele a simples censura e ameaça da pena de prisão serem suficientemente dissuasoras da prática de futuros crimes.

No caso vertente os Arguidos não registam antecedentes criminais/não registam antecedentes criminais por crimes de idêntica natureza, sendo de crer, ainda na ponderação dos aspectos apurados quanto às suas condições de vida (2.1.3.), que a simples ameaça da prisão será suficiente para os prevenir da prática de crimes.

Pelo que deverão as penas de prisão aplicadas ser suspensas na sua execução, por igual período de tempo ou pelo período de um ano (relativamente à que é inferir a um ano de prisão), nos termos do art. 50.°, n.º s 1 e 5, do Código Penal.

Como condição da suspensão afigura-se-nos da maior relevância que os Arguidos paguem, no prazo de um ano, o valor da indemnização arbitrada em sede civil, como meio de reparar o mal do crime.

Não existe arrependimento, e, por isso, seria claramente desadequado impor um pedido de desculpas, mas já não o é impor o pagamento da indemnização para compensação dos danos morais sofridos pelo Assistente, à luz do preceituado no artigo 51.°, n.º 1, alínea a), do Código Penal.

O que não se revela incompatível, também, com a situação económica dos Arguidos (…).”

Dentro da margem de actuação da Relação, nos moldes supra expostos, é de reconhecer o acerto no processo de determinação da pena.

Visando a pena finalidades exclusivamente preventivas, mostram-se ali devidamente avaliadas as exigências de prevenção geral e especial, correctamente mesuradas e factualmente concretizadas.

O tribunal atendeu aos itens enunciados no art. 71.º do CP que, não fazendo parte do tipo de crime, depunham a favor e contra o arguido, detalhando-os e concretizando-os factualmente, nos termos transcritos.

Considerou elevadas as exigências de prevenção geral – e são-no de facto, pelas razões expressas –, sendo medianas as exigências de prevenção especial, atendendo aos antecedentes criminais do arguido (estes de menor peso agravante, como se considerou na sentença, por se reportarem a crimes de diferente natureza), à ausência de arrependimento e de interiorização do mal do crime. Não se mostra ultrapassado o grau de culpa e usou-se acertadamente da suspensão da pena condicionada ao pagamento de indemnização, que se apresenta aqui como adequada ao cumprimento das finalidades da punição.

A substituição da prisão por pena suspensa na execução na condição de pagamento de indemnização não só concretiza os princípios da intervenção mínima do direito penal e da restrição máxima das sanções criminais como contribui efectivamente para a reinserção social do condenado, facilitando ainda a reposição da situação do lesado antes do cometimento do crime. E o arguido encontra-se em condições de poder cumprir a obrigação pecuniária condicionante da suspensão, na quantidade e no tempo determinados na sentença, como o tribunal devidamente ponderou também.

Por tudo, a pena aplicada na sentença é de manter.

4. Face ao exposto, acordam na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em julgar improcedentes os três recursos, confirmando-se a sentença.

Custas pelos recorrentes, que se fixam em 4UC a IC e em 5UC aos restantes (arts 513º /1 e 514º/1 CPP e 8º/9 e Tab. III RCP).

Évora, 20.12.2018

Ana Maria Barata Brito

Maria Leonor Esteves

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[1] - Sumariado pela relatora