Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1177/16.9T8OLH-A.E1
Relator: RUI MACHADO E MOURA
Descritores: ALIMENTOS PROVISÓRIOS
REQUISITOS
Data do Acordão: 06/28/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: São requisitos do procedimento cautelar a instrumentalidade – porquanto pressupõe uma acção definitiva instaurada ou a instaurar (art. 364º, nº 1, do CPC) – o periculum in mora, ou seja, de que a demora na decisão a proferir na acção principal acarrete um prejuízo grave e ainda o fumus bonus iuris, ou seja, a aparência da realidade do direito invocado (art. 368º, nº 1, do CPC).
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: P.1177/16.9T8OLH-A.E1

Acordam no Tribunal da Relação de Évora:

(…) intentou a presente providência cautelar de alimentos provisórios contra os seus filhos, (…), (…) e (…) pedindo que o Tribunal condene os requeridos a pagar ao requerente, a título provisório:
a. o custo da ortótese ocular que o Requerente necessita;
b. o custo da prótese dentária que o Requerente necessita; e,
c. sob a forma de pensão mensal, a contar do 1.º dia do mês de Fevereiro de 2016 (art.º 386.º, n.º 1, do C.P.C.), a quantia de € 719,13 a título de prestação de alimentos.
O requerente fundamenta a sua pretensão, em síntese, no facto de, na sequência de grave incapacidade física de que padece há vários anos, estar impossibilidade de obter rendimentos, vivendo apenas da quantia de € 407,63 de reforma de invalidez e complemento por mês e da caridade alheia, tendo como despesas mensais o montante de € 1.125,99, necessitando de alimentos provisórios dos seus filhos, que possuem rendimentos superiores à média, considerando que a sua ex-mulher não tem rendimentos que possibilitem o pagamento de alimentos.
Foi feito convite ao aperfeiçoamento, para que o requerente concretizasse a ausência de rendimentos do ex-cônjuge, tendo o mesmo vindo invocar que a ex-mulher se encontra desempregada e que não possui rendimentos para fazer face às suas próprias despesas mensais.
Citados os requeridos e designada a audiência final, os mesmos deduziram oposições, nas quais invocam a sua ilegitimidade passiva por não ter sido demandado o seu ex-cônjuge, atento o disposto no artigo 2009º do Código Civil, bem como impugnam a necessidade de alimentos alegada e se insurgem quanto ao pedido, quer por o seu pai os maltratar física e psicologicamente toda a vida, dizendo que não são seus filhos e proferindo ameaças violando os seus deveres como pai, quer por não possuírem rendimentos que possibilitem o pagamento dos alimentos peticionados.
O requerente pugnou pela improcedência das excepções invocadas nas ditas oposições.
Foi julgada procedente a excepção dilatória da ilegitimidade passiva, tendo o requerente requerido a intervenção principal provocada de (…), ex-cônjuge do requerente, e a alteração do pedido de forma abranger a mesma, o que foi admitido nos autos.
Posteriormente, foi realizada a audiência final, na qual se procedeu à tomada de declarações de parte e à inquirição das testemunhas arroladas, não tendo a requerida (…) deduzido qualquer oposição nos autos.
Por fim, veio a ser proferida sentença que julgou improcedente, por não provada, a presente providência cautelar de alimentos provisórios e, em consequência, absolveu os requeridos do pedido que contra eles havia sido formulado pelo requerente.

Inconformado com tal decisão dela apelou o requerente, tendo apresentado para o efeito as suas alegações de recurso e terminando as mesmas com as seguintes conclusões:
A) A sentença recorrida teve em consideração o Print da Autoridade Tributária da qual resulta que o requerente é proprietário de um veículo automóvel com matrícula de 1981, de fls. 89 e 90 relativamente ao qual o Requerente não teve a oportunidade de se pronunciar.
B) Trata-se de documento cujo conteúdo exigia uma pronúncia efetiva do Requerente, porquanto o seu conteúdo infirmava a afirmação que efetuara de que não tinha bens móveis para além dos bens de uso pessoal, acusando a existência de um automóvel com 36 anos de idade e que acabou por influenciar a resposta data ao facto provado 13), 2.ª parte.
C) A douta sentença violou assim o disposto no art.º 3.º, n.º 3, do C.P.C., cometendo assim excesso de pronúncia, que é causa de nulidade da mesma (art.º 615.º, n.º 1, al. d), do C.P.C.)
D) Na matéria de facto indicada em 6) deveria ter sido dado como provado que a capacidade visual do olho direito do Requerente é de 50% (5/10) quando corrigida, com base no doc. 7 junto com o requerimento inicial.
E) Na matéria de facto indicada em 9) não podia ter sido dado como provado que o Requerente aufere mensalmente a quantia líquida de € 800,00, pois constituindo as presunções judiciais uma forma de afirmar factos desconhecidos por dedução segundo máximas da experiência, juízos correntes de probabilidade, princípios de lógica e de intuição humana de factos conhecidos, não existem factos provados nos autos que permitam chegar àquele facto.
F) O facto desconhecido presumido só será lícito quando se imponha como resultado direto e necessário do(s) facto(s) conhecido(s). Já não, quando entre uns e outros, existam variáveis não provadas e consequentemente sejam possíveis vários resultados desconhecidos, caso em que a opção por um resultado consistirá em arbitrariedade.
G) Para concluir que o Requerente aufere € 800,00 líquidos mensais, o Tribunal considerou que que não obstante as doenças e limitações físicas, o requerente consegue trabalhar e deslocar-se pela cidade, não sendo uma pessoa inválida, conseguindo fazer a sua vida normal. Ora, pelo contrário, resulta dos factos provados que o Requerente é efetivamente uma pessoa inválida, pois possui uma incapacidade física permanente multiuso de 72% desde 1992 e diminuição das capacidades cognitivas devido a lesão orgânica, condicionando capacidades intelectuais diminuídas com perfil desarmónico com défices sectoriais importantes (memória visual e auditiva, atenção concentrada, raciocínio abstrato, entre o demais contido em 5) dos factos provados. O Requerente não é porém paraplégico, nem se encontra acamado. O que não faz dele uma pessoa plenamente capaz. O facto de se locomover, não lhe retira que tenha necessidade de alimentos que necessite de ver supridas;
H) E considerou ainda que o Requerente está em permanência no café em frente da sua loja de vigia à mesma, o que não significa que passe o dia no mesmo café a fazer consumos. Estar na rua, no café em frente da loja, apanhando luz natural e falando com quem passa, sempre parece melhor opção do que estar no interior de uma loja sombria sem clientes, e sozinho.
I) Com o quadro de factos provados, conhecidos, não é possível deduzir que o Requerente aufere € 800,00 líquidos mensais? O único rendimento que se prova que o Requerente aufere é efectivamente o que se encontra provado em 11).
J) Ao assim julgar, a douta sentença recorrida violou o disposto nos art.ºs 349.º e 351.º do C.C..
K) O Tribunal não podia ter considerado o facto dado como provado em 14) porquanto o mesmo foi alegado em violação do segredo profissional, violação essa devidamente arguida no momento próprio (articulado de resposta às exceções) e que nunca chegou a ser apreciada.
L) Este facto resulta da alegação contida nos art.ºs 24.º, 52.º, 53.º, 54.º e 55.º da contestação dos Requeridos (…) e (…) e refere-se a alegadas negociações havidas entre a ilustre mandatária dos Requeridos e o patrono do Requerente (sem qualquer intervenção das partes) e que estão protegidos por sigilo profissional.
M) A alegação de tais factos não se destinaram de qualquer forma à absoluta defesa da dignidade, direitos e interesses legítimos do próprio advogado ou do cliente ou seus representantes, e não foi precedida da necessária autorização do presidente do conselho regional respetivo e o Requerente opôs-se à alegação de tal factologia. Aquela alegação violou o disposto nas als. e) e f) do n.º 1 do art.º 92.º do Estatuto da Ordem dos Advogados (aprovado pela Lei n.º 145/2015, de 9 de Setembro).
N) A alegação daqueles factos em violação de segredo profissional não podem fazer prova em juízo nos termos do n.º 5 do citado preceito Estatutário e consequentemente não pode o contido em 14) ser dado como provado.
O) Ao assim não considerar, a douta sentença recorrida violou o disposto nas als. e) e f) do n.º 1 do art.º 92.º do Estatuto da Ordem dos Advogados (aprovado pela Lei n.º 145/2015, de 9 de Setembro).
P) Relativamente ao contido em 22) nenhuma prova se pode admitir que tenha sido feita quanto ao envio de cartas, pois nunca se provou nos processos judiciais que tiveram lugar na altura que tivesse sido o Requerente o autor das mesmas.
Q) Relativamente ao contido em 23) nenhuma prova se pode admitir que tenha sido feita, pois nenhum dos filhos nem esposa referiram alguma vez ter presenciado o Requerente em relações extraconjugais, ou a gastar dinheiro ganho em jogo ou consigo próprio.
R) Prova-se efectivamente que o Requerente foi, em tempos idos, um empresário do sector da restauração e bebidas, o qual deteve estabelecimentos de bar sucessivos até 17 de Junho de 1992 (data do acidente) pois desta data em diante o Requerente não mais teve estabelecimentos de bar pois não mais pôde trabalhar nesse ramo (art.º 52.º da resposta às excepções). Mas mais do que isso não se pode ter provado, a não ser dando crédito às meras convicções dos inquiridos.
S) Tendo o euro sido introduzido em Portugal no ano de 2002 e tendo o Requerente saído de casa há 17 anos [22)], i.e., em 2000, por altura do divórcio, nenhum dos filhos pode ter visto o Requerente a utilizar uma nota de € 500,00 como papel higiénico como é dado como provado em 23)?
T) Em face de tudo o acima exposto, nomeadamente por não se poder dar como assente que o Requerente aufere mais do que o valor da pensão [11)] e por o julgamento dos mesmos ter sido determinado por presunções judiciais indevidas, ilações indevidas, deveriam ter sido dados como provados os factos contidos nas als. c) a g), i) dos factos não provados.
U) Uma vez que se deve ter como provado que o Requerente apenas aufere o rendimento da sua pensão, i.e., € 438,15 (quatrocentos e trinta e oito euros e quinze cêntimos) e que se encontra obrigado a pagar mensalmente € 150,00 de renda mensal e tem de suportar em média mensal € 25,00 em medicamentos importa concluir que o Requerente tem de viver mensalmente em média com € 250,00 o que na actualidade é uma quantia reduzida para uma sobrevivência condigna, insuficiente para o custear as despesas normais inerentes a transportes e demais encargos da vida quotidiana (água, electricidade, telefone, alimentação, vestuário, calcado, etc.).
V) Em face de tudo o exposto, deveria ter sido atribuída uma quantia provisória ao Requerente, a título de alimentos provisórios, fixada segundo o prudente arbítrio do Tribunal.
W) E ao assim não ter sido decidido o Tribunal a quo violou o disposto nos art.ºs 2003.º, n.º 1, 2004.º e 2007.º do C.C..
X) Resulta da regulamentação constante dos art.ºs 2003.º e segs. do C.C., dos art.ºs 362.º e 384.º e segs. do C.P.C. que cabe ao credor de alimentos alegar e provar o respectivo estado de necessidade e a relação que vincula o requerido à prestação de alimentos e a este incumbe convencer que os meios que dispõe não permite satisfazê-la, total ou sequer parcialmente.
Y) A estrutura desenhada para o procedimento cautelar de alimentos provisórios não permite a discussão de aspectos marginais àquelas duas questões, atento o facto de a contestação ser apresentada na audiência e o julgamento ser imediato (art.º 385.º). O facto de neste caso ter sido dada oportunidade ao Requerente de responder à matéria das excepções não apaga o facto de nesta sede apenas serem de considerar aqueles dois universos de questões.
Z) Não podem pois ser chamadas à colação em sede de procedimento cautelar todas as questões que os requeridos levantaram acerca das relações passadas entre as partes, as quais, pela sua dimensão só em sede de acção principal podem ser devida e ponderadamente decididas.
AA) Ao assim não proceder, a douta sentença violou o disposto no art.º 385.º do C.P.C.
BB) Assim, nestes termos e nos demais de Direito doutamente supríveis:
a) Deverá ser revogada a douta sentença recorrida, e proferido acórdão que julgando procedente o presente procedimento cautelar, condene os requeridos (…), (…), (…), na medida das possibilidades de cada um, a pagar ao Requerente, a título de alimentos provisórios:
- sob a forma de pensão mensal a contar do 1.º dia do mês de Fevereiro de 2016 (art.º 386.º, n.º 1, do C.P.C.), uma quantia fixada segundo o prudente arbítrio do Tribunal.
CC) Pelo exposto e pelo mais que for doutamente suprido, deve ser dado provimento ao presente recurso, com o que se fará a costumada Justiça.
Pelos requeridos não foram apresentadas contra alegações de recurso.
Atenta a não complexidade das questões a dirimir foram dispensados os vistos aos Ex.mos Juízes Adjuntos.
Cumpre apreciar e decidir:

Como se sabe, é pelas conclusões com que o recorrente remata a sua alegação (aí indicando, de forma sintética, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida: art. 639º, nº 1, do C.P.C.) que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem [1] [2].
Efectivamente, muito embora, na falta de especificação logo no requerimento de interposição, o recurso abranja tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente (art. 635º, nº 3, do C.P.C.), esse objecto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (nº 4 do mesmo art. 635º) [3] [4].
Por isso, todas as questões de mérito que tenham sido objecto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do recorrente, mostrando-se objectiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso.
No caso em apreço emerge das conclusões da alegação de recurso apresentadas pelo requerente, aqui apelante, que o objecto do mesmo está circunscrito à apreciação das seguintes questões:
1º) Saber se a sentença é nula, por excesso de pronúncia, atento o disposto no art. 615º, nº 1, alínea d), do C.P.C.;
2º) Saber se foi incorrectamente valorada pelo tribunal “a quo” a prova (documental e testemunhal) carreada para os autos e, por via disso, deverá ser alterada a factualidade dada como provada e não provada;
3º) Saber se o requerente necessita de uma pensão alimentos provisórios para a sua sobrevivência e, em caso afirmativo, apurar se os requeridos têm possibilidades económicas para lhe prestar tal pensão.

Antes de analisar as questões supra elencadas haverá que transcrever, desde já, qual a factualidade dada como provada na 1ª instância:
1) O requerente (…) nasceu em 22 de Março de 1953 e é divorciado (artigos 1º e 2º do requerimento inicial).
2) O requerente casou catolicamente com (…), em 22 de Outubro de 1974, tendo o vínculo conjugal sido dissolvido por divórcio decretado por sentença de 14 de Junho 2000 e transitada em julgado em 26 de Junho 2000 (artigo 3º do requerimento inicial).
3) Os requeridos (…), (…) e (…) são filhos do requerente e da requerida … (artigo 4º do requerimento inicial).
4) O requerente padece de incapacidade física permanente global de 72% desde 1992, atribuída por atestado médico de incapacidade multiuso (artigo 5º do requerimento inicial).
5) O requerente apresentava clinicamente em 15 de Março de 1994:
a. Diminuição das capacidades cognitivas devido a lesão orgânica, condicionando capacidades intelectuais diminuídas com perfil desarmónico com défices sectoriais importantes (memória visual e auditiva, atenção concentrada, raciocínio abstracto);
b. Situação depressiva com fortíssimos níveis de ansiedade e de ideação suicida por dificuldades de adaptação à diminuição do seu estatuto e das suas capacidades cognitivas, o que em conclusão representa um estado de demência por lesão cerebral de causa traumática acompanhado de quadro de depressão ansiosa de base orgânica (lesão cerebral) e reactiva (artigo 6º do requerimento inicial).
6) Desde 1998 que o requerente está cego do olho direito e a capacidade visual do seu olho esquerdo, a qual é corrigida quando usa óculos (artigo 7º do requerimento inicial).
7) Acresce ainda que o requerente sofre de inflamação crónica da próstata, hérnias inguinais, pólipos intestinais e problemas pulmonares, estados patológicos que obrigam o requerente a regulares despesas com medicamentos e a regulares despesas de transporte para o Hospital Distrital de Faro (em média 3 vezes por mês) (artigo 8º do requerimento inicial).
8) O requerente toma medicação diária de forma permanente para a próstata, tensão arterial, sinusite, bronquite e pulmões, no que despende e continuará a despender mensalmente quantia não concretamente apurada (artigo 36º do requerimento inicial).
9) As incapacidades e doenças referidas de 4) a 7) não impediram nem impedem o requerente de trabalhar nem de se locomover e prover às suas necessidades básicas, auferindo pelo menos a quantia de rendimento líquido total de € 800,00 mensais (artigo 18º do requerimento inicial e artigos 17º e 18º da oposição dos 1º e 2 requeridos e artigos 86º a 89º da oposição do 3º requerido).
10) O requerente vive sozinho (artigo 9º do requerimento inicial).
11) O requerente recebeu pensão por invalidez, incluindo complementos, no ano de 2015, no valor total de € 5.257,88, sendo o valor mensal de € 375,56 e o duodécimo do 13º mês de € 31,30, pelo que, em média, auferiu a quantia de € 438,15 por mês (artigo 12º do requerimento inicial).
12) O requerente tomou de arrendamento em 1 de Agosto de 2010 uma pequena loja correspondente ao rés-do-chão do prédio sito na Rua (…), n.os 73 e 75, em Olhão, pela renda mensal de € 150,00 na qual instalou um pequeno comércio de bazar e artigos de 2.ª mão (artigos 13º e 14º do requerimento inicial).
13) O requerente não tem em seu nome quaisquer bens imóveis e, quanto aos bens móveis, possui número não concretamente apurado (artigo 19º do requerimento inicial).
14) O requerente recusou a proposta do requerido (…) de ir viver para casa deste em vez de receber uma quantia monetária para alimentos, tendo recusado tal proposta (artigos 52º a 55º da oposição dos 1º e 2º requeridos).
15) O requerido (…) é professor do ensino básico mas neste momento encontra-se, em comissão de serviço na Câmara Municipal de (…) com a categoria de Chefe de Divisão de Cultura e Juventude, auferindo € 1.700,00 mensais de rendimento, vivendo com uma companheira em união de facto, suportando os encargos normais e extras do seu quotidiano (artigos 43º a 48º da oposição dos 1º e 2º requeridos)
16) O requerido (…) é motorista de profissão, auferindo € 723,29 mensais de salário, vivendo com a esposa e 2 filhas menores, suportando os encargos normais e extras do seu quotidiano familiar (artigos 58º a 62º da oposição dos 1º e 2º requeridos).
17) O requerido (…) aufere o salário mensal de € 1.150,00, já incluindo o duodécimo do 13º mês e o subsídio de refeição, sendo este o seu único rendimento, vivendo com a esposa e 2 filhas menores, tenho a esposa estado desempregada durante vários meses, auferindo actualmente o salário mensal de € 534,00, acrescido de ajudas de custo suportando o casal os encargos normais e extra da vida quotidiana com o rendimento mensal total de € 1.691,52 (artigos 99º a 109º da oposição do 3º requerido).
18) A requerida aufere o salário mínimo nacional e suporta os encargos da sua vida quotidiana (artigo 45º do requerimento inicial).
19) O requerente sempre foi ausente na educação e crescimento do requeridos, sendo a convivência com o mesmo pautada por temor, ameaças, insultos e agressões físicas e verbais, acusando a requerida de ter amantes e dos filhos não serem seus, não contribuindo o requerente com dinheiro suficiente para aos encargos da família apesar de ter vários negócios de aparecer em casa com vários volumes de notas que invocava não serem suas, não permitindo que houvesse água quente para ao banhos (que o mesmo tomava fora da residência), utilizando as poupanças da requerida do seu trabalho como empregada doméstica e que era quem suportava com regularidade as despesas domésticas, à revelia da mesma e para seu uso exclusivo (artigos 67º da oposição dos 1º e 2º requeridos e artigos 18º, 23º a 26º e 28º, 48º e 76º da oposição do 3º requerido).
20) Durante a vivência em comum o requerente em data não concretamente apurada, destruiu parcialmente o interior de um clube de vídeo onde a requerida trabalhava (artigos 75º e 76º da oposição dos 1º e 2º requeridos).
21) Durante a vivência em comum, o requerente, em datas não concretamente apuradas, em casa, afirmava que matava a mulher e os filhos e, durante a noite, enquanto a família tentava dormir, o requerente deambulava pela casa a produzir propositadamente ruídos com o carregador do revólver, aterrorizando todos, impedindo-os de dormir e causando-lhes medo e apreensão (artigos 18º, 36º e 37º da oposição do 3º requerido).
22) O requerente saiu de casa onde residia com os requeridos há 17 anos, na sequência do divórcio e, desde então, nunca mais tendo tido contactos regulares com os requeridos, tendo sido convidado para o casamento de alguns dos filhos e por insistência da requerida que sempre procurou que os filhos não odiassem o pai, continuando os requeridos a sentir muito receio do mesmo, em virtude dele fazer escândalos nos locais de trabalhos dos mesmos ou na rua, escrevendo-lhes cartas a importuná-los, acusando-os de não serem seus filhos e da mãe ter amantes nas cartas e em plena rua, tendo tentado entrar na residência da requerida há vários anos atrás, a qual se mudou para uma casa emprestada apesar de pagar o empréstimo que contraiu para aquisição de casa própria (artigos 79º a 82º da oposição dos 1º e 2º requeridos e artigo 19º da oposição do 3º requerido).
23) O requerente, ao longo da vivência em comum, sempre manteve várias relações extraconjugais, mas imputava tal facto, de forma falsa, à requerida e vivia de negócios de bares e posteriormente de lojas comerciais, gastando o dinheiro ganho em jogo e consigo próprio, se qualquer preocupação com as necessidades dos requeridos, tendo utlizado uma nota de € 500,00 como papel higiénico (artigo 23º da oposição do 3º requerido).

Antes de analisar as questões recursivas suscitadas pelo requerente importa apreciar, desde já, a seguinte questão prévia:
- saber se estão verificados os requisitos gerais para que possa ser decretada qualquer providência cautelar e, nomeadamente, esta providência de alimentos provisórios.

Ora, a tal propósito, importa referir que, na sua essência, o procedimento cautelar é destinado a garantir, a quem o invoca, a titularidade do direito, contra a ameaça ou um risco que sobre ele paira e que é tão premente que a sua tutela não pode aguardar a decisão judicial.
Por isso, e antes do mais, haverá que dizer que são requisitos do procedimento cautelar a instrumentalidade – porquanto pressupõe uma acção definitiva instaurada ou a instaurar (cfr. art. 364º, nº 1, do C.P.C.) – o periculum in mora, ou seja, de que a demora na decisão a proferir na acção principal acarrete um prejuízo grave e ainda o fumus bonus iuris, ou seja, a aparência da realidade do direito invocado (cfr. art. 368º, nº 1, do C.P.C.).
Segundo a feliz expressão do processualista Chiovenda, são “medidas provisórias correspondendo à necessidade efectiva e actual de remover o receio de um dano jurídico” (in “Principii di Diritto Processualli”).
Na verdade, a providência cautelar de alimentos provisórios é daquelas que mais justifica a necessidade da ordem jurídica proteger, devida e antecipadamente, situações de risco, enquanto noutro campo se faz a discussão serena e a apreciação segura e definitiva da matéria em litígio já que, se a ordem jurídica tende a regular a vida em sociedade e se apenas a sua aplicação a vivifica, mais do que a consagração abstracta do direito a uma prestação alimentícia, interessa assegurar aos interessados os meios de subsistência básicos (António Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, IV volume, pág. 103).
Assim, e quanto ao requisito da instrumentalidade, é patente e notório que o mesmo se verifica, “in casu”, uma vez que a presente providência cautelar de alimentos provisórios se encontra a correr termos por apenso à respectiva acção de alimentos definitivos que, oportunamente, o requerente instaurou contra os requeridos (cfr. P.1177/16.9T8OLH.E1).
No entanto, já no que respeita ao requisito do periculum in mora, isto é, de que a demora na decisão a proferir na acção principal acarrete um prejuízo grave para o requerente, nada se alegou e nada se apurou de concreto nos autos, sendo certo que o ónus de alegação e de prova de tal requisito só ao requerente incumbia (cfr. artigos 342º, nº 1, do Código Civil e 368º, nº 1, do Código de Processo Civil), o que aquele, de todo, não fez!
Aliás, e muito pelo contrário, veio a constatar-se que as maleitas de que o requerente padece (justificativas, no seu entendimento, para o pedido aqui formulado) já se verificam há muito mais de 10 anos, atenta a data da instauração dos presentes autos (cfr., nomeadamente, os pontos 4., 5. e 6. dos factos dados como provados).
Por outro lado, importa frisar que o legislador, com o requisito do periculum in mora, não teve em vista obter um efeito mais rápido na resolução do conflito, por forma a não ter que esperar pelo decurso do tempo que leva a decidir a acção principal pois, se assim fosse, então estava encontrado o modo de propor sempre uma providência cautelar antes ou no decurso da acção principal, nomeadamente nos tempos actuais em que, como é do conhecimento geral, as acções se arrastam por muito tempo, não apenas pelo grande volume de processos existentes nos tribunais, mas também porque a acção principal de natureza declarativa está sujeita a formalidades e prazos mais dilatados, comparativamente à estrutura do procedimento cautelar.
Assim sendo, não estando verificado, no caso em apreço, o requisito do periculum in mora, forçoso é concluir que a presente providência tem, inexoravelmente, de improceder, o que aqui se declara para os devidos e legais efeitos.
Por disso, torna-se despiciendo – e até inútil – analisar se foi feita (ou não) prova nos autos, por parte do requerente, do requisito do fumus bonus iuris (ou seja, a aparência da realidade do direito que invocou), bem como apreciar as restantes questões levantadas pelo requerente no presente recurso.

***

Por fim, atento o estipulado no nº 7 do art. 663º do C.P.C., passamos a elaborar o seguinte sumário:
- São requisitos do procedimento cautelar a instrumentalidade – porquanto pressupõe uma acção definitiva instaurada ou a instaurar (cfr. art. 364º, nº 1, do C.P.C.) – o periculum in mora, ou seja, de que a demora na decisão a proferir na acção principal acarrete um prejuízo grave e ainda o fumus bonus iuris, ou seja, a aparência da realidade do direito invocado (cfr. art. 368º, nº 1, do C.P.C.).
- No que respeita ao requisito do periculum in mora, isto é, de que a demora na decisão a proferir na acção principal acarrete um prejuízo grave para o requerente, nada se alegou e nada se apurou de concreto nos autos, sendo certo que o ónus de alegação e de prova de tal requisito só ao requerente incumbia (cfr. art. 342º, nº 1, do Cód. Civil e 368º, nº 1, do C.P.C.), o que aquele, de todo, não fez.

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Decisão:

Pelo exposto acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente o presente recurso de apelação, confirmando-se a sentença proferida pelo tribunal “a quo”.
Custas pelo requerente, ora apelante (sem prejuízo do apoio judiciário de que é beneficiário).
Évora, 28 de Junho de 2018
Rui Manuel Machado e Moura
Maria Eduarda Branquinho
Mário João Canelas Brás

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[1] Cfr., neste sentido, ALBERTO DOS REIS in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, págs. 362 e 363.
[2] Cfr., também neste sentido, os Acórdãos do STJ de 6/5/1987 (in Tribuna da Justiça, nºs 32/33, p. 30), de 13/3/1991 (in Actualidade Jurídica, nº 17, p. 3), de 12/12/1995 (in BMJ nº 452, p. 385) e de 14/4/1999 (in BMJ nº 486, p. 279).
[3] O que, na alegação (rectius, nas suas conclusões), o recorrente não pode é ampliar o objecto do recurso anteriormente definido (no requerimento de interposição de recurso).
[4] A restrição do objecto do recurso pode resultar do simples facto de, nas conclusões, o recorrente impugnar apenas a solução dada a uma determinada questão: cfr., neste sentido, ALBERTO DOS REIS (in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, págs. 308-309 e 363), CASTRO MENDES (in “Direito Processual Civil”, 3º, p. 65) e RODRIGUES BASTOS (in “Notas ao Código de Processo Civil”, vol. 3º, 1972, pp. 286 e 299).