Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
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| Relator: | HELENA BOLIEIRO | ||
| Descritores: | RESPONSABILIDADES PARENTAIS COMPETÊNCIA INTERNACIONAL NECESSIDADE RESIDÊNCIA HABITUAL CONEXÃO | ||
| Data do Acordão: | 11/13/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Sumário: | I – A competência internacional dos tribunais portugueses para julgar uma ação de regulação do exercício das responsabilidades parentais num caso com conexão com Moçambique, é determinada pelas normas do direito interno que a regem, atendendo a que, em tais casos, não há instrumento internacional que regule a matéria (artigos 59.º e 62.º do CPC). II – De acordo com o critério da coincidência [artigo 62.º, alínea a), do CPC], pelo qual se determina a competência internacional segundo as regras internas de competência territorial, os tribunais portugueses não são competentes para julgar uma ação de regulação do exercício das responsabilidades parentais relativas a uma criança que reside habitualmente em Moçambique (artigo 9.º, n.º 1, do RGPTC). Como também não são segundo o critério da causalidade [artigo 62.º, alínea b), do CPC], que não é adequado para atribuir a competência internacional aos tribunais portugueses nesta matéria, pois os elementos que integram a causa de pedir apresentam uma conexão muito reduzida com o território nacional, quando confrontados com a proximidade geográfica inerente ao conceito de residência habitual da criança. III – O critério da necessidade [artigo 62.º, alínea c), do CPC] consiste numa solução excecional e subsidiária de competência que tem em vista evitar que o direito fique sem garantia judiciária. Não estão verificadas as condições para este critério operar quando, para além de não haver uma situação de impossibilidade absoluta, em que o direito invocado só pode tornar-se efetivo através de ação proposta no nosso país, não ocorre, no caso concreto, uma dificuldade apreciável para o progenitor que reside em Portugal propor a ação de regulação do exercício das responsabilidades parentais em Moçambique, sendo certo que, em relação à alegada insuficiência económica para contratar um advogado que o represente, o instituto do apoio judiciário previsto no Acordo de Cooperação Jurídica e Judiciária entre a República Portuguesa e a República de Moçambique pode dar resposta. (Sumário da Relatora) | ||
| Decisão Texto Integral: | Recurso de apelação n.º 1120/25.4T8STB.E1 Sumário (elaborado pela relatora): (…) * Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Évora: I – Relatório 1. No Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal, Juízo de Família e Menores de Setúbal-Juiz 3, (…), identificado nos autos, veio requerer a regulação do exercício das responsabilidades parentais contra (…), identificada nos autos, relativamente ao filho de ambos, (…), nascido em 18 de dezembro de 2012, residente com a mãe em Maputo, Moçambique. Para fundamentar a interposição do presente processo tutelar cível no nosso país, o requerente veio invocar a competência internacional dos tribunais portugueses, reconhecida por via do disposto no artigo 62.º, alínea c), do Código de Processo Civil (doravante, CPC), e do critério da necessidade nele consagrado. Alega, para o efeito, que reside em Portugal e o filho (…) em Maputo, Moçambique, sendo, no entanto, ambos cidadãos portugueses. O requerente viveu sete anos em Moçambique e durante esse período os progenitores acordaram na residência alternada da criança, sem o exercício das responsabilidades parentais ter sido regulado. Nos últimos anos em que viveu em Moçambique, o requerente manteve uma atitude de oposição ao regime vigente, contra a ditadura existente no país, expondo as suas opiniões publicamente, quer através de bloges, quer através dos jornais locais. Começou a ser perseguido pelas forças policiais, tendo sido várias vezes ameaçado com armas e prisão, e acabou por ser deportado de Nampula, em 20 de janeiro de 2022, encontrando-se impossibilitado de regressar a Moçambique até 2027. Como expôs alguns casos de corrupção, envolvendo um procurador e outras pessoas influentes, que estão ligadas ao tráfico de droga em Moçambique, corre um sério risco de ser assassinado pelos “esquadrões da morte” que dominam o país. Por esse motivo, não tem quaisquer condições objetivas para se poder deslocar a Moçambique para requerer a regulação do exercício das responsabilidades parentais do filho (…), a que acresce que também não dispõe de meios financeiros que lhe permitam contratar os serviços de um advogado naquele país para o representar num eventual processo relativo às responsabilidades parentais, pelo que apenas pode recorrer aos tribunais portugueses para o efeito. 2. Realizou-se a conferência de pais, na qual o Mmo. Juiz começou por ouvir os presentes e, entendendo não estar clara a competência internacional do tribunal, proferiu o seguinte despacho: “Fica a requerida desde já notificada para, no prazo de 10 dias, se pronunciar sobre a competência internacional do presente Tribunal. Por razões de economia processual, determino desde já para a continuação da Conferência de Pais o dia 13 de maio de 2025 pelas 14h00min., sem prejuízo daquilo que se vier a decidir acerca da competência internacional. Abra conclusão no dia 5 de maio de 2025, com indicação de urgência, para que o Tribunal se pronuncie sobre a referida competência internacional”. 3. A requerida (…) veio pronunciar-se sobre a competência internacional dos tribunais portugueses, invocando, no essencial, que, em relação à alegada perseguição política que lhe terá sido movida pelas autoridades da República de Moçambique, esta resulta, tão só, da imaginação do requerente, que, de facto, habitou nesse país, sem que entre ele e a requerida existisse qualquer relação pessoal. Sucede que, no momento em que devia proceder à renovação da sua autorização de residência, o requerente tinha para com a Autoridade Tributária Moçambicana uma dívida que nunca conseguiu saldar, quando uma das condições para a renovação da autorização de residência é a apresentação de certidão de não dívida ao Estado moçambicano. Por não ter conseguido regularizar qualquer das situações – tributária e, em consequência desta, a autorização de residência – viu-se forçado a sair do país. Todavia, nada obsta a que regresse na condição de turista e com o visto adequado. No que concerne à alegada carência económica que impediria a contratação de quem o represente, no Acordo de Cooperação Jurídica e Judiciária entre a República Portuguesa e a República Popular de Moçambique, está previsto o direito ao apoio judiciário para os nacionais de qualquer dos Estados Contratantes que se encontrem em situação económica que lhes não permita custear as despesas normais do pleito, pelo que as dificuldades para a propositura do processo no foro competente são as mesmas do que em Portugal, ultrapassáveis, portanto, com a apresentação de pedido de apoio judiciário. Conclui, assim, no sentido de que não se verifica qualquer dificuldade apreciável na propositura da ação, ao abrigo da qual a lei permite ultrapassar situações de incompetência internacional como a dos presentes autos. 4. O Mmo. Juiz proferiu, então, decisão em que declarou os tribunais portugueses internacionalmente incompetentes para julgar a presente causa e absolveu a requerida da instância. 5. Inconformado com o decidido, o requerente (…) interpôs recurso de apelação em que, no termo das respetivas alegações, formulou as seguintes: “II. CONCLUSÕES: 23. No processo de Responsabilidades Parentais foi colocada a questão da competência internacional dos tribunais portuguesas, tendo o Recorrente alegado tal competência nos termos do disposto na alínea c) do artigo 62.º do Código do Processo Civil. 24. No entanto o tribunal de Família considerou-se incompetente com fundamento no facto de o Recorrente não ter provado que não tem acesso à justiça de Moçambique e também por poder recorrer a Apoio Judiciário. 25. O Recorrente juntou vasta documentação, nomeadamente cópia de um pedido de informação por parte do Ministério Público de Moçambique, no Proc. 113/0301/P/GPCC no qual foi constituído arguido, por alegada corrupção. 26. Assim como vários emails, troca de mensagens com jornais, recortes de jornais e em que se prova que o Recorrente se encontrava a ser perseguido pela Justiça por um alegado crime de corrupção, por ter apresentado queixa contra dois procuradores e um funcionário, bem como contra um juiz, exatamente por corrupção. 27. Juntou prova de ter sido preso por tais factos, bem como a transcrição do despacho de saída do mesmo de Nampula e a sua subsequente interdição de entrada no País. 28. Embora Moçambique formalmente tenha um sistema de pluralismo jurídico que, supostamente garante o acesso aos tribunais a todos os cidadãos, 29. Na prática tal não acontece em virtude da: d) Falta de acesso a advogados; e) Dependência política do poder judicial; f) Falta de transparência 30. Existem os chamados “esquadrões da morte”, que há cerca de 10 anos atacam todos os que são opositores ao regime. 31. O Recorrente sempre foi um opositor do regime e apresentou várias queixas, conforme documentos juntos, contra vários magistrados, foi elaborado um processo contra o mesmo que, segundo as notícias, não tinham provas para a sua condenação, tendo estado preso 3 meses. 32. Acabou por ficar interdito de entrar no país e, muito sinceramente não pensa regressar, pois teme pela sua vida. 33. Quanto à sua debilidade económica, embora exista o instituto de apoio judiciário, dificilmente o mesmo seria concedido ao Recorrente, pois não existe isenção na concessão do mesmo. 34. Por isso, face ao exposto, o Recorrente encontra-se impedido de, junto de Moçambique, conseguir lutar pela regulação das responsabilidades parentais do seu filho, com o qual tem estado impedido de comunicar pela progenitora do mesmo. 35. O Recorrente apenas pretende poder estar durante as férias com o filho e poder falar com ele telefonicamente. 36. Se os tribunais portugueses não se considerarem competentes, aquela criança vai crescer sem pai, pois de outra forma o Recorrente não voltará a estar com o filho ou sequer a falar com o mesmo. 37. Pelo que deverão considerar-se preenchidos os requisitos para aplicação da alínea c) do artigo 62.º do Código do Processo Civil Ao decidir da forma como o fez, o tribunal a quo violou o disposto no referido artigo. Razão pela qual deverá ser revogada a sentença recorrida, por violar a referida disposição legal, fazendo dessa forma, V. Excelências a Costumada Justiça!!”. 6. O Ministério Público apresentou contra-alegações em que diz aderir aos fundamentos do despacho recorrido, entendendo, também, não serem os tribunais portugueses os competentes para regular as responsabilidades parentais da criança, uma vez que esta vive de forma permanente em Moçambique. 7. O recurso foi devidamente recebido pela 1ª instância. 8. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. * II – Objeto do Recurso O objeto do recurso é definido pelas conclusões formuladas nas alegações, as quais delimitam as questões que o tribunal ad quem tem de apreciar, para além das que forem de conhecimento oficioso, ressalva feita àquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras (artigos 608.º, n.º 2, 609.º, 635.º, n.º 4, 639.º e 663.º, n.º 2, do CPC). Assim, atentas as conclusões apresentadas, a questão a decidir é a de saber se existe fundamento para, à luz do disposto no artigo 62.º, alínea c), do CPC, considerar os tribunais portugueses internacionalmente competentes para conhecer do presente processo tutelar cível de regulação do exercício das responsabilidades parentais. * III – Fundamentação 1. Fundamentação de facto. Para além do que consta enunciado em 1, 2 e 3 do relatório do presente acórdão, a decisão recorrida, referida em 4, tem o seguinte teor (transcrição): “Assente que está que o menor (…) não reside em Portugal, razão pela qual os Tribunais portugueses não seriam internacionalmente competentes pelas conjugação das normas previstas no artigo 62.º-a), do Código de Processo Civil e artigo 9.º/1, do RGPTC, importa ver se, no caso, se verifica preenchida a alínea c) do artigo 62.º do Código de Processo Civil, que determina a competência internacional dos tribunais portugueses sempre que «o direito invocado não possa tornar-se efetivo senão por meio de ação proposta em território português ou se verifique para o autor dificuldade apreciável na propositura da ação no estrangeiro, desde que entre o objeto do litígio e a ordem jurídica portuguesa haja um elemento ponderoso de conexão, pessoal ou real». Vejamos. Refere o requerente, pretendendo a aplicação da dita norma, que: 1. Não tem quaisquer condições objetivas para se poder deslocar a Moçambique para requerer a regulação das responsabilidades parentais do seu filho menor, uma vez que não pode deslocar-se a Moçambique antes de 2027, sendo que, mesmo deslocando-se depois dessa data, corre um sério de risco de ser assassinado pelos “esquadrões da morte” que dominam o país. 2. Não dispõe de meios financeiros que lhe permitam contratar os serviços de um advogado naquele país, que o represente num eventual processo de responsabilidades parentais. Quanto à primeira parte do primeiro ponto, alega que nos últimos anos em que viveu em Moçambique, manteve uma atitude de oposição ao regime vigente, contra a ditadura existente no país, expondo as suas opiniões publicamente, quer através de blogs quer através dos jornais locais. Alega que começou a ser perseguido pelas forças policiais, tendo sido várias vezes ameaçado com armas e prisão, tendo acabado por, em 20-01-2022, ter sido deportado de Nampula e encontrando-se impossibilitado de regressar a Moçambique até 2027. Quanto à segunda parte do primeiro ponto, acrescenta que, como expôs alguns casos de corrupção, envolvendo um procurador e outras pessoas influentes, que estão ligados ao tráfico de droga em Moçambique, corre um sério de risco de ser assassinado pelos esquadrões da morte que dominam o país. Quanto ao segundo ponto, nada acrescenta para além do já referido supra. * Em resposta, refere a requerida, no essencial, o seguinte. Quanto ao primeiro ponto, alega que no momento em que devia proceder à renovação da sua autorização de residência, o requerente tinha para com a Autoridade Tributária Moçambicana uma dívida que nunca conseguiu saldar, sendo que, uma das condições para renovação da autorização de residência, é a apresentação de certidão de não divida ao estado moçambicano. Assim, por não ter conseguido regularizar a sua dívida, não foi renovada a sua autorização de residência e por isso viu-se forçado a sair do país. Acrescenta que, porém, nada obsta a que regresse a Moçambique na condição de turista e com o visto adequado. Quanto ao segundo ponto, refere que «parece existir uma contradição entre esta alegação e a condição que estabelece de custear as eventuais deslocações do filho entre o país de residência e a República Portuguesa», uma vez que um voo de ida e volta entre os dois países nunca custará menos de € 1.500,00, na época em que o requerente se compromete a suportá-lo, o que levanta dúvidas sobre a sua vontade de garantir os compromissos que apresenta. Acrescenta, ainda, que nos termos da Resolução da Assembleia da República n.º 7/91, de 14 de fevereiro – Acordo de Cooperação Jurídica e Judiciária – foi ratificado Acordo de Cooperação Jurídica e Judiciária entre a República Portuguesa e a República Popular de Moçambique, nos termos da qual «têm direito ao apoio judiciário os nacionais de qualquer dos Estados Contratantes que se encontrem em situação económica que lhes não permita custear as despesas normais do pleito», pelo que as dificuldades económicas para a proposição do pedido no foro competente são ultrapassáveis com a apresentação de pedido de apoio judiciário. * Em anotação ao artigo 62.º-c) do Código de Processo Civil, escrevem Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 1.º, 3.ª edição, Coimbra: Almedina, 2014, pág. 133, o seguinte: «a alínea c) consagra o critério da necessidade, “caso excecional e subsidiário” de competência (…), que alarga a competência internacional dos tribunais portugueses às situações em que o direito invocado apenas se possa efetivar por meio de ação proposta em território português (…) ou em que seja apreciavelmente difícil para o autor a sua propositura no estrangeiro (…). Referenciam-se, assim, com o fito de prevenir conflitos negativos de jurisdição e evitar situações com claro recorte objetivo de denegação de justiça, quer os casos de impossibilidade absoluta, quer os de impossibilidade relativa, ou dificuldade, em tornar efetivo o direito por meio de ação instaurada em tribunal estrangeiro. Esta relevância concedida aos casos de impossibilidade relativa (…) tem aplicação privilegiada em caso de refúgio político. Tal dificuldade tem de ser manifesta: a oneração do autor com a propositura da ação no estrangeiro tem como limite a razoabilidade do sacrifício que lhe é exigido, à luz do princípio da boa fé. Em qualquer das duas categorias de situações, a impossibilidade (absoluta ou relativa) tanto pode ser jurídica com de facto ou material. Verifica-se a primeira hipótese quando nenhuma das jurisdições com as quais o caso se encontra conexo se considera competente para o conhecimento da ação ou quando a jurisdição estrangeira não reconhece, em abstrato, o direito carecido de tutela (…). Na segunda hipótese incluem-se tradicionalmente as situações de guerra ou de ausência de relações diplomáticas (…). Ora, a factualidade alegada pelo requerente relativa à impossibilidade de entrar em Moçambique, bem como ao facto de correr, nesse país, risco de vida, conjugada com a impossibilidade económica de contratar um advogado que o represente, preencheria, sem dúvida, a «dificuldade apreciável» a que alude a norma acima citada. Sucede que, por um lado, o requerente não faz prova do que alega quanto à impossibilidade de entrar em Moçambique ou ao facto de aí correr risco de vida, sendo que, por outro lado, as dificuldades económicas poderão ser ultrapassadas com o instituto da proteção jurídica, nos termos do artigo 2.º da Resolução da Assembleia da República n.º 7/91, de 14 de fevereiro. Efetivamente, o requerente junta no dia 05-05-2025, um amontoado “desorganizado”, de vários textos escritos por si, bem como com alguns documentos, num total de 100 páginas, sem apresentar sequer um texto onde concretize que passagens dos textos ou documentos apresentados provam aquilo que alega. Analisados os ditos documentos, o Tribunal entende que deles não resulta a prova de factos dos quais decorra que o requerente corra risco de vida se entrar em Moçambique ou sequer que não possa entrar no país por ter sido deportado de Nampula e se encontrar impossibilitado de regressar a Moçambique até 2027. Face ao exposto, não estando provados factos que permitam aplicar o artigo 62.º-c), do Código de Processo Civil e não residindo o menor em Portugal, verifica-se a incompetência territorial deste Juízo para julgar esta causa (artigo 9.º/1, do RGPTC), bem como a incompetência internacional dos Tribunais portugueses, o que constitui um caso de incompetência absoluta (artigo 96.º-a), do Código de Processo Civil), exceção dilatória que implica a absolvição da requerida da instância (artigos 99.º/1, 278.º/1-a), 576.º/2 e 577.º-a), todos do Código de Processo Civil). * Pelas razões supraexpostas, declaro os tribunais portugueses internacionalmente incompetentes para julgar a presente causa e absolvo a requerida da instância (artigos 99.º/1, 278.º/1-a), 576.º/2 e 577.º-a), todos do Código de Processo Civil). Custas pelo requerente, sem prejuízo da proteção jurídica. Registe e notifique * Atenta a sentença proferida, dou sem efeito a diligência agendada nestes autos”. * 2. Fundamentação de direito. Nos presentes autos não se discute nem existe qualquer controvérsia relativamente ao facto de (…), nascido em 18 de dezembro de 2012, filho do requerente (…) e da requerida (…), residir com a mãe em Maputo, Moçambique, em termos de se considerar que ele tem a sua residência habitual nesse país. Donde, e atendendo a que a República de Moçambique não subscreveu a Convenção de Haia de 1996[1], há que fazer aplicação das regras do nosso direito interno, reguladoras da competência internacional dos tribunais portugueses, nos termos do artigo 59.º do CPC, começando pelo artigo 62.º, alínea a), do mesmo diploma, e o critério da coincidência consagrado nesta norma, com o qual se procura compatibilizar a competência internacional dos nossos tribunais com as regras internas de competência territorial, o que, tendo em vista a ação de regulação do exercício das responsabilidades parentais, nos remete para o disposto no artigo 9.º, n.º 1, do Regime Geral do Processo Tutelar Cível (doravante, RGPTC), que defere a competência ao tribunal da residência da criança no momento em que o processo foi instaurado. O que significa que, de acordo com as apontadas normas, os tribunais portugueses não são competentes para julgar o processo tutelar cível destinado a regular o exercício das responsabilidades parentais referente a (…). Por outro lado, no que concerne ao critério da causalidade, previsto no artigo 62.º, alínea b), do CPC, o qual exige que, de entre o conjunto de factos que constituem a causa de pedir, tenham sido praticados em Portugal factos suficientes que justificam a conexão da ação com a ordem jurídica portuguesa, temos por certo que, para o presente processo tutelar cível, a filiação da criança, a separação dos pais e a falta de consenso destes quanto ao exercício das responsabilidades parentais, são elementos da causa de pedir de conexão muito reduzida com o território nacional, quando confrontados com o critério de proximidade geográfica da criança, inerente ao conceito material da sua residência habitual, o mesmo sucedendo com a residência de um dos progenitores no país, ou até de ambos, que também não constitui fundamento bastante para determinar a competência internacional dos tribunais portugueses ao abrigo da referida alínea b)[2]. A questão que aqui se discute reconduz-se, pois, à aplicação ao caso do critério da necessidade, consagrado no artigo 62.º, alínea c), do CPC, segundo o qual os tribunais portugueses são internacionalmente competentes quando o direito invocado não possa tornar-se efetivo senão por meio de ação proposta em território português ou se verifique para o autor dificuldade apreciável na propositura da ação no estrangeiro, desde que entre o objeto do litígio e a ordem jurídica portuguesa haja um elemento ponderoso de conexão, pessoal ou real. Trata-se de uma resposta subsidiária relativamente às previstas nas alíneas a) e b) do artigo 62.º, uma vez que só opera quando falham os elementos de conexão que justificariam o funcionamento do critério da coincidência e, na falta deste, o da causalidade. Para além disso, reveste natureza residual, pois assenta na atribuição de competência aos tribunais portugueses por exclusão de partes, em que estes são competentes porque são os únicos que restam depois de serem afastados todos os demais tribunais que, potencialmente, teriam competência para a ação[3]. Segundo o critério da necessidade, os tribunais portugueses são competentes em situações de impossibilidade (de impossibilidade absoluta[4]), quando o direito invocado só pode tornar-se efetivo através de uma ação proposta em Portugal, o que sucede quando nenhum tribunal estrangeiro se considera competente para a apreciar, resultando num conflito negativo de regras de competência internacional dos vários países, em que o litígio fica sem tribunal competente para o dirimir. O mesmo acontece quando a sentença proferida pelo tribunal estrangeiro competente não pode ser reconhecida e executada em Portugal.[5] Os tribunais portugueses são também competentes quando, em virtude de facto, natural ou material, resultante, por exemplo, de uma guerra, de uma catástrofe natural, do corte de relações diplomáticas, da qualidade de refugiado político ou de uma ocorrência de relevância análoga, a propositura da ação no estrangeiro representa para o autor uma “dificuldade apreciável”[6] (uma impossibilidade relativa[7]). De notar que a dificuldade tem de ser manifesta, no sentido de que o sacrifício da propositura da ação no estrangeiro com que o autor é onerado, excede o limite da razoabilidade, à luz do princípio da boa fé.[8] Isto sendo certo que, para que o critério da necessidade possa operar, é ainda exigida uma forte conexão com a ordem jurídica portuguesa, seja de natureza pessoal (v.g., quando pelo menos uma das partes tem domicílio em Portugal ou possui a nacionalidade portuguesa), seja de índole real (v.g., quando o bem que é objeto imediato ou mediato da ação se situa em território nacional).[9] Não se trata, pois, de uma competência incondicional, estando, ao invés, sujeita à verificação de um “elemento ponderoso de conexão”, nos termos referidos.[10] Vejamos, então. * Conforme se explica no despacho recorrido, o apelante alega que não tem quaisquer condições objetivas para se poder deslocar a Moçambique para requerer a regulação do exercício das responsabilidades parentais do seu filho, uma vez que não pode aí entrar, antes de 2027, sendo que, mesmo depois dessa data, corre um sério risco de ser assassinado pelos “esquadrões da morte” que dominam o país. Neste contexto, alega ainda que, nos últimos anos em que viveu em Moçambique, manteve uma atitude de oposição ao regime vigente, contra a ditadura existente no país, expondo as suas opiniões publicamente, quer através de blogues, quer através dos jornais locais. Começou a ser perseguido pelas forças policiais, tendo sido várias vezes ameaçado com armas e prisão, acabando por, em 20 de janeiro de 2022, ser deportado de Nampula e encontrando-se impossibilitado de regressar a Moçambique até 2027. Acrescenta também que, como expôs alguns casos de corrupção, envolvendo um procurador e outras pessoas influentes, que estão ligadas ao tráfico de droga em Moçambique, corre um sério risco de ser assassinado pelos “esquadrões da morte” que dominam o país. Pois bem. Segundo entendeu o tribunal a quo, o apelante não fez prova da factualidade que alegou relativamente à impossibilidade de entrar em Moçambique, bem como ao facto de correr, nesse país, risco de vida. Aquele juntou, no dia 5 de maio de 2025, um amontoado “desorganizado”, de vários textos escritos por si, bem como com alguns documentos, num total de 100 páginas, sem apresentar sequer um elemento onde concretize que passagens dos documentos apresentados provam aquilo que alega. A 1ª instância entendeu que, analisados os ditos documentos, deles não se extrai a prova de factos dos quais decorre que o apelante corre risco de vida, se entrar em Moçambique, ou sequer que não pode entrar no país por ter sido deportado de Nampula e se encontrar impossibilitado de aí regressar até 2027. Conclusão com a qual a Relação está de acordo. Com efeito, no que concerne ao segmento relativo ao alegado risco de vida que corre se entrar em Moçambique, começa-se por assinalar, como fez o tribunal a quo, que o apelante não procedeu a qualquer tipo de especificação quanto ao concreto conteúdo constante do apontado acervo de documentos (ref.ª Citius 8782244, de 5 de maio de 2025), com o qual pretende demonstrar a dificuldade apreciável na propositura da ação nos tribunais de Moçambique, prevista no invocado artigo 62.º, alínea c), do CPC. O apresentado conjunto de 100 páginas de textos, é composto, na sua maioria, por correspondência enviada pelo apelante a jornais e bloges locais, em que diz denunciar os alegados “esquemas de extorsão de que foi vítima”, bem como de situações que o próprio qualifica como de “corrupção e amiguismo endémicos”, para além de escritos seus, divulgados pela mesma via, sobre o que diz ter sido a “deportação ilegal” contra ele decidida. Incluindo ainda no mesmo conjunto de documentos, cópias de ofícios oriundos dos serviços do Ministério Público do referido país, com pedidos de informações destinadas, ao que se retira do respetivo teor, a instruir inquéritos aí pendentes. Por sua vez, o documento n.º 1, junto com o requerimento inicial (ref.ª Citius 8610816, de 13 de fevereiro de 2025), consiste numa notícia do jornal “Observador”, datada de 29 de janeiro de 2025 (“Acesso a Maputo cortado por manifestantes que usam cisterna de combustível. (…) Em causa está a ausência de cobrança de portagens naquela via, explorada pela sul-africana TRAC, nas últimas semanas, devido às manifestações pós-eleitorais, retomada, entretanto na quinta-feira”), dela não constando qualquer relação com a concreta situação do apelante, que o envolva ou afete. Já o documento n.º 2, também junto com o requerimento inicial (ref.ª Citius 8610816), consiste na fotografia de uma comunicação do Serviço Nacional de Migração da República de Moçambique, dirigida ao apelante, com o seguinte conteúdo: «Para o conhecimento e devidos efeitos, tenho a honra o Despacho do Ex.º sr. Diretor Provincial de Migração de Nampula, datado em 20/01/2022, recaído no seu requerimento, do dia 19 de Janeiro de 2022, no qual solicita o repatriamento voluntário para Portugal, cujo teor é como se segue: “Autorizo a saída mediante a interdição de entrada no país, nos termos da alínea h) do n.º 1 do artigo 39.º do Decreto 108/2014, de 31 de Dezembro”». Compulsado o diploma indicado, resulta que o fundamento da interdição de entrada no referido país, constante do artigo 39.º, n.º 1, alínea h), é o de o cidadão estrangeiro ter excedido o prazo de permanência ou violado as leis migratórias. Ora, tal como concluiu o tribunal a quo, do referido documento n.º 2 não se extrai que a saída do requerente (…) do país se ficou a dever a deportação de Nampula e, por outro lado, que aquele se encontra impossibilitado de regressar a Moçambique até 2027. Isto quando sobre o assunto a requerida veio alegar (embora também sem juntar prova para o demonstrar) que o que aconteceu foi que, no momento em que devia proceder à renovação da sua autorização de residência, o requerente tinha uma dívida para com a Autoridade Tributária de Moçambique que nunca conseguiu saldar, sendo que uma das condições para a renovação da autorização de residência é a apresentação de certidão de não dívida ao Estado moçambicano. Por não ter conseguido regularizar qualquer das situações – tributária, e em consequência, obter autorização de residência – o requerente viu-se forçado a sair do país, nada obstando, todavia, que regresse na condição de turista, com o visto adequado. Diga-se, de resto, que segundo o artigo 31.º, n.º 1, alínea f), do referido Decreto n.º 108/2014, de 31 de dezembro, o pedido de concessão de autorização de residência temporária, ou a sua prorrogação, deve, entre outros documentos, ser acompanhado de certidão de quitação passada pelas Finanças que comprove o cumprimento das obrigações fiscais do requerente. * Acresce que, em relação ao alegado facto de que não dispõe de meios financeiros que lhe permitam contratar os serviços de um advogado naquele país para o representar num eventual processo de regulação do exercício das responsabilidades parentais, o tribunal a quo concluiu, também com acerto, que as dificuldades económicas poderão ser ultrapassadas com o instituto da proteção jurídica consagrado no Acordo de Cooperação Jurídica e Judiciária ente a República Portuguesa e a República Popular de Moçambique, aprovado para ratificação pela Resolução da Assembleia da República n.º 7/91, de 14 de fevereiro, e ratificado pelo Decreto do Presidente da República n.º 8/91, de 14 de fevereiro[11], em que o artigo 2.º, n.os 1 e 2, dispõe que o apoio judiciário tem lugar perante qualquer jurisdição e compreende a dispensa total ou parcial de preparos e do prévio pagamento de custas e, bem assim, o patrocínio oficioso (n.º 1), sendo que têm direito ao apoio judiciário os nacionais de qualquer dos Estados Contratantes que se encontrem em situação económica que lhes não permita custear as despesas normais do pleito (n.º 2). Conclusão que não resulta abalada pelo que o requerente alegou no recurso – sem, todavia, concretizar nem comprovar –, no sentido de que dificilmente o apoio judiciário lhe seria concedido, pois não existe isenção na concessão do mesmo. * Em suma, face ao exposto, uma vez que não se apurou a factualidade alegada pelo requerente, relativa à impossibilidade de entrar em Moçambique (como estrangeiro que é), ao facto de aí correr risco de vida e à sua insuficiência económica para contratar um advogado que o represente, sem que o instituto do apoio judiciário a tal possa dar resposta, conclui-se que (…) não se encontra numa situação de dificuldade apreciável de propor a indicada ação naquele país e, muito menos, de impossibilidade absoluta de o fazer, conforme prevê o artigo 62.º, alínea c), do CPC. Acresce que o reconhecimento em Portugal dos efeitos de uma sentença proferida por um tribunal de Moçambique sobre a matéria aqui em causa sempre será possível por via de um processo de revisão e confirmação de sentença estrangeira, de acordo com o preceituado nos artigos 978.º a 985.º do CPC. Termos em que se conclui que os tribunais portugueses são internacionalmente incompetentes para o presente processo tutelar cível, em função do que deve o recurso interposto pelo requerente ser julgado improcedente e confirmada a decisão recorrida. * IV – Decisão Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em negar provimento ao recurso interposto pelo requerente (…) e, em consequência, confirmam a decisão recorrida. Custas pelo apelante (artigo 527.º, n.os 1 e 2, do CPC). * Évora, 13 de novembro de 2025 Helena Bolieiro (Relatora) Miguel Teixeira (1º Adjunto) Anabela Raimundo Fialho (2ª Adjunta) __________________________________________________ [1] Lista assinaturas ratificações disponível: <https://www.hcch.net/pt/instruments/conventions/status-table/?cid=70>. [2] Cfr. António Fialho, “A competência internacional dos tribunais portugueses em matéria de responsabilidade parental”, Revista Julgar, n.º 37, janeiro-abril 2019, pág. 34. Na jurisprudência, cfr. o Acórdão da Relação de Lisboa, de 8 de outubro de 2020, proferido no proc. n.º 3231/19.6T8CSC.L1-2 (relator Jorge Leal), e o Acórdão da Relação do Porto, de 25 de maio de 2021, proferido no processo n.º 1422/21.9T8PRT-A.P1 (relator Rodrigues Pires), ambos disponíveis em <https://www.dgsi.pt>. [3] Cfr. Miguel Teixeira de Sousa, CPC online, artigos 1.º a 129.º (Versão de 2025/09), artigo 62.º, nota 6, pág. 75, disponível em <https://blogippc.blogspot.com/2025/09/cpc-online-23.html> [consult. em 28 de outubro de 2025]. [4] Cfr. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, vol. 1, 4.ª ed., Almedina, 2018, pág. 156 (anotação ao artigo 62.º). [5] Cfr. Miguel Teixeira de Sousa, Ibid., nota 5. [6] Cfr. João de Castro Mendes e Miguel Teixeira de Sousa, Manual de Processo Civil, vol. I, AAFDL Editora, 2022, pág. 280. [7] Cfr. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Ibid. [8] Ibid., pág. 157. [9] Cfr. António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 2.ª ed., Almedina, 2020, pág. 99. [10] Cfr. Miguel Teixeira de Sousa, CPC online, pág. 78. [11] Publicado no Diário da República, I Série-A, n.º 37, de 14 de fevereiro de 1991. |