Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
839/13.7TBBNV.E1
Relator: ABRANTES MENDES
Descritores: ARTICULADOS
APERFEIÇOAMENTO DA PETIÇÃO
Data do Acordão: 06/11/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: Relativamente à questão do Juiz estar obrigado a notificar o Autor a aperfeiçoar a sua petição inicial, caso entenda que a mesma padece de insuficiência factual, a partir do momento em que, face à situação de revelia dos Réus, foram dados por confessados os factos articulados, ficou precludida essa possibilidade.
Decisão Texto Integral: Apelação n. 839/13.7TBBNV.E1 (1.ª Secção)

Acordam os Juízes da Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora

Na acção de condenação com forma ordinária pendente na comarca de Santarém (Benavente – Inst. Local – Sec. Cível – J1), em que é autora (…) BEBIDAS SA e réus (…) BAR LDA e (…), veio a autora interpor recurso da decisão final constante de fls. 58 a 75, através da qual foi decidido:
1. Condenar o réu (…) Bar, Lda., a pagar ao autor a quantia de 9.000 €, acrescida de juros de mora, calculados à taxa legal supletiva comercial, contados desde 30.08.2012, até seu integral e efectivo pagamento.
2. Condenar, ainda, o réu (…) Bar, Lda., a pagar ao autor a quantia de 24.525 €, acrescida de juros de mora, calculados sobre esta quantia à taxa máxima permitida pela aplicação conjugada dos artigos 559.º, 559-º-A, e 1146.º, n.º 2, todos do Código Civil, contados desde 02.04.2012, até seu integral e efectivo pagamento.

3. Absolver o réu (…) dos pedidos contra si formulados nestes autos.
*
Sustenta a recorrente, em síntese, nas conclusões das doutas alegações apresentadas:
1º Os Réus, pessoal e regularmente citados, não contestaram.
2º Assim, para além da matéria de facto referida nos pontos 1 a 10 da douta sentença recorrida (matéria essa que aqui se dá como integrada e reproduzida para todos os efeitos legais),
3º Nos termos dos artºs 480º, 484º e 659º, nº 3, do CPC (artºs 563º, 567º, 568º e 607º, nº 4, NCPC),
4º Porque confessada,
5º E porque se trata de matéria essencial a uma boa decisão do pleito, face às soluções plausíveis que a questão de direito comporta,
6º deveria ainda ter sido dada como provada, além do mais, a seguinte:
· O 2º RÉU CONTRIBUIU SEMPRE E DE FORMA EXCLUSIVA PARA A CONFORMAÇÃO DA VONTADE DA 1ª RÉ (… BAR) - cfr Artºs 25º e 27º da p. i.;
· O 2º RÉU DECIDIU QUE A “… BAR, LDA”, POR ELE ADMINISTRADA, OUTORGASSE O CONTRATO DE COMPRA EXCLUSIVA COM A AUTORA E QUE A MESMA EFECTUASSE COMPRAS À AUTORA CUJO VOLUME ESTÁ MUITO LONGE DO ACORDADO E REGISTADO NAS CLÁUSULAS DO CONTRATO (cfr. Artº 29º da p. i.);
· O 2º RÉU BEM SABIA QUE COM O ENCERRAMENTO DO ESTABELECIMENTO AQUELA SOCIEDADE NÃO CUMPRIRIA O CONTRATADO E, COM TAL ATITUDE, PRETENDEU OBTER, PARA SI E PARA A REFERIDA SOCIEDADE, UM ENRIQUECIMENTO ILEGÍTIMO E INJUSTIFICADO, RECEBENDO A QUANTIA ANTES REFERIDA A QUE NÃO TINHA DIREITO (cfr. Artºs 30º e 31º da p. i.);
· O 2º RÉU, NAQUELA QUALIDADE DE SÓCIO-GERENTE, TORNOU O PATRIMÓNIO DA SOCIEDADE “… BAR, LDA” INSUFICIENTE PARA A SATISFAÇÃO DOS SEUS DÉBITOS, DISSIPANDO-O E, NOMEADAMENTE, FAZENDO-O SEU (INTEGRANDO-O NO SEU RESPECTIVO PATRIMÓNIO PESSOAL), LEVANDO E BENEFICIANDO DA SIGNIFICATIVA “MAQUIA” RECEBIDA (cfr. Artºs 41º e 50º da p. i.).
7º Tal matéria deverá ser aditada por esse Venerando Tribunal, nos termos do artº 712º, nº 1, al. a/, do CPC (artº 662º NCPC).
Isto posto,
8º Tendo em consideração toda a matéria antes aludida (a referida nas anteriores conclusões 2ª e 6ª) verifica-se que a actuação do 2º réu consubstanciou, nomeadamente: uma ilicitude da conduta da gerência; má-fé e dolo na outorga do contrato e na administração da sociedade; o encerramento do estabelecimento; a insuficiência (inexistência) do património da sociedade para a satisfação dos seus débitos; a integração do activo da sociedade, designadamente da quantia de 33.210,00 euros, disponibilizada pelo autor, seu património pessoal.
Assim, é ele responsável pelo pagamento do crédito aqui peticionado ou pelo pagamento de uma indemnização equivalente ao mesmo (de igual montante), nos termos, além do mais, do disposto nos artºs 10 nº 3, 334, 483 e 601 do C. Civil, artºs 31, 32, 35, 64, 65, 65-A, 66, 70 e 259 do C. S. C. e artºs 3 nº 1, 15 nº 4 e 42 nº 1 do C. Registo Comercial.
10º A matéria invocada como causa de pedir na p. i. consubstancia abundante e suficiente matéria factual e legal a permitir a procedência da acção quanto ao 2º réu.
11º E, ao contrário do aludido pela douta sentença recorrida verifica-se uma clara ilicitude por parte do comportamento daquele e um claríssimo nexo de causalidade entre aquele (comportamento) e a insuficiência (inexistência de património) da 1ª ré, a provocar a impossibilidade de cobrança do crédito da autora a quem assiste, portanto, em via principal, a que seja levantado o véu da personalidade jurídica colectiva da 1ª ré (co-responsabilizando o 2º réu pelos valores peticionados) e, se assim não se entender, o direito de ser indemnizada de igual montante (pedido principal e subsidiário formulados na p. i.).
12º A douta sentença recorrida, não dando como provada matéria confessada e essencial para uma boa decisão do pleito, é nula e como tal deve ser declarada (artº 668 CPC; artº 615 NCPC).
Sem prescindir e subsidiariamente,
13º Se eventualmente assistisse razão à douta decisão de 1ª instância – o que se admite por mero efeito de raciocínio – ou seja, se efectivamente a petição inicial não contivesse todos os factos essenciais necessários àqueles fins então teria – necessariamente – de convidar a autora a corrigir e ou aperfeiçoar a sua petição.
14º Ao não se proceder assim (e naquela hipótese), decidiu-se ao sabor de imposições formais, ao arrepio da relação e justiça material, que o mesmo é dizer, ao arrepio dos princípios consagrados no direito processual civil.
15º Nem se diga que se está no domínio da discricionariedade do tribunal, uma vez que quando o tribunal faz uso do poder dever de aperfeiçoamento, a decisão é insindicável, por própria disposição da lei; porém, não se segue que o seja de igual forma quando for omitida; daí que o tribunal superior deterá esses mesmos poderes funcionais, e de forma equivalente pode e deve fazer uso deles.
16º Ao não ordenar o exercício do “poder-dever” antes aludido, violou o tribunal “a quo” a lei, podendo (e devendo...) tal decisão ser sindicada.
Assim,
17º Igualmente por estes motivos deve o douto acordão recorrido ser anulado, por omissão de pronúncia, ou caso assim se não entenda, revogado, por ter violado por erro de interpretação e ou aplicação os preceitos legais antes referidos e demais aplicáveis.
18º Finalmente, nos termos dos actuais critérios do NCPC, verifica-se que o artº 552º, nº 1, alínea d), de tal diploma, ao condicionar os termos da petição inicial, apenas impõe ao autor a obrigação de “expor os factos essenciais que constituem a causa de pedir e as razões de direito que servem de fundamento à acção”.
19º Tais factos essenciais, como se disse, constam da p. i.
20º E, ainda que não constassem (o que se admite por mero efeito de raciocínio), tal insuficiência poderia ser suprida nomeadamente nos termos e para os efeitos dos artºs 590º, nºs 3, 4 e 5 (com remissão para o artº 265º e para os artºs 573º e 574º, respectivamente), ou, ainda, conforme o disposto no artº 595º, nº 1, na sua al. c) – o que também não foi feito.
21º No âmbito do NCPC, a p. i. deve conter a alegação dos factos essenciais da causa e só estes (artigos 5º, nº 1, 552º, nº 1, alínea d), do NCPC), embora a prova incida também sobre factos instrumentais (artigos 5º, nº 2, alínea a) e 410º do mesmo diploma, segundo o qual a instrução tem por objecto os temas da prova ou factos necessitados de prova).
22º Ficando claro que, ao contrário do decidido, os factos instrumentais, complementares ou concretizadores não têm de ser alegados nos articulados.
23º Por outro lado, o nº 2 do artigo 5º do NCPC estabelece que os poderes de cognição do tribunal não se circunscrevem aos factos originariamente alegados pelas partes, já que também devem ser considerados pelo juiz os factos que resultem da instrução da causa, quer sejam instrumentais, quer sejam complemento ou concretização dos alegados.
24º Ou seja, os factos instrumentais, complementares ou concretizadores que a decisão recorrida diz faltarem na p. i. (a ser verdade…) podem perfeitamente ser averiguados pelo tribunal – o que este, à partida, se recusou fazer.
25º Tal comportamento (assim como eventual convite a aperfeiçoamento) não violará o princípio da igualdade das partes constante do artº 4º do NCPC, antes consagrará o “princípio da cooperação” previsto no nº 2 do artº 7º do mesmo diploma.
26º A douta decisão é nula e, como tal, deverá ser declarada.
27º Quando assim se não entenda e subsidiariamente, deverá ela ser revogada por ter violado, por erro de interpretação, os preceitos legais aplicáveis e antes invocados (v.g. os artºs 265, 265-A e 266 todos do CPC, actuais artºs 5º, 6º, 411º, 547 e 7º do NCPC), e substituída por outra que decida no sentido antes defendido.
*
Não houve contra alegações.
Tudo visto, cumpre decidir:
Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações apresentadas pelos recorrentes (art. 635.º, nº 4 e 639.º, todos do Código de Processo Civil), da leitura das mesmas resulta que a questão essencial a dirimir prende-se em saber se, foi ou não correcta a decisão de absolver o R. (…) por insuficiência da factualidade alegada.
Estão provados os seguintes factos, com interesse para a decisão da causa:
1. O autor é uma sociedade comercial que se dedica à produção e comercialização de bebidas em geral e outras actividades conexas.
2. O primeiro réu é uma sociedade comercial por quotas que explorava o estabelecimento comercial denominado «(…) Club», sito na Estrada Nacional n.º 10, km. (…), (…), em Samora Correia.
3. No exercício da sua actividade comercial, o autor e a sociedade ré acordaram em 16.03.2012 os seguintes termos, que reduziram a escrito:
«Considerando que: a) o revendedor [o primeiro réu] tem para com o fornecedor [autor] uma dívida no montante de € 98,40, IVA já incluído, do qual se confessa, desde já, devedor, referente ao fornecimento de produtos realizados pelo fornecedor ao revendedor em 07.05.2008; b) o fornecedor pagará ao revendedor a contrapartida fixada nos termos da cláusula 7.ª, infra, do presente contrato, sendo que parte do pagamento será efectuada mediante compensação com a dívida do revendedor ao fornecedor identificada no considerando anterior; celebram entre si, livremente e de boa-fé, um acordo de compra exclusiva que se regerá pelas seguintes cláusulas:
1.º O fornecedor dedica-se à actividade de produção e comercialização de bebidas em geral e outras actividades conexas.
2.º O revendedor possui ou explora o seguinte estabelecimento de venda a retalho de bebidas destinadas a serem consumidas no local: (…) Club, situado em Estrada Nacional n.º 10, km (…), (…), em Samora Correia e pertencente a (…) Bar, Lda.
3.º Pelo presente contrato, o fornecedor obriga-se a fornecer ao revendedor os produtos objecto da actividade comercial daquele, directamente, mediante o seu centro de distribuição directa, ou através do distribuidor… ficando, por seu turno, o revendedor obrigado a comprar ao fornecedor esses produtos, ininterruptamente durante o período de vigência deste contrato, visando atingir, com as suas compras, a quantidade fixada na cláusula 9.ª, n.º 1.
4.º O revendedor obriga-se a não vender no estabelecimento referido na cláusula 2.ª, durante a vigência deste contrato, cervejas em barril, garrafa e lata, refrigerantes em dispenser, garrafa e lata e águas lisas e com gás, de marcas não comercializadas pelo fornecedor.
(…)
7.º Como contrapartida da exclusividade conferida pelo revendedor, o fornecedor pagar-lhe-á a quantia de € 27.000,00, acrescida de IVA à taxa em vigor, o que perfaz o valor de € 33.210,00, quantia essa que é paga por compensação conforme descrito no considerando b) supra; no montante aí indicado de € 98,40; o remanescente, no montante de € 33.111,60, com IVA incluído, é pago mediante cheque do fornecedor emitido à ordem do revendedor.
8.º - 1. No caso de incumprimento ou mora no cumprimento de qualquer das obrigações decorrentes deste contrato que não seja remediada dentro do prazo de 15 dias a contar da recepção da comunicação escrita para o efeito dirigida ao contraente faltoso, poderá o outro contraente resolver o contrato. 2. A resolução não terá efeito retroactivo. 3. O incumprimento dará lugar ao pagamento, pelo contraente faltoso, de uma indemnização que, por acordo, se fixa em € 9.000,00. 4. Para além da indemnização prevista no número anterior, o incumprimento, por parte do revendedor, dará lugar à devolução da contrapartida concedida pelo fornecedor, deduzida da parte proporcional ao período do contrato entretanto já decorrido, considerando-se, para este efeito a vigência com a duração máxima estabelecida no n.º 2 da cláusula seguinte. A contrapartida a devolver será acrescida de juros calculados à taxa máxima legal permitida pela aplicação conjugada dos artigos 559.º, 559-A e 1146.º, n.º 2, do Código Civil e computados desde a data do pagamento previsto na cláusula 7.ª até à data da efectiva devolução.
9.º - 1. O contrato terá início na presente data e durará até que hajam sido adquiridos, pelo revendedor ao distribuidor referido na cláusula 6.ª, pelo menos 114.838 litros dos produtos discriminados na cláusula 4.ª, salvo o disposto no número seguinte. 2. O contrato terá a duração mínima de 3 e máxima de 5 anos. 3. Para o cômputo do total de litros referidos no n.º 1 desta cláusula, serão consideradas as aquisições dos produtos feitas pelo revendedor desde 06.12.2011.
10.º - 1. Se, durante a vigência deste contrato, o revendedor trespassar ou ceder por qualquer outro título o estabelecimento mencionado na cláusula 2.ª, ou a sua exploração, deverá o respectivo contrato incluir a transmissão dos direitos e obrigações decorrentes do presente contrato para o trespassário ou cessionário, ficando, porém, o revendedor, solidariamente responsável pelo seu cumprimento e pelas consequências contratuais emergentes do seu incumprimento ou resolução. 2. A transmissão do estabelecimento ou a cessão da sua exploração deverá ser comunicada, por carta registada, dirigida ao fornecedor. 3. Não se verificando a transmissão dos direitos e obrigações conforme o convencionado no n.º 1 da presente cláusula e ainda nos casos de encerramento do estabelecimento, cessação do contrato de cessão de exploração do estabelecimento ou mudança do seu ramo para outro incompatível com as finalidades do presente contrato, este considerar-se-á imediata e automaticamente resolvido pelo revendedor sem necessidade de qualquer interpelação a este ou ao novo proprietário ou cessionário do estabelecimento, ficando essa resolução sujeita aos efeitos consignados nos n.º 2, 3 e 4 da antecedente cláusula 8.ª.».
4. Na sequência deste acordo, o autor entregou à sociedade ré, em 02.04.2012, a quantia de 33.210 € (trinta e três mil duzentos e dez euros), com IVA incluído.
5. Não obstante o assim acordado, a sociedade ré, desde 06.12.2011 e até 26.07.2012, apenas adquiriu ao autor e ao seu distribuidor 5.467 (cinco mil quatrocentos e sessenta e sete) litros dos produtos acima aludidos.
6. Os gestores de clientes do autor visitaram várias vezes aquele estabelecimento, na tentativa de solucionar esta questão, sem êxito.
7. Em 30.08.2012, a sociedade ré encerrou definitivamente ao público o seu supra referido estabelecimento, sem qualquer comunicação ao autor, deixando assim de vender por ali quaisquer produtos dos supra aludidos.
8. Em 12.10.2012, o autor enviou à sociedade ré uma missiva com o seguinte teor:
«Tomámos conhecimento de que V. Exas. não estão a cumprir o contrato celebrado com a nossa empresa de 16.03.2012, uma vez que, pelo menos desde 26.07.2012, não compram, para venda no vosso estabelecimento (…) Club qualquer quantidade dos nossos produtos objecto do referido contrato. Acresce ainda que, em 30.08.2012, V. Exas. encerraram ao público o vosso estabelecimento (…) Club, o que constitui, nos termos da cláusula 10.ª, n.º 3, causa de resolução automática e imediata daquele contrato.
Como sabem, esta empresa atribuiu e pagou-lhes a quantia de € 27.000, acrescida de IVA, para que V. Exas. promovessem a venda, em regime de exclusivo e de forma ininterrupta, das nossas cervejas em barril, garrafa e lata, refrigerantes em dispenser, garrafa e lata, águas lisas e com gás, durante um período mínimo de 3 e máximo de 5 anos, na pressuposição de que as compras do vosso estabelecimento, durante a vigência do contrato, atingissem pelo menos 114.838 litros.
Em consequência, vimos comunicar-lhes, nos termos da cláusula 10.ª, n.º 3, e para efeitos da cláusula 8.ª, n.º 2, 3 e 4, do contrato, que consideramos aquele contrato resolvido, desde 30.08.2012, sendo-nos devida, sem necessidade de nova interpelação, uma indemnização no montante de € 9.000 e a devolução da contrapartida paga a V. Exas., deduzida da parte proporcional correspondente ao período do contrato cumprido, considerando-se para este efeito a vigência com a duração máxima de 5 anos, e acrescida de juros calculados à taxa máxima legal computados desde a data da celebração do contrato até à do efectivo pagamento da quantia em dívida».
9. Esta missiva foi recebida em 16.10.2012.
10. O segundo réu é o único gerente da sociedade ré, o que sucede desde a sua constituição.
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Como procuraremos demonstrar, não assiste razão à recorrente.
Como resulta das doutas alegações de recurso, a razão da interposição de recurso por parte da demandante radica, fundamentalmente, em 2 ordens de ideias:
Por um lado, no facto de o ilustre julgador “a quo”, porque nenhuma oposição foi deduzida pelos demandados, não ter considerado como confessada (art. 567.º, n.º 1, do CPCivil) matéria de facto alegada no petitório que, segundo a recorrente, era fundamental para responsabilizar o R. (…) quanto à situação de incumprimento de negócio jurídico alegada.
Por outro, mesmo considerando assistir razão ao Meritíssimo Juiz de 1.ª instância, dever-se-ia ter lançado mão do “poder/dever” do convite ao aperfeiçoamento da petição, tal como decorre do disposto nos artigos 265.º, 265.º-A e 266.º do anterior CPCivil.

Antes de mais, importa precisar que, depois de enumerar a factualidade dada como assente, o julgador, em tudo o resto, considerou que “O demais constante da petição inicial e não supra referido foi julgado, após análise, de natureza conclusiva e/ou de direito, logo irrespondível” – fls. 64.
Segundo o art. 6.º das conclusões da recorrente, a alegada matéria de facto que deveria ter sido considerada era a seguinte:
· O 2º RÉU CONTRIBUIU SEMPRE E DE FORMA EXCLUSIVA PARA A CONFORMAÇÃO DA VONTADE DA 1ª RÉ (… BAR) - cfr Artºs 25º e 27º da p. i.;
· O 2º RÉU DECIDIU QUE A “… BAR, LDA”, POR ELE ADMINISTRADA, OUTORGASSE O CONTRATO DE COMPRA EXCLUSIVA COM A AUTORA E QUE A MESMA EFECTUASSE COMPRAS À AUTORA CUJO VOLUME ESTÁ MUITO LONGE DO ACORDADO E REGISTADO NAS CLÁUSULAS DO CONTRATO (cfr. Artº 29º da p. i.);
· O 2º RÉU BEM SABIA QUE COM O ENCERRAMENTO DO ESTABELECIMENTO AQUELA SOCIEDADE NÃO CUMPRIRIA O CONTRATADO E, COM TAL ATITUDE, PRETENDEU OBTER, PARA SI E PARA A REFERIDA SOCIEDADE, UM ENRIQUECIMENTO ILEGÍTIMO E INJUSTIFICADO, RECEBENDO A QUANTIA ANTES REFERIDA A QUE NÃO TINHA DIREITO (cfr. Artºs 30º e 31º da p. i.)
· O 2º RÉU, NAQUELA QUALIDADE DE SÓCIO-GERENTE, TORNOU O PATRIMÓNIO DA SOCIEDADE “… BAR, LDA” INSUFICIENTE PARA A SATISFAÇÃO DOS SEUS DÉBITOS, DISSIPANDO-O E, NOMEADAMENTE, FAZENDO-O SEU (INTEGRANDO-O NO SEU RESPECTIVO PATRIMÓNIO PESSOAL), LEVANDO E BENEFICIANDO DA SIGNIFICATIVA “MAQUIA” RECEBIDA (cfr. Artºs 41 e 50 da p. i.).

Perante o teor de tais matérias, também nos parece que se tratam de meras conclusões (algumas delas incompreensíveis como, por exemplo, a primeira citada já que o R. …, como único gerente da sociedade, ter-se-ia de considerar naturalmente como a “mater voluntas” da sociedade), não alicerçadas em factos concretos e objectivos, sem indicação dos comportamentos reais que permitissem concluir pela responsabilização individual da pessoa singular. E, nesse particular, toda a construção teórico/jurídica a propósito da desconsideração da personalidade jurídica “esbarra” com a realidade nua e crua da omissão de factos tendentes à demonstração de que existiu também responsabilidade civil do R. (…).
Mas, mesmo que, nesta parte, assistisse razão à recorrente, nunca a sentença padeceria de nulidade, pois, é entendimento uniforme da jurisprudência e doutrina que só a falta absoluta de fundamentação constitui nulidade[1]. Mas, uma coisa é falta absoluta de fundamentação e outra é a fundamentação deficiente, medíocre ou errada. Só aquela é que a lei considera nulidade. Esta não constitui nulidade, e apenas afecta o valor doutrinal da sentença que apenas corre o risco, a padecer de tais vícios, de ser revogada ou alterada em via de recurso (se tal constituir objecto do recurso, como é óbvio) [2].
No tocante à questão de o ilustre Juiz estar obrigado a notificar a A. a aperfeiçoar a petição inicial, caso entendesse que a mesma padecia de insuficiência factual, pensamos, salvo o devido respeito que, a partir do momento em que, face à situação de revelia dos R.R., foram dados por confessados os factos articulados pela A., precludida ficou a possibilidade de o Juiz poder convidar a parte ao aperfeiçoamento do articulado inicial.
Com efeito, tal como defende o ilustre Desembargador Eurico Reis no Ac. RL de 6.05.2014, Proc. 1978/12.7TVLSB.L1, resulta, com meridiana clareza, as circunstâncias em que, de acordo com o disposto no art.º 508º no CPC 1961 e ao 590º no CPC 2013, o despacho pelo qual se pode decidir pela formulação de um convite aos litigantes no sentido de ocorrer um aperfeiçoamento dos articulados já apresentados em Juízo é anterior àquele outro através do qual se dá corpo ao despacho saneador e se profere decisão nos termos previstos antes nos artºs 510º nºs 1 e 2 e 511º, n.º 1, do CPC 1961 e agora nos artºs 595º, nºs 1 e 2 e 596º, n.º 1, do CPC 2013.
Em face do exposto e sem necessidade de quaisquer outros considerandos, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação interposta, confirmando, desse modo, a douta sentença recorrida.
Custas pela apelante.
Notifique e Registe.
Évora, 11 de Junho de 2015
Abrantes Mendes
Mata Ribeiro
Sílvio Sousa
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[1] Cfr. Ac. do STJ de 17/1/92, in BMJ, 413º pag. 360 e Ac. do STJ de 1/3/90, in BMJ, 395º pag. 479.
[2] Neste sentido vd. J. A. Reis, opus cit., pág. 140.