Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
2327/06-2
Relator: MARIA ALEXANDRA SANTOS
Descritores: JOGO DE FORTUNA E AZAR
DIREITO DE REVERSÃO
CASO JULGADO
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
PRINCÍPIO DA PRECLUSÃO
Data do Acordão: 09/20/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO CÍVEL
Decisão: CONFIRMADA A SENTENÇA
Sumário:
I – As leis do jogo estipulam que os casinos são estabelecimentos enquadrados no património privado do Estado ou que para ele reversíveis, livre de quaisquer ónus ou encargos, quando cessar o regime de concessão.

II – Só se forma caso julgado quanto à pretensão formulada à luz do facto invocado como seu fundamento.

III – O exercício do direito do contraditório é incompatível com uma violação do princípio da preclusão.
Decisão Texto Integral:
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PROCESSO Nº 2327/06 - 2

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA
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Por apenso à execução para pagamento de quantia certa que o “A” move contra o ESTADO PORTUGUÊS através da INSPECÇÃO GERAL DE JOGOS, para haver dele o pagamento da quantia de € 3.485.062,62, veio o MINISTÉRIO PÚBLICO em representação do executado deduzir a presente oposição pedindo:
- que se declare a extinção das hipotecas, nos termos do disposto no art° 730° al. c) do C. C. e, como tal, ineficazes contra o Estado;
- que se condene o exequente a reconhecer a ineficácia de tais hipotecas;
- que se ordene o cancelamento das inscrições hipotecárias respectivas;
- que se declare extinta a instância executiva, nos termos do disposto no art° 817° nº 4 do C.P.C.

Recebida a oposição, veio a exequente contestar nos termos de fls. 137 e segs. concluindo pela improcedência da oposição à execução e pela procedência da excepção de caso julgado que invocou.
A fls. 287 e segs. veio o executado apresentar articulado de resposta, nos termos do disposto no art° 3° nº 3 do CPC, pugnando pela improcedência da excepção de caso julgado e, no mais, concluindo como no articulado de oposição à execução.
Dispensada que foi a audiência preliminar, foi então proferida a decisão de fls. 316 e segs. que julgando procedente por provada a oposição deduzida:
- declarou extintas as hipotecas em que o exequente sustenta a sua pretensão executiva contra o Estado, referidas no art° 6° als. A) e B) do requerimento executivo e determinou o cancelamento das respectivas inscrições.
- declarou extinta a execução.

Inconformado, apelou o exequente, alegando e formulando as seguintes conclusões:
I - Da violação do Instituto do Caso Julgado (art°s 497° e 498°, ambos do CPC)
A - Ofende o princípio do caso julgado (art°s 497°, 498° e 671° todos do CPC) uma oposição numa execução hipotecária que pretende extinguir hipotecas por efeito da reversão, quando em duas acções anteriores apresentadas pela mesma oponente contra o exequente destinadas a avaliar a susceptibilidade da constituição e manutenção das mesmas hipotecas à luz da mesma cláusula de reversão, o Supremo Tribunal de Justiça já havia concluído em definitivo pela sua manutenção.
B - termos em que deverá a oposição à execução ser julgada improcedente face à excepção dilatória de caso julgado, em especial na sua vertente de autoridade, a qual determina improcedência da oposição à execução e prosseguimento da acção executiva, tudo nos termos dos art°s 671 ° nº 1, 497°, 498°, 494° al. i), 493° nºs 1 e 2 e 495°, todos do CPC.
II - Da violação do Princípio Processual da Preclusão e de princípios conexos boa fé processual; cooperação; unidade sistemática do ordenamento jurídico (art°s 476°, 477°, 266° e 266°-A, todos do CPC)
A - Em harmonia com o princípio da preclusão, vigoram também no nosso ordenamento jurídico outros princípios que, em conjunto, visam precisamente assegurar a estabilidade da lide e a segurança jurídica, tais como o princípio a boa fé processual, previsto no art°266°-A do CPC e o princípio da cooperação previsto no art° 266° do CPC, sendo que este último vem vertido noutras disposições processuais do nosso Código, designadamente no art° 519° do CPC que exige e impõe a todas as pessoas, sejam ou não partes, um dever de colaboração com vista à descoberta da verdade.
B - Quer à luz dos princípios enunciados (princípio da preclusão, princípio da ao fé processual e princípio da cooperação), quer ao abrigo do próprio art° 456° do CPC que pune usos manifestamente reprováveis da lide, deveria o Tribunal "a quo", na opinião do recorrente, ter rejeitado a pretensão deduzida pelo recorrido, atendendo a que o mesmo apenas usou a oposição à execução para apresentar uma segunda estratégia, diferente da apresentada nas acções declarativas por ele apresentada em sede de primeiras instâncias, mas rigorosamente com o mesmo intuito final - a extinção das hipotecas.
C - O Estado, sendo Autor em duas acções declarativas nas quais alegou a insusceptibilidade da constituição de hipotecas à luz de uma cláusula de reversão, pedindo, em consequência, a declaração de nulidade das mesmas e que viu a sua pretensão duplamente negada em sede de 1ª instância, na Relação e no Supremo, que decidiram pela sua manutenção, não pode em sede de oposição na previsível execução hipotecária consequente às decisões que lhe foram desfavoráveis, arguir o levantamento das mesmas hipotecas por efeito da mesma cláusula de reversão - naquilo que hipoteticamente constitui o que deveria ter sido o pedido subsidiário das acções declarativas primitivas - por violação manifesta do princípio da preclusão (art°s 476°, 477° e 490° todos do CPC) assim como dos princípios da boa-fé processual e cooperação (art°s 266° e 266°-A, ambos do CPC)
III - Da violação do art° 9 do C. C. na interpretação e qualificação da cláusula de reversão
A - Na análise e interpretação da cláusula de reversão ao nosso caso concreto, não é aplicável, ao contrário do que estatuiu o Tribunal "a quo", o Dec. Lei 10/95 que operou uma revisão do D.L. 422/89, cominando com nulidade a constituição de quaisquer ónus e encargos sobre os bens reversíveis para o Estado, uma vez que, como se vê, essa revisão entrou em vigor após a constituição e registo das hipotecas e, inclusive, após a própria extinção do contrato de concessão por reversão/registo de aquisição a favor do Estado por força da reversão (em 1994).
B - Deve, sim, a interpretação ser feita à luz do Dec. Nº 49463 de 27/12/69 (Lei da Concessão) e do Contrato de Concessão publicado em 27/05/1983, III Série, do D.R., os quais são omissos no que concerne ao efeito do fim da concessão (no seu termo ou por incumprimento), ou seja, se a reversão é feita livre de ónus e encargos, o que sugere, desde já uma opção deliberada do próprio legislador nessa omissão.
C - Interpretados os diplomas aplicáveis ao presente litígio, de acordo com as regras do art° 9° do C.C., e tendo o legislador tido o cuidado de consagrar a automaticidade, gratuitidade e restrição do direito de retenção como efeitos da reversão, sendo omisso quanto a ónus e encargos constituídos sobre os bens objectos de reversão, não se pode presumir ou subsumir que os ónus e encargos se extingam com a reversão.
D - Ao interpretar a cláusula de reversão exclusivamente à luz do interesse público, concluindo que da reversão resulta a extinção de ónus e encargos constituídos durante a vigência da concessão, pese embora não haja disposição legal ou contratual nesse sentido, a sentença viola o art° 9° do C.C. e, em consequência, deverá ser substituída por outra que, nessa parte, conclua de forma oposta.
E - Não constitui fundamento para a extinção das hipotecas por efeito da reversão a etimologia da palavra "reversão" de que socorre o Tribunal "a quo" constante do Dicionário "Houaiss" da Língua Portuguesa, acrescendo que essa noção não é subsumível ao presente caso por os bens imóveis, ora em causa, nunca terem sido propriedade do Estado Português, em momento anterior ao da reversão, mas sim da propriedade da concessionária “B”.
F - Todos os factos relacionados com direitos reais estão sujeitos ao registo predial, visando esse registo dar publicidade à situação jurídica dos imóveis a eles sujeitos, tudo com vista à segurança do comércio jurídico e protecção dos interesses de terceiros - cfr. art°s 1ºs do actual e anterior Código do Registo Predial.
G - Ora, resultando que a reversibilidade interfere significativamente na real situação jurídica dos bens a eles sujeitos é, pois, essencial para os terceiros conhecerem essa situação de reversibilidade.
H - Conjugando os princípios da prioridade do registo e da oponibilidade a terceiros, consagrados quer nos art°s 9° nº 1 e 7° nº 1 do C.R. Predial de 1967 e art°s 8° nº 1 e 5° nº 1 do actual C.R. Predial, com o da obrigatoriedade de registo da reversibilidade a favor do Estado, as hipotecas constituídas a favor do recorrente não têm razão para ser extintas e, na qualidade de direitos reais de garantia, por força do princípio da sequela neles integrados, devem manter-se sobre os prédios, agora propriedade do Estado.
I - Quando, quer da Lei reguladora da concessão (Decreto nº 49463 de 27/12/1969 - alterado em parte pelo D.L. 137/1 de 08/04), quer do próprio contrato de concessão, não constar que a cláusula de reversibilidade determina que os bens "regressem" livres de ónus e encargos, temos que face a esse silêncio, deve valer a regra geral de que os ónus se mantêm.
IV - Do Abuso de Direito (art° 334° do C.C.)
A - Uma das formas em que o abuso de direito se pode manifestar é num "venire contra factum proprium", ou seja, numa conduta anterior do seu titular que, objectivamente interpretada face à lei, bons costumes e boa fé, legitima a convicção de que tal direito não será exercido.
B - As hipotecas foram constituídas através de escritura pública e foram registadas na competente conservatória, ou seja, a sua legalidade foi fiscalizada por Notário e Conservador, ambos no exercício de um direito e no cumprimento de um dever de verificação da legalidade dos actos, que lhes é imposto pelo próprio Estado (art°s 1 ° e 80° n° 2 al. g) do Código do Notariado e art°s 2° nº 1 al. h) e 68° do C.R. Predial) sem que, quer um, quer outro, tenham recusado tais actos.
C - O recorrido, através da omissão do registo da reversão (que competia ao Estado na pessoa da recorrida) das acções fiscalizadoras de Notário e Conservador (Estado), criou no recorrente a confiança na validade e manutenção das suas hipotecas, sendo, assim, ilegítimo que, nesta altura, o Estado venha pretender a extinção dessas mesmas hipotecas, circunstância que causaria um prejuízo desproporcional à parte que legitimamente confiou na não oposição à constituição, validade e manutenção dessas hipotecas e consequente ressarcimento dos financiamentos que concedeu, que por si, permitiram a própria prossecução do fim do contrato de concessão celebrado entre o Estado e a “B” (concessionária)
D - Estão verificadas as características da "neutralização do direito": o titular de um direito deixar passar longo tempo sem o exercer - o Estado Português faz valer o seu direito de reversão passados cinco anos no que se reporta ao “C” e passados três anos no que se reporta ao “D”, apenas peticionando a extinção das hipotecas com base na automaticidade da cláusula de reversão passados 10 anos - criando na contra-parte a convicção justificada de que o direito não será exercido - cfr. Acórdão do STJ de 03/05/90, in BMJ 397,454.
E - Sendo o abuso de direito de conhecimento oficioso, por estar em causa um princípio e interesse de ordem pública, entende o Recorrente que o Tribunal "a quo" na sua douta sentença deveria ter julgado a pretensão do Recorrido ilegítima, por abusiva e violadora do disposto no art° 334° do C.C., quer na sua vertente "venire contra factum proprium", quer na sua vertente "neutralização do direito" e, em consequência, ter absolvido o Recorrente do pedido.
V - Da inconstitucionalidade da interpretação dada à cláusula de reversão por ofensa ao art° 2° da Constituição da República Portuguesa.
A - A questão constitucional que se nos oferece colocar nestas alegações consiste em saber se o direito de reversão de que é titular o Estado prevalece sobre as garantias reais de que o Banco é titular, levando a que estas últimas sejam extintas.
B - Concretamente, invoca-se a inconstitucionalidade das normas constantes nos art°s 3° n° 1 al. a) e n° 8 do Decreto nº 49.463 de 27/12/1969 e do contrato de concessão publicado no DR III Série nº …, de …, quando interpretados no sentido de, ao conferirem ao Estado, por força da reversão, propriedade plena dos bens revertidos sejam também extintos todos os ónus e encargos constituídos na vigência do contrato de concessão.
C - Em consequência, a interpretação da cláusula de reversão - que não foi registada e na qual está prevista a extinção de ónus e encargos como seu efeito ­consignada nos art°s 3° nº 1 al. a) e nº 8 do Dec. Nº 49.463 de 27/12/1969 e no contrato de concessão publicado no DR III Série, nº …, de .. - no sentido de a mesma fazer extinguir as hipotecas constituídas e registadas na vigência da concessão, tendo a legalidade destas últimas sido fiscalizada por Notário e por Conservador, ofende o princípio da segurança jurídica e o princípio da protecção da confiança ínsito na ideia de Estado Democrático, consagrado no art° 2° da Constituição, que assegura um mínimo de certeza nos direitos das pessoas e nas expectativas que lhe são juridicamente criadas, devendo ser substituída por outra que respeite a Constituição da República Portuguesa.
Finalizando:
A douta sentença recorrida não pode manter-se face à violação do instituto do caso julgado (art°s 497° e 498° do CPC); à violação do princípio processual da preclusão e de princípios conexos - boa fé processual; cooperação; unidade sistemática do ordenamento jurídico (art°s 476°, 477, 490°, 266° e 266°-A, todos do CPC), à violação do art° 9° do C.C. na interpretação e qualificação da cláusula de reversão, à verificação do abuso de direito (art° 334° do C.C.) e face à inconstitucionalidade da interpretação dada à cláusula de reversão por ofensa ao art° 2° da Constituição da República Portuguesa.

O Magistrado do Ministério Público, em representação do Estado - Inspecção Geral de Jogos, contra-alegou nos termos de fls. 462 e segs., concluindo pela confirmação da sentença recorrida.
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
Delimitando-se o âmbito dos recursos pelas conclusões da alegação do recorrente abrangendo apenas as questões aí contidas (art°s 684 nº 3 e 690 nº 1 do CPC), verifica-se que são as seguintes as questões a decidir:
I - Da violação do Instituto do caso julgado (art°s 497° e 498°, ambos do CPC)
II - Da violação do Princípio Processual da Preclusão e de princípios conexos boa fé processual; cooperação; unidade sistemática do ordenamento jurídico (art°s 476°, 477°, 266° e 266-A, todos do CPC)
III - Da violação do art° 9° do C. C. na interpretação e qualificação da cláusula de reversão
IV - Do Abuso de Direito (art° 334° do C.C.)
V - Da inconstitucionalidade da interpretação dada à cláusula de reversão por ofensa ao art° 2° da Constituição da República Portuguesa.
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São os seguintes os factos declarados provados na 1ª instância:
I - Por contrato de 16/12/1971, publicado no Diário do Governo, III Série, nº … de …, foi adjudicada à “B” a concessão do exclusivo da exploração de jogos de fortuna e azar da zona de jogo permanente do …
2 - Este contrato veio a ser integralmente substituído por outro celebrado em 10/05/1983, publicado no DR III Série, nº … de …
3 - Em execução do contrato de concessão, a “B” adquiriu dois prédios rústicos, para aí construir dois casinos:
a) - O prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de …, sob a ficha nº …: urbano - … - … - r/c e 1° andar para casino, áreas cobertas - 2.308 m2, descoberta - 13.812 m2, confrontando de norte - estrada nacional, sul e poente - estrada interna da …, nascente estrada municipal para …;
b) - O prédio descrito na Conservatória do registo Predial de …, sob a ficha nº …: rústico - … - terreno destinado à construção do casino definitivo de … - 45000 m2; nascente - arruamento projectado e terrenos da …; norte - via 1/2 e arruamento projectado; poente - terreno …; sul - domínio público marítimo e terrenos da … (pelo averbamento 01, apresentação 14/291092;
4 - Por contrato titulado por escrito particular autenticado de 05/07/1990, o ora Exequente concedeu à “B”, um empréstimo, a médio e longo prazo, no montante de € 1.496.393,69 (um milhão quatrocentos e noventa e seis mil, trezentos e noventa e três euros e sessenta e nove cêntimos), sob a forma de abertura de crédito, nas condições aí previstas, as quais se dão aqui por reproduzidas.
5 - Para garantia do capital emprestado e juros, a sociedade “B” obrigou-se a constituir a favor da ora Exequente, entre outras, hipotecas sobre os prédios onde iriam ser construídos os Casinos de … e do …;
6 - Convencionou-se ainda que o não cumprimento pela sociedade “B”, de qualquer das suas obrigações, tanto de natureza pecuniária como de outra espécie, determinaria o imediato e automático vencimento da respectiva dívida e, consequentemente, a exigibilidade de tudo quanto constituir o crédito do ora Exequente - cfr. art° 12° do mesmo contrato.
7 - Em 02/03/1990 a ora Exequente havia celebrado com a sociedade “B”, um outro contrato, intitulado por "contrato de viabilização (revisão)", no qual a sociedade “B”, consolidou o seu passivo face ao Banco nas quantias melhor descriminadas no seu clausulado, em especial na cláusula 2ª, tendo também sido fixadas, entre outras obrigações, os termos de reembolso do passivo e as taxas de juro aplicáveis ao empréstimo;
8 - Através desse acordo, denominado "Contrato de Viabilização - revisão", a “B” confessou-se devedora de Esc. 359.302.000$00 (€ 1.792.190,82), resultante dos seguintes créditos:
a) créditos bancários remanescentes que consolidou no montante de 90.814.000$00 (€ 452.978,32);
b) créditos de curto prazo bonificados que transformou em créditos bonificados de longo prazo no montante de 232.017.000$00 (€ 1.157.295,92)
c) créditos de curto prazo bonificados que transformou em créditos não bonificados de longo prazo no montante de 36.471.000$00 (€ 181.916,58);
9 - Foi ainda acordado no referido contrato de viabilização, quanto aos juros, o seguinte:
a) sobre o montante consolidado e transformado, venceriam juros calculados através da taxa base praticada pelo “A” ora exequente, para operações activas de prazo, que era variável, correspondente naquela altura, a 22,75% ao ano;
b) tais juros seriam contados dia a dia sobre o capital em dívida e pagos postecipadamente e ao semestre, vencendo-se a primeira semestralidade em 31/08/90;
c) em caso de mora no pagamento das prestações seriam cobrados juros à taxa contratual agravados com uma sobretaxa até 4% ao ano;
10 - Em execução destes contratos a “B”, fez inscrever no Registo Predial as seguintes hipotecas:
a) Sobre o imóvel descrito na Conservatória do Registo Predial de …:
i) a favor do “A” correspondente à cota C-2 e através da apresentação 28/121290, hipoteca destinada à garantia de empréstimo do seguinte valor: capital 300.000.000$00 (€ 1.496.393,69); juro anual de 21 % elevável em 2% em caso de mora; despesas 12.000.000$00 (€ 59.855,75), montante máximo 519.000.000$00 (€ 2.588.761,09);
ii) a favor do “A” correspondente à cota C-3 e através da apresentação 29/121290, hipoteca destinada à garantia de empréstimo do seguinte valor: capital 256.644.000$00 (€ 1.280.134,87); juro anual de 22,75% elevado em 4% em caso de mora; despesas 10.265.760$00 (€ 51.205,39) montante máximo garantido 472.866.570$00 (€ 2.358.648,51);
iii) a favor do “A”, correspondente à cota C-5 e através da apresentação 10/110691, hipoteca destinada à garantia de ampliação de juros no seguinte valor: juro anual mais 3,25%, montante máximo 29.250.000$00 (€ 145.898,38), constituindo ampliação da deserção C,
b) Sobre o imóvel descrito na Conservatória do Registo Predial de …:
i) a favor do “A” correspondente à cota C-2 e através da apresentação 29/121290, hipoteca destinada à garantia de empréstimo do seguinte valor: capital 307.974.000$00 (€ 1.536.167,84); juro anual de 22,75%; cláusula penal de 4% acima do juro remuneratório; despesas extrajudiciais de 12.318.960$00 (€ 61.446,71), montante máximo de 567.442.095$00 (€ 2.830.389,24);
ii) a favor do “A” correspondente à cota C-3 e através da apresentação 30/121290, hipoteca destinada à garantia de empréstimo do seguinte valor: capital 300.000.000$00 (€ 1.496.393,69), juro anual de 21% acrescido de 2% em caso de mora; despesas 12.000.000$00 (€ 59.855,75), montante máximo 519.000.000$00 (€ 2.588.761,09);
iii) a favor do “A” ampliação da inscrita sob C-3 (ampliação de juros) no seguinte valor: juro anual mais 3,25%; despesas - mais 6.000.000$00 (€ 29.927,87) montante máximo mais 35.250.000$00 ( 175.826,26) constituindo ampliação da inscrição C;
11 – “B” procedeu à abertura de uma conta junto do ora Exequente com o nº …;
12 - Sendo através dessa conta que a “B” utilizou integralmente o montante mutuado, o qual, a seu pedido, lhe foi creditado em valores parciais;
13 - Clausulou-se no contrato de 05/07/1990 que o empréstimo seria amortizado em 10 prestações de capital iguais, semestrais e sucessivas, vencendo-se a primeira prestação 30 meses a contar da data de celebração do presente contrato, ou seja, em 05/01/1993,
14 - Em 05/01/1993, a “B” não procedeu a qualquer pagamento ao Banco, nem posteriormente, ficando em dívida, por inteiro, o capital mutuado e utilizado no valor de € 1.496.393,69 (300.000.000$00);
15 - De acordo com o estipulado, o empréstimo vencia juros à taxa calculada nos termos do art° 2° do Doc. 1 junto ao requerimento inicial, taxa essa que no momento da concessão do empréstimo e do incumprimento se situava em 21,5% ao ano;
16 - Foi igualmente estipulado no nº 1 do art° 4° do contrato de empréstimo que, em razão da mora no pagamento, à taxa contratada acresciam 2%, sendo, em consequência, a taxa aplicável à presente execução de 23,5% ao ano (21,5% + 2% );
17 - Quanto ao reembolso do passivo consolidado e transformado através do contrato denominado de viabilização-revisão, foi estipulado que a “B” se obrigava a reembolsá-lo ao “A” em 7 prestações semestrais, iguais de capital, vencendo-se a 1ª em 31/08/90;
18 - Em 31/08/92 estava em vigor a taxa contratual de 22,5% ao ano, sendo que nessa data a “B” pagou:
a) juros vencidos correspondentes ao período já decorrido de 28/02/92 a 31/08/92;
b) a 5ª prestação (de um total de 7) no valor de 51.328.857$00 (€ 256.021,26);
19 - No dia 28/02/1993, altura em que a taxa em vigor passou a 21,75% ao ano, a “B” não pagou:
a) os juros que se venceram desde 31/08/1992 até aquela data;
b) a prestação de capital que se vencia nesse dia (6ª prestação num total de 7),
20 - O contrato de concessão celebrado entre o Estado e a “B”, veio a ser rescindido através da Resolução do Conselho de Ministros nº … de …, publicada no D.R. II Série, nº … (suplemento) de …;
21 - Após a extinção do contrato de concessão, a Inspecção-Geral de Jogos requereu o registo da aquisição dos citados prédios a favor do Estado, por reversão, o qual foi lavrado definitivamente em 21/07/1994;
22 - Em processo de falência contra a “B”, que corre os seus termos na 2° Secção da 1° Vara Cível da Comarca de … sob o processo nº …, em 16/08/1993, o ora exequente justificou os seus créditos sobre a aí falida, nos quais se encontram incluídos:
a) Crédito resultante do empréstimo a médio/longo prazo de capital 300.000.000$00 acrescido de 125.711.076$00, a título de juros,
b) Crédito resultante de contrato de viabilização (revisão) 102.657.748$70, acrescido de 40.411.982$00, a título de juros;
23 - Por sentença de 15/07/1994 foi a “B” declarada falida e, em 7/03/1995, o ora exequente reclamou os seus créditos,
24 - Em 11/07/200 I, foi proferido despacho saneador/sentença por via do qual os créditos do ora exequente foram reconhecidos (ponto IV, SS crédito no valor global de 1.497.385.773$60, por crédito hipotecário);
25 - A Inspecção-Geral de Jogos justificou e reclamou também créditos sobre a “B”, no referido processo de falência.

Estes os factos.

1 - A questão do caso do julgado.
Não obstante a proficiente explanação constante da douta sentença recorrida sobre os requisitos do instituto do caso julgado, impõe-se, embora com risco de repetição, mas tendo em vista um melhor enquadramento da questão, que aqui se alinhe, brevemente, alguns considerandos de direito.
Como é sabido, os limites dentro dos quais opera a força do caso julgado material são traçados pelos elementos identificativos da acção em que foi proferida a sentença - as partes o pedido e a causa de pedir.
São estes elementos que transparecem na definição legal de caso julgado estatuída no art° 498° n° 1 do CPC, onde se estabelece que uma causa se repete quando se propõe uma acção idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir.
Temos, pois, por um lado, os limites objectivos, determinados pelo pedido e pela causa de pedir e os limites subjectivos relativos às partes.
Começando por precisar tais noções, o pedido é a enunciação da forma de tutela jurisdicional pretendida pelo autor e do conteúdo e objecto do direito a tutelar na concretização do efeito jurídico que com a acção o autor pretende obter e causa de pedir, o facto concreto que serve de fundamento ao efeito jurídico pretendido - art° 494° nº 4 do CPC.
Há identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico e há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas acções procede do mesmo facto jurídico - art° 494 nºs 3 e 4 do CPC.
Há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica – nº 2 do mesmo preceito.
Sendo a acção improcedente, importa distinguir, como refere Lebre de Freitas "a causa de pedir só será considerada a mesma se o núcleo essencial dos factos integradores da provisão das várias normas concorrentes tiver sido alegado no primeiro processo; não sendo assim, só terá constituído causa de pedir a respeitante à norma ou normas identificadas, sendo admissível acção em que se aleguem os elementos em falta" (Cód. Proc. Civil Anotado, vol. 2°, pág. 324 e segs. ).
O caso julgado forma-se directamente sobre o pedido, que a lei define como efeito jurídico pretendido pelo autor.
"Só constituirá caso julgado a resposta final dada à pretensão concretizada no pedido e coada através da causa de pedir" (A. Varela, M. Bezerra e S. e Nora, "Manual de Processo Civil", 2ª ed. pág. 714)
É, portanto, sobre a pretensão do autor, à luz do facto invocado como seu fundamento, que se forma o caso julgado.
Sem nos embrenharmos na discussão sobre o alcance do caso julgado enunciado no art° 673° do CPC - "A sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga" -, entendemos, de acordo com a jurisprudência maioritária sobre a interpretação desta norma, que o caso julgado forma-se em princípio apenas sobre a decisão, podendo, no entanto recorrer-se à motivação para fixar o conteúdo da decisão e deve estender a sua autoridade às decisões das questões preliminares que foram antecedente lógico e necessário à emissão da parte dispositiva do julgado (cfr Ac. de 17/01/80, BMJ 293, 235; de 19/01/86 BMJ 353,352; de 8/06/89 BMJ 388,377; de 20/04/94 BMJ 436, 299)
Como se refere neste último Ac. citado "o que adquire em regra, força e autoridade de caso julgado é a posição tomada pelo juiz em relação aos bens ou direitos materiais litigados pelas partes e à concessão ou denegação da tutela jurisdicional para tais bens ou direitos" ( ... ) "Na verdade, através do instituto do caso julgado pretende-se evitar que, em novo processo, o juiz possa validamente estatuir, de modo diverso, sobre o direito, situação ou posição jurídica concreta definida por uma anterior decisão, com desconhecimento dos bens jurídicos por ela reconhecidos e tutelados".
Esta formulação evita a incongruência dos julgamentos, em homenagem ao prestígio da justiça e princípio da estabilidade e certeza das relações jurídicas além de importar evidente economia processual.
Voltando agora ao caso dos autos, adianta-se já, afigura-se-nos que não tem razão o apelante.
Com efeito, estão em causa as decisões proferidas em duas acções propostas pelo Estado Português através da Inspecção-Geral de Jogos contra o “A”, ora recorrente, nas comarcas de … e …, respectivamente, em 15/12/99 e 29/10/99, em que peticionou a declaração de nulidade de contratos de hipoteca, relativas aos prédios sitos em … e …, respectivamente, e o cancelamento das respectivas inscrições. Fundamentava o seu pedido no seguinte:
- em execução de um contrato de concessão de exploração de jogos de fortuna e azar que celebrou com a “B”, esta adquiriu os terrenos nos quais veio a instalar dois casinos, um em … e outro no …, reversíveis para o Estado;
- que essa concessão foi entretanto rescindida pelo Estado que, em consequência daquela cláusula de reversão, logo fez inscrever a seu favor a propriedade dos Casinos
- que as hipotecas constituídas durante tal período são nulas por força do disposto no art° 715º do CC, pois que estando, como estava vedado à “B” alienar o prédio por virtude da cláusula de reversão, também lhe era defeso onerá-lo com qualquer hipoteca.
Daqui resulta que o pedido formulado pelo A. Estado Português, em ambas as acções era a declaração de nulidade das hipotecas sobre os referidos imóveis adquiridos pela “B” para a instalação dos casinos, fundando o seu pedido (causa de pedir) no facto de que esta sociedade estava impedida de o fazer - constituir hipotecas sobre tais prédios - face à existência da cláusula de reversão a favor do Estado, decorrente dos contratos de concessão.
Ambas as acções foram julgadas improcedentes, com a consequente absolvição dos RR., decisões que foram confirmadas pela Relação e STJ, ficando assim assente que as hipotecas em causa não enfermavam de nulidade pois não violavam o art° 715 do C.C ..
Em todas as decisões proferidas nessas acções, como bem salienta a Exma Juíza a quo, se deixou esclarecido que a questão fundamental que ali importava decidir consistia apenas em saber se as hipotecas eram nulas nos termos do disposto no art° 715° do C.C. em consequência do direito de reversão de que o Estado era titular relativamente aos prédios.
Na acção executiva que o Banco intentou contra o Estado Português com base naquelas hipotecas, pretende o executado Estado, em sede da presente oposição que deduziu, se declare a extinção das mesmas hipotecas, isto é, assentando na validade da sua constituição, entende que as mesmas deverão ser declaradas extintas.
Como fundamento da sua pretensão alega o Executado que a reversão dos bens para o Estado configura um verdadeiro termo resolutivo e que as hipotecas, enquanto actos de oneração dos prédios sujeitos à reversão ficaram sujeitos à eficácia do negócio, ou seja, da manutenção do contrato de concessão, implicando a extinção dos mesmos e a consequente reversão legal, a extinção da hipoteca.
Segundo o executado a situação assemelha-se à da perda ou deterioração total do bem hipotecado, prevista no art° 692° do C.C., causa de extinção da hipoteca nos termos do art° 730° al. c) do C.C ..
Afigura-se-nos, assim, que não se verifica a identidade quer dos pedidos, quer das causas de pedir formuladas nas acções supra referidas em confronto, com as formuladas nestes autos.
A este respeito importa salientar o que se consignou no Ac. desta Relação de 6/12/2001, no âmbito da acção 515/99 do 1º Juízo de …, onde analisando os pareceres dos Profs. Freitas do Amaral e Marcelo Rebelo de Sousa juntos aos autos, se escreveu o seguinte: "E assim concluem nos termos conjugados dos artºs 715° e 294° do C. C. pela nulidade das hipotecas constituídas pela “B” depois da aprovação da localização do “C” e pela extinção das hipotecas que tenham sido constituídas antes dela.
Esta última asserção defende-a o Prof Marcelo Rebelo de Sousa (ver fls. 355 V) nos seguintes termos: «Vamos admitir, por hipótese, que em finais de 1990, não fora ainda aprovada pelo Governo a localização do “C”
Abrimos esta hipótese apenas por carência de dados de facto peremptórios sobre a matéria.
A ocorrer uma tal situação, teríamos que os terrenos de implantação e logradouro do Casino só passariam a ser inalienáveis e não hipotecáveis depois da constituição das hipotecas.
Mas a sua reversibilidade, por força da lei, prevalece, obviamente, sobre direitos reais de origem contratual, além de que a fonte legal os antecedera.
A prevalência do direito do Estado à reversão de origem legal sobre a hipoteca implica a extinção desta.
Isto é, é legal constituir direitos de hipoteca sobre bens que não se sabe ainda se vão ser reversíveis para o Estado e, por isso, inalienáveis e não hipotecáveis.
Sabem, no entanto, os credores que os seus direitos se extinguem por falta de objecto se os bens hipotecáveis passarem a ser reversíveis para o Estado.
Falamos em extinção, por falta de objecto pois, juridicamente, a situação é idêntica à de perda ou deterioração total do bem hipotecado, ficando o credor na posição prevista no art° 692° do C.C.»
Como na acção vem apenas pedida a declaração de nulidade das hipotecas, não temos que nos ocupar dessa eventual extinção que não constitui objecto da acção nem, consequentemente, do recurso (onde não foi sequer abordada)" E também no Ac. do STJ proferido no mesmo processo se definiu que "A questão fundamental a decidir é a de se saber se as hipotecas discriminadas nos autos, registadas a favor dos bancos recorridos, tendo por objecto o prédio rústico sobre o qual a respectiva proprietária e ora recorrida “B” veio a construir o “C”, serão nulas nos termos do disposto no artº 715° do C.C., em consequência do direito de reversão de que o Estado ora recorrente era titular, relativamente ao referido prédio, por força do contrato de concessão que celebrou com a “B”.
Assim sendo, e não obstante a douta argumentação expendida pelo recorrente na sua alegação é, a nosso ver, manifesta a distinção entre os referidos pedidos e causa de pedir nas acções em apreço, pelo que improcede a alegada excepção de caso julgado.

2 - Da violação do princípio processual da preclusão e de princípios conexos - boa fé processual, cooperação, unidade sistemática do ordenamento jurídico (artºs 476°, 477°, 490°, 266° e 266°-A do CPC)
Pretende o recorrente que o Executado Estado Português ao deduzir oposição à execução "para apresentar uma segunda estratégia, diferente da apresentada nas acções declarativas por ele apresentada em sede de primeiras instâncias, mas rigorosamente com o mesmo intuito final - a extinção das hipotecas", violou os princípios supra enunciados.
Não podemos concordar com o recorrente.
Na verdade, como já vimos, têm pedidos e fundamentos diferentes as acções que o Estado propôs e em que sucumbiu, dos que agora formulou em sede de oposição à execução que o recorrente lhe moveu.
E não se pode considerar que o executado viola aqueles princípios ao exercer um direito constitucionalmente consagrado, o seu direito de defesa, concretizado processualmente no princípio do contraditório previsto no art° 3° n° 3 do CPC do qual resulta que nenhuma decisão deve ser tomada pelo juiz sem que previamente tenha sido dada ampla e efectiva possibilidade ao sujeito processual contra quem é dirigida de a discutir, de a contestar e de a valorar (Ac. do STJ de 4/5/99, acessível na Internet in http://www.dgsi.pt)
Ao lado de tal princípio deve o tribunal assegurar ainda o princípio da igualdade de armas previsto no art° 3°-A do CPC que significa "o equilíbrio entre as partes na apresentação das respectivas teses, na perspectiva dos meios processuais que para o efeito dispõem, exigindo a identidade dos direitos processuais das partes e a sujeição de ambas a ónus e cominações idênticas sempre que a sua posição no processo é equiparável” (Lebre de Freitas, "Em torno da revisão do direito processual", ROA, Janeiro 95, pág. 11)
Assim, não se vê como é que o uso de um meio de defesa legalmente consagrado - art°s 813° e 816° do CPC - pode violar os princípios referidos pelo apelante.
Improcedem, pois, também nesta parte as conclusões da sua alegação.

3 - Pretende o apelante que na análise e interpretação da cláusula de reversão a sentença recorrida violou o artO 90 do C.C.
Isto porque na análise e interpretação da cláusula de reversão ao caso concreto não é aplicável, ao contrário do que estatuiu o Tribunal a quo, o D.L. 10/95 que operou uma revisão do D.L. 422/89, cominando com nulidade a constituição de quaisquer ónus e encargos sobre os bens reversíveis para o Estado, uma vez que essa revisão entrou em vigor após a constituição e registo das hipotecas e da própria extinção do contrato de concessão por reversão/registo de aquisição a favor do Estado por força da reversão (1994)
Afigura-se-nos que também aqui não tem razão o apelante.
Com efeito, o enquadramento legal e interpretação da cláusula em apreço efectuada na douta sentença recorrida não se mostra violadora da norma do art° 9° do C.C., sendo certo ainda que a sentença não decidiu com base no D.L. 10/95 de 19/01, mas antes fazendo-lhe referência como posterior consagração na lei da interpretação mais consentânea com o regime legal da reversão dos bens para o Estado (cominando com a nulidade a constituição de quaisquer ónus e encargos sobre os bens reversíveis para o Estado - cfr. art° 23 n° 2).
A sentença recorrida após fazer breve resenha histórica dos diplomas que regulam a exploração do jogo, e retendo-se e analisando os que interessam ao caso em apreço concluiu que resolvida a concessão, verificou-se a condição resolutiva estabelecida inicialmente no mesmo contrato de concessão, pelo que, por força dos art°s 274° e 277° do C.C. as hipotecas constituídas pela concessionária, proprietária condicional, caducaram, sendo, pois, ineficazes em relação ao Estado, que é terceiro nos contratos que originaram as hipotecas.
Subscrevemos inteiramente os fundamentos de facto e de direito explanados pela Exma Juíza a quo na sentença recorrida.
Com efeito, conforme resulta dos factos provados, por contrato de 16/12/71, foi adjudicada à “B” a concessão do exclusivo de exploração de jogos de fortuna ou azar da zona de jogo permanente do …, contrato que veio a ser substituído por outro celebrado em 10/5/83.
Logo no nº 23 da cláusula 4a daquele primeiro contrato a “B” obrigou-se a "reconhecer que os bens declarados reversíveis neste contrato, incluindo os terrenos em que se situam e todo o respectivo mobiliário, equipamento e utensilagem, passam a propriedade do Estado, que deles tomará posse logo que, por qualquer motivo, finde a concessão, sem que à concessionária seja lícito usar do direito de retenção ou obter por eles qualquer indemnização".
E pelos nºs 3 e 9 da cláusula 4a do contrato de 10/05/1983, a “B” obrigou-se a aceitar a reversibilidade para o Estado do casino situado em … com todo o seu equipamento e nos termos do nº 11 da mesma cláusula obrigou-se a "reconhecer que os bens declarados reversíveis neste contrato, incluindo os terrenos em que se situam e todo o respectivo mobiliário, equipamento e utensilagem passam à propriedade do Estado, que deles tomará posse, logo que, por qualquer motivo, finde a concessão"
Tais cláusulas foram estabelecidas de acordo com a legislação em vigor sobre a concessão e exploração de jogos de fortuna ou azar.
Com efeito, nos termos do art° 3° nº 1 al. a) e nº 8 do Decreto nº 49463 de 27/12/69, que regulamentava a concessão da zona de jogo do … no âmbito do D.L. 18912 de 18/03/69, previa-se a reversibilidade para o Estado, no termo da concessão, do casino construído na zona de jogo permanente do …, incluindo "todo o seu recheio pertenças e anexos".
Por sua vez, o D.L. 422/89 de 2/12 que reformulou a Lei do Jogo define, no nº 1 do seu art° 27°, os casinos como estabelecimentos do património privado do Estado ou para ele reversíveis, por este afectados à exploração e prática de jogos de fortuna ou azar em regime de concessão.
E o nº 2 do seu art° 120° veio determinar que "Rescindidos os contratos, o Estado fica imediatamente investido na propriedade dos bens reversíveis e na posse dos seus bens afectos à concessão, sem direito por parte da concessionária a qualquer indemnização".
Ora, daqui resulta, sem dúvida, que finda a concessão, os prédios adquiridos pela “B” para a construção e instalação dos casinos revertem para o Estado, passando a ser objecto de propriedade pública.
Subjacente a toda esta legislação está, efectivamente, o interesse público como se salienta no preâmbulo do D.L. 422/89 "Dai que a presente legislação, de interesse e ordem pública, dadas as respectivas incidências sociais, administrativas, penais e tributárias, haja sido reformulada ... " tendo em consideração "a função turística que o jogo é chamado a desempenhar, designadamente como factor favorável à criação e ao desenvolvimento de áreas turísticas" .
Independentemente dos considerandos que o apelante faz sobre o sentido etimológico do termo "reversão", o certo é que não pode ter outro significado senão aquele que resulta da lei, a integração dos bens, finda a concessão, no património do Estado.
Se já lhe pertenciam originariamente, regressam ao seu património; se não lhe pertenciam originariamente, convertem-se em domínio do Estado.
Só assim esses bens podem continuar a desempenhar a função que lhes era própria na vigência da anterior concessão sendo certo que à concessionária está vedada a transferência para terceiros da exploração do jogo e das demais actividades que constituam obrigações contratuais, se não for autorizada pelo governo (art° 15° do D.L. 422/89)
E assim se justifica também a obrigação estabelecida neste mesmo diploma às empresas concessionárias de prestarem caução no penúltimo ano do termo da concessão "para garantir a entrega ao Estado, e perfeito estado de conservação dos edifícios e seus anexos propriedade deste ou para este reversíveis" (al. c) do nº 1 do art° 105°).
Não pode, pois, aceitar-se, como bem salienta a Exma Juíza, que a transmissão dos imóveis ao Estado por força da reversão, possa operar com os ónus e encargos entretanto constituídos pela concessionária, o que significaria a possibilidade de frustração prática da reversão por acto da exclusiva disponibilidade da concessionária a que o Estado é totalmente alheio.
"Bastaria que, na verdade, a concessionária, prevendo a resolução do contrato de concessão, constituísse os ónus e encargos que entendesse, dessa forma criando a possibilidade de o Estado vir a ser surpreendido pela obrigação de responder perante terceiros por encargos alheios (da concessionária), encargos tais que tornasse economicamente inviável a transmissão dos bens para o mesmo Estado, consequentemente sacrificando ou, pelo menos, comprometendo seriamente a função para garantia da qual a reversão foi estabelecida".
De resto, encontrando-se a figura da reversão prevista no ordenamento jurídico português a propósito de várias outras matérias, designadamente, doações (art°s 960° e 961 ° do CC), convenções antenupciais (art°s 1700° e 1707° do CC), expropriações (art° 5° do C.E.), em todos os casos de reversão o legislador previu que os bens regressariam livres de quaisquer ónus e encargos.
O certo é que a reversão para Estado dos bens afectados à exploração dos jogos de outros conexos, legalmente estabelecida para o termo da concessão foi-o de forma automática e gratuita.
De acordo com o contrato de concessão e nos termos legalmente estabelecidos ficou desde logo determinado, que "rescindidos os contratos, o Estado fica imediatamente investido na propriedade dos bens reversíveis e na posse dos seus bens afectos à concessão, sem direito por parte da concessionária a qualquer indemnização".
Afigura-se-nos, assim, assistir razão à Exm" Juíza ao configurar a situação como enquadrável no art° 1307° do C.C. pois, estabelecendo-se desde logo um termo para a propriedade dos prédios pela “B”, a situação era de verdadeira propriedade temporária, nos termos ali previstos.
E daqui decorre a aplicação ao caso do disposto no art° 270° do C.C. - a celebração de um negócio subordinado a termo ou condição resolutiva, que produz imediatamente os seus efeitos, os quais cessam quando o termo ou a condição se verificam, devendo aquele que adquiriu um direito sob condição resolutiva agir, naquele período "segundo os ditames da boa fé, por forma que não comprometa a integridade do direito da outra parte" (art°s 272° 2 278° do C.C.)
Sendo ainda que nos termos do art° 1307° nº 3 do CC à propriedade sob condição é aplicável o art° 272° a 277° do CC.

Deste modo, subscreve-se a sentença recorrida ao concluir que:
"Resolvida a concessão, verificou-se a condição resolutiva estabelecida inicialmente no mesmo contrato de concessão, pelo que por força do disposto no art° 274° e 277° do C.C., as hipotecas constituídas pela concessionária, proprietária condicional caducaram, sendo, pois, ineficazes em relação ao Estado, que é terceiro nos contratos que originaram as hipotecas.
Quanto, ao ora exequente, ( ... ) importa referir que não podia desconhecer as supra identificadas consequências da irreversibilidade.
Na verdade, os contratos de empréstimo foram celebrados entre o Exequente e a “B” que deles necessitava para construir os Casinos.
Assim sendo, não poderia, nos termos do disposto no art° 6° do C.C. - que estabelece que a lei de todos se presume conhecida, com força, pois, muito superior à do registo predial - desconhecer que os mesmos casinos reverteriam para o Estado, finda a concessão. Sabia que a “B” estava a hipotecar bens que estavam sujeitos à reversibilidade estabelecida pela lei e à consequente possibilidade de resolução de propriedade da “B”. Sabia, como refere o Executado no articulado de oposição, que os seus direitos se extinguiriam finda a concessão"
A este respeito importa ainda referir que, ao contrário do que defende o apelante quanto à obrigatoriedade de registo da reversibilidade a favor do Estado, acolhemos o entendimento do Prof. Oliveira Ascensão defendido no Parecer junto aos autos de que não se tratando de uma cláusula de reversão entendida como estipulação acessória de um negócio jurídico, mas sim de uma reversão imposta por lei, os casinos reverterão para o Estado porque a lei o impõe e não porque algum contrato o estipula; o conhecimento é dado a terceiros por lei, sendo irrelevante a inscrição no registo.
E, de resto, como salienta o ilustre Prof., "há que reconhecer que de lugar nenhum do Código do Registo Predial consta a registabilidade desta figura de reversão legal”.
Por todo o exposto improcedem as conclusões do apelante, impondo-se a confirmação da sentença recorrida.

3 - Do Abuso de Direito (artº 334 do CC).
Em face de tudo o que supra se disse e da confirmação da sentença recorrida há que concluir que não se verifica qualquer fundamento da figura do abuso de direito quer na sua vertente do "venire contrafactum proprium" quer na vertente da "neutralização do direito".
Com efeito, o que resulta da factualidade assente é que o Executado Estado Português se limitou a exercer o seu direito de defesa perante a ofensiva executória do Banco com base num negócio estabelecido entre ele e a concessionária “B” (hipotecas), ao qual o Estado foi alheio, sendo certo ainda que o Banco apelante sabia da existência da cláusula de reversão, legalmente imposta, nos termos sobejamente referidos.

4 - Da inconstitucionalidade da interpretação dada à cláusula de reversão por ofensa ao artº 2 da CRP.
Também no que respeita à alegada inconstitucionalidade se não vislumbra qualquer afronta ao invocado preceito constitucional.
Com efeito, pretende o apelante que se verifica a inconstitucionalidade das normas constantes nos art°s 3° nº 1 al. a) e nº 8 do Dec. Nº 49.463 de 27/12/69 por violação do disposto no art° 2 da C.R.P. quando interpretados no sentido de ao conferirem ao Estado por força da reversão, propriedade plena dos bens revertidos, sejam também extintos todos os ónus e encargos constituídos na vigência do contrato de concessão.
Dispõe o art° 2° da C.R.P.: "A República Portuguesa é um Estado de direito democrático, baseado na soberania popular, no pluralismo de expressão e organização politica democráticas, no respeito e na garantia de efectivação dos direitos e liberdades fundamentais e na separação e interdependência de poderes, visando a realização da democracia económica social e cultural e o aprofundamento da democracia participativa".
Como é sabido, no princípio do Estado de Direito Democrático consagrado neste preceito constitucional vai ínsita uma ideia de protecção da confiança dos cidadãos e da comunidade na ordem jurídica e na actuação do Estado que postula um mínimo de certeza e segurança dos direitos das pessoas e das expectativas que lhes são criadas juridicamente.
Não se vê, porém, onde é que as normas em causa, quando interpretadas no sentido de que caducam as hipotecas constituídas sobre os bens sobre que incidem cláusulas legais de reversão para o Estado, ofendem aqueles princípios pois o Exequente não podia desconhecer, nem desconhecia, a existência de tal direito de reversão (que tem subjacente interesses públicos relevantes) e as suas consequências ao constituir as hipotecas sobre bens naquelas condições.
Como já se referiu, sabia o Exequente que a “B” estava a hipotecar bens que estavam sujeitos à reversibilidade estabelecida pela lei e à consequente possibilidade de resolução do direito de propriedade da “B”. Sabia que finda a concessão, os casinos reverteriam para o Estado.
E nem a intervenção de Notário ou Conservador poderão justificar qualquer asserção no sentido pretendido pelo apelante, pois competia-lhes apenas a fiscalização da legalidade da sua constituição e registo, sendo que a possibilidade da sua realização, enquanto durou a concessão, não estava afastada pela existência da referida cláusula de reversão, como se encontra já assente.
Não se vislumbra, pois, qualquer violação do preceito constitucional em apreço. Improcedem, pois, nos termos expostos, as conclusões da alegação do apelante, impondo-se a confirmação da sentença recorrida.

DECISÃO
Nesta conformidade, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação e, em consequência, confirmar a sentença recorrida.
Custas pelo apelante.
Évora, 2007.09.20