Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
812/05-3
Relator: ÁLVARO RODRIGUES
Descritores: ENTREGA JUDICIAL DE MENOR
INDEFERIMENTO LIMINAR
MANIFESTA IMPROCEDÊNCIA
Data do Acordão: 06/02/2005
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: PROVIDO
Sumário:
A improcedência tem a ver com a questão de mérito ou de fundo da acção ou de alguma excepção peremptória (do latim procedens, tis que significa concludente, lógico, fundamentado) e jamais com a falta ou insuficiência da identificação de uma das partes.
Decisão Texto Integral:
Agravo 812/05-3
(Entrega Judicial de Menor 66/05.7TMSTB)
2º Juízo do Tribunal F.M. de Setúbal




Acordam na Secção Cível da Relação de Évora:

RELATÓRIO

M., solteira, residente no bairro das …….., em ……., requereu a regulação do exercício do poder paternal e incidentalmente uma providência cautelar contra F., residente em ……… e com os sinais dos autos, alegando, para tanto, e em síntese, o seguinte:
Requerente e Requerido viveram em união de facto até 2003, mantendo relação amorosa durante dezassete anos, tendo de tal relação nascido os menores A., R. e P., estando presentemente os pais separados, pelo que é necessário regular o poder paternal.
Pede que os menores sejam entregues à Mãe, com quem têm vivido desde sempre, pois em 27 de Dezembro de 2004, por volta da 1h30 de madrugada o Requerido deslocou-se à casa da Requerente, agrediu-a e contra a vontade da mesma e dos filhos, usando de violência retirou os menores de casa e levou-os para Setúbal.
Pede, assim, a entrega judicial urgente dos menores à Mãe e que seja fixada uma pensão alimentícia para os mesmos, no valor global de 1000 euros mensais.
Pede que sem audição do Requerido, o Tribunal, após prova sumária do alegado, e entregue os filhos á guarda e cuidados desta.
O Exmº Juiz do Tribunal de Alcácer do Sal, onde foram requeridas as pro – vidências, atentando no facto de ter sido simultaneamente requerida a regulação do exercício do pátrio poder e a entrega dos menores à Mãe, vindo alegado que o Pai os tinha levado para Setúbal, ordenou a extracção de uma certidão do expediente e a sua remessa para o Tribunal de Família e Menores de Setúbal.
O Exmº Juiz deste último Tribunal exarou despacho, considerando que o artº 467º nº 1 do CPC estabelece na sua alínea a) que o autor deve identificar as partes, indicando os seus nomes, domicílios ou sedes e, sempre que possível, profissões e locais de trabalho, devendo também o autor expor as razão de facto de direito que servem de fundamento à acção, entendeu que, no caso vertente, a Requerente não apontou factos concretos que permitissem ao Tribunal identificar a morada do Requerido, nem expôs factos concretos que servem de fundamento ao presente incidente, que considera «elementos fundamentais para aferir da competência do Tribunal».
Diz que no artº 7´do requerimento inicial, apenas vem referido que o Pai dos menores, usando de violência, retirou os filhos de casa e levou-os para Setúbal e que com base em tal informação tão escassa, pediu o Tribunal à Requerente que apontasse a morada exacta do Requerido.
Que a Requerente informou o Tribunal que desconhecia a morada daquele, mas acabou por trazer um elemento de perplexidade ao, processo, transpondo a situação por si narrada no condicional, pois agora a Requerente afirma que o requerido «poderá residir em Setúbal, para onde terá trazido os menores».
E, no referido despacho, escreveu o Exmª Juiz a quo: " Poderá? Terá trazido? E, perguntamos nós, se não foi para Setúbal que os trouxe?"
De seguida, considerou que a sugestão que a Requerente havia feito de pedir-se informação à PSP não se lhe afigurava viável, dada a escassez de informações sobre o Requerido, e considerando que os elementos em falta eram essenciais para o sucesso da acção e inclusivamente para a aferição da competência territorial do referido Tribunal de Família e Menores, indeferiu liminarmente o requerimento inicial, por manifestamente improcedente.

Inconformada com tal decisão, a Requerente trouxe Agravo da mesma para este Tribunal da Relação, rematando as suas alegações com as seguintes:

Conclusões:

1. Não existe qualquer processo de entrega de menores, mas um processo de regulação do poder paternal, onde se insere uma providência cautelar com dois objectivos:

a) Pensão de alimentos provisória;

b) Entrega provisória dos menores à guarda da mãe;

2. Julgar manifestamente improcedente a providência cautelar é indeferir, liminarmente, os pedidos das alíneas a) e b), que todavia são viáveis;

3. O Meritíssimo Juiz de Setúbal considerou-se competente para decidir o incidente, e por isso decidiu;

4. Mas não pode indeferir liminarmente a providência cautelar, só porque surgiram dúvidas sobre o local onde os menores se encontravam;

5. A acção tem de ser instaurada em Alcácer do Sal (como o foi) porque aí residiam os menores, mas se o Tribunal de Setúbal não questionou a sua competência para a causa, não pode depois decidir a questão de fundo, com o fundamento utilizado;

6. Os menores encontram-se a residir em Setúbal, frequentando uma escola em Palmela;

7. O poder paternal pertence por definição legal à recorrente (artigo 1911° n.º do Código Civil), provados que sejam os factos alegados nos artigos 1°, 2°, 6° e 7° da petição inicial;

8. Foram violados por erro de interpretação os artigos 157°e 174° da Organização Tutelar de Menores e o n.º do artigo 467° do Código de Processo Civil;

O Requerido foi citado para os termos do recurso e da causa, ex-vi do artº 234º-A, nº 3 do CPC, tendo apresentado contra-alegações, nas quais defende a manutenção do decidido.
O Exmº Magistrado do Ministério Público na 1ª Instância, também contra-alegou, sustentando que a decisão recorrida merece reparo parcial e deverá ser revogada, embora se pronuncie no sentido de que deverá ser decretada anulação do processado e devolução da certidão que lhe serve de base ao Tribunal de onde foi extraída, isto é, ao Tribunal de Alcácer do Sal.

Dispensados os vistos legais, dada a urgência do processo, cumpre apreciar e decidir, já que nada obsta ao conhecimento do objecto do presente recurso, delimitado que é pelas conclusões da alegação dos recorrentes, nos termos das disposições conjugadas dos artºs 684º, nº3 e 690º, nº1 do CPC.

FUNDAMENTOS

Antes do mais, há que ter em atenção que a Requerente pediu a Regulação do Exercício do Poder Paternal ao Tribunal da Comarca de Alcácer do Sal, onde reside e onde residiam os menores, pedindo incidentalmente, no mesmo processo, a entrega judicial dos Menores A., R. e P. à Mãe, mediante a alegação de que os menores tinham sido levados para Setúbal, pelo Pai dos mesmos, que os tirou da casa materna e do convívio com a Mãe, usando de violência para o efeito, por volta da 1,30 horas do dia 27 de Dezembro de 2004.
Dado que da referida peça constava que o Pai tinha levado os menores para Setúbal, o Exmº Juiz de Alcácer do Sal ordenou a extracção de certidão do expediente, desdobrando assim o processo em dois, e a remessa de tal certidão ao Tribunal de Família e Menores de Setúbal, com jurisdição sobre a comarca de Setúbal, para onde teriam sido levados os menores, segundo a alegação da Requerente, permanecendo no Tribunal de Alcácer do Sal o expediente destinado à Regulação do Poder Paternal.
Portanto, a certidão que foi remetida ao Tribunal de Família e Menores de Setúbal, destinava-se apenas à decisão da questão da entrega dos Menores.
Isso mesmo entendeu o Exmº Juiz do TFM de Setúbal, pois determinou, e bem, que tal certidão fosse distribuída com Entrega Judicial de Menor, como se colhe do despacho lavrado a fls. 26 deste processo, em 19 de Janeiro de 2005.
Todavia, por despacho de 21 de Janeiro de 2005, ordenou a notificação da Requerente para informar em 5 (cinco) dias a morada do Requerido, tendo esta informado que desconhecia em absoluto tal morada, sabendo que poderia residir em Setúbal, para onde terá trazido os menores.
Indicou, todavia, o nº do telemóvel do Requerido, informando ainda que o mesmo é representado pela Ilustre Advogado que expressamente nomeia, e cujo escritório e nº de telefone indica, sugerindo que o Tribunal peça a colaboração da PSP, a fim de localizar o Requerido.

É em face de tal informação que foi proferido o despacho de indeferimento liminar do requerimento inicial, com base na sua qualificação como manifestamente improcedente.
Antes do mais, importa dizer que a improcedência tem a ver com a questão de mérito ou de fundo da acção ou de alguma excepção peremptória (do latim procedens, tis que significa concludente, lógico, fundamentado) e jamais com a falta ou insuficiência da identificação de uma das partes.
Depois, devia o Exmº Juiz a quo ter atentado que do requerimento inicial consta efectivamente a morada ou residência habitual do Requerido, que é em …………, expressamente indicada pela Requerente, sendo Setúbal indicado apenas, no mesmo requerimento inicial, como o local para onde foram levados os menores, tendo-se pedido naquele mesmo requerimento que o Tribunal solicitasse a colaboração da PSP (cf. fls. 7).
Esta mesma informação manteve a Requerente quando foi notificada para informar a residência do Requerido, pois embora tenha dito desconhecer tal residência em Setúbal (a de Alcácer já havia mencionado do Requerimento inicial), forneceu ao Tribunal o nº de telemóvel deste e a indicação da Ilustre Advogada do mesmo.
Portanto a Requerente praticou todos os actos necessários, emergentes do seu dever de cooperação, competindo ao Tribunal ordenar as diligências necessárias à prossecução do referido processo em ordem a salvaguardar o interesse superior dos menores, escopo precípuo de toda a Jurisdição de Menores, tanto mais que a Requerente forneceu importantes elementos para o contacto ou localização do Requerido.

Não serão necessárias mais palavras, para se concluir linearmente pela necessidade de provimento do presente Agravo, impondo-se a revogação do despacho recorrido.

DECISÃO

Em face do quanto exposto se deixa, acordam os Juízes desta Relação em conceder provimento ao Agravo interposto e, em consequência, revogam o despacho recorrido, devendo ser proferida na 1ª Instância decisão que solicite às autoridades policiais a sua colaboração, com vista à informação sobre o paradeiro dos menores, que segundo consta do requerimento inicial terão sido levadas para Setúbal, e todas as demais as diligências julgadas necessárias com vista à apreciação e decisão final do pedido formulado da entrega judicial dos menores.

Sem custas.





Processado e revisto pelo Relator.

Évora,