Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
2088/11.0TAFAR-A.E1
Relator: JOÃO AMARO
Descritores: PENA DE MULTA
SUBSTITUIÇÃO DA MULTA POR TRABALHO
INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO
Data do Acordão: 06/26/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário:
I O cumprimento parcial da pena de multa, através da prestação de horas de trabalho, interrompe o prazo de prescrição.
Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

I - RELATÓRIO

No âmbito do processo comum (tribunal singular) nº 2088/11.0TAFAR, do Juízo Local Criminal de Faro (Juiz 3) a arguida M recorre do despacho judicial que considerou que a pena (em que a arguida foi condenada nesses autos) não se mostra extinta por prescrição.

Da respetiva motivação retira as seguintes conclusões:

1ª - Desde a formulação do requerimento a solicitar a substituição da pena de multa por prestação de trabalho (requerimento datado de 02-04-2013) e até ao dia 02-11-2017, a Secção de Processos enviou as notificações referentes ao Defensor da arguida para outra morada que não a indicada nos autos.

2ª - Por isso, todo o processado posterior à apresentação de tal requerimento é nulo, por falta de notificação ao Defensor da arguida, incluindo o despacho que determinou a substituição da pena de multa por prestação de trabalho, pois que se traduz na prática de atos processuais para os quais a comparência do Defensor era obrigatória (artigos 58º, 61º, nº 1, aI. f), e 119º, aI. c), todos do C. P. Penal).

3ª - Dada a referida ausência processual do Defensor em atos cuja comparência era obrigatória (e para os quais o Defensor não foi notificado), não se pode ter como válida a prestação, pela arguida, de qualquer hora de trabalho a favor da comunidade, muito menos com a virtualidade de fazer interromper o prazo de prescrição da pena de multa fixada.

4ª - Razão pela qual a pena de multa aplicada à arguida já se encontra extinta, por prescrição, não havendo mais nenhuma hora de trabalho a favor da comunidade a cumprir pela arguida.

A Exmª Magistrada do Ministério Público junto da primeira instância apresentou resposta ao recurso, entendendo que nenhum reparo há a fazer ao despacho sub judice e que o recurso deve ser julgado totalmente improcedente.

Neste Tribunal da Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer, concluindo também que o despacho recorrido deve ser mantido.

Cumprido o disposto no artigo 417º, nº 2, do Código de Processo Penal, não foi apresentada qualquer resposta.

Colhidos os vistos legais, foi o processo submetido à conferência.

II - FUNDAMENTAÇÃO

1 - Delimitação do objeto do recurso.
Uma única questão, em breve síntese, é suscitada no presente recurso, segundo o âmbito das correspondentes conclusões, as quais delimitam o objeto do recurso e definem os poderes cognitivos deste tribunal ad quem, nos termos do disposto no artigo 412º, nº 1, do C. P. Penal: determinar se a pena aplicada à arguida está (ou não) prescrita.

2 - A decisão recorrida.

O despacho revidendo é do seguinte teor (na parte aqui relevante):

A arguida M. foi condenada pela prática de um crime de falsidade de testemunho, p. e p. pelo art.º 360º, nº 1, do C.P., na pena de 250 dias de multa, à razão diária de €5,00, no total de € 1.250,00 (cfr. sentença a fls. 168 a 177, transitada em julgado em 17/12/2012, cfr. fls. 180).

Por despacho de 14/06/2013 (cfr. fls. 234 a 235), foi autorizada a substituição da pena de multa em que a arguida foi condenada por igual nº de horas de prestação de trabalho, cujo cumprimento iniciou no dia 04/03/2015, ou seja, ainda no decurso do prazo normal de prescrição de 4 anos, a contar da data do trânsito em julgado da sentença, tendo ocorrido, assim, a causa de interrupção da prescrição da pena prevista no art. 126º, nº 1, al. a), e nº 2, do C.P., nessa data, e passando a correr novo prazo de prescrição.

Com efeito, o art. 126º, nº 1, aI. a), do C.P., prevê que a prescrição da pena interrompe-se com a sua execução, o que sucedeu, no caso, com o início da prestação de trabalho, ainda que parcial (neste sentido, entre muitos outros, o Acórdão do TRE de 25/10/2016, Proc. 39/09.0GBPTM-A.E1, relator Alberto Borges, consultável em texto integral em www.dgsi.pt., em cujo sumário se lê: o cumprimento parcial da pena de multa, através da prestação de horas de trabalho, interrompe a prescrição da pena, ex vi do artigo 126º, nº 1, alínea a), do CP).

Verifica-se, ainda, não ter ocorrido o prazo máximo de prescrição previsto no art. 126º, nº 3, do C.P., que, caso não venham a ocorrer quaisquer causas de suspensão da prescrição da pena previstas no art. 125º do C.P., apenas terá lugar no dia 17/12/2018.

Mostra-se, assim, evidente que a pena aplicada à arguida não se encontra prescrita, devendo diligenciar-se pelo cumprimento da pena remanescente, pelo que, e sem necessidades de maiores considerações, em conformidade com a promoção que antecede, indefiro a suscitada - pelo Ilustre mandatário da arguida - prescrição da pena.

Sem custas, atenta a simplicidade da questão apreciada.

Notifique”.

3 - Factos relevantes à decisão.

Compulsados os autos, e com relevância para a decisão a proferir, há que considerar os seguintes factos essenciais:

a) Por sentença, transitada em julgado em 17-12-2012, a ora recorrente foi condenada, pela prática de um crime de falsidade de testemunho, na pena de 250 dias de multa, à razão diária de 5 euros.

b) Por despacho, datado de 14-06-2013, foi autorizada a substituição da aludida pena de multa por prestação de trabalho a favor da comunidade.

c) A arguida iniciou o cumprimento dessa prestação de trabalho a favor da comunidade em 04-03-2015, tendo cumprido 146 horas e 30 minutos de trabalho, e permanecendo por cumprir o remanescente de 103 horas de trabalho.

d) O Ilustre Defensor da arguida indicou nos autos, como sua morada profissional, a Rua Dr. …, em Faro, morada para a qual foi enviada a notificação (via postal) referente ao despacho que determinou a substituição da pena de multa por prestação de trabalho.

e) A carta enviada foi “devolvida” ao tribunal com a menção de não ter sido “reclamada”.

f) Na sequência desse facto, a Secção de Processos, oficiosamente, solicitou informação à Ordem dos Advogados sobre o domicílio profissional do Ilustre Defensor da arguida, a qual veio informar que essa morada era na Praça…, em Faro, morada para a qual foi, de novo, dirigida a notificação referente ao aludido despacho.

g) Posteriormente, o Ilustre Defensor da arguida foi ainda notificado para a realização da audição da arguida, de novo para a morada indicada pela Ordem dos Advogados, diligência a que compareceu, não tendo, nesse meio tempo, sido dirigida qualquer outra notificação ao Ilustre Defensor, por não ter sido necessário, nem sido dirigida qualquer notificação, de forma errada, para outra morada ou para outro Ilustre Advogado.

4 - Apreciação do mérito do recurso.
Alega a recorrente que o despacho que converteu a pena de multa em prestação de trabalho a favor da comunidade não lhe foi regularmente comunicado, sendo, por isso, nulo, e, também por isso, não tendo interrompido o decurso do prazo de prescrição da pena.

Cumpre decidir.

Em primeiro lugar, e ao contrário do alegado na motivação do recurso, as notificações do Ilustre Defensor da arguida, operadas nos autos, foram efetuadas de forma regular, como decorre, linearmente, dos factos essenciais para a decisão acima elencados.

Em segundo lugar, e mesmo que assim não fosse, a notificação irregular (ao Ilustre Defensor da arguida) do despacho que converteu a pena de multa em prisão subsidiária não integra, a nosso ver, a previsão normativa contida no artigo 61º, nº 1, aI. f), do C. P. Penal, nem na previsão normativa ínsita no artigo 119º, nº 1, aI. c), do mesmo diploma legal (nulidade insanável).

Mais: ainda que o Ilustre Defensor da arguida não tivesse sido notificado do despacho que determinou a conversão da pena de multa em prestação de trabalho a favor da comunidade (e foi-o), tal não integraria a verificação de qualquer nulidade (cfr. artigos 119º e 120º do C. P. Penal), configurando, isso sim, uma irregularidade, tal como previsto no artigo 123º, nº1, do C.P.P., a qual tinha de ser suscitada dentro do prazo previsto em tal artigo e não o foi (ou seja, mostra-se sanada).

Em conclusão: não existe qualquer nulidade que afete a validade da prestação de trabalho a favor da comunidade já cumprida pela arguida.

Por último, e conforme bem se assinala no despacho revidendo, ocorreu, in casu, a causa de interrupção da prescrição da pena prevista no artigo 126º, nº 1, aI. a), e nº 2, do Código Penal, consubstanciada no início do cumprimento, pela arguida, da aludida prestação de trabalho a favor da comunidade.

Nesta parte, subscrevemos, integralmente, o que bem se escreve no Ac. deste Tribunal da Relação de Évora de 25-10-2016 (citado no despacho recorrido, sendo relator Alberto Borges, e disponível in www.dgsi.pt), “a questão que se coloca é se este facto - este cumprimento parcial da pena de multa, através da prestação de horas de trabalho - interrompe a prescrição da pena, ex vi art.º 126 n.º 1 al. a) do CP. Dispõe este preceito que a prescrição da pena se interrompe com a sua execução. (…) Não se vê como sustentar que o cumprimento parcial da pena de multa aplicada, ainda que pela prestação de horas de trabalho (já que se admitiu a sua substituição pela prestação de horas de trabalho) e com o consentimento do condenado, não integra o conceito de execução da pena previsto no art.º 126 n.º 1 al. a) do CP - a expressão legal «execução» não tem outro sentido literal senão o de «cumprimento» da pena, seja parcial ou total (em abono deste posição pode ver-se o acórdão da RC de 23.05.2012, Proc. 1366/06.4PBAVR.E1, in www.dgsi.pt, onde se decidiu, em síntese, que a prestação de trabalho a favor da comunidade é uma das formas de cumprimento da própria pena de multa aplicada, que a prestação de trabalho corresponderá a uma forma de pagamento da multa. E que a prestação parcial do trabalho significará igualmente um pagamento parcial dessa multa”.

Em suma: a pena aplicada nos autos à arguida não se encontra prescrita.

Por tudo o predito, é de manter, na íntegra, o despacho revidendo, sendo o recurso interposto pela arguida totalmente de improceder.

III - DECISÃO

Nos termos expostos, acorda-se em negar provimento ao recurso, mantendo-se integralmente o despacho recorrido.

Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) UCs.

Texto processado e integralmente revisto pelo relator.

Évora, 26 de junho de 2018

João Manuel Monteiro Amaro

Maria Filomena de Paula Soares