Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
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Relator: | MARIA JOÃO SOUSA E FARO | ||
Descritores: | ACÇÃO ESPECIAL PARA CUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÕES PECUNIÁRIAS ERRO NA FORMA DO PROCESSO | ||
Data do Acordão: | 01/12/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Sumário: | I- É de excluir do âmbito de aplicação do Decreto-Lei n.º 269/98 de 1 de Setembro, o pedido de cumprimento de obrigações pecuniárias que não emerjam diretamente do contrato, que não estão no mesmo expressamente fixadas e definidas, mas resultem antes do seu incumprimento culposo, da sua denúncia não atempada, ou de qualquer outra causa que, embora fundada no contrato, não se cinja à exigência do cumprimento deste, mas outrossim à verificação do seu incumprimento, da legitimidade da sua resolução, da intempestividade da sua denúncia etc. II. Tais procedimentos com a linearidade de tramitação prevista no diploma só são compagináveis quando os pressupostos que presidiram à criação destes expedientes céleres e simples de cobrança de dívidas se verifiquem efectivamente. III. O uso indevido e inadequado dos procedimentos previstos no mesmo diploma consubstancia uma excepção dilatória inominada que obsta ao conhecimento do mérito da causa e conduz à absolvição do Réu da instância. (Sumário elaborado pela Relatora) | ||
Decisão Texto Integral: | I. RELATÓRIO 1. Unicre- Instituição Financeira de Crédito S.A. demandou Número Urbano Unipessoal Lda. com recurso a acção declarativa cível especial (AECOP) pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de € 6 600,10, correspondendo € 4 837,77 a capital e € 1 762,33 de juros de mora a que deverão acrescer os juros vincendos até efectivo pagamento, calculados à taxa legal anual para comerciantes. Fundou a sua pretensão no instituto da responsabilidade civil contratual, alegando, em síntese, que a ré subscreveu, em 20 de Maio de 2016, um contrato de adesão ao sistema Redunicre de aceitação de pagamentos com cartões no qual solicitou a instalação/matrícula de equipamento de processamento de transacções no seu estabelecimento de Check in Portugal, especificando a modalidade de serviço a que pretendia aderir no caso transacções comerciais TPA, tendo igualmente subscrito a modalidade de serviço de transacções comerciais – dinamyc currency conversion. A 27 de Maio de 2016 a ré aderiu ainda ao serviço designado por “transacções presenciais” – garantia de reservas – hóteis” no estabelecimento Check in Portugal, permitindo a utilização da funcionalidade key enter, e, em 28 de Setembro de 2016, actualizou o contrato subscrito com a autora e aderiu também à modalidade de serviço “Transacções Presenciais – pagamentos Antecipados de Hotéis” que permite a aceitação de pagamentos antecipados de reservas efetuadas pelos titulares dos cartões Visa e Mastercard. Em consequência da sua adesão, a ré obrigou-se a aceitar cartões de pagamento especificados, melhor identificados nos autos, no seu estabelecimento como meio de pagamento de transacções de venda de bens ou prestação de serviços e a autora obrigou-se a creditar os valores correspondentes às transacções registadas no aludido TPA em conta bancária da ré. Nesta senda, as transacções eram pagas pela autora à ré a partir do “fecho contabilístico” do terminal TPA (no próprio dia) deduzida a percentagem referente à comissão da autora pelos serviços prestados à ré, por depósito em conta bancária da ré. Por outro lado, o valor correspondente às mencionadas transacções (creditadas pela autora à ré) seriam reembolsadas à autora pelo banco emissor dos cartões de crédito utilizados nessas mesmas transacções, após validação do seu titular Ficou a Ré, por via da adesão ao citado contrato, obrigada a restituir imediatamente à Autora, por débito da sua conta bancária, as importâncias que esta lhe tivesse feito creditar e relativamente às quais se viesse a verificar o incumprimento pela Ré das Condições Particulares e/ou das Condições Gerais e Especificas do Contrato (cfr. Doc nº 1 cláusula n.º 5.4 alínea g),), e/ou qualquer uma das situações previstas nas alíneas do referido n.º 5.4. No âmbito destes procedimentos, o titular do cartão de crédito utilizado tem o direito de contestar a transação que o banco emissor do seu cartão lhe apresente a pagamento (após comunicação para pagamento do adquirente, neste caso da autora), reclamação essa que será objecto de um procedimento próprio, (não sendo suficiente a mera alegação pelo titular de alguma das situações acima descritas para se concluir pela validade da reclamação apresentada). Sendo que, nesse caso – em que o titular do cartão contesta a transacção e recusa o pagamento – é criado um “chargeback” que se rege pelas regras da VISA (marca do cartão utilizado). Caso se venha a concluir, de acordo com as regras aplicáveis da VISA para resolução de disputas (gozando os titulares destes cartões das defesas que a marca lhes concede por serem titulares de um cartão VISA, cabendo aos comerciantes que aceitam pagamentos com cartão de crédito VISA conhecer tais regras), que o titular do cartão tem razão na sua contestação, o valor da transacção não é cobrado ao titular do cartão e o acquirer procede ao estorno do valor que já havia creditado ao comerciante, referente a tal transacção, por débito na sua conta bancária, tudo conforme contratado com o comerciante. Desta forma, caso o titular do cartão não tenha autorizado a transacção, esta tenha sido realizada fraudulentamente ou, ainda, que não tenha sido entregue o bem ou prestado o serviço adquirido, o titular poderá desse facto reclamar à entidade emissora do cartão, instituição que lhe exige o pagamento dessa transacção No caso dos autos, a Autora veio a ser confrontada com quatro chargebacks que tiveram origem em transações não presenciais, em que não foram os titulares dos cartões a efectuar as transações, mas sim o comerciante através da funcionalidade Key Enter, chargebacks esses que se mostram reproduzidos na petição inicial. Após a autora receber a mencionada contestação/repúdio, solicitou de imediato esclarecimentos e documentação ao comerciante, aqui ré em diversas datas, não tendo a mesma ré feito prova que as mencionadas transações tivessem sido efectuadas pelos titulares dos cartões, e que foram alvo de reclamação por parte dos mesmos com a justificação que não fizeram, não reconhecem e não autorizaram as respectivas transações. Em pontual cumprimento das suas obrigações, as transações mencionadas já haviam sido pagas pela autora à ré por meio de compensação bancária, o que ocorreu com o “Fecho Contabilístico” do Terminal TPA, de acordo com o convencionado pelas partes. A autora recebeu os chargebacks, deu conhecimento à ré das aludidas reclamações e interpelou-a no sentido de esclarecer a questão objecto da mesma, com expressa referência ao facto da Unicre ter de cumprir prazos no âmbito das respostas a dar no processo, sob pena das reclamações serem deferidas e as transações serem recusadas, não sendo a autora reembolsada do respectivo valor, com o consequente débito na conta da ré (tudo de acordo com as condições contratadas). A conclusão dos processos de reclamação, (em que cada interveniente - titular do cartão e comerciante/Ré - expõe os seus argumentos), analisado segundo as regras das instâncias próprias do sistema sob o qual o cartão utilizado foi emitido, foi de que assistia razão aos titulares do cartão, tendo as suas reclamações procedido e assim anulado os débitos dos valores das aludidas transações. Todavia, a autora já tinha, oportunamente, creditado a conta bancária da ré pelo valor das transações supra descritas, tendo ficado desembolsada do respectivo montante, gerando-se assim, um crédito de reembolso contra a ré, a favor da autora. Nos termos convencionados, a ré obrigou-se a restituir à autora as quantias que esta lhe tivesse creditado e que correspondessem a violação das Condições contratuais estabelecidas, nomeadamente cláusula 10.2 e). Neste caso em concreto, a ré utilizou ilicitamente e de forma fraudulenta a funcionalidade Key Enter. Daí que, por efeito, e de acordo com o contratado, a autora tenha procedido à ordem de débito na conta da ré, do valor das transações em causa, tendo para o efeito notificado a ré de que iria proceder a tal débito no dia 31/05/2017 e 14/08/2017. Débito esse que veio a ser recusado/devolvido pelo Banco com a informação de conta sem saldo ou saldo insuficiente, cfr doc nº10 que ora se junta. Assim e conforme supra descrito, a autora pagou à ré o valor de €4.837,77, não tendo sido, até à presente data, reembolsada de tal valor e a ré, apresar de a tanto obrigada, não procedeu ao pagamento da mencionada quantia de €6.600, 10, a que acrescem juros de mora às taxas legais fixadas.
Como está bem de ver não se pretende efectivar através desta acção o puro e simples cumprimento de obrigações pecuniária emergente do contrato mas sim o pagamento de uma indemnização pelo uso indevido e ilícito de uma determinada funcionalidade nele prevista.
Reatando o tema enunciado, não podemos deixar de sufragar o entendimento jurisprudencial de que o uso indevido e inadequado do processo de injunção consubstancia uma excepção dilatória inominada.
Não desconhecemos a jurisprudência que em sentido oposto pugna, ao abrigo da economia processual, pelo aproveitamento do processo quando ocorre a sua transmutação pela via da oposição.
Porém, com todo o respeito por esta posição, essa transmutação não tem a virtualidade de sanar as diferenças incontornáveis entre um requerimento deste procedimento e uma petição inicial ; entre uma notificação para pagamento/oposição e uma citação , nem entre uma oposição e uma contestação.
Tais diferenças que são, portanto, tão acentuadas nas fases vitais do processo, reforçam a conclusão de que o recurso a estes procedimentos só pode ocorrer quando se verifiquem na íntegra os pressupostos da sua admissibilidade.
Não podemos deixar de acompanhar o entendimento do Tribunal “ a quo” no sentido de ocorrer uma excepção dilatória inominada que obsta ao conhecimento do mérito da causa e conduz à absolvição da Ré da instância, nos termos do n.º 2 do art.º 576º (e art.º 577º), do CPC. III. DECISÃO Por todo o exposto, se julga improcedente a apelação e se mantém a decisão recorrida. Custas pelo apelante. Évora, 12 de Janeiro de 2023 |