Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1561/12.7TBOLH.E1
Relator: TOMÉ RAMIÃO
Descritores: DIREITO DE PREFERÊNCIA
PRÉDIO CONFINANTE
REQUISITOS
HERANÇA INDIVISA
Data do Acordão: 06/28/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário:
1. São pressupostos do direito real de preferência atribuído pelo art.º 1380.º/1 do C. Civil: a) que tenha sido vendido ou dado em cumprimento um terreno com área inferior à unidade de cultura; b) que o preferente seja titular do direito real de propriedade de prédio confinante com o prédio alienado; c) que o prédio do proprietário que se apresenta a preferir tenha área inferior à de cultura; d) que o adquirente do prédio não seja proprietário confinante.
2. Antes da partilha existe apenas comunhão, pois a herança indivisa constitui uma universalidade de direito, com conteúdo próprio, sendo os herdeiros apenas titulares de um direito indivisível, enquanto não se fizer a partilha.
3. Por força do regime previsto no art.º 2091.º/1 do C. Civil, o direito de preferência legal a que se refere o art.º 1380.º do CC só pode ser exercido conjuntamente por todos os herdeiros enquanto a herança se mantiver indivisa, por a esta pertencer esse direito.
4. Não possuindo os autores/recorrentes, à data da alienação, a qualidade de proprietários do terreno confinante, sendo apenas herdeiros de herança indivisa na qual se integra esse terreno, mas adquirindo, durante a pendência da ação, essa qualidade, na sequência da licitação e sentença homologatória da partilha que lhes adjudicou esse imóvel, podem exercer o direito legal de preferência a que alude o art.º 1380.º/1 do C. Civil.
5. Mostra-se excluído o direito de preferência, por força da 2.ª parte da alínea a) do citado art.º 1381.º, se o terreno em causa tiver sido adquirido para fim diverso do da cultura.
6. O fim que revela, para esse efeito, é aquele que o adquirente pretenda dar-lhe, não sendo necessário que conste da escritura de alienação e pode provar-se por qualquer meio de prova.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Évora

I. Relatório.
BB e esposa, CC, residentes em Belmonte de Cima, Caixa Postal n.º …, Pechão; DD e esposa, EE, residentes em Belmonte de Cima, Caixa Postal n.º …; FF e esposa GG, residentes na Azinhaga da …, Olhão, e HH, residente em 40 Rue F…, 9.… – Le Plessis Robinson, em França, intentaram a presente ação declarativa de condenação, sob a forma de processo sumário, contra:
1. II e marido JJ, residentes na Urbanização dos P… de M…, Lote … – ….ª fase, Quelfes, Olhão;
2. LL e mulher MM, residentes na Urbanização do T…, Lote … – Belmonte, Pechão, Olhão;
3. NN e esposa OO, residentes na Urbanização de S… L…, Edifício …-2 – ….º Esq.º, Faro;
4. PP – CONSTRUÇÕES LDA., sociedade comercial por quotas, com sede na … Empresarial de …, Lote ... A, Quelfes, Olhão;
Pedindo que seja reconhecido que os autores têm o direito de preferência, em compropriedade, na aquisição do prédio rústico identificado no artigo 3.º da p.i, e, em consequência, se declare que na aquisição do prédio em causa, os autores se substituem à Ré PP - CONSTRUÇÕES LDA, e bem assim se proceda ao registo oficioso da ação.
Alegaram, em síntese, são herdeiros de Manuel … e de Custódia …, falecidos em 6/1/2003 e 13/7/1987, respetivamente, correndo termos, no Tribunal, inventário judicial para partilha dos bens destes, de cuja herança fazia parte o prédio misto situado em Charneca, freguesia de Pechão, inscrito na matriz rustica sob o artigo … – Secção “C” e artigo urbano …, registado na Conservatória Predial sob o n.º … (D1 e D2), com a área (rustica de 8840m2), o qual foi licitado pelos autores.
No dia 22 de Dezembro de 2010, os RR identificados em 1.º a 3.º, proprietários do prédio venderam à 4.ª Ré, o prédio rústico sito em C…, freguesia de Pechão, concelho de Olhão, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º …, inscrito na matriz rustica sob o artigo …-Secção “C”, tendo os autores tido conhecimento da alienação de tal prédio, em 5 de Julho de 2012, através da escritura de venda, sendo que este prédio confronta a Sul com Manuel …, autor da herança partilhada e é inferior à unidade de cultura fixado para o distrito de Faro que estabelece para cultura arvense 2,5ha; Hortícola 0,5ha e Sequeiro 5,00ha.
Citada, a Ré PP, Lda. contestou, alegando que à data da escritura de compra do imóvel os autores eram meros herdeiros, não tendo direito de preferência e, ainda assim, antes da formalização da venda foi dado conhecimento verbal a Maria …, que exercia as funções de cabeça de casal das heranças abertas por morte de seus pais, Manuel … e Custódia … da intenção de venda do referido prédio, pelo preço constante da escritura de venda, pelo que tomando conhecimento dos elementos da venda a referida Maria … transmitiu que a herança por si representada não tinha qualquer interesse ou intenção em adquirir o prédio. E invocou a caducidade do direito porque os AA. tiveram conhecimento da venda em data anterior a 5/7/2012.
Por despacho proferido em 05.05.2014 foi declarada válida a desistência da instância relativamente aos autores, FF e esposa GG.
Posteriormente foi deduzido e admitido, após convite à sanação da exceção dilatória de ilegitimidade passiva, o incidente de intervenção principal provocada de QQ e marido, RR e SS.
Foi realizada a audiência prévia, onde foi proferido despacho saneador, fixado o valor da causa em € 5.500,00, bem como do objeto do litígio e os temas da prova.
E, realizado o julgamento, foi proferida sentença que julgou a ação improcedente, por não provada e, em consequência absolveu os Réus dos pedidos contra si formulados.
Desta sentença vieram os Autores BB e esposa CC interpor o presente recurso, formulando as seguintes conclusões:
Considerando que:
(a) Que a sucessão se abriu no momento da morte do autor da herança (art.º 2031.º do CC);
(b) Que, os autores da ação aceitaram a herança, conforme consta dos factos provados n.º 1 a 9;
(c) Que, os efeitos da aceitação da herança retroagem ao momento da abertura da herança;
(d) Que, tal aceitação foi expressa conforme consta do facto com o n.º 1 a 3 (cf. art.º 2056.º do CC);
(e) Que, o herdeiro conserva, em relação à herança todos os direitos e obrigações que tinha com o falecido.
(f) Que, feita a partilha, cada um dos herdeiros é considerado, desde a abertura da herança, sucessor único dos bens ou direitos atribuídos.
(g) Tendo em vista os factos provados com os números 1,2,3,4,5,6,7,8,9 e 10, a que acresce o facto de que os autores adquiriram pela via sucessória os direitos pertencentes aos “de cujus”, tal facto significa que os autores são “ab initio”, os titulares do direito de preferência ora em causa.
(h) Logo, contrariamente ao decidido, os apelantes são os titulares do direito de preferência na aquisição do prédio.
2.ª Tal como acima se referiu, os apelantes têm o direito subjetivo que exercem na ação, a qual sendo reconhecido, implica o direito de preferir na aquisição do bem a que os autos se referem posto que demonstrados se encontram os pressupostos legais para o efeito.
3.ª No entendimento dos AA, a decisão de que se recorre, violou as seguintes
normas:
a) Do Código Civil.
- Artigo 9º, ao não ter interpretado as normas substantivas e processuais de modo adequado em face das regras da hermenêutica jurídica, art.º 2031.º, 2056.º e 1380.º, e bem assim o disposto no art.º 416.º, 1410.º e 1380.º do mesmo diploma.
b) Do CPC.
- Artigo 607.º, n.º 3 a 5 na medida em que não conseguiu julgar os factos dos autos nem subsumir tais factos às normas Jurídicas adequadas facto esse que teria de se ver refletido na decisão de mérito que não serve assim a realização da justiça.
E terminam pedindo a revogação da sentença e sua substituição por outra que julgue a ação provada, com as legais consequências;
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Não foram juntas contra alegações.
O recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito devolutivo.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
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II – Âmbito do Recurso.
Perante o teor das conclusões formuladas pelos recorrentes – as quais (excetuando questões de conhecimento oficioso não obviado por ocorrido trânsito em julgado) definem o objeto e delimitam o âmbito do recurso - arts. 608.º, nº2, 609º, 620º, 635º, nº3, 639.º/1, todos do C. P. Civil em vigor, constata-se que a questão essencial a decidir consiste em saber se os recorrentes beneficiam do direito de preferência na aquisição do prédio.
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III – Fundamentação fáctico-jurídica.
1. Matéria de facto.
A matéria de facto considerada pela 1.ª instância, que não vem impugnada, é a seguinte:
1) Os autores, entre outros, são herdeiros de Manuel … e de Custódia … falecidos em 06.01.2003 e 13.07.1987, respetivamente.
2) Corre termos pela Secção de Competência Genérica de Olhão, processo de inventário sob o n.º 166/04.0TBOLH para partilha das heranças abertas por óbito de Manuel … e de Custódia ….
3) Dos bens a partilhar fazia parte o prédio sito em C…, freguesia de Pechão, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo … – Secção “C” e na matriz predial urbana sob o artigo …, descrito na Conservatória do Registo Predial de Olhão sob o n.º ….
4) Em 13/07/2011 teve lugar no processo de inventário referido em 2) a conferência de interessados, tendo a parte rústica sido licitada pelos autores, BB, DD, HH e pelas chamadas, QQ e SS.
5) Por escritura pública de compra e venda lavrada em 22 de Dezembro de 2010,
no Cartório Notarial a cargo do Notário, António …, II e marido JJ, LL e mulher MM e NN e esposa OO, na qualidade de primeiros outorgantes venderam a PP Construções, Lda, na qualidade segunda outorgante “(…) pelo preço de três mil euros, que confessam já ter recebido (…) o prédio rústico sito em Charneca, freguesia de Pechão, concelho de Olhão, descrito na Conservatória do Registo Predial de Olhão sob o número …/… (Pechão), ali registada a aquisição a seu favor em comum e sem determinação de parte ou direito pela apresentação sete, de um de Abril de mil novecentos e noventa e dois, inscrito na matriz sob o artigo … – Secção C (…)”, declarando ainda os primeiros outorgantes que “Não são possuidores de qualquer outro prédio rústico contíguo” e os segundos outorgantes “Que aceitam para a sua representada, a presente venda (…) e que o prédio se destina a revenda (…)”.
6) Os autores tiveram conhecimento da alienação do prédio referido em 5), em 05 de Julho de 2012, através da escritura de compra e venda aí mencionada.
7) O prédio rústico identificado em 5) tem a área de 0,456ha e é confinante com o prédio referido em 3), na sua confrontação Sul.
8) Os autores não tiveram conhecimento prévio da venda referida em 5).
9) Os réus vendedores não notificaram os autores para, querendo, exercer o direito de preferência.
10) A ré, PP, Lda, não é proprietária de qualquer prédio confinante com o referido em 5).
11) Antes de formalização da venda do prédio referida em 5) foi dado conhecimento verbal da intenção de venda a Maria … que exercia as funções de cabeça de casal das heranças abertas por morte de seus pais, Manuel … e Custódia …, a qual transmitiu que não tinha interesse ou intenção em adquirir o prédio referido em 5).
12) A ré, PP, Construções, Lda é uma sociedade comercial por quotas cujo objeto social é a construção civil e obras públicas.
13) A ré, PP – Construções, Lda adquiriu o prédio referido em 5) para se servir dele como estaleiro e depósito de materiais utilizados na sua atividade.
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Nos termos do art.º 607.º/4, ex vi art.º 663.º/2 do CPC, considera-se ainda provado:
14) Em 17.12.2015 foi proferida sentença homologatória de partilha no processo identificado em 4), com adjudicação desse imóvel aos licitantes - doc. fls. 199 e 200.
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2. O direito.
2.1. A questão essencial a decidir consiste em saber se os recorrentes beneficiavam, ou não, do direito de preferência à data da venda do imóvel em causa.
Na decisão recorrida respondeu-se negativamente, com a seguinte fundamentação:
A licitação em processo de inventário tem a estrutura de uma arrematação, ela não se apresenta como uma verdadeira venda judicial, configurando, antes, uma arrematação sui generis, já que se destina à correção de valores e escolha de bens.
Como ensina Lopes Cardoso In, “Partilhas Judiciais”, vol. II, 4ª ed., pág. 308., a adjudicação judicial não implica, desde logo, a atribuição da propriedade exclusiva dos bens sobre que recaiu àquele que oferecer o maior lanço.
No mesmo sentido refere Carvalho de Sá In, “Do Inventário”, 3ª ed., pág. 154., “Pela licitação o licitante adquire o direito de ver preenchido o seu quinhão com os bens licitados e apenas isso.
A transferência do domínio do cabeça-de-casal para o licitante apenas se dá com a sentença homologatória da partilha, devidamente transitada. A herança considera-se indivisa até esse momento. Os rendimentos dos bens licitados entre o momento da licitação e a data do trânsito em julgado da sentença homologatória da partilha pertencem à herança e não ao licitante, devendo entrar na prestação de contas do cabeça-de-casal”.
No caso dos autos resultou provado que os autores, entre outros, são herdeiros de Manuel … e de Custódia … falecidos em 06.01.2003 e 13.07.1987, respetivamente.
Provou-se igualmente que corre termos pela Secção de Competência Genérica de Olhão, processo de inventário sob o n.º 166/04.0TBOLH para partilha das heranças abertas por óbito de Manuel … e de Custódia … e dos bens a partilhar fazia parte o prédio sito em Charneca, freguesia de Pechão, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo … – Secção “C” e na matriz predial urbana sob o artigo …, descrito na Conservatória do Registo Predial de Olhão sob o n.º ….
Provou-se ainda que em 13/07/2011 teve lugar no processo de inventário referido em 2) dos factos provados, a conferência de interessados, tendo a parte rústica sido licitada pelos autores, BB, DD, HH e pelas chamadas, QQ e SS.
Resulta da certidão extraída em 17.12.2015 do aludido processo de inventário e constante dos autos que em 17.12.2015 foi proferida sentença homologatória de partilha.
À data de entrada da presente ação em juízo – 06.11.2012 – os autores e chamadas não eram os proprietários do prédio identificado em 3) dos factos provados, na medida em que até à data da sentença homologatória da partilha, o referido prédio fazia parte das heranças abertas por óbito de Manuel … e de Custódia …, permanecendo indivisa até ao trânsito em julgado da sentença homologatória da partilha, ou seja, 17.12.2015.
Verifica-se, assim, que os autores e chamadas não eram os proprietários do prédio identificado em 3) dos factos provados, confinante com o prédio identificado em 5) dos factos provados.
Neste segmento, não se verificam todos os pressupostos elencados no artigo 1380.º do CC, desde logo, a qualidade de proprietário de prédio confinante, pelo que, sem necessidade de ulteriores considerações deverá a presente ação ser julgada totalmente improcedente”.
Dissentem os recorrentes, argumentando que os efeitos da aceitação da herança retroagem ao momento da abertura da herança e, feita a partilha, cada um dos herdeiros é considerado, desde a abertura da herança, sucessor único dos bens ou direitos atribuídos, o que significa que os autores são “ab initio” os titulares do direito de preferência ora em causa.
Vejamos, pois, de que lado está a razão.
Os apelantes interpuseram a presente ação invocando o direito de preferência, previsto no art.º 1380.º/1 do C. Civil, com aplicação do regime instituído nos seus art.ºs 416.º a 418.º e 1410.º, com as necessárias adaptações, por força da remissão contida no seu n.º 4.
Dispõe o nº 1 do artigo 1380º do Código Civil:
Os proprietários de terrenos confinantes, de área inferior à unidade de cultura, gozam reciprocamente do direito de preferência nos casos de venda, dação em cumprimento ou aforamento de qualquer dos prédios a quem não seja proprietário confinante”.
E estabelecia o art.º 18.º/1 do Decreto-Lei n.º 384/88, de 25 de Outubro, diploma legal que estabelecia as bases gerais do emparcelamento e fracionamento de prédios rústicos e explorações agrícolas, que “Os proprietários de terrenos confinantes gozam do direito de preferência previsto no art.º 1380.º do Código Civil, ainda que a área daqueles seja inferior à unidade de cultura”.
A Lei n.º 111/2015, de 27 de agosto, veio estabelecer o atual Regime Jurídico da Estruturação Fundiária e revogou os Decretos-Leis n.ºs 384/88, de 25 de outubro, e 103/90, de 22 de março, prescrevendo no seu art.º 49.º, n.º1 que “A unidade de cultura é fixada por portaria do membro do Governo responsável pela área do desenvolvimento rural e deve ser atualizada com um intervalo máximo de 10 anos”.
O mencionado direito de preferência tem por finalidade promover o emparcelamento e impedir a dispersão de prédios rústicos, sendo o mesmo excluído quando a alienação compreenda um conjunto de prédios que formem uma exploração agrícola de tipo familiar - al. b) do art.º 1381.º do C. Civil.
Assim como é excluído o direito de preferência quando algum dos terrenos se destine a algum fim que não seja a cultura – alínea a) do art.º 1381.º do C. Civil.
Como defendem Pires de Lima e A. Varela, “Código Civil Anotado”, Vol. III, 2.ª edição, pág. 271, “O objetivo do artigo 1380.º é fomentar o emparcelamento de terrenos minifundiários, criando objetivamente condições que, sob o ponto de vista económico, se consideram imprescindíveis à constituição de explorações rendíveis. Após o exercício do direito de preferência, o proprietário do conjunto poderá, designadamente proceder a uma reconversão cultural, operação que, dadas as exíguas dimensões dos terrenos confinantes, não teria viabilidade económica em relação a cada um deles isoladamente”
E enunciam como pressupostos do direito real de preferência atribuído por este preceito legal: a) que tenha sido vendido ou dado em cumprimento um prédio com área inferior à unidade de cultura; b) que o preferente seja dono de prédio confinante com o prédio alienado; c) que o prédio do proprietário que se apresenta a preferir tenha área inferior à de cultura; d) que o adquirente do prédio não seja proprietário confinante [1].
O direito de preferência atribui ao seu titular, em caso de alienação ou dação em cumprimento da coisa sobre que incide, a prioridade na sua aquisição, e exerce-se através da ação de preferência em que o preferente pode fazer seu o direito alienado, dando o tanto pelo tanto, se o preferente estiver escudado em pacto com eficácia real ou o seu direito resultar da lei (preferência legal) - Cfr. José Oliveira Ascensão, Direitos Reais, 5ª edição, págs. 571 e 577, Mário Júlio de Almeida Costa, Direito das Obrigações, 8ª, edição, pág. 409.
E prescreve o n.º1 do art.º 1410.º do C. Civil que a ação de preferência tem de ser proposta dentro do prazo de seis meses, a contar da data em que o titular do direito teve conhecimento dos elementos essenciais da alienação, e deposite o preço devidos nos 15 dias seguintes à propositura da ação.
Por elementos essenciais da alienação deve considerar-se o preço, as condições da alienação e a identidade do adquirente, ou seja, é imprescindível que o titular do direito conheça todos aqueles elementos que podem influenciar a decisão de preferir ou não preferir – cf. Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil Anotado”, vol. III, 2.ª edição, pág. 370.
Como se pronunciou no Acórdão do S.T.J. de 19/11/02, in CJSTJ, Tomo III, pág.133, deve entender-se que são essenciais todos os elementos ou fatores do negócio suscetíveis de influenciar decisivamente na formação da vontade do titular da preferência, permitindo-lhe assim a ponderação consciente entre preferir ou abdicar de um direito de opção que lhe assiste.
Por outro lado, na ação de preferência, compete aos réus provar que os autores tiveram conhecimento dos elementos essenciais da alienação há mais de 6 meses à data da propositura da ação, nos termos do n° 2 do art.º 343° do Código Civil, pois constituindo a caducidade do exercício do direito uma exceção perentória tem que ser alegada e provada por quem aproveita, como flui dos seus art.ºs 298.º/1, 333.º/2.
Ora, face aos factos dados como provados, os recorrentes, quer à data da propositura da presente ação (6/11/2012), quer no momento da venda (22/12/2010), eram apenas alguns dos herdeiros dos falecidos titulares do prédio confinante, pois apesar de terem licitado o prédio confinante em 13/07/2011, só em 17 de dezembro de 2015 foi prolatada sentença homologatória da partilha, o que significa que aquando do exercício do direito ou no momento da alienação não eram proprietários desse imóvel.
É que antes da partilha existe comunhão, a herança indivisa constitui uma universalidade de direito, com conteúdo próprio, sendo os herdeiros apenas titulares de um direito indivisível, enquanto não se fizer a partilha. Até à partilha o direito recai sobre o conjunto da herança e não sobre certos bens, pelo que não se pode atribuir ao co-herdeiro, antes da partilha, a qualidade de proprietário ou comproprietário de qualquer bem da herança.
Como refere R. Capelo de Sousa, Sucessões, Tº - 2, pág. 90 “ havendo vários herdeiros e antes da partilha se efetuar, cada um deles - embora não tenha um direito real sobre os bens em concreto da herança, nem sequer uma quota-parte de cada um deles - detém um direito de quinhão, ou seja, à respetiva quota-parte ideal da herança global em si mesma, direitos estes de que tais herdeiros tem a propriedade”.
Aliás, nessa partilha poderia suceder que aos herdeiros, no caso os recorrentes, não lhes fosse atribuída qualquer quota-parte nesse imóvel, podendo ser adjudicado a outros herdeiros, recebendo eles as tornas a que têm direito.
Dito douto modo, só depois de efetuada a partilha da herança e adjudicados esses bens ou definida a quota-parte de cada um nesses bens concretos, é que o herdeiro passa a ser titular dos bens em concreto.
Ora, como decorre do art.º 2091.º/1 do C. Civil, os direitos relativos à herança só podem ser exercidos conjuntamente por todos os herdeiros ou contra todos os herdeiros.
Por isso, enquanto a herança se mantiver indivisa é ela mesma a titular do direito de preferência, devendo ser exercido por todos – cfr. Acórdão do T. Rel. Porto, de 14/3/1990, BMJ, 395.º-365; e Acórdão do T. Rel. de Coimbra de 28/6/2005, Col. Jur. 2005, 3.º-35.
No mesmo sentido se pronunciou o Acórdão do T. da Rel. de Évora, de 3/1071991, BMJ, 410.º-896: “I. A herança indivisa, no seu aspeto ativo, é um caso de titularidade de direitos em que todos os herdeiros têm sobre os bens um direito indivisível. II. Quando o direito de preferência competir à herança é a esta que cabe o respetivo exercício, representada pela cabeça de casal, ainda que não haja inventário, a não ser que respeite a bens licitados ou incluídos em alguns dos quinhões, porque então o direito deve ser exercido pelo respetivo interessado”.
E transitado em julgado a sentença homologatória da partilha, cada um dos herdeiros é considerado, desde a abertura da herança, sucessor único dos bens que lhe foram atribuídos, sem prejuízo do disposto quanto a frutos, sendo entregues a cada um dos co-herdeiros os documentos relativos aos bens que lhe couberem – art.ºs 2119.º e 2120.º do C. Civil.
Por isso que Oliveira Ascensão, Direito Civil, Sucessões, 5.ª Edição Revista, pág. 546/547, citando no mesmo sentido M. Gomes da Silva, considera a partilha como um ato modificativo do direito, na medida em que em lugar de um direito não exclusivo sobre a totalidade dos bens da herança, cada um dos herdeiros fica tendo um direito exclusivo sobre elementos determinados, cessando, em consequência, o estado de indivisão, com extinção da possibilidade de atuação coletiva sobre aquela massa de situações jurídicas.
Como realça Lopes Cardoso, Partilhas Judiciais, 3.ª edição, Vol. II, pág. 309, a propósito deste preceito legal, “só após o trânsito da sentença que homologou a partilha os licitantes podem exigir a entrega dos bens licitados”.
Assim se pronunciou o Acórdão do STJ de 17/4/1980, BMJ, 296.º-298, “O domínio e posse sobre os bens em concreto da herança só se efetivam após a realização da partilha. Até aí, a contitularidade do direito à herança significa direito a uma parte ideal, não de cada um dos bens que compõem a herança”.
Ora, a verdade é que os recorrentes, à data do exercício do direito, assim como à data em que se realizou a alienação, não eram proprietários ou comproprietários do prédio confinante e identificado em 3) dos factos assentes, quer se entenda que a qualidade de titular do direito de preferência deva ser aferida em relação ao momento em que esse direito seja exercido, quer se entenda que essa aferição deve ser feita em relação à data da alienação – cfr. Acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra de 13/02/2007, proc. n.º 367/2000.C1 e de 1/6/2004 (Ferreira Barros), disponíveis em www.dgsi.pt.
Com efeito, a herança na data da referida venda, assim como na data da propositura da presente ação (6/11/2012) permanecia ilíquida e indivisa, visto que não havia ainda sido realizada a partilha dos bens por sentença transitada em julgado, o que só veio a ocorrer em 17/12/2015, isto é, durante a pendência da presente ação e antes da realização da audiência de discussão e julgamento, a qual teve lugar em 12/06/2017 (fls. 375).
Ora, se é certo que à data da propositura da presente ação os recorrentes não eram titulares do direito de propriedade do prédio confinante, pertencendo o direito de preferência em causa à herança indivisa, a verdade é que em 13/07/2011 teve lugar no processo de inventário a conferência de interessados, tendo a parte rústica sido licitada pelos autores, BB, DD, HH e pelas chamadas, QQ e SS, e em 17/12/2015 foi proferida a sentença homologatória da partilha, na qual esse imóvel lhes foi adjudicado definitivamente, facto a atender, nos termos do art.º 611.º/1 do CPC, detendo, pois, a necessária legitimidade para o seu exercício [2].
Dito de outro modo, mostram-se verificados todos os pressupostos elencados no artigo 1380.º do CC, nomeadamente a qualidade de proprietário de prédio confinante, pelo que não se acompanha, nesta parte, a decisão recorrida.
Resumindo, não possuindo os recorrentes, à data da alienação, a qualidade de proprietários do terreno confinante, sendo apenas herdeiros de herança indivisa na qual se integra esse terreno, mas adquirindo, durante a pendência da ação, essa qualidade, na sequência da licitação e sentença homologatória da partilha que lhes adjudicou esse imóvel, podem exercer o direito legal de preferência a que alude o art.º 1380.º/1 do C. Civil.
Porém, ocorre fundamento para a rejeição da pretensão dos recorrentes.
Na verdade, o direito de preferência mencionado no n.º1 do art.º 1380.º do C. Civil está excluído quando o prédio se destine a algum fim que não seja a cultura alínea a), 2.ª parte, do art.º 1381.º
Sobre esta questão M. Henriques Mesquita emitiu Parecer, in Col. Jur., ano 1986, T-5.º, pág. 49, nos seguintes termos: “I - Feita a aprova de todos os pressupostos exigidos para o exercício do direito real de preferência, de que se ocupa o n.º1 do art.º 1380.º do CC, a ação improcederá se se verificar a hipótese mencionada na parte final da al. a) do art.º seguinte, na qual se estabelece que esse direito não existe quando o terreno alienado se destine a algum fim que não seja a cultura. II - Não deve considerar-se necessário que o terreno de cultura vendido ou dado em cumprimento se encontre à data da alienação já afetado a um fim diferente, desde que tal afetação seja permitida por lei; o que releva é aquele que o adquirente pretende dar ao terreno”.
No mesmo sentido se pronunciaram os Acórdãos do Tribunal da Rel. Coimbra, de 24/6/1986, BMJ 358.º-616; de 16/12/1986, Col. Jur., ano 1986, 5.º-95; e de 10/05/1988, Col. Jur., ano 1988, 3.º-70; Acórdão do Tribunal da Rel. de Évora, de 11/03/1999, BMJ, 485.º- 496; e Acórdãos do STJ de 21/6/1994, BMJ, 483.º-450, e de 23/05/1996, BMJ, 457-370, neste último se consignando: “ Não goza do direito de preferência o proprietário confinante quando o prédio rústico vendido se destina a fim diferente do de cultura. Sempre que o adquirente alegue que a sua intenção foi dar ao terreno outra afetação ou destino, será de considerar invocada a exceção da al. a) do art.º 1381.º do CC. Incumbe ao titular do direito de preferência o ónus de provar que a mudança de destino não é legalmente possível, que o destino não pode ser diferente do de cultura”.
Interpretação também defendida por Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, Vol. III, 2.ª Edição revista, pág. 276, nota 3, onde refere expressamente, após citar jurisprudência concordante, em particular do STJ ( Ac. de 31/01/1980): “O fim que revela, para efeitos de aplicação do disposto na alínea a), não é aquele a que o terreno esteja afetado à data da alienação, mas antes o que o adquirente pretenda dar-lhe (…). Este fim não tem de constar necessariamente da escritura de alienação, podendo provar-se por outros meios (…)”
Orientação que foi igualmente seguida no recente acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 23/05/2017, proc. n.º 408/15.7T8LMG.C1, disponível em www.dgsi.pt, em cujo sumário se exarou:

“II - Tendo o direito de preferência legal do artº 1380º do C. Civil sido instituído como meio de combater a pulverização da propriedade rústica e de favorecer o emparcelamento, permitindo a unificação de prédios vizinhos de modo a formar prédios com área apropriada a uma maior e melhor produtividade e rentabilização, esta finalidade deixa de ser perseguida quando um dos prédios se destine a um fim que não seja a sua cultura agrícola ou florestal.

III - O fim do prédio transmitido a apurar é o fim tido em vista pelo comprador com a sua aquisição, podendo a prova dessa intenção (facto psicológico) ser efetuada por qualquer meio e não tendo que ser declarada no ato formal de aquisição.

E a verdade é que vem provado que a ré PP, Construções, Lda, é uma sociedade comercial por quotas, cujo objeto social é a construção civil e obras públicas, e adquiriu o prédio referido em 5) para se servir dele como estaleiro e depósito de materiais utilizados na sua atividade – factos 12 e 13.
Assim sendo, mostra-se excluído o eventual direito de preferência por força da 2.ª parte da alínea a) do citado art.º 1381.º, visto o terreno em causa ter sido adquirido para fim diverso do da cultura.
Destarte, a decisão recorrida, pese embora com diverso fundamento, deverá ser mantida.
Improcede, pois, a apelação.
Vencidos no recurso, suportarão os apelantes as respetivas custas – Art.º 527.º/1 e 2 do C. P. Civil.
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IV. Sumariando, nos termos do art.º 663.º/7 do C. P. C.
1. São pressupostos do direito real de preferência atribuído pelo art.º 1380.º/1 do C. Civil: a) que tenha sido vendido ou dado em cumprimento um terreno com área inferior à unidade de cultura; b) que o preferente seja titular do direito real de propriedade de prédio confinante com o prédio alienado; c) que o prédio do proprietário que se apresenta a preferir tenha área inferior à de cultura; d) que o adquirente do prédio não seja proprietário confinante.
2. Antes da partilha existe apenas comunhão, pois a herança indivisa constitui uma universalidade de direito, com conteúdo próprio, sendo os herdeiros apenas titulares de um direito indivisível, enquanto não se fizer a partilha.
3. Por força do regime previsto no art.º 2091.º/1 do C. Civil, o direito de preferência legal a que se refere o art.º 1380.º do CC só pode ser exercido conjuntamente por todos os herdeiros enquanto a herança se mantiver indivisa, por a esta pertencer esse direito.
4. Não possuindo os autores/recorrentes, à data da alienação, a qualidade de proprietários do terreno confinante, sendo apenas herdeiros de herança indivisa na qual se integra esse terreno, mas adquirindo, durante a pendência da ação, essa qualidade, na sequência da licitação e sentença homologatória da partilha que lhes adjudicou esse imóvel, podem exercer o direito legal de preferência a que alude o art.º 1380.º/1 do C. Civil.
5. Mostra-se excluído o direito de preferência, por força da 2.ª parte da alínea a) do citado art.º 1381.º, se o terreno em causa tiver sido adquirido para fim diverso do da cultura.
6. O fim que revela, para esse efeito, é aquele que o adquirente pretenda dar-lhe, não sendo necessário que conste da escritura de alienação e pode provar-se por qualquer meio de prova.

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V. Decisão.
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação e manter a decisão recorrida.
Custas da apelação pelos apelantes.
Évora, 2018/06/28
Tomé Ramião
Francisco Xavier
Maria João Sousa e Faro

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[1] ) No mesmo sentido, entre outros, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 12/9/2006, proc. N.º 654/05.1TBNLS.C1, e Acórdão do STJ, de 28/02/2008, proc. n.º 08A75, disponíveis em www.dgsi.pt.
[2] ) Neste sentido, Acórdão do STJ de 19-11-2015, Revista n.º 5439/12.6TBBRG.G2.S1 - 7.ª Secção, Fernanda Isabel Pereira (Relatora) “III - Tendo a autora alegado na petição inicial, no âmbito de uma ação de preferência, a facticidade essencial integradora da causa de pedir, designadamente a sua qualidade de comproprietária – porque alegadamente dona de metade indivisa de um prédio urbano – quando, em rigor, o não era (já que tal direito integrava a herança do seu falecido marido), a partilha, entretanto, realizada, através da qual lhe foi adjudicada a referida metade indivisa, tendo surgido como facto superveniente, mantém incólume a causa de pedir. IV - Esse facto superveniente, que é constitutivo do direito da autora, está contido na causa de pedir tal como se mostra desenhada na petição inicial, dele derivando o reconhecimento à autora da invocada qualidade jurídica de comproprietária quer no momento em que a ação foi proposta, quer na data em que foi proferida a sentença, uma vez que os efeitos da partilha retroagem à data da abertura da sucessão, ou seja, à data do óbito do de cujus – arts. 2031.º e 2119.º do CC.”