Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
5692/16.6T8STB-A.E1
Relator: JOSÉTOMÉ DE CARVALHO
Descritores: ADMINISTRADOR JUDICIAL
NOMEAÇÃO
Data do Acordão: 12/15/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Decisão: REVOGADA
Sumário: I- Confrontado com um binómio de matriz formal (actuação em conformidade com artigo 13º, nº2, do Estatuto do Administrador Judicial tendente a disciplinar corporativamente e a garantir uma distribuição com igualdade do serviço junto dos administradores judiciais) e outro com cariz substantivo (que visa proteger a realidade empresarial e a satisfação dos credores), nas situações onde ocorra a indicação fundamentada de um Administrador Judicial Provisório constante da lista oficial – seja por parte do devedor, seja por parte de um credor – o juiz deve sufragá-la, salvo se a tal se opuserem razões válidas que justifiquem a rejeição da sugestão formulada.
II- O poder do juiz de designar administrador judicial provisório diverso daquele que foi indicado pelo próprio requerente de um processo especial de revitalização deve ser especialmente fundamentado por estar em jogo um procedimento de iniciativa do devedor que visa, com a interacção dos seus credores, a obtenção de uma solução negocial que promova a reabilitação da empresa e que destina a evitar uma situação efectiva de insolvência do devedor.
Decisão Texto Integral: ACORDAM NA SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA:
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I – Relatório:
Nos autos de Processo Especial de Revitalização, a requerente “AA, SA” veio apresentar recurso da decisão que nomeou administrador distinto daquele que havia proposto. *
Inconformada com tal decisão, a recorrente apresentou recurso de apelação e formulou as seguintes conclusões:
«1. O despacho que designou um outro administrador não se encontra devidamente fundamentado, já que o tribunal a quo apresentou um argumento destinado a justificar a não aceitação do administrador indicado e não para sustentar a designação de um outro diferente.
2. O administrador indicado pela Requerente tem o seu escritório a cerca de 140 quilómetros das instalações da Requerente, enquanto o administrador designado pelo tribunal tem o seu escritório a cerca de 430 quilómetros.
3. Tal facto implica um aumento substancial dos custos numa altura em que o que se pretende é exactamente que a Requerente despenda o mínimo possível com vista à respectiva recuperação.
4. O administrador indicado pela Requerente é um profundo conhecedor da realidade da empresa, para além de conhecer com rigor os diversos dossiês em curso, situação que lhe permitiu iniciar um esboço do plano de recuperação, com vista à revitalização da empresa.
5. O tribunal a quo deve, na respectiva designação, levar em linha de conta o conhecimento da realidade da empresa, o grau de confiança que nele é depositado e o domínio dos dossiês que se encontram em curso.
6. A solução apresentada pela Requerente encontra-se em consonância com a jurisprudência nacional, tendo presente, nomeadamente, o acórdão da Relação do Porto, de 7 de Abril de 2016, referente ao processo 629/16.5T8VNG-A.P1.
7. De acordo com o referido acórdão, “Na ausência de qualquer razão que desaconselhe a nomeação do administrador judicial proposto pelo Requerente, deve esse critério sobrepor-se ao da sua selecção por meio de sistema informático que assegure a aleatoriedade da escolha e a distribuição em idêntico número dos administradores judiciais nos processos, previsto no estatuto do administrador judicial”.
8. Com efeito, de acordo com o supra referido acórdão, “…o poder de decisão do juiz, conferido por esta norma, ainda que discricionário, não deverá ser arbitrário. As suas decisões sempre haverão de ser fundamentadas. É o que impõem o artigo 205º da Constituição da República Portuguesa e o artigo 154º do CPC”.
9. Acresce ainda, de acordo com o mencionado acórdão, o recurso ao sistema aleatório de nomeação só se accionará no caso de não haver indicação por parte do devedor que se apresente à insolvência ou do credor que a requeira.
10. No caso concreto em apreço, o tribunal a quo não invocou qualquer razão que obstasse à nomeação do administrador judicial indicado pela Requerente, razão pela qual não se vislumbra argumento válido que possa sustentar a indicação de um outro administrador;
11. A jurisprudência nacional tem vindo a apontar no sentido de que, na ausência de qualquer razão que desaconselhe a nomeação do administrador judicial proposto pelo Requerente, deve esse critério sobrepor-se ao da sua selecção por meio de sistema informático que assegure a aleatoriedade da escolha e a distribuição em idêntico número dos administradores judiciais nos processos, previsto no Estatuto do Administrador Judicial.
Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente e provado, sendo, por via disso, revogada a decisão recorrida, procedendo-se à substituição do administrador designado pelo outro que foi indicado pela Requerente, assim se fazendo a costumada Justiça».
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Não foram apresentadas contra-alegações. *
II – Objecto do recurso:
É entendimento uniforme que é pelas conclusões das alegações de recurso que se define o seu objecto e se delimita o âmbito de intervenção do tribunal ad quem (artigo 635º, nº4 e 639º, nº1, do NCPC), sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigo 608º, nº2, ex vi do artigo 663º, nº2, do NCPC). Acresce que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido.
Analisadas as alegações de recurso, o thema decidendum está circunscrito à apreciação da:
i) Nulidade por falta de fundamentação da decisão:
ii) Errada interpretação do Tribunal recorrido quanto à aplicação da disciplina atinente à nomeação de administrador judicial.
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III – Dos factos apurados:
Dos elementos constantes dos autos e da análise do suporte documental apresentado, foi considerada com interesse para a decisão da apelação a seguinte factualidade:
1) Em 09/08/2016, em reunião do seu Conselho de Administração, a sociedade “AA, SA” deliberou apresentar um processo de revitalização.
2) Em 22 de Agosto de 2016, a “AA, Ldª” apresentou um processo especial de revitalização e solicitou a nomeação de Administrador Judicial Provisório de Dr. OPC, com domicílio profissional no Montijo.
3) No despacho datado de 16/09/2016, ficou exarado o seguinte: «nos termos do disposto nos artigos 17º-C, nº3, al. a), 17º-E, nº2, e 32º a 34º do CIRE, não constando dos autos elementos que permitam concluir que seja previsível a existência de actos de gestão que requeiram especiais conhecimentos, nomeia-se como Administrador Judicial Provisório Dr. ADS (…), o qual participará nas negociações a encetar com os credores e exercerá as demais funções previstas nos artigos 17º-D e ss. daquele diploma, tendo os direitos e deveres previstos no artº 33º, nº3, do CIRE ex vi artº 17º-C, nº3, al. a)».
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IV – Fundamentação:
IV.1 – Da falta de fundamentação da decisão:
As decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas (artigo 154º, nº1, do Código de Processo Civil, como corolário da injunção constitucional precipitada no artigo 205º da Constituição da República Portuguesa).
É nula a sentença quando não especifique os fundamentos de facto e de direitos que justificam a decisão (artigo 615º, nº1, al. b), do Código de Processo Civil). Esta disciplina é mutatis mutandis aplicável aos despachos que não sejam de mero expediente.
Seguindo em absoluto a lição de Alberto dos Reis, «há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou a mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade.
Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto»[1]. No mesmo sentido se posicionam Antunes Varela[2] e Lebre de Freitas[3].
A falta de fundamentação só é causa de nulidade quando for absoluta e «o dever de fundamentação da sentença final não se confunde com o dever de motivação previsto no artigo 653º, nº2, do Código de Processo Civil» (versão anterior do CPC)[4].
No caso em apreço, estão devidamente especificados os fundamentos de facto e de direitos que motivaram a decisão recorrida, inexistindo assim, sem cuidar da bondade e validade dos mesmos, uma situação de falta absoluta de fundamentação.
Em face do exposto, julga-se improcedente a invocada nulidade.
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IV.2 – Da nomeação de Administrador Judicial Provisório em Processo Especial de Revitalização:
O administrador judicial é a pessoa incumbida da fiscalização e orientação dos actos integrantes do processo especial de revitalização, bem como da gestão ou liquidação da massa insolvente no âmbito do processo de insolvente sendo competente para a realização de todos os actos que lhe são cometidos pelo Estatuto que lhes é próprio e pela legislação, como especial enfoque no Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
Os administradores judiciais devem, no exercício das suas funções e fora delas, considerar-se servidores da justiça e do direito e, como tal, mostrar-se dignos da honra e das responsabilidades que lhes são inerentes, tal como proclama o artigo 12º, nº1, da Lei nº22/2013, de 26/02.
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É indiscutível que em sede de procedimento de insolvência é directamente aplicável o disposto no artigo 32º, nº1, do CIRE. O aludido dispositivo dispõe que «a escolha do administrador judicial provisório recai em entidade inscrita na lista oficial de administradores da insolvência, podendo o juiz ter em conta a proposta eventualmente feita na petição inicial no caso de processos em que seja previsível a existência de actos de gestão que requeiram especiais conhecimentos».
Da leitura do nº2 do artigo 13º da Lei nº 22/2013, de 26/2, resulta que a nomeação de um administrador judicial pelo juiz se deve processar por meio de sistema informático que assegure a aleatoriedade da escolha e a distribuição em idêntico número dos administradores da insolvência nos processos, mas sem prejuízo do disposto no artigo 52º, nº2, do CIRE.
Aplica-se à nomeação do administrador de insolvência o disposto nº nº1 do artigo 32º, podendo o juiz ter em conta as indicações que sejam feitas pelo próprio devedor ou pela comissão de credores, se existir, cabendo a preferência, na primeira designação, ao administrador judicial provisório em exercício de funções à data da declaração de insolvência (artigo 52º, nº2, do CIRE).
Este regime consagra de forma transparente que o poder de escolha do administrador judicial constitui uma atribuição do juiz do processo mas não configura um poder discricionário[5]. Subsidiariamente, nas hipóteses em que seja previsível a existência de actos de gestão que requeiram especiais conhecimentos, quando o juiz não opte por qualquer outro critério preferencial, ao requerente é deferida a prerrogativa de indicar pessoa que considere apta e com condições para o exercício das referidas funções.
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Não existindo dúvida sobre a nomeação de administrador judicial em processo de insolvência, a questão que se coloca é se no processo especial de revitalização a lógica de actuação é idêntica?
O processo especial de revitalização inicia-se pela manifestação de vontade do devedor e de, pelo menos, um dos seus credores, por meio de declaração escrita de encetarem negociações conducentes à revitalização daquele por meio da aprovação de um plano de recuperação (artigo 17º-C, nº1, do CIRE).
A dúvida instala-se em função da alocução contida na parte final da alínea a) do nº3 do artigo 17º-C do CIRE[6]. Este dispositivo manda aplicar a disciplina contida nos artigos 32º a 34º do CIRE, «com as necessárias adaptações».
Confrontam-se neste domínio duas linhas jurisprudenciais. Uma de pendor mais formalista e que limita a atendibilidade da proposta do credor aos casos de processos «em que seja previsível a existência de actos de gestão que requeiram especiais conhecimentos» e outra que busca o fundamento na natureza específica do processo de revitalização cujo valor matricial é o do apelo à recuperabilidade[7].
A solução que é sufragada pelo primeiro sector jurisprudencial não necessita de qualquer explicação adicional. Na visão da segunda linha jurisprudencial resulta que, da interpretação conjugada destes dois preceitos com a regra referida no nº1 do artigo 32º do CIRE, o recurso ao sistema aleatório de nomeação só deve activado no caso de não haver indicação por parte do devedor que se apresente à insolvência ou do credor que a requeira e nada obste a tal nomeação. Para Carvalho Fernandes e João Labareda o entendimento correcto vai no sentido de o recurso ao referido sistema informático só se verificar no caso de não haver indicação do devedor ou da comissão de credores, quando esta seja viável[8].
Como afiançam Carvalho Fernandes e João Labareda «não se descortinam razões para alargar nesta matéria o poder decisório do julgador, para além de esta solução vir ao arrepio da proclamada “supremacia dos credores no processo de insolvência”, “acompanhada da intensificação da desjudicialização do processo”»[9].
Nesta linha interpretativa que se mostra consolidada na jurisprudência nacional[10], os critérios hermenêuticos associados às sobreditas normas não apontam para que a faculdade do requerente da insolvência ou do devedor indicarem pessoa que possa ser nomeada para o exercício do cargo em questão, com a consequente possibilidade do juiz atender a essa indicação, esteja confinada aos procedimentos em que seja previsível a existência de actos de gestão que requeiram especiais conhecimentos.
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Tal como resulta da exposição de motivos da proposta de lei que deu lugar à Lei nº16/2012 [Proposta de Lei nº39/XII, de 30/12/2011, da Presidência do Conselho de Ministros], a introdução de mecanismo regulador foi intencionalmente direccionado para a recuperação de empresas devedoras, «privilegiando-se sempre que possível a manutenção do devedor no giro comercial, relegando-se para segundo plano a liquidação do seu património sempre que se mostre viável a sua recuperação».
No preâmbulo do Decreto-Lei nº53/2004, de 18/03 é assinalado que «também aqui a vontade dos credores prepondera, pois que lhes é devolvida a faculdade – prevista na versão inicial do CPEREF, mas suprimida com a revisão de 1998 – de nomearem eles próprios o administrador da insolvência, em substituição do que tenha sido designado pelo juiz e, bem assim, a de indicar com carácter vinculativo um administrador para ocupar o cargo de outro que haja sido destituído das suas funções».
O processo de revitalização é um procedimento em que há uma limitada intervenção judicial, em contraste com o processo de insolvência, em que tal intervenção é mais significativa[11].
No processo especial de revitalização, como decorre da análise integrada dos artigos 17º-A a 17º-I, do CIRE, o procedimento destina-se primordialmente a permitir ao devedor que, comprovadamente, se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, mas que ainda seja susceptível de recuperação, estabeleça negociações com os respectivos credores de modo a concluir com estes um acordo conducente à sua revitalização. Após uma fase inicial de início de negociações conducentes à revitalização do devedor por meio da aprovação de um plano de recuperação e da comunicação do início das negociações conducentes à recuperação do devedor ao juiz do tribunal competente para declarar a respectiva insolvência, segue-se uma publicação no portal Citius do despacho de nomeação do administrador judicial provisório que serve comunicar aos credores que devem reclamar os seus créditos no prazo de 20 dias. As reclamações são remetidas ao administrador judicial provisório, o qual, no prazo de cinco dias, elabora uma lista provisória de créditos, a qual é apresentada na secretaria do Tribunal e sujeita a publicação. Decorrido o prazo estabelecido para as impugnações e realizada a conversão da lista provisória em definitiva, os declarantes dispõem então do prazo de dois meses para concluir as negociações encetadas, o qual pode ser prorrogado, por uma só vez e por um mês, mediante acordo prévio e escrito entre o administrador judicial provisório nomeado e o devedor, devendo tal acordo ser junto aos autos e publicado no portal Citius. De seguida, concluindo-se as negociações, o plano de recuperação considera-se aprovado quando venha ele a reunir a maioria dos votos prevista no nº 1 do artigo 212º do CIRE para a aprovação de um plano de recuperação no âmbito de um processo de insolvência[12].
Em suma, o processo especial de revitalização consiste num instrumento processual, de índole marcadamente extrajudicial e negocial, criado num contexto económico reconhecidamente problemático, para ser colocado à disposição de todos aqueles que se confrontem com uma situação económica difícil ou na iminência de situação de insolvência, mas ainda passível de recuperação, visando, com a interacção dos seus credores, uma solução negocial que, evitando a concretização da situação efectiva de insolvência do devedor, consiga promover a sua reabilitação[13].
No entendimento de Fátima Reis Silva «os traços característicos deste procedimento especial são a celeridade, a consensualidade e a iniciativa do devedor. A celeridade enquanto traço essencial e condição de eficácia surge consagrado não só pela regra do artº 17º-A, nº3 (o processo especial de revitalização tem carácter urgente), como pelos prazos e organização do próprio procedimento [...]. A consensualidade porque a finalidade do procedimento é possibilitar a negociação entre o devedor e os seus credores, sujeitando-os a algumas regras para o procedimento, orientações para a negociação (Resolução do Conselho de Ministros nº 43/2011, de 25/10) e consequências quando reunidos os pressupostos previstos. Iniciativa do devedor porque a ele, e apenas a ele, cabe o desencadear deste específico procedimento, com exclusão de todos os demais legitimados para pedir a sua declaração de insolvência.
Estes traços específicos do regime explicam-no, justificam muitas das suas regras e integram as demais regras aplicáveis em função das lacunas do regime próprio. O legislador optou por consagrar uma tramitação escassa em regras, deixando ao intérprete a tarefa de integrar as lacunas, mas sempre de acordo com estas características»[14].
O administrador judicial tem diferentes competências no âmbito do processo de insolvência e no de revitalização, sendo o âmbito de actuação diverso, as finalidades dos processos diferentes e, como tal, as atribuições, igualmente, distintas.
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No presente caso e de acordo com o teor do requerimento inicial, o Administrador Judicial Provisório proposto faz parte da lista de administradores judiciais e de insolvência, «já conhece bem a realidade da empresa» e «como economista, participou activamente na avaliação económica e financeira da empresa e já acompanhou a administração da mesma em reuniões com alguns credores», como se retira do requerimento inicial. Em aditamento, está ainda escrito que «o Dr. OPC contribuiu para delinear um draft de plano de recuperação, pelo que a respectiva nomeação para AJP revela-se muito importante para a revitalização da empresa, por já conhecer bem a sua realidade e por ter adquirido a confiança da administração e da maioria dos credores já contactados».
E esta realidade poderá facilitar as operações de revitalização. Efectivamente, neste espectro existencial, a proposta da pessoa do administrador apresentada pelo requerente tem uma acuidade suplementar sempre que os actos de gestão impliquem especiais conhecimentos, reclamem uma ligação privilegiada com credores ou se esteja perante uma situação económica ou financeira assaz complexa que o conhecimento prévio da situação da empresa constitua uma mais-valia operativa para o sucesso das tarefas a desenvolver nas funções que estão cometidas ao Administrador Judicial Provisório.
Entendemos que, confrontado com um binómio de matriz formal (actuação em conformidade com artigo 13º, nº2, do Estatuto do Administrador Judicial tendente a disciplinar corporativamente e a garantir uma distribuição com igualdade do serviço junto dos administradores judiciais) e outro com cariz substantivo (que visa proteger a realidade empresarial e a satisfação dos credores), nas situações onde ocorra a indicação fundamentada de um Administrador Judicial Provisório constante da lista oficial – seja por parte do devedor, seja por parte de um credor – o juiz deve sufragá-la, salvo se a tal se opuserem razões válidas que justifiquem a rejeição da sugestão formulada.
A avaliação da razoabilidade do afastamento da nomeação proposta pode estar relacionada com a aptidão e capacidade técnica da pessoa sugerida, a excessiva proximidade a interesses societários ou individuais que não mereçam ser protegidos, a inusitada recorrência à indicação desse agente no tribunal onde corre a causa, à grande distância geográfica entre a zona onde mantém o seu escritório e a área onde as operações de revitalização devam ser primordialmente desenvolvidas ou outra circunstância que turve a lógica, a bondade ou a independência da sugestão efectuada. Todavia, a motivação não se deverá reconduzir simplesmente ao uso da fórmula sacramental contida na lei que não «é previsível a existência de actos de gestão que requeiram especiais conhecimentos».
Isto é, nesta acepção e repete-se no estrito âmbito do processo especial de revitalização, sem prejuízo da natureza atribuída aos poderes nomeação e de direcção processual do juiz que não devem ser afectados, a rejeição da indicação deve estar estribada em argumentos objectivos ou subjectivos que funcionem em desabono da escolha sugerida e o argumentário utilizado deve permitir compreender o motivo da opção da escolha aleatória em detrimento daquela que foi apresentada por algum dos interessados na medida de revitalização ou de insolvência.
O processo especial de revitalização, representa uma verdadeira mudança de paradigma do regime insolvencial com vista à prossecução do interesse público, ligado ao funcionamento da economia e à satisfação dos interesses do colectivo de credores, de evitar a liquidação de patrimónios e o desaparecimento de agentes económicos e, consequentemente, de propiciar o êxito da revitalização do devedor, tratando-se de um processo de cariz marcadamente voluntário e extrajudicial, em que se privilegia o controlo pelos credores, restringindo o controlo jurisdicional à gestão processual[15].
Neste contexto normativo-axiológico, por força das normas plasmadas nos artigos 17º-C, nº3, 32º, nº1 e 52º, nºs 1 e 2 do CIRE e da filosofia e dos princípios estruturantes do processo especial de revitalização, o poder do juiz de designar administrador judicial provisório diverso daquele que foi indicado pelo próprio requerente de um processo especial de revitalização deve ser especialmente fundamentado por estar em jogo um procedimento de iniciativa do devedor que visa, com a interacção dos seus credores, a obtenção de uma solução negocial que promova a reabilitação da empresa e que destina, prima facie, a evitar uma situação efectiva de insolvência do devedor.
Neste cenário, embora se compreenda que o pensamento não exteriorizado da decisão esteja associado à defesa de ideais de transparência, isenção e de tratamento equitativo dos administradores judiciais, por se tratar de uma situação de revitalização em que predominam os interesses de consenso e de defesa da reabilitação da empresa, ao fundamentar a sua discórdia com o recurso à fórmula não «seja previsível a existência de actos de gestão que requeiram especiais conhecimentos», quando o estado liminar dos autos não permite realizar essa projecção com rigor, a referida decisão não se coaduna com os objectivos precípuos presentes na legislação.
Na verdade, a remissão da alínea a) do nº3 do artigo 17º-C não é directa e sem reservas («nomear, de imediato, por despacho, administrador judicial provisório, aplicando-se o disposto nos artigos 32º a 34º, com as necessárias adaptações»), sendo que o significado da expressão sublinhada faz apelo a critérios interpretativos de reconstituição a partir dos textos do pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições do tempo em que é aplicada, tal como proclama o nº1 do artigo 9º do Código Civil (ou, na proposição de Fátima Reis Silva, o enquadramento hipotético é o da integração de lacunas, o que nos parece constituir um passo demasiado estugado na situação vertente). Efectivamente, tal consta do diploma que aprova o Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, «a reforma ora apreendida … assenta no que se julga ser uma mais correcta perspectivação e delineação das finalidades e da estrutura do processo, a que preside uma filosofia autónoma e distinta», que se baseia também na «intensificação da desjudicialização do processo».
Dito de outra forma, a nomeação de Administrador Judicial Provisório em sede de processo de revitalização não pode ser dissociada das características e dos objectivos deste procedimento especial e estas finalidades podem ser defraudadas através do recurso acrítico a uma designação aleatória promovida pelo sistema informático, o qual, apesar de garantir a transparência e isenção, poderá afectar os interesses que estão presentes na iniciativa do devedor e que se estruturam na busca de soluções consensuais, algumas das quais já foram porventura previamente debatidas e negociadas com o colégio de credores ou com algum deles e estão relacionadas com a existência de um determinado perfil técnico e humano na direcção das operações de recuperação da empresa.
Assim, na ausência de qualquer razão que desaconselhe a nomeação do administrador judicial proposto pelo requerente, deve esse critério sobrepor-se ao da sua selecção por meio de sistema informático que assegure a aleatoriedade da escolha e a distribuição em idêntico número dos administradores judiciais nos processos previsto no Estatuto do Administrador Judicial[16].
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V – Decisão:
Nestes termos e pelo exposto, tendo em atenção o quadro legal aplicável e o enquadramento fáctico envolvente, decide-se julgar procedente o recurso interposto, revogando-se a decisão recorrida.
Sem custas nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 527º do Código de Processo Civil.
Notifique.
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(acto processado e revisto pelo signatário nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 138º, nº5, do Código de Processo Civil).
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Évora, 15/12/2016

José Manuel Galo Tomé de Carvalho

Mário Branco Coelho

Isabel Matos Peixoto Imaginário

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[1] Alberto dos Reis, Código de Processo Civil (Anotado), Vol. V, Coimbra Editora, Coimbra 1984, pág. 140.
[2] Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2ª Edição – Revista e Actualizada, Coimbra Editora, Coimbra 1985, pág. 687.
[3] Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Pinto, Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, Coimbra Editora, pág. 670.
[4] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 09/05/2007, in www.dgsi.pt.
[5] Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 2ª edição, Coimbra Editora, Coimbra 2008, pág. 299 defende que são as decisões proferidas «no uso legal de um poder discricionário os despachos que decidam de matérias confiadas ao prudente arbítrio do julgador».
[6] Munido da declaração a que se referem os números anteriores, o devedor deve, de imediato, comunicar que pretende dar início às negociações conducentes à sua recuperação ao juiz do tribunal competente para declarar a sua insolvência devendo este nomear, de imediato, por despacho, administrador judicial provisório, aplicando-se o disposto nos artigos 32º a 34º, com a s necessárias adaptações.
[7] Na fórmula de Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da recuperação de Empresas Anotado, 3ª edição, Quid Juris, Lisboa, 2015, pág., 140 que «se materializam na situação económica difícil ou de insolvência iminente do devedor e da sua recuperabilidade».
[8] Carvalho Fernandes e João Labareda, CIRE Anotado, notas 9 e 12 ao artigo 52º, págs. 314 e 315.
[9] Obra citada, págs. 243.
[10] Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 11/05/2010, 22/11/2011, 09/10/2012 e de 12.10.2010, do Tribunal da Relação de Guimarães de 27/01/2011 e do Tribunal da Relação de Lisboa de 17/05/2011, todos in www.dgsi.pt.

[11] Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 07/04/2016.
[12] O quórum constitutivo de 1/3 do total dos créditos com direito de voto e quórum deliberativo de 2/3 de totalidade dos votos emitidos e de mais de metade dos votos correspondentes a créditos não subordinados. Este último é calculado com base nos créditos relacionados contidos na lista definitiva ou provisória de créditos, no caso de aquela ter sido impugnada.
[13] Acórdão do tribunal da Relação do Porto de 18/02/2016, in www.dgsi.pt.
[14] Processo Especial de Revitalização – Notas Práticas e Jurisprudência Recente, Porto Editora, págs. 16-17.
[15] Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 24/09/2013, in www.dgsi.pt.
[16] Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 07/04/2016, in www.dgsi.pt.